Buscar

A Reforma Psiquiátrica no Brasil - Origens, Características, Conceitos e Desdobramentos

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 9 páginas

Prévia do material em texto

A Reforma Psiquiátrica no Brasil: Origem, Características, Conceitos e Desdobramentos
Tendo lido o artigo “A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceito” de Fernando Tenório, assistido a seu vídeo para o canal Parresiando, do Youtube, e a reportagem de Gabeira sobre o antigo Hospital Colônia de Barbacena, tentarei articular os conteúdos dos três para tratar aqui das origens, características, conceitos e desdobramentos da reforma psiquiátrica no Brasil. Todas as citações que farei terão como referência o texto de Tenório, salvo aquelas em que deixarei claro uma ou outra fonte distinta.
“A reforma psiquiátrica tem dois alcances: no meio psiquiátrico, no meio do sistema de saúde mental, é a tentativa de substituir um modelo de tratamento centrado na internação psiquiátrica por um modelo de tratamento comunitário, aberto, que vise não apenas o tratamento clínico, psiquiátrico, psicológico do paciente, mas a sua reinserção social. E num alcance mais amplo, da psiquiatria enquanto instituição social, da saúde mental enquanto um campo da sociedade, é também a tentativa de promover na sociedade uma outra relação com a loucura. Não excludente, não segregadora, mas inclusiva.” Assim Fernando Tenório define a reforma psiquiátrica, em sua entrevista já citada acima.
Opto por começar com essa definição porque ela me parece precisa e põe em evidência os dois âmbitos da reforma que eu gostaria de destacar: o âmbito clínico e o político, por assim dizer. Naturalmente que são dimensões que se misturam, o que fica especialmente claro por estarmos tratando de instituições públicas, mas não gosto de deixar de marcar essa distinção. Por um lado, a reforma psiquiátrica é uma reinvenção das “ciências do cuidado”, da área da saúde, que visa um aprimoramento do cuidado e está calcada em larga medida em conceitos clínicos; por outro, é uma aposta política na cidadania, no público, na construção de um sistema de saúde universal que faça valer uma democracia sólida, de qualidade em serviços de saúde prestados ao todo da população.
Não à toa Tenório destaca a afirmação de Amarante, segundo a qual “no Brasil, a reforma é um processo que surge mais concretamente a partir da redemocratização, em fins da década de 1970”. Estava havendo naquela época não só o movimento de redemocratização que culminaria na eleição de Tancredo Neves, mas também a crítica, dentro do campo da saúde mental, à consolidação pelos governos militares da “articulação entre internação asilar e privatização da assistência”. Como o artigo de Tenório bem demonstra, o destino do investimento público à rede conveniada de saúde mental fazia com que o número de internações asilares nessas instituições crescesse consistentemente, fazendo com que, ao fim da década de 1970, a proporção fosse de 4 leitos contratados junto ao setor privado para cada 1 contratado diretamente na rede pública.
Antes, porém, de chegarmos à década de 1970, falemos um pouco das origens mais remotas da reforma e da própria psiquiatria. Para defender seu argumento de que o próprio nascimento da psiquiatria já se deu em contato com a noção de reforma, Tenório remonta à Revolução Francesa e ao hospital assumido por Pinel a mando dos comandantes da Revolução. Prossegue afirmando que, para Pedro Gabriel Delgado, “as iniciativas reformadoras prosseguiram ao longo do século XIX”, orientaram-se pela crítica à insuficiência do asilo no século XX, até chegarem a dois movimentos brasileiros que Tenório destaca como antecessores da nossa reforma psiquiátrica: o movimento da psiquiatria comunitária e o surgimento do modelo das comunidades terapêuticas.
Sobre a experiência das comunidades terapêuticas, na virada da década de 1960 para 1970, o artigo afirma que foi uma “tentativa de construção, a partir da psicanálise, de um novo modelo discursivo/organizacional que comandasse e remodelasse as ações do cotidiano hospitalar. A aplicação da psicanálise consistiria em interpretar não apenas os pacientes, mas também a instituição e seus profissionais”.
A nós, que lemos hoje esse artigo à luz do Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas de 2017, pode parecer estranha a menção positiva a esse modelo de tratamento; mesmo Tenório, que escrevia seu artigo 20 anos atrás, já fazia aparecer em seu texto as suas “inegáveis deficiências práticas e teóricas”. Mas destacava também “o legado ideológico positivo desta experiência” e sua influência sobre a reforma no Brasil, mencionando que na década de 1960 já aparecia no modelo das comunidades “a escuta, o apreço e a discussão franca com os pacientes”, e que já discutia-se “a questão da cidadania do doente mental num momento em que este conceito sequer estava em pauta”.
Naturalmente eu também não posso afirmar que aquilo que hoje conhecemos como as comunidades terapêuticas, em larga medida vinculadas a iniciativas religiosas, alvos de seríssimas denúncias por parte do Conselho Federal em Psicologia, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e do Ministério Público Federal, corresponde àquelas comunidades as quais Tenório faz referência, que nasciam há 50 anos atrás. Tenho certeza de que as transformações ocorridas nesse dispositivo foram inúmeras desde a década de 1960; não deixa de me chamar muita atenção, contudo, o fato de que pode haver no germe dessa experiência uma herança positiva para o movimento atual da reforma.
O segundo antecessor é o movimento da psiquiatria comunitária, de acordo com o qual a psiquiatria deveria organizar-se por um programa amplo de intervenção na comunidade, que visasse a prevenção do adoecimento mental. “Tratava-se não apenas de detectar precocemente as situações críticas, mas de organizar o espaço social de modo a prevenir o adoecimento”. Segundo Tenório, é no âmago do movimento da psiquiatria comunitária que surge no contexto brasileiro pela primeira vez o termo “saúde mental” – em oposição à “doença mental”. Como alternativa à prevalência do modelo asilar de tratamento, o movimento então levantava a bandeira de “promoção de saúde mental”, que sabemos ser tão cara aos defensores da reforma até hoje. 
Segundo Tenório, a importância atual da expressão “saúde mental” hoje está relacionada a dois aspectos: por um lado, “é uma expressão que denota um afastamento da figura médica da doença, que não leva em consideração os aspectos subjetivos da existência do sujeito assistido”; por outro, “demarca um campo de práticas e saberes que não se restringem à medicina e aos saberes psicológicos tradicionais”.
O autor, no entanto, faz algumas ressalvas com relação ao movimento, especialmente pelo risco de uma psiquiatrização do social, ou normalização do social por parte da psiquiatria. Segundo ele, definido o lócus da intervenção psiquiátrica como a comunidade, não mais a instituição, passa a existir a chance de que o psiquiatra exerça influência excessiva sobre os “agentes não profissionais, como vizinhos, líderes comunitários, agentes religiosos, etc.”
Mantida a atenção ao perigo de que, derrubados os muros dos manicômios, a institucionalização escapasse da estrutura asilar e atingisse o próprio social, a elaboração do conceito de saúde mental e do movimento da psiquiatria comunitária resultou em uma diferente concepção do que é a experiência da loucura e do que se objetiva nas práticas de cuidado junto a ela. Segundo Tenório, “ao se propor, hoje, um tratamento que mantenha o paciente na comunidade e faça disso um recurso terapêutico, ao contrário de normalizar o social, propõe-se que é possível ao louco, tal como ele é, habitar o social”. A perspectiva atual seria então não de normalização do social, mas de “fazer da rede social de suporte um instrumento de aceitação da diferença”.
A noção que hoje parece ter substituído a de “comunidade” nas discussões de saúde mental é a de “território”. Mais do que o região geográfica onde um sujeito habita, trabalha, vive, o território é o seu conjunto de referências socioculturais e econômicas, é mais subjetivo do que objetivo. “Em lugarde psiquiatria comunitária e preventiva, fala-se hoje em atenção psicossocial e território”.
Ao final da década de 1970, como já mencionei, o contexto era o de combate ao estado militar autoritário, de críticas à ineficiência da assistência pública em saúde e ao caráter privatista da política de saúde do governo central. Apareciam na época denúncias de abandonos e maus-tratos sofridos pelos pacientes internados, e a crítica principal recaía sobre os excessos e desvios da psiquiatria.
Em 1978 então, fruto desse cenário, nasce o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, que “combinando reivindicações trabalhistas e um discurso humanitário, liderou os acontecimentos que fizeram avançar a luta até seu caráter definidamente antimanicomial”. Em seguida, houve o movimento pela reforma sanitária, que extrapolava o ambiente psiquiátrico e defendia a gestão honesta e competente dos recursos da saúde pública, fruto das críticas teóricas à política de saúde do estado militar. Segundo Tenório, nesse momento a aposta era, por um lado, pela humanização e moralização das instituições asilares, e por outro pela criação de ambulatórios como alternativas à estrutura hospitalar. A proposta de ambulatorização e de reforma dos asilos, no entanto, não conseguiu levar a cabo uma mudança na hegemonia do modelo asilar de tratamento.
Já em 1987, houve a primeira Conferência Nacional de Saúde Mental. Nesse ano de 2021, haverá a quinta edição dessa mesma conferência, que contará com as etapas municipais em janeiro e ocorrerá a nível nacional em maio. A primeira Conferência representava o momento do abandono da perspectiva sanitarista, que visava a exclusiva transformação do sistema de saúde, e o início de uma trajetória de “desconstrução, no cotidiano das instituições e da sociedade, das formas arraigadas de ligar com a loucura”. Começava a nascer o movimento de desinstitucionalização, e aparecia pela primeira vez o lema: “por uma sociedade sem manicômios”. Por ocasião da terceira Conferência, como o texto de Tenório depois destacou, o momento era não mais de propor um novo modelo, mas de “mostrar como estava sendo possível implementá-lo e discutir o que se devia fazer para estendê-lo ao conjunto da rede assistencial do país”. Hoje, o tema central é “A Política de Saúde Mental como Direito: pela defesa do cuidado em liberdade, rumo a avanços e garantia dos serviços da atenção psicossocial no SUS”.
Em sua entrevista ao canal Parresiando, Tenório comenta sobre o cenário atual das políticas públicas em saúde, e fala que, durante os primeiros momentos de implantação da reforma no Brasil, viu e viveu uma trajetória exclusivamente ascendente. Havia avanços na produção teórica, na instalação e operação de novos dispositivos substitutivos aos manicômios e conseguia-se manter a reforma psiquiátrica como uma política de estado, não dependente de governos situados em pontos quaisquer do espectro político. Hoje, sob a ameaça crescente de um modelo privatista não só de saúde, mas de país, não é trivial que o tema da Conferência Nacional evoque a garantia dos serviços da atenção psicossocial no SUS. 
Voltando ao texto, Tenório afirma que o momento ao fim da década de 1980 era de construção de um novo horizonte de ação: não mais apenas no que dizia respeito às instituições, mas também à cultura que havia sobre a loucura e as formas de se lidar com ela em sociedade. Segundo ele, a própria estrutura do cuidado ganha outra abordagem, não mais se tratando de aperfeiçoar os ambulatórios e hospitais, mas de inventar novos dispositivos, mais abertos e comunitários – ou territoriais – que operassem sob novas formas de relação com a loucura.
Tenório apresenta nesse momento o percurso do Projeto de Lei apresentado por Paulo Delgado, do PT de Minas Gerais, que viria a ser conhecido como a Lei da Reforma Psiquiátrica. Os 3 artigos da lei previam: o impedimento da construção ou contratação de novos hospitais psiquiátricos pelo poder público; o direcionamento de recursos públicos para a criação de recursos não-manicomiais de atendimento; e a obrigatoriedade da comunicação das internações compulsórias à autoridade judiciária, que deveria emitir parecer sobre a legalidade da referida internação. A tramitação entre as casas legislativas demorou 12 anos, e culminou na aprovação do PL apenas em 2001. Mesmo com essa espantosa demora, e que o texto original da lei tenha sofrido algumas alterações que o deixaram – por assim dizer – mais brando, Tenório afirma que a própria apresentação do projeto em 1989 conseguiu produzir uma intensificação inédita da discussão sobre a saúde mental no país já na década de 1990, e teve diversos efeitos positivos no que dizia respeito à implementação da reforma no país. 
Segundo ele, ainda no final da década de 1980, houve duas experiências muito positivas de implantação de novas formas de cuidado em saúde mental: o Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, em São Paulo, e a intervenção da administração municipal de Santos na Casa de Saúde Anchieta. De acordo com o texto, dessas duas experiências – em especial da de Santos – desdobrou-se o processo de criação de uma rede de cuidados articulada ao redor dos Núcleos de Atenção Psicossocial, os NAPS: “estruturas abertas, regionalizadas, com responsabilidade por toda a demanda da região, independentemente de sua gravidade, oferecendo cuidados 24 horas, todos os dias, inclusive acolhimento de tipo internação, cada unidade dispondo de seis leitos, aproximadamente”.
Sobre o CAPS Luiz Cerqueira, o autor diz que foi motor de uma reflexão que situava-se mais estritamente no interior da clínica, produzindo um novo modo de fazer e conceber a doença mental, seu tratamento e cura, e não dispensando por completo a tradição psiquiátrica, mas subordinando-a a uma “nova apreensão do que seja a problemática da doença mental e do que seja o tratar”.
Tendo fracassado a tentativa na década de 1980 de implantação dos ambulatórios como forma de romper a hegemonia do asilo nas formas de cuidado da loucura, os CAPS aparecem como uma espécie de dispositivo-eixo nos anos 1990, ao redor do qual passa a se organizar uma nova rede de serviços. Os Centros de Atenção Psicossocial são “serviços de atendimento-dia, em que o paciente passa o dia e à noite volta para sua casa”, que contam com uma equipe multiprofissional e oferecem atividades terapêuticas diversas. Partindo do ponto de que a “alienação psicótica” expressa-se por vezes em uma ampla dificuldade de se fazer laço, incorporam-se nos CAPS os cuidados também com o que pode parecer à primeira vista extraclínico, mas que contribui para a possibilidade de construção de vínculos por parte dos pacientes. Amplia-se assim a intensidade do cuidado, oferecendo-se serviços todos os dias, o dia inteiro, e sua diversidade, por meio de atividades heterogêneas, convivência entre usuários, equipe, pessoas de fora dos CAPS, etc.
O movimento de criação dos CAPS foi fruto da recusa de uma abordagem sintomatológica da doença mental, fazendo com que se alterasse a figura do tratamento: não mais a doença, mas o doente. Não é difícil perceber a relevância do termo nascido da psiquiatria comunitária que já abordamos, nem da diferença na maneira de se conceber as políticas públicas em saúde a partir do momento em que se fala de saúde mental, e não mais doença.
Segundo Tenório, a partir daquele momento “pode-se dizer, sem exagero, que se construiu uma nova hegemonia”. Ele destaca então a penetração de uma nova mentalidade no campo psiquiátrico, a permanência das diretrizes reformistas nas políticas públicas, a existência de experiências renovadoras com resultados positivos a nível nacional, a capacidade das experiências antigas manterem-se vigorosas e os “reiterados indícios de um novo olhar sobre a loucura vicejando no espaço social, um olhar não mais tão fortemente marcado pelos estigmas do preconceito e do medo”. Revelando os bons ares que circulavam pelas discussões em políticas públicas de saúde mental daquele momento, o artigo publicado em 2002continua: “pode-se dizer que o avanço vigoroso e consistente da reforma psiquiátrica brasileira na década de 1990 prossegue nos primeiros anos da presente década”.
Tenório parte nesse momento do texto para uma caracterização das políticas da reforma especificamente no Rio de Janeiro, abordando a gestão do SUS pela Secretaria Municipal de Saúde e a reestruturação da assistência em saúde mental do município. Fundamentado pelo Censo da População de Internos dos Hospitais, que demonstrou a ineficácia do sistema hospital-ambulatório existente na época, a reestruturação foi organizada ao redor de três pontos: o controle da rede hospitalar existente, a reorganização e qualificação da rede ambulatorial e, principalmente, o programa de implantação de uma rede de CAPS regionalizada.
Demonstrando em números a relação entre o modelo asilar, a modalidade de contratação de serviços do setor privado e a baixa eficácia no sistema de controle, de forma a criar uma verdadeira “indústria da loucura”, ele destacou a iniciativa da gestão municipal de fazer passar as internações pelo controle público, tornando assim possível que se monitorasse e mapeasse o fluxo de pacientes e reduzisse o número de internações abusivas. E completa: “o programa de CAPS do município pode ser considerado bem sucedido até o momento, não dá mostras de que recuará e já permite algumas reflexões visando ao seu aperfeiçoamento”.
 Tenório destaca nesse momento do texto o aparecimento dos serviços residenciais terapêuticos, “casas inseridas preferencialmente na comunidade, destinadas a cuidar e servir de moradia para os pacientes egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares, a fim de viabilizar sua reinserção social”. Entendido como um instrumento efetivo de recuperação da cidadania dos usuários, as chamadas residências terapêuticas entram então de forma estratégica na equação de desmonte da rede manicomial do Brasil, que depende, segundo Tenório, principalmente de duas variáveis: a desconstrução do circuito manicômio-dependente e a criação de alternativas não-manicomiais competentes e duradouras – leia-se a “implementação progressiva da rede multi-institucional de atenção psicossocial que tornará prescindível o manicômio”.
Encerrando seu texto, Tenório retoma a distinção que fiz no começo desse trabalho, e destaca os dois planos da reforma psiquiátrica no Brasil: um técnico e um cultural. Segundo ele, é necessário em alguma medida que se faça essa distinção, mas é importante também percebermos que eles fazem parte de um mesmo projeto: o de criação de uma nova maneira de se agenciar o pertencimento social do louco. No caso da reforma psiquiátrica, de “como agenciá-lo positivamente”. Sua opinião é de que “o essencial da reforma são as práticas de cuidado destinadas aos loucos, visando a sua manutenção na vida social e visando a que ele possa, nos constrangimentos impostos por sua condição psíquica, exercer-se como sujeito”. E completa: “A isso chamo de clínica”.
Em sua conclusão, Tenório afirma que os efeitos positivos da reforma psiquiátrica dizem respeito não só a clínica, mas ao próprio campo da cidadania brasileira. Segundo ele, a reforma aponta para a “construção de uma sociedade mais inclusiva e para a recuperação do sentido público de nossas ações”. Retomo então uma das falas de sua entrevista, quando, perguntado sobre a manutenção da reforma atualmente – vinte anos após a publicação de seu artigo – ele é categórico: hoje, a estratégia de defesa da reforma psiquiátrica no Brasil passa inevitavelmente pela defesa de um Sistema Único de Saúde, universal, integral, que organize e opere uma rede de cuidados públicos em saúde de forma a não excluir quaisquer sujeitos ou grupos da possibilidade de acesso a um serviço de qualidade.
Pedro Teodósio Mansur

Outros materiais