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Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO TRANSTORNOS DO NEURODESELVOLVIMENTO: Diversos são os acometimentos que afetam o desenvolvimento neuropsicomotor, sendo detectados principalmente durante a infância ou adolescência. O comprometimento varia desde aspectos específicos do aprendizado até prejuízos globais na socialização ou inteligência. A denominação “transtornos do neurodesenvolvimento” é um “termo guarda-chuva”, que compreende diversas manifestações, como: Transtorno do desenvolvimento intelectual: marcado por inteligência abaixo da média e déficit significativo em funções adaptativas (adequação a atividades cotidianas); Transtorno do espectro autista (TEA): caracterizado por dificuldade em múltiplas aéreas do desenvolvimento, principalmente comunicação e sociabilidade. Há comportamentos estereotipados; Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH): presença de desatenção persistente, impulsividade e/ou hiperatividade, afetando o funcionamento individual; Transtornos específicos da aprendizagem: abrangem dificuldades significativas no domínio de habilidades como leitura, escrita e matemática; Transtornos motores: são considerados na presença de coordenação motora abaixo da média para a idade e inteligência, seja por comprometimento no desenvolvimento, movimentos estereotipados ou tiques; Transtornos da comunicação: compreendem distúrbios no desenvolvimento do vocabulário, na articulação da fala, na fluência (gagueira), ou na capacidade de interação social. Além dessa classificação, é importante o uso de especificadores para melhor descrever o quadro clínico e a evolução da doença, podendo contribuir para a elucidação de sua etiologia. TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL: O transtorno do desenvolvimento intelectual (TDI), também conhecido como deficiência intelectual (denominação do DSM-V), é marcado por déficits em três domínios principais, a saber: Conceitual: representa o conhecimento acadêmico, associado a habilidades como memória, leitura, escrita e matemática; Social: se refere à imaturidade social, com dificuldade de realizar julgamentos, controlar o comportamento ou compreender interações não verbais; Prático: corresponde à capacidade de executar tarefas diárias por conta própria. Para confirmar o diagnóstico dessa condição, os seguintes critérios devem ser preenchidos: A. Déficits em funções intelectuais confirmados tanto pela avaliação clínica quanto por testes de inteligência padronizados; Transtornos motores ou de comunicação podem afetar o resultado de tais avaliações. B. Déficits em funções adaptativas (conceitual, social ou prática) com fracasso na conquista de independência e responsabilidade social (necessidade de apoio); É frequente a ocorrência de mais de um transtorno do neurodesenvolvimento de forma simultânea Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Pacientes com deficiência intelectual podem ser facilmente explorados ou manipulados por terceiros graças a esse impedimento C. Início dos comprometimentos supracitados durante o período de desenvolvimento. Ainda é possível estratificar esse transtorno em níveis de gravidade (leve, moderada, grave e profunda), de acordo com o funcionamento adaptativo do indivíduo, e não com seu QI. Isso irá refletir o grau de auxílio necessário para a execução de atividades diversas. Nesse processo de investigação é necessário ainda avaliar possíveis predisponentes associados ao período pré-natal (uso de drogas, doenças maternas) e pós-natal (doenças desmielinizantes, lesões cerebrais traumáticas ou isquêmicas). Quadros de maior gravidade na deficiência intelectual podem ter seus sinais identificados nos primeiros anos de vida, como atrasos em marcos diversos do desenvolvimento. Níveis leves, por sua vez, podem passar despercebidos até a idade escolar, momento em que se tornam claras as diferenças no aprendizado. Condições Comórbidas ao TDI Transtorno do Espectro Autista Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Transtornos Psicóticos Transtorno de Ansiedade Transtorno Afetivo Bipolar Comorbidades associadas à deficiência intelectual Algumas síndromes genéticas associadas ao TDl (ex.: síndrome de Down) podem também apresentar fenótipos ou comportamentos específicos. No entanto, nunca se deve presumir o diagnóstico desse transtorno somente em função de uma condição médica concomitante. Como possíveis diagnósticos diferenciais, destacam-se: Transtornos neurocognitivos: marcados pela perda de capacidades cognitivas adquiridas (ex.: Alzheimer), podendo ou não ser concomitante ao TDI; Transtornos da comunicação e transtorno específico da aprendizagem: não apresentam impacto no comportamento intelectual ou adaptativo; Transtorno do Espectro Autista. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: O transtorno do espectro autista (TEA) é um grupo heterogêneo de síndromes neuroevolutivas marcadas por distúrbios na comunicação e comportamentos restritos ou repetidos. De modo geral, a presença desse transtorno é observada a partir do segundo ano de vida, no qual há retardo linguístico e Normalmente não há caráter progressivo na deficiência intelectual, porém alguns quadros podem apresentar piora gradual ou flutuante do déficit (ex.: síndrome de San Phillippo) Anteriormente, cinco quadros compunham o diagnóstico de TEA, a síndrome de Rett, o transtorno desintegrativo da infância, o transtorno do autismo, transtorno de Asperger e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO retração social, ainda que manifestações brandas possam passar despercebidas por mais tempo. Nota-se que a nova edição do DSM-V remove alterações no desenvolvimento e uso da linguagem como critérios obrigatórios no TEA. Descrição das áreas mais comumente comprometidas em pessoas com TEA A prevalência do transtorno do espectro autista tem aumentado nas últimas décadas em decorrência de melhores intervenções diagnósticas, atingindo cerca de 8 a cada 10 mil crianças nos EUA. Meninos são muito mais propensos ao diagnóstico do que as meninas, que costumam evoluir com incapacidade intelectual de forma mais frequente. ETIOPATOGENIA: A influência genética se faz bastante presente no TEA, marcada por múltiplos padrões de transmissão, afetando principalmente os cromossomos 2 e 7. Outras condições com componente genético, como a síndrome do X frágil, tendem a apresentar o transtorno em suas características fenotípicas. Há também vários biomarcadores associados ao TEA, principalmente no sistema serotoninérgico, em vias associadas ao mTOR e em rotas inibitórias do GABA. No que se refere à serotonina, há acúmulo plaquetário motivado pelo SERT (transportador do neurotransmissor) durante sua passagem entérica. Estudos de neuroimagem também observam aumento no volume de áreas encefálicas nesses pacientes (alteração em “períodos críticos”), associado a diferenças na ativação entre regiões do cérebro, principalmente daquelas associadas ao comportamento social. Há maior estimulação da amigdala e ativação atípica do lobo central frente a eventos sociais, além de possível comprometimento dos neurônios-espelho. Diversos aspectos pré-natais são correlacionados ao desenvolvimento do TEA, destacando-se a idade avançada dos pais, filho primogênito, diabetes gestacional e hemorragias maternas. No período perinatal, complicações com o cordão umbilical, baixo peso ao nascer, sofrimento fetal, baixo índice de Apgar e incompatibilidade ABO/Rh podem contribuir com a fisiopatologiado transtorno. Quadros de incompatibilidade imunológica entre mãe e feto podem ser relevantes para o surgimento do TEA, marcando um possível ataque a tecidos neurais por anticorpos maternos Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Interação multifatorial no processo fisiopatológico do autismo QUADRO CLÍNICO E DIADNÓSTICO: No que se refere à apresentação clínica do transtorno do espectro autista, alguns sintomas são considerados centrais, necessários para a delimitação geral do quadro, a saber: Deficiências persistentes na comunicação e socialização: De modo geral, percebe-se que crianças com TEA não se adaptam aos níveis de habilidades sociais ou interações não verbais (sustentação do olhar) esperados para sua idade. Principais sinais de alerta para o transtorno do espectro autista O apego a outros indivíduos é indiferenciado, tornando esses infantes mais propensos a não reagir intensamente na presença de estranhos. Destaca-se, nesse grupo, a deficiência na percepção de sentimentos de terceiros, o que dificulta a atribuição de motivação para suas ações (dificuldade em ter empatia). Padrões restritos e repetitivos de comportamentos ou atividades: Desde a primeira infância, a brincadeira para uma criança com TEA se mostra diferente, sendo mais rígida e monótona, sem muitos comportamentos imitativos (“faz-de-conta”), contribuindo para o isolamento social. A rotina é apreciada por esses pacientes, que percebem como intimidação quaisquer mudanças ou transições, desencadeando respostas ansiosas. Por fim, os maneirismos e comportamentos estereotipados (flapping das mãos, se balançar) se mostram presentes, principalmente em cenários de menor estruturado (estresse). Principais indícios de um quadro de TEA Há melhor desempenho em tarefas que exijam raciocínio visual, em detrimento daquelas que necessitem de expressão verbal Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Outras manifestações, ainda que não sejam obrigatórias para o DSM-V, são bastante comuns no espectro autista: Perturbações no desenvolvimento da linguagem: é típica de quadros mais graves, havendo dificuldade em organizar frases ou na modulação da entonação. Até mesmo as vocalizações durante o 1º ano de vida são diminuídas ou atípicas, sem intenção de comunicação. Deficiência intelectual; Irritabilidade: pode ser expressa tanto por impulsos agressivos quanto por ações de autolesão, decorrentes de situações do dia-a-dia (ocorre espontaneamente em pacientes mais graves); Alterações na resposta a estímulos sensoriais: há dualidade na reação somatossensorial, que pode estar tanto aumentada (sensibilidade auditiva) quanto diminuída (dor), levando à realização de stimming (movimentos de conforto) de modo a diminuir a angústia; Instabilidade no humor e afeto: podem surgir explosões de riso ou choro de início súbito; Hiperatividade/desatenção; Habilidades precoces: alguns pacientes com TEA apresentam proficiência fantástica em áreas do conhecimento variadas, ou desenvolveram habilidades de modo “não pareado” com a idade. Insônia; Infecções gastrintestinais (mais comuns nesse grupo). O diagnóstico do transtorno do espectro autista pode se valer de diversos instrumentos, destacando-se o ADOS-G (Autism Diagnostic Observation Schedule- Generic), que avalia domínios afetados pelo TEA em 4 “módulos” de fluência verbal. Para o DSM-V, destacam-se como critérios diagnósticos: A. Distúrbios persistentes na comunicação e interação sociais em diversos contextos, manifestos por: o Déficit na reciprocidade socioemocional (dificuldade para estabelecer diálogo); o Dificuldade em dominar pistas não verbais usadas na comunicação; o Alterações na capacidade de criar, manter e compreender relacionamentos. B. Presença de padrões restritos de comportamentos, interesses e atividades, expressos como: o Movimentos motores repetitivos com o uso de objetos, estereotipados da fala (ex.: ecolalia); o Ligação muito forte a uma rotina vem definida, com sofrimento associado à mudança; o Interesses fixos e restritos, seguidos com muita intensidade; o Hiper/hiporreatividade ou aumento de interesse por determinados estímulos sensoriais. C. Sinais observados de forma precoce, ainda no período de neurodesenvolvimento (ainda que posam não ser totalmente manifestos); D. Sintomas associados a prejuízo significativo em funções sociais diversas; E. Quadro não melhor explicado por deficiência intelectual ou transtorno global do desenvolvimento. Os principais diagnósticos diferenciais para o TEA são transtorno da comunicação social, esquizofrenia com início na infância, incapacidade intelectual (com sintomas sociais), transtorno da linguagem, privação psicossocial ou deficiência auditiva Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO TRATAMENTO: O manejo em pacientes com TEA apresenta como metas principais a melhoria das capacidades comunicativas e sociais, de forma a promover independência a longo prazo. O controle de sintomas associados, como irritabilidade e hiperatividade também é recomendado, de forma a diminuir seu surgimento em situações de mudança. Diversas formas de terapia cognitivo- comportamental e intervenção psicossocial podem ser usadas, havendo benefício significativamente maior quando feitas de modo precoce. Medidas psicofarmacológicas, por sua vez, não atuam sobre os eixos-chave do TEA, mas sim nas alterações comportamentais associadas. Desse modo, podem ser empregados: Risperidona/apiprazol/olanzapina: podem ajudar no tratamento da irritabilidade grave, porém apresentam efeitos colaterais metabólicos, restringindo a abrangência do uso; Metilfenidato: empregado em pacientes com quadros de hiperatividade, impulsividade ou desatenção, uma vez que estimula a atividade mental, intensificando o foco; Valproato/fluoxetina: úteis no manejo de comportamentos repetitivos e também da irritabilidade; TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE: O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é um distúrbio caracterizado por diminuição sustentada na atenção e aumento de comportamentos impulsivos ou hiperativos, podendo afetar qualquer faixa etária. Quanto à epidemiologia, esse transtorno é mais prevalente em meninos (proporção de até 9:1), principalmente naqueles com histórico familiar sugestivo. O percentual de pacientes diagnosticados na infância se mantém sintomáticos quando adultos pode chegar a 60%, mesmo após o “período de remissão” entre 12 e 20 anos. ETIOPATOGENIA: Sabe-se atualmente que o TDAH apresenta componente genético importante, que pode ser potencializado por exposição a substâncias tóxicas intraútero, traumas no periparto ou prematuridade. As principais evidências apontam para o gene transportador de dopamina (DATI) e para a hiperexpressão de receptores dopaminérgicos, corroborando o papel desse neurotransmissor e o impacto ao córtex pré-frontal, principal área de controle de impulsos. O locus ceruleus, ainda que seja formado por neurônios noradrenérgicos, é bastante atuante na manutenção da atenção, A medicina complementar e alternativa também pode ser usada em conjunto às terapias tradicionais para o TEA, utilizando musicoterapia (comunicação e expressão) e a ioga (controle da ansiedade e atenção) Há risco aumentado para o desenvolvimento de outros quadros comórbidos em portadores de TDAH, principalmente transtornos de ansiedade e depressivos. Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO representando um alvo para as estratégias de tratamento.A fisiopatologia do TDAH se baseia na desregulação da recaptação e secreção de dopamina e adrenalina, perturbando o controle de estímulos Exames de imagem evidenciaram que pode ocorrer redução do volume e da atividade em áreas pré-frontais, no globo pálido, cingulado anterior, no caudado, tálamo e cerebelo. Relações anatômicas no TDAH QUADRO CLÍNICO E DIADNÓSTICO: A sintomatologia típica do TDAH pode surgir na primeira infância, porém é mais perceptível em idade escolar, tornando o relato de professores bastante útil ao diagnóstico. As principais manifestações clínicas podem ser segmentadas quanto ao comportamento predominante, a saber: Desatenção: memória curta, “brancos”, dificuldade de concentração, incapacidade de terminar tarefas, desorganização geral; Hiperatividade: impulsividade, intromissão na fala de terceiros, resposta abrupta a questões, comportamentos inadequados (escalar móveis), torcer mãos e pés. Mudanças no padrão de sintomas do TDAH em diferentes fases da vida Nesse contexto, a investigação clínica deve incluir um histórico médico- psiquiátrico completo, incluindo dados do período pré e perinatal, além de antecedentes cardiológicos na família (importante para o tratamento). Para o DSM-V, os critérios diagnósticos necessários para confirmar um quadro de TDAH são: A. Padrão persistente de pelo menos 6 sintomas (5 em indivíduos > 17 anos) de desatenção E/OU hiperatividade/impulsividade que interfere no desenvolvimento ou funcionamento individual; Devem ser observados por ao menos 6 meses. B. Presença de vários sintomas desatentos ou hiperativos antes dos 12 anos de idade; C. Presença de sintomas em ao menos dois ambientes (ex.: escola e casa); D. Comprometimento evidente na quantidade ou qualidade de relações sociais, acadêmicas ou profissionais; Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO E. Quadro clínico não limitado a episódios psicóticos e não melhor explicado por outro transtorno. Os principais diagnósticos diferenciais que deve ser descartados são transtorno bipolar I (mania), transtornos de ansiedade, distúrbios de aprendizagem e transtorno opositor-desafiante. TRATAMENTO: A farmacoterapia é a primeira linha terapêutica para o TDAH, se valendo principalmente de estimulantes do SNC, exceto em cardiopatas (ou indivíduos com alto risco cardiovascular). Os medicamentos mais usados nessa classe são o metilfenidato e as dextroanfetaminas, que apresentam liberação sustentada. O mecanismo de ação desses compostos se baseia no bloqueio da recaptação de dopamina (e noradrenalina), elevando sua concentração na fenda sináptica. Ação do metilfenidato sobre neurônios dopaminérgicos Outros compostos não-estimulantes que apresentam resultados positivos são a atomoxetina (inibidor da recaptação de norepinefrina), bupropiona (antidepressivo) e a clonidina (agonista α-adrenérgico). Nesse grupo, as ações são diversas, desde a inibição seletiva a receptores de noradrenalina, até a ação direta sobre o córtex pré-frontal. Intervenções psicossociais, como psicoeducação, reabilitação e terapia cognitivo-comportamental devem ser utilizadas de modo complementar à terapia medicamentosa, visando o controle da ansiedade e o desenvolvimento de habilidades. O TDAH pode cursar com apresentação predominantemente desatenta, predominantemente hiperativa/impulsiva ou combinada de acordo com o preenchimento dos sintomas Os efeitos adversos (insônia, cefaleia e perda de apetite) são bem tolerados, porém podem levar a lentificação do crescimento em crianças que fazem uso a longo prazo
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