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Os Ambulatórios na RAPS

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Por que o ambulatório (ampliado)?
Discuto nesse trabalho a inserção do ambulatório de saúde mental na Rede de Atenção Psicossocial a partir de dois artigos: “O Ambulatório de Saúde mental na Rede de Atenção Psicossocial: Reflexões Sobre a Clínica e a Expansão das Políticas de Atenção Primária”, de Damous e Erlich; e “Da Psiquiatria Tradicional à Reforma Psiquiátrica: O Ambulatório de Saúde Mental como Serviço de Tratamento”, de Borges e Monteiro. Optei pelo título “Por que o ambulatório (ampliado)?” por acreditar que essa pergunta não é apenas mera disparadora de uma discussão, mas também uma aposta na sustentação do serviço, no trabalho que é feito nos ambulatórios ampliados de Niterói e no lugar que os ambulatórios podem e devem ter na RAPS.
Essa não é, no entanto, uma aposta pacífica. Sabe-se que os ambulatórios de saúde mental não figuram na Portaria 3088, de 2011, que institui a Rede de Atenção Psicossocial, e me parece ser justamente por isso que devemos pôr os ambulatórios em pauta: para que se possa esclarecer e elaborar o que é um ambulatório ampliado, como ele funciona no âmbito da reforma psiquiátrica, e quais as suas diferenças com relação àqueles ambulatórios que, a partir da metade do século XX, surgiram no Brasil como serviços não substitutivos, mas complementares aos hospitais psiquiátricos.
Mesmo que tenham sido criados como alternativas aos hospitais, os primeiros ambulatórios não conseguiram, em seu funcionamento, implantar um modelo de clínica que se diferisse, em seus princípios, do modelo manicomial. Antes mesmo da popularização da noção de saúde mental, os ambulatórios de psiquiatria acabavam por limitar-se a consultas psiquiátricas e dedicar-se a demandas de medicação na tentativa de calar os sintomas da loucura, tendo que recorrer frequentemente às internações nos momentos em que essa tentativa fracassava. Ainda centrados na doença, a aposta dos ambulatórios era a de medicalização, o que gerou dependências, cronificações e agudizações, e constituiu os ambulatórios de psiquiatria como verdadeiros serviços de porta de entrada dos hospitais psiquiátricos – como Damous e Erlich destacam. Não à toa o primeiro ambulatório psiquiátrico do Brasil, criado pela Liga Brasileira de Higiene Mental, nasce dentro de um hospital.
No período da redemocratização, então, avançam as discussões acerca da reforma psiquiátrica e com isso se fortalecem as críticas à lógica ambulatorial e sua ineficácia, o que fará com que esse serviço seja excluído da portaria da RAPS. Defender, no entanto, os ambulatórios como parte da Rede naturalmente não é defender o modelo do especialismo médico, voltado à psiquiatrização da loucura e referido a concepções ultrapassadas do que é a doença e o sujeito doente. É, antes, defender uma prática clínica pautada na reforma psiquiátrica, sustentar a possibilidade de que se pratique uma clínica ampliada nos ambulatórios, fazendo com que eles tenham uma posição estratégica na RAPS e cumpram um papel importante de articulação entre serviços de atenção básica, CAPS e territórios.
Para falar disso, falemos primeiro do que é um ambulatório ampliado. Um ambulatório ampliado é um serviço cuja prática clínica orienta-se pelos princípios da reforma psiquiátrica e da atenção psicossocial, deslocando o protagonismo do tratamento da doença para o sujeito, entendendo que o sofrimento psíquico deve ser examinado sob o escopo de saberes diversos e que atuem em conjunto, não desconsiderando os traços do sofrimento que excedam os campos de saber psi, oferecendo atividades clínicas que não apenas a psicoterapia individual e a consulta psiquiátrica, estendendo o campo de atuação aos territórios e mantendo a articulação com outros serviços ou instituições, da RAPS ou não.
Antes voltados principalmente ao tratamento da loucura, hoje os ambulatórios ampliados recebem pacientes diversos: de crianças a idosos, neuróticos e psicóticos ou pessoas com sofrimento decorrente do uso de álcool ou outras drogas. Os casos, no entanto, são de complexidade média, o que me parece ser o que confere o caráter estratégico dos ambulatórios na RAPS. Isso porque, enquanto os casos de baixa complexidade podem ser absorvidos por serviços da Atenção Básica – ou até por Serviços de Psicologia das universidades do território – e os casos de alta complexidade são preferencialmente encaminhados aos CAPS, os casos tratados nos ambulatórios costumam ser de complexidade média: de sujeitos que conservem recursos para suportar o tempo de espera que envolve o funcionamento do serviço, que necessitem de cuidado especializado mas não intensivo, e que não tenham um grau de comprometimento de sua vida cotidiana e psíquica que exija toda a robustez de um CAPS, com cuidados diários, alimentação, leitos, etc.
Esse é um serviço, então, que pode e deve lançar mão de estratégias de articulação a serviços de complexidades e tecnologias distintas, consolidando assim uma rede de cuidado que de fato tenha capilaridade no território e consiga absorver as demandas da população de forma consistente. Estratégias como a de matriciamento, cuja definição pego emprestada de uma passagem de Figueiredo e Campos (2009): “um suporte técnico especializado que é ofertado a uma equipe interdisciplinar em saúde a fim de ampliar seu campo de atuação e qualificar suas ações”. Mesmo que o termo “ofertado” me soe de forma particularmente estranha, como se indicasse um suporte unilateral de uma equipe mais especializada a outra menos especializada, o que eu entendo como fundamental do matriciamento é a partilha de um cuidado por meio de qualificação mútua das equipes envolvidas; é a operação prática de uma Rede de Atenção Psicossocial. 
É por meio dessa articulação que o ambulatório ampliado consolida sua posição estratégica na RAPS, por conta da absorção que faz de casos que estejam entre a Atenção Básica e o CAPS, permitindo assim que os outros serviços possam dedicar-se exclusivamente aos casos de perfis adequados a eles. Cito o texto de Damous e Erlich: 
“Sustentamos que a potência do ambulatório de saúde mental na rede de atenção psicossocial está em prestar assistência em um nível secundário, exercendo uma clínica que singulariza o sujeito nas diferentes modalidades de cuidado ofertadas, e que, especificamente no âmbito psicoterápico, atende a uma determinada clientela que lhe é própria e que até pode coincidir com o público adscrito à ESF e ao CAPS, mas que, no entanto, o que encontram no ambulatório lhe é especifico e singular, na medida em que na ESF não há atendimento continuado e especializado ofertado por profissional de saúde mental, e no CAPS, apesar de haver especialistas e a possibilidade deste tratamento, este se volta para um perfil de usuários que demanda intensividade do cuidado. O ambulatório é, assim, o local onde um trabalho clínico e psicoterápico, porém não intensivo, pode ser feito com uma clientela que dele pode se beneficiar por um período de tempo.”
Notemos que Damous e Erlich falam textualmente de benefícios que se dão “por um período de tempo”. O ambulatório ampliado, como serviço da reforma psiquiátrica, tem um compromisso não apenas com a porta de entrada da rede, mas também com a porta de saída – mesmo que por vezes possa ser difícil equilibrar as duas, como em momentos em que faltam médicos aos PMFs, em que os territórios estejam violentos, ou até quando retornam usuários que já tenham sido encaminhados. Isso não deixa de demonstrar, no entanto, a atenção dos ambulatórios à cidadania dos usuários do serviço e à manutenção da capacidade da própria equipe de dar conta da demanda, para além de uma clara aposta nos vínculos dos usuários com seus territórios.
Outra questão que me parece digna de atenção é a da composição da equipe. Se fazemos uma aposta em uma clínica ampliada, fazemos também em uma equipe multiprofissional e em relações de transdisciplinaridade. Como um dos artigos destaca, “isso não significa que cada profissional deve abandonar a sua área de conhecimento; quer dizer que cada um pode deixar-se afetar pelasoutras disciplinas, a fim de tornar o tratamento mais potente”. Hoje, no Ambulatório de Pendotiba, contamos com profissionais de psicologia, psiquiatria, assistência social, com um estagiário de enfermagem e um acompanhante territorial. As reuniões de equipe são compostas por todos os membros, sem que haja a prioridade ou prevalência de um dos campos ou profissionais no espaço das reuniões. Esse não é um princípio fácil de se operar, no entanto. O exercício da escuta e da inclusão de outras formas de saber tem de ser feito cotidianamente, passa por todos os membros da equipe e é mais um ponto de chegada do que de partida.
Sobre as atividades oferecidas em um ambulatório, o artigo que aborda o estágio curricular em psicologia no ambulatório de Jurujuba cita algumas: atendimento psiquiátrico, atendimento psicoterápico, assistência social, serviço de enfermagem, acompanhamento domiciliar e/ou atividades de grupo, como o grupo de música, de expressão artística, de trabalho e de redução de danos. É evidente como o ambulatório sediado no HPJ se distancia daquela maneira de funcionar dos ambulatórios psiquiátricos, que privilegiavam quase exclusivamente as consultas médicas e a demanda de medicalização dos usuários.
Mesmo que a importância dos ambulatórios de saúde mental tenha sido reconhecida pelo município do Rio de Janeiro com a publicação em 2016 das Linhas de Ação para Atenção Ambulatorial em Saúde Mental, como destaca um dos artigos, ainda passamos por um momento de consolidação dos ambulatórios ampliados na RAPS. Consolidação essa que exige que apostemos na clínica ampliada e nas estratégias de articulação dos ambulatórios ampliados, para que eles contribuam no melhor atendimento aos territórios onde estão inseridos. Ou como escrevem Damous e Erlich: “Trata-se de sustentar finalmente que, a partir de uma atitude desperta para a clínica, um ambulatório de saúde mental potente em uma rede de atenção psicossocial promove efetivamente o almejado trabalho voltado para o território e, portanto, para a desinstitucionalização.”
Pedro Teodósio Mansur

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