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ICTERÍCIA NEIONATAL MILENA BAVARESCO INTRODUÇÃO o Icterícia em cerca de 60% dos recém-nascidos a termo e em 80% dos recém--nascidos prematuros em sua primeira semana de vida. o Icterícia é a coloração amarelada de pele e mucosas, provocada por um aumento da fração indireta ou lipossolúvel da bilirrubina, geralmente quando > 7 mg/dl ou da sua fração direta, menos frequentemente. o A icterícia decorrente do aumento da fração indireta de bilirrubina confere à pele uma tonalidade amarelo- brilhante ou mesmo alaranjada. o Nas condições associadas à hiperbilirrubinemia direta, esta confere à pele uma cor amarelo-esverdeada. No entanto essas diferenças são percebidas somente com níveis muito elevados do pigmento. o A grande complicação desta impregnação não acontece a nível cutâneo, mas sim encefálico. Em níveis muito elevados, a bilirrubina indireta pode cruzar a barreira hematoencefálica produzindo efeito tóxico sobre os neurônios, levando com isso ao desenvolvimento de um quadro de encefalopatia bilirrubínica ou kernicterus. o A hiperbilirrubinemia à custa da fração direta quando presente nas primeiras horas ou semanas de vida, indica uma desordem subjacente de extrema gravidade, como sepse neonatal, infecções congênitas (toxoplasmose, citomegalovirose, rubéola, sífilis, herpes, etc.), atresia biliar, fibrose cística, galactosemia, cistos do colédoco e deficiência de alfa-1-antitripsina. o No momento, vamos nos ater as diversas etiologias que determinam nível elevado da fração indireta. ETIOLOGIA o O metabolismo da bilirrubina em um RN está em transição do estágio fetal, durante o qual a placenta é a principal via de eliminação da bilirrubina lipossolúvel, para o estágio adulto, no qual a forma conjugada (direta) hidrossolúvel é excretada pelos hepatócitos no sistema biliar e depois no trato gastrointestinal. o A bilirrubina é um produto da degradação de grupamento heme, que deriva da hemoglobina (75%) e de outras proteínas (25%), como mioglobina, citocromo, catalases e peroxidases. o O heme é convertido no sistema reticuloendotelial em basicamente duas reações químicas: a primeira mediada pela hemeoxigenase que transforma a hemoglobina em biliverdina; e a segunda é catalizada pela biliverdina redutase, produzindo a bilirrubina. o O ferro liberado desta reação é reaproveitado pelo organismo e armazenado em baço e fígado. o A bilirrubina indireta (lipossolúvel) então parte do sistema reticuloendotelial, liga-se a albumina plasmática para poder ser carreada até o fígado; um grama de albumina tem capacidade de ligação de 8,5 mg de bilirrubina; chegando próximo à membrana dos hepatócitos, difunde-se através do meio lipídico, e no citoplasma volta a ligar-se a uma proteína– ligandina – cuja função é carreá-la até o retículo endoplasmático liso; dentro desta organela a BI é convertida à bilirrubina direta com auxílio da enzima uridilglucoroniltransferase. o As formas de BD mono ou diglicuronídeo estão aptas a serem liberadas na bile. Esses novos pigmentos são hidrossolúveis e suficientemente polares para serem excretados pela bile ou filtrados pelos rins (bilirrubina direta). o Com a bile, a bilirrubina direta chega ao intestino delgado onde, no adulto e na criança maior, será reduzida a estercobilina pela presença de bactérias da flora local e uma pequena quantidade será desconjugada a bilirrubina indireta (pela enzima betaglicuronidase) e reabsorvida pela circulação êntero- hepática. o No RN, a flora intestinal está ausente até mais ou menos o final da primeira semana de vida, com estercobilina praticamente indetectável. ICTERÍCIA NEONATAL ICTERÍCIA NEONATAL ICTERÍCIA NEIONATAL MILENA BAVARESCO o Além disso, nessa fase da vida, a betaglicuronidase está presente de forma ativa, aumentando a quantidade de bilirrubina indireta que será reabsorvida na circulação êntero-hepática. o Sabe-se que 1 g de hemoglobina produz cerca de 34 mg de bilirrubina. No período neonatal existem fatores bioquímicos que promovem uma maior elevação da bilirrubina indireta, explicando com isso a elevada incidência desta afecção neste período de vida. Leia-os abaixo: 1. Aumento da carga de bilirrubina a ser metabolizada pelo fígado: as hemácias fetais apresentam menor sobrevida e, além disso, o hematócrito ao nascimento é alto (50- 63%). Há maior risco de hemólise e infecção; 2. Diminuição da captação e conjugação hepáticas, por imaturidade dos sistemas enzimáticos. A enzima glicuroniltransferase pode ter sua ação e potência reduzidas por fatores como hipóxia, infecção, hipotireoidismo e hipotermia; 3. Competição ou bloqueio da enzima glicuroniltransferase por substâncias que necessitem de conjugação com o ácido glicurônico para excreção e drogas. 4. Presença de defeitos genéticos que acarretem ausência de glicuronil transferase ou sua diminuição e defeitos de captação da bilirrubina pelo hepatócito; 5. Exacerbação da circulação êntero-hepática por jejum e demora na eliminação do mecônio. Além disso, o período neonatal é particularmente vulnerável à lesão neurotóxica mediada pela BI em decorrência de fatores como: • Hipoproteinemia, levando a uma menor concentração de albumina e, portanto, maior teor de bilirrubina livre. Devemos lembrar que a bilirrubina indireta encontra-se na sua maior parte ligada à albumina, e que, sob condições normais, somente a fração livre atravessa a barreira hematoencefálica; • Deslocamento, por uso de determinadas drogas, da bilirrubina de seus sítios de ligação na albumina. Poderíamos citar drogas como as sulfas e a ceftriaxona (cefalosporina de terceira geração); • Deslocamento da bilirrubina de seus sítios de ligação na albumina, na presença de determinadas condições como acidose, aumento dos ácidos graxos livres no soro (secundário a hipoglicemia e hipotermia); • Aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica por imaturidade (prematuros), asfixia e infecção. QUADRO CLÍNICO o A época de surgimento da icterícia vai depender do distúrbio patológico que a originou. Mas também devemos lembrar que o aumento do nível de bilirrubina pode ser um evento fisiológico ou decorrente de amamentação. o Existe uma regra (não muito precisa, mas bastante difundida na prática clínica pediátrica) que relaciona os níveis de bilirrubina com a topografia da icterícia no RN (zonas de Kramer). o Sabemos que a progressão da icterícia se faz de maneira “craniocaudal”, com nível de 5 mg/dl determinando icterícia notada apenas na face. o Valor de 15 mg/dl está associado à tonalidade característica alcançando a parte média do abdome, enquanto um teor de 20 mg/dl está associado com coloração amarelada das mãos e pés e, obviamente, de todo o corpo. o Mas esta regra é apenas uma estimativa grosseira, e devemos saber que o exame físico não é um método preciso e confiável para determinação do nível sérico de bilirrubina. o Portanto, mesmo os bebês a termo, assintomáticos e de baixo risco deverão colher sangue para determinação sérica dos níveis de bilirrubina. o Os casos de icterícia neonatal que sugerem origem não fisiológica deverão ser avaliados através de exames laboratoriais complementares, como por exemplo: hemograma completo com contagem de reticulócitos, tipagem sanguínea, teste de Coombs, esfregaço de ICTERÍCIA NEIONATAL MILENA BAVARESCO sangue periférico e avaliação para deficiência de glicose- -6-fosfato. o As principais indicações para coleta de testes bioquímicos são: • Icterícia de início nas primeiras 24 horas de vida; • Icterícia em recém-nascido aparentemente doente; • Sinais de hemólise: palidez e hepatoesplenomegalia. Os exames revelarão anemia,reticulocitose e aumento progressivo da bilirrubina (> 0,5 mg/dl/h); • Icterícia evidente até a metade do abdome; • Incompatibilidade Rh ou ABO; • Irmão que tenha necessitado de fototerapia; • Céfalo-hematoma ou sangramento significativo. • O kernicterus ou encefalopatia bilirrubínica, uma síndrome neurológica decorrente da neurotoxicidade da bilirrubina para o sistema nervoso central, raramente ocorre no primeiro dia de icterícia e seus sintomas/sinais clínicos serão vistos adiante. As maiores situações de risco para o desenvolvimento de icterícia grave estão listadas na Tabela 3. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL o Podemos compreender a icterícia neonatal sob dois pontos de vista distintos: icterícia de significado fisiológico e icterícia de significado não fisiológico (patológica). o A hiperbilirrubinemia direta terá sempre conotação patológica. o Além disso, o período de aparecimento da icterícia também tem importância, pois se correlaciona com os possíveis fatores etiológicos, como veremos abaixo: • Ao nascimento ou nas primeiras 24h de vida (sempre patológica): eritroblastose fetal, hemorragia oculta, sepse, doença de inclusão citomegálica, rubéola, toxoplasmose congênita, secundária a hematomas e equimoses extensas; • No segundo a terceiro dia: fisiológica, síndrome de Crigler-Najjar, do aleitamento materno; • Do terceiro dia a primeira semana: sepse, doença de inclusão citomegálica, sífilis, toxoplasmose e infecção do trato urinário; • Após a primeira semana: leite materno, sepse, atresia congênita dos ductos biliares, hepatite, galactosemia, hipotireoidismo, esferocitose hereditária e deficiências enzimáticas levando à hemólise (G6PD); fibrose cística; • Persistência após um mês: icterícia fisiológica associada a hipotireoidismo ou estenose pilórica, síndrome da bile espessa (geralmente sucede a doença hemolítica perinatal), galactosemia, atresia congênita dos ductos biliares, infecções congênitas, uso de parenteral, síndrome de Crigler-Najjar. CLASSIFICAÇÃO ICTERÍCIA ICTERÍCIA FISIOLÓGICA o Normalmente, o nível de bilirrubina indireta no soro do cordão umbilical encontra-se entre 1 e 3 mg/dl e eleva- se a partir de então, chegando no segundo dia ao valor de 5 mg/dl, o que determina a icterícia. o Cerca de 60% dos RN a termo e 80% dos RN pré-termo tornam-se ictéricos na primeira semana de vida. o Acredita-se que a icterícia fisiológica é reflexo da maior produção de bilirrubina pela degradação de hemácias fetais, que possuem uma sobrevida mais curta que as hemácias dos adultos, combinada com uma limitação transitória da captação e da conjugação hepáticas, além da exacerbação da circulação êntero-hepática. o O valor de bilirrubina na icterícia fisiológica atinge um pico de 5-6 mg/dl por volta do segundo ao quarto dia, ICTERÍCIA NEIONATAL MILENA BAVARESCO podendo alcançar 12 mg/dl, caindo a seguir para nível inferior a 2 mg/dl entre o quinto e sétimo dia de vida. o Como nos prematuros a captação e a conjugação são mais lentas, eles tornam-se mais ictéricos (pico de bilirrubina indireta entre o quarto e o sétimo dia de vida, podendo alcançar valores de 15 mg/dl) e permanecem mais tempo ictéricos (até o meio da segunda semana de vida). o No entanto, observamos alguns RN a termo (6-7%) com teores acima de 12,9 mg/dl e alguns neonatos apresentando cifras superiores a 15 mg/dl (2 a 3%). o Os fatores de risco associados a uma icterícia fisiológica mais intensa incluem: filhos de mãe diabética, raça oriental, prematuridade, altitude, policitemia, drogas (vit. K3), eliminação tardia de mecônio e história familiar de irmão que teve icterícia fisiológica. ICTERÍCIA ASSOCIADA AO LEITE MATERNO o Existem duas formas de icterícia associada ao leite materno: uma forma precoce (também conhecida como icterícia do aleitamento materno) e uma forma tardia (ou icterícia do leite materno). o Forma Precoce (Icterícia do Aleitamento Materno). Sabe-se que os RN amamentados exclusivamente no seio materno são fisiologicamente mais ictéricos do que os alimentados com fórmulas nos primeiros dias de vida. o Isso se deve a um aumento na circulação êntero- hepática, por uma ingesta de leite insuficiente relacionada às dificuldades do início da amamentação e, consequentemente, pela menor quantidade de eliminação do mecônio. o Esta forma de icterícia não patológica surge entre o 2º e o 3º dia de vida e está associada a sinais de dificuldades alimentares, como pega/posicionamento incorretos, perda de peso acentuada nos primeiros dias de vida. o No final da primeira semana, RN alimentados exclusiva- mente ao seio materno podem apresentar nível elevado de bilirrubina. o Forma Tardia (Icterícia do Leite Materno). Tem um início mais tardio, e afeta 2-4% dos RN a termo. o Ao redor do 4º dia, ao invés de haver a queda esperada nos níveis de bilirrubina como manda a história natural da icterícia fisiológica, sua concentração continua a subir até o 14o dia de vida podendo alcançar cifras de 20-30 mg/dl! o Se o aleitamento é continuado, estes níveis estabilizam e caem lentamente, atingindo níveis normais em 4 a 12 semanas. o Se o aleitamento for suspenso, os níveis caem rapidamente em 48 horas. Estes bebês apresentam-se saudáveis, com bom ganho ponderal, não apresentam qualquer alteração de função hepática ou de hemólise. o Quanto ao seu mecanismo patogênico, não se conhece muito, mas parece existir fatores no leite materno que interferem com o metabolismo da bilirrubina. o Além disso, quando comparados com bebês alimentados com fórmula infantil, verificamos que os amamentados ingerem betaglicuronidase presente no leite (enzima que converte a BD em BI a nível intestinal, facilitando a sua reabsorção), têm menor colonização bacteriana intestinal (o que diminui a conversão da BD em estercobilina) e excretam menos fezes. o Esse tipo de icterícia já foi relacionado à encefalopatia bilirrubínica, embora isso ocorra raramente. Quando houver dúvida do diagnóstico ou o nível de bilirrubina for muito elevado, pode-se realizar uma prova terapêutica: suspende-se o aleitamento por 24 horas, deixando o RN com complemento. o A bilirrubinemia cai rapidamente, podendo ocorrer discreto aumento à reintrodução do aleitamento, porém não atingindo os valores anteriormente encontrados. ICTERÍCIA PATOLÓGICA o Em neonatos com idade gestacional igual ou acima de 35 semanas de vida, devemos considerar causas patológicas para a icterícia na presença das características abaixo, e com isso, solicitar exames complementares: o Icterícia que surge nas primeiras 24 horas de vida; o Icterícia além da parte média abdominal; o Icterícia associada a sinais clínicos de anemia, sepse, dificuldade respiratória, hepatoesplenomegalia ou qualquer outro sinal de doença sistêmica; ICTERÍCIA NEIONATAL MILENA BAVARESCO o Níveis de bilirrubina que ascendem rapidamente nas curvas de percentil da zona de baixo risco, para as zonas de risco intermediário e alto risco; o Níveis de bilirrubina que ascendem em uma velocidade superior a 0,5 mg/kg/h; o Níveis de bilirrubina que não diminuem com a fototerapia; o Níveis elevados de bilirrubina direta; o Icterícia que persiste além de três semanas de vida. o Na presença destas características, deve-se investigar causas patológicas para hiperbilirrubinemia, e assim, solicitar exames complementares, como: • Bilirrubina sérica e frações; • Tipo sanguíneo e fator Rh da mãe e neonato; • Teste de Coombs; • Eritrograma e contagem de reticulócitos; • Análise da lâmina de sangue periférico; • Outros: TSH/T4, pesquisa de galactosemia, pesquisa de deficiência de glicose-6-fosfato- desidrogenase.SÃO CAUSAS DE ICTERÍCIA PATOL ÓGICA POR HIPERBIL IRRUBINEMIA INDIRETA: SÃO CAUSAS DE ICTERÍCIA PATOL ÓGICA POR HIPERBIL IRRUBINEMIA DIRETA: ICTERÍCIA NEIONATAL MILENA BAVARESCO
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