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Disciplina: BRI0018 - Desenvolvimento Internacional ANÁLISE CRÍTICA: Chutando a escada, Ha-Joon Chang ANA GABRIELA GOMES PINHEIRO DOS SANTOS (10724802) São Paulo 2021 1 “Chutando a escada: estratégias de desenvolvimento numa perspectiva histórica”, aclamada obra de Ha-Joon Chang, foi publicada em 2002 inicialmente em inglês, pelo então economista, professor e diretor de estudos acerca do desenvolvimento na universidade de Cambridge. Tendo como objetivo destrinchar a problemática acerca da estagnação de países subdesenvolvidos, o autor conquistou o prêmio Gunnar Myerdal, entregue pela European Association for Evolutionary Political Economy, como melhor publicação, contribuindo diretamente aos estudos de desenvolvimento econômico e globalizado. Com um princípio de valorizar e compreender lições aprendidas durante a história da humanidade, o autor baseia seu texto em uma obra do economista alemão do século XIX, Friedrich List (1789- 1846), e utiliza uma de suas passagens como referência para o título “Chutando a escada”. Por vezes considerado pai do argumento da indústria nascente, List acredita que em face dos países desenvolvidos, os mais atrasados não conseguem desenvolver novas indústrias sem a intervenção do Estado, especialmente tendo tarifas proteccionistas como método. O pensamento de List se estende a compreender o livre-comércio como dinâmica benéfica apenas entre países de semelhante nível socioeconômico e principalmente industrial. Não há concorrência justa e equitária entre países de níveis muito distintos. O poder e a capacidade de dominação dos países desenvolvidos poda a evolução dos inferiores. Faz-se referência então título da obra: chutar a escada seria a tática de preservação da vantagem competitiva dos países desenvolvidos em detrimento dos outros países. Limitar o caminho percorrido até o topo, segundo Chang, é uma agenda comum do desenvolvimento internacional. Outros pensadores compartilham a mesma opinião e outros estudos como este surgiram na mesma época, inclusive utilizando a explicação e a antecipação de situações contemporâneas como exemplo. Ao atingir um nível alto de desenvolvimento, países que promoveram fortemente o protecionismo, começam a defender tendências e se posicionar de maneira mais liberal, visto que suas empresas já estão em colocações muito fortes para concorrer no mercado mundial. O autor ressalta que analisar tais contextos não se trata de uma compilação de informações, e sim, a construção de teorias a partir de modelos históricos. E a partir da pergunta norteadora da obra “Como os países ricos, de fato, enriqueceram?” e ele passa a discorrer sobre sua visão. Durante o texto ele destaca que as imposições dos países em vantagens se destacam com as “boas políticas e boas instituições”, qualificadas como agentes do desenvolvimento econômico. 2 Neste caso, as boas políticas caracterizam-se pelas políticas macroeconômicas restritivas, privatizações, liberalização comercial e financeira, entre outras. Em suma, estabelecidas no consenso de Washington. Seguindo esta mesma corrente de pensamento, as “boas instituições” caracterizam-se predominantemente por aquelas adotadas nas grandes potências, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. O autor salienta que as evidências históricas revelam que estas políticas não foram adotadas enquanto estas potências acendiam, e sim, corroboram para a manutenção das mesmas nesta posição vantajosa. No segundo capítulo, ele aprofunda essas questões, pesquisando sobre as políticas industriais, comerciais e tecnológicas dos países desenvolvidos. Compreendendo seus contextos e trajetórias a fim de contribuir e confirmar sua tese sobre a inconfiabilidade de suas proposições acerca destas políticas nos países em desenvolvimento. Esta análise determina que as políticas pró desenvolvimento de grande número de países já desenvolvimentos sigam um modelo de promoção a indústria nascente, como por exemplo: direito de monopólio, cartelização, subsídios á exportação, créditos diretos, redução de taxas, promoção de instituições direcionadas a parcerias público-privadas, entre outras, Sendo assim, é possível notar um cenário conduzido ao protecionismo. O que é totalmente diferente das recomendações impostas e pressões sofridas pelos países ainda em desenvolvimento. Estes, por sua vez, se demonstram cada vez mais protecionistas, dado o poder das nações superiores. Não obstante, o autor também procura relatar que as potências rescindiram muitas instituições que na atualidade prezam, para se tornarem ricos. Apenas quando alcançaram estabilidade, apenas quando tiveram recursos para arcar com seus custos econômicos, as adotaram. Um exemplo muito claro, são as instituições de bem-estar social e a regulamentação do trabalho pautado nos direitos humanos. Estes não existiam e, portanto, não influenciaram ou atrasaram o desenvolvimento dos países que se desenvolveram durante o século XIX. Esta discussão se estende e se amplia no terceiro capítulo, Chang, de forma detalhada, perpassa todas as nuances da “boa governança” na perspectiva histórica. Ao analisar inúmeras instituições e suas evoluções nos países altamente desenvolvidos, o autor demonstra a importância de não apenas deixá-las evoluir organicamente ou restringir suas atuações, é de imprescindível importância aprender com suas origens e histórico, a fim de direcioná-las de acordo com as necessidades encontradas. Então o autor debate a consolidação da burocracia, e judiciário; regimes de direito de propriedade; governança empresarial; instituições 3 financeiras; instituições de bem-estar social, instituições de regulamentação trabalhista e outras. Ao se aprofundar nestas questões, o autor utiliza dados de muitos países para analisar uma amplitude maior de fatos e eventos no desenvolvimento destes países, e assim, nota-se que esse desenvolvimento institucional na prática foi mais lento e irregular. Ao comparar os índices de desenvolvimento das potências com os países ainda em desenvolvimento, é possível concluir que este cenário evoluiu muito e os países na atualidade possuem um nível muito mais elevado de desenvolvimento institucional. Além disso, estes sofrem a dominação por parte das potências para que cumpram todas as recomendações e padrões estabelecidos em uma posição de privilégio. No quarto capítulo do livro, Chan, de forma sagaz, retorna a problemática norteadora de sua pesquisa, se estariam ou não as nações já desenvolvidas e bem posicionadas utilizando de sua influência para limitar o desenvolvimento daquelas que as sucedem. Por vezes, tais países, até mentindo sobre seu passado, para impedir que a verdade sobre seus respectivos processos de desenvolvimento possam gerar qualquer tipo de ajuda para os subdesenvolvidos. É nesse momento também que o autor, após reunir detalhadamente inúmeros dados e fatos sobre a história institucional e econômica de diversas nações, em contextos sociais e geográficos distintos, argumenta que, no final do século XX e no início do século XXI, a política ortodoxa e hegemônica se direciona a “chutar a escada” do desenvolvimento, construindo de forma sólida uma série de limitações e obstáculos a capacidade de promoção e ascensão dos países em desenvolvimento. Além disso, as instituições atualmente tidas como imprescindíveis à sociedade são produto das políticas (ou falta destas) do passado, representando um cenário completamente diferente para o desenvolvimento das potências. Referente a essa colocação, um argumento utilizado pelo autor é de que nas décadas de 1980 e 1990, período no qual estes países aderiram às políticas neoliberais pró-mercado, se teve um fraco crescimento. Diferentemente das décadas anteriores (1970 e 1980), período no qual estes países adotaram as políticas intervencionistas, se teve um maior progresso em relação ao desenvolvimento. Isto significa que as políticas que geraram bons frutos em um passado recente, continuam a gerar o mesmo. Ao iniciar a fase conclusiva de seu trabalho, o autor apresenta suas sugestõesde mudanças e posicionamento acerca do assunto, através de lições para o futuro. Chang, argumenta que uma situação comum em políticas de convergência, é uma difícil transição para o estabelecimento de atividades de maior valor agregado, e isto ocorre por todas as diferenças entre o retorno social e o 4 retorno do possível investidor. Sendo assim, seria de grande importância, a criação de instituições responsáveis por regular este retorno, seja o estado oferecendo garantia ao investir ou eliminando totalmente seus riscos atuando diretamente. No entanto, considerando o tempo e a eficácia não satisfatória que isso pode ter, o autor sugere que esse direcionamento institucional seja mais focado e ágil. Para ele, os países com maior nível de desenvolvimento é quem deve ajustar suas políticas para promoverem as mudanças a nível mundial. Inclusive, no aprimoramento das “instituições de boa governança”, que devem ser pensadas e estruturadas de acordo com as especificidades e necessidades de cada país, priorizando um prazo maior de absorção por parte dos países em desenvolvimento. Por fim, o autor destaca três objeções que podem ser motivadas pelos seus textos, uma delas é a obrigatoriedade que assola os países em desenvolvimento de adotar todas as medidas recomendadas pelos bem desenvolvidos por conta de seu poder e força. Chang vorazmente discorda disso, mas não tem uma sugestão de como resistir a esta força. No livro “O que é poder?” de Gérard Lebrun, publicado no ano de 1981, é discutido o conceito deste poder que as potências políticas detém, e inúmeras nuances e possibilidades da semântica deste fenômeno. Não limitado a filosofia política, Lebrun, busca revestir o conceito de inúmeros e diversos significados, livrando o leitor de preconceitos e ideias pré estabelecidas em torno do “Poder” e fomentar uma curiosidade genealógica. Através de um exemplo político, relacionando o FMI e uma super potência, o autor propõe a potencialidade como capacidade determinada, ainda que seja utilizada ou não. Ele usa este conceito para definir a “política” que por sua vez é responsável por através de força garantir direito e segurança, colocando de forma simples. No entanto, esta força que se funda a política, raramente é caracterizada por uma arma ou violência, está força está diretamente ligada a capacidade determinada de influenciar e mobilizar pessoas. Na política, a força é a determinação da potencialidade. Mas existe uma diferença entre poder e potencialidade. O Poder dispõe de um elemento adicional. Existe poder quando uma potência, determinada por força, se expressa de maneira muito clara e incisiva. O Poder é expressado como uma ordem direta, a qual, a quem se dirige, espera-se o cumprimento da mesma. É o grau de probabilidade de determinação da potencialidade. E neste momento, o autor refere-se a um conceito pensado por Max Weber, traduzido por Raymond Aron como dominação. Em suma, o 5 poder/dominação exerce papel coercitivo não isento de intenções em uma sociedade civil complexa. Michel Foucault, em “A vontade do Saber'', mostra rejeitar esta tese: 1- o poder não se limita à proibição. Há muito tempo é responsável por garantir a eficiência de inúmeras instituições imprescindíveis à vida em sociedade. 2- O poder expressá representação jurídica e carece de compreensão de seus mecanismos além do entendimento raso. 3- O poder-dominação se estabelece em todas as relações sociais e em relações demasiadamente distintas. De modo que, não exista uma oposição binária e global entre dominador e dominado, é absolutamente limitante enxergar o poder apenas como o poder do Estado. O autor completa o pensamento dizendo que há e houveram sociedades que sobreviveram sem o poder do Estado. Exemplifica com a situação de tribos indígenas que com poucos prazeres e recursos escassos sobrevivem sem relações de dominação. Desta forma, atribui a origem do poder à necessidade da guerra e a perda da força das leis de justiça que passam a precisar de coerção para se manterem em vigor. A partir disso, pensar a soberania pressupõe uma grande transformação na dinâmica política. Com a coerção por parte do Estado, os homens com seus anseios pessoais, se tornam inimigos de todos os outros e são capazes de "quebrar" a vontade coletiva em prol de seu próprio bem (Aqui se presume, principalmente, ascensão econômica) . E o desafio da “política” é ordenar todas essas vontades pessoais de forma que elas sirvam como engrenagens desse sistema e funcionem em prol de um bem comum. Sendo assim, em consonância com a refutá de Chang em relação a obrigatoriedade dos países em desenvolvimento cederem às imposições dos altamente desenvolvidos, é de extrema importância que essa dialética de poder seja questionada e dimensionada, para que as políticas e a instituições instituídas compartilham de ideais igualitários e de reparação. Criticamente, o grande destaque da obra de Chan é o estudo e a reunião de dados históricos sobre a economia e as instituições das nações. Dentre a conjuntura social e os conflitos políticos, o autor detém uma capacidade impressionante de analisar o desenvolvimento econômico em dinâmica com o desenvolvimento social. Além de pontuar coisas certeiras sobre um assunto tão relevante e em discussão na contemporaneidade. Chang é cirúrgico quando afirma que os organismos internacionais como FMI e Banco Mundial devem direcionar seu apoio a partir de uma ética e análise da conjuntura. Observar a realidade de cada país e assim, reconhecer que 6 países economicamente mais atrasados devem poder usufruir de políticas mais intervencionistas.Através de estudos mais detalhados, compreender quais instituições são adequadas para o desenvolvimento de cada país, e depois de identificadas, serem contidas dentro de um planejamento estratégico e com um prazo realista. “Chutando a escada” é esclarecedor e valioso em informações, a leitura é dinâmica e a forma como o autor conduz o texto e organiza os dados é ilustre e admirável. 7 8
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