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CADERNO – IED/ RICARDO MAURÍCIO – FBDG 2021.1 AULAS 01 E 02 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 1. Características da IED – Introdução ao estudo do direito: a) Propedêutica – apresenta caráter introdutório, utilizando termos, como a lei, por exemplo, que serão contemplados em diversos ramos do direito. Assemelha-se, portanto, à importância de dominar matemática básica para a resolução de problemas mais complexos como equações; b) Enciclopédica – apresenta caráter interdisciplinar, englobando conteúdos de diversas áreas do conhecimento (Filosofia, Antropologia, Sociologia, História, etc...); c) Zetética – apresenta um caráter voltado para a valorização da capacidade de interpretação de normas, ou seja, vincula-se à defesa de princípios em contextos específicos, levando em consideração os aspectos humanos e sociais; d) Epistemológica – associada ao estudo do conhecimento no âmbito jurídico – análise da relação entre direito e ciência; OBS: Zetética x Dogmática Zetética Dogmática Valoriza a interpretação (norma- princípio); Leva em consideração os aspectos humanos e sociais; Vincula-se à subjetividade e a uma visão mais justa; O uso excessivo pode desencadear no abuso incontrolável da subjetividade e na sobreposição acentuada do poder judiciário; Impositiva e inquestionável (norma-regra); Associada à generalização; Respeito fiel às leis; Pode vincular-se a injustiças; Não leva em consideração aspectos humanos e sociais; Ex: A aplicação do direito alemão durante o regime nazista; 2) Teoria da norma jurídica 2.1 – Sociedade: conceito e tipologias Sociedade: agrupamento de indivíduos que apresenta uma organização bem definida (divisão de trabalho, relações de poder, repartição de funções, etc...); Podem ser classificadas em humanas e não humanas (ou sub-humanas). Vale salientar que o direito aplica-se somente nas sociedades humanas; 2.2 – Determinismo x Liberdade Determinismo: corrente de pensamento baseada na concepção de que as questões biológicas interferem significativamente nos comportamentos individuais. Durante alguns momentos da história (como nos meados do século XIX), essa concepção foi utilizada de forma errônea ao associar-se aos seres humanos. Teóricos como Lombroso, por exemplo, utilizou dessa vertente para sintetizar a ideia do “criminoso nato”; É importante salientar que os seres humanos são essencialmente livres (“somos escravos da nossa própria liberdade”) – nossos comportamentos não são determinados exclusivamente por fatores biológicos. Daí a necessidade de fixar normas de conduta em prol da convivência pacífica. Não há sociedade humana sem direito pois caso isso ocorresse estaríamos voltando à condição de barbaridade (“a luta de todos contra todos”); Para Ortega y Gesset, o homem é um “centauro ontológico”, ou seja, metade cavalo (parte determinista) e metade homem (parte associada à liberdade – racionalismo e absorção das normas); 2.3 – Controle social e mundo normativo Controle social – sistema de modelagem comportamental através do qual somos introduzidos a normas socialmente aceitas; O controle social compreende as instituições (espaços de convivência social – Família, Igreja, Escola, Estado...) e as normas (regras que estabelecem formas de conduta e sanções caso não forem devidamente cumpridas); A família é tida como a instituição social, para sociólogos como Émile Durkheim, como a mais importante pois contribui para o processo de socialização primária do indivíduo, auxiliando-o no desenvolvimento de suas habilidades e visão de mundo; Segundo Aristóteles, o homem é um animal político, ou seja, um ser social, necessitando da interação com outros indivíduos; 2.4 – Normas sociais e a lógica do dever-ser As normas sociais e a lógica do dever-ser surgem a partir do mundo real e de suas necessidades, ocorrendo a discussão de sua aplicabilidade; Em várias ocasiões, a realidade contribui para que o dever-ser soe como uma utopia; O desafio, portanto, é tornar essa relação harmônica e válida; 2.5 – Normas técnicas x normas éticas Normas técnicas – são normais sociais que regulam o comportamento humano dado aos fins em detrimento dos meios – são neutras e independem de um conteúdo específico, apresentando um caráter geral ou universal. Não carregam, portanto, um caráter valorativo. Exemplo: Normas técnicas presentes em curso de direção e as normas da ABNT; Normas éticas – são normais sociais que levam em consideração valores humanos e sociais, tais como a ética, a disciplina, erigindo o respeito à dignidade humana e à justiça – os fins não justificam os meios; Um trabalho cumprindo as regras da ABNT mas xingando a família de um professor é perfeitamente técnico porém não é ético; 2.6 – Tipos de normas éticas: Etiqueta, moral e jurídica ETIQUETA OU CORTESIA São normais que regulam aspectos éticos de menor relevância envolvidos nos tratos com as pessoas e as coisas (bom dia, boa tarde, até logo, licença); O descumprimento vincula-se à descortesia, apresentando sanções difusas, sendo espontâneas e plurais; MORAIS São normais que regulam aspectos éticos de maior relevância; Exemplo: o cumprimento dos 10 mandamentos – “não matar...”; O descumprimento vincula-se à imoralidade, apresentando sanções difusas; Embora essas sanções difusas vinculadas às imoralidades sejam mais rígidas comparadas às descortesias, ainda permanecem plurais, espontâneas e não são pré-determinadas; JURÍDICAS São normas que integram o mínimo-ético necessário para uma convivência estável; São aquelas determinadas pelo código jurídico; O direito é fundamental para o estabelecimento de uma sociedade; O descumprimento vincula-se à ilicitude, apresentando sanções jurídicas pré- determinadas; Por exemplo, em caso de furto, o delinquente poderá pagar com a privação da liberdade e/ou ressarcimento do dano; Essas sanções cabem exclusivamente ao Estado e não devemos realizar justiça com as próprias mãos; OBS: Em algumas ocasiões como “não matar” pode ocorrer uma interseção entre normas jurídicas e morais. Diferentemente das normas técnicas, as normas éticas variam no tempo e no espaço, espelhando assim a diversidade histórico-cultural das sociedades humanas; As normas sociais regulam ao mesmo tempo os comportamentos humanos, podendo, nesse sentido, convergir ou divergir em matéria da disciplina da conduta humana; A relação do direito com a moral é bastante próxima, embora não haja uma necessária coincidência; O direito encontra-se na última fronteira do controle social, garantindo o chamado mínimo ético-social; A maioria dos comportamentos humanos são lícitos e apenas uma minoria de comportamentos encontra-se numa zona de ilicitude (tudo o que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido); Embora caiba ao Estado a aplicação das sanções jurídicas das sociedades orientais, o ordenamento jurídico excepcionalmente atribui a particulares a prorrogativa de impor estas sanções; Art 25 do Código Penal Brasileiro: Entende-se em legítima defesa quem, visando moderadamente dos meios necessários, repele injustamente agressão, atual ou iminente, o direito seu ou de outrem AULA NÚMERO 03 – DIREITO X MORAL 1. Bilateralidade x Unilateralidade – As normas jurídicas são bilaterais pois o direito sempre disciplina relações intersubjetivas, atribuindo direitos subjetivos a sujeitos ativos e deveres jurídicos a sujeitos passivos. Essa bilateralidade torna possível a exigibilidade do dever jurídico do plano intersubjetivo. De outro lado, as normas morais são unilaterais pois a moral se dirige ao indivíduo isoladamente considerável, não sendo possível a exigibilidade institucional do dever moral; OBS: A relação de sujeito ativo/passivo é dinâmica. Ex: relação do patrão e empregado;2. Exterioridade x interioridade – As normas jurídicas são exteriores pois o direito disciplina (regula) comportamentos no mundo externo (concretização de fatos), diferentemente das normas morais que disciplinam estados internos do psiquismo humano; 3. Autonomia x heteronomia – O direito é heterônomo pois as normas jurídicas impõem preceitos obrigatórios para as partes, independentemente da vontade. Por sua vez, as normas morais são autônomas pois os preceitos morais são escolhidos pelo agente social; OBS: Em alguns países do Oriente Médio, as normas morais religiosas possuem maior relevância comparadas ao direito. 4. Maior e menor coercitividade - O direito costuma ser mais coercitivo que a moral pois as normas jurídicas geram um receio maior de punição na mente dos agentes sociais; 5. Maior e menor coactividade – O direito costuma ser mais coativo que a moral pois a sanção jurídica impõe um comportamento patrimonial e pessoal mais severo que as sanções morais; 6. Sanção organizada x sanção difusa – As sanções jurídicas são pré-determinadas pelo Estado e são mais coativas ao passo que as sanções morais são difusas por serem sustentadas de forma espontânea e plural pela própria sociedade; AULA NÚMERO 04 – TEORIA DOS CÍRCULOS ÉTICOS E ATRIBUTOS DAS NORMAS JURÍDICAS 1. Teoria dos círculos éticos 1.1 – Concepção dos círculos éticos concêntricos – a visão jusnaturalista da Idade Média: Trata-se de uma visão segunda a qual o direito seria o centro do mundo moral a partir da existência dos chamados direitos naturais – direitos inatos e universais que decorreriam de um código moral gravado na essência humana (atuais direitos humanos – vida, liberdade, propriedade...) Embora tenha o mérito de reconhecer a relação entre direito, moral e justiça, tal visão é criticada pelo fato de não considerar a relatividade histórico-cultural dos direitos bem como por não considerar a possibilidade de tratamentos diferentes dados pela moral e pelo direito ao comportamento humano. 1.2 – Concepção dos círculos éticos separados – a visão positivista da Idade Moderna: Trata-se de uma visão segunda a qual direito e moral seriam esferas éticas totalmente independentes. O direito regularia o Estado enquanto a moral regularia as relações privadas (organização da sociedade civil). Nesse sentido, os juristas não poderiam utilizar as suas convicções morais para criar, interpretar e aplicar o direito. Em primeiro lugar, a separação entre direito e moral produziu inúmeras injustiças. Tal concepção é incapaz de visualizar a possibilidade de zonas de interseção entre essas duas esferas, bastante evidente na contemporaneidade. Vale salientar também que essa perspectiva esteve vinculada, em alguns momentos, à consolidação de regimes totalitários, como por exemplo, sendo utilizada pelos nazistas para justificar as perversidades cometidas contra os judeus (previsto por lei mas fora do campo da moral). ´ 1.3 – Concepção dos círculos secantes – a visão pós-positivista da Idade Contemporânea: Trata-se de uma concepção segunda a qual direito e moral apresentariam uma zona de intersecção, mantendo, contudo, zonas independentes na regulação do comportamento humano. Nessa zona de intersecção, encontraríamos os direitos humanos afirmados no plano constitucional. É a partir dessa perspectiva, sobretudo a partir do término da Segunda Guerra Mundial, que os debates em relação aos direitos humanos foram ampliados assim como o estabelecimento de tratados internacionais. A criação da ONU também constituiu um fato de extrema relevância. Embora tal visão tenha permitido a retomada do debate sobre a justiça, ela é criticada por ampliar a insegurança jurídica, além de permitir os decisionismos arbitrários pelo judiciário. A valorização de princípios como igualdade, equidade, equilíbrio contribuiu para a consolidação da análise zetética do direito sendo vista por muitos como sinônimo de insegurança. 2. Atributos das normas jurídicas 2.1 – Validade: Consiste na adequação vertical da norma jurídica inferior com a norma jurídica superior ou, colocando de outra forma, consiste na compatibilidade entre uma norma jurídica inferior e uma norma jurídica superior. Para a verificação da validade, revela-se importante o uso da pirâmide normativa de Hans Kelsen Normas individualizadas (contratos, testamentos, decisões judiciais) Normas internas (estatutos e regimentos) Decretos regulamentares (regulamentos para execução da lei) Normas legislativas (medidas provisórias, leis D ire ito s H u m an o s complementares, leis ordinárias...) Normas constitucionais (Originárias e derivadas): Por exemplo, um edital de um concurso público deve, obrigatoriamente, submeter-se à Constituição e, consequentemente, às leis superiores. 2.1.1 – Validade formal – consiste na possibilidade de uma norma jurídica superior estabelecer a forma de criação da norma jurídica inferior. Nesse sentindo, a norma superior estabelece a competência (quem) e o procedimento (como) da norma inferior; 2.1.2 – Validade material – diz respeito à possibilidade da norma jurídica superior estabelecer o conteúdo da norma jurídica inferior (Por exemplo, a ideia de que o consumidor deve ser protegido levou à criação do Código de Defesa do Consumidor); 2.2 – Vigência: Consiste no tempo de validade de uma norma jurídica (“tempo de vida”). Existem normas de vigência determinada e normas de vigência indeterminada. 2.2.1 – As normas de vigência determinada são aquelas que possuem tempo (prazo) determinado. Por exemplo, ao analisarmos um contrato por tempo determinado – um jogador assinou um contrato com um time por 3 anos; 2.2.2 – As normas de vigência indeterminada são aquelas que não preveem término da sua validade. Por exemplo, podemos considerar a Constituição de 1988 (“Constituição Cidadã”) para ilustrar essa observação; OBS: Caducidade x Revogação – Caducidade corresponde ao fim da vigência determinada de uma norma jurídica. A Revogação vincula-se à substituição de uma norma jurídica por outra que trata do mesmo tema de modo diverso. A revogação é controlada nas hipóteses de normas de vigência indeterminada. Vale ressaltar que a revogação de uma norma de vigência indeterminada pode resultar em outra de vigência indeterminada ou em uma de vigência determinada; Tipos de Revogação: a) Total ou parcial – Em uma revogação total, como o ocorrido na Constituição de 1988 em relação a anterior (1967), ocorre uma alteração global da norma jurídica antecedente. Em uma revogação parcial, altera-se alguns dispositivos da norma anterior, como por exemplo, a revogação do Código Comercial pelo Civil; b) Expressa ou tácita – Em uma revogação expressa ocorre uma alteração textual, como a ocorrida no Código Civil. Em compensação, o oposto verifica- se em uma revogação tácita, como a revogação da antiga Lei de Imprensa pela Constituição de 1988; OBS: Incidência imediata x incidência mediata – A primeira vincula-se à relação entre a data de publicação e o início de sua vigência, sem a presença de um intervalo. Por outro lado, uma incidência mediata relaciona-se à ocasião em que a norma jurídica inicia a sua vigência após a sua publicação, sendo previsto um prazo de vacatio legis (um “intervalo”, geralmente, de 45 dias de acordo com o artigo primeiro da LINDB caso não houver uma explícita vigência); OBS: Repristinação - É a restauração (“ressureição”) dos efeitos jurídicos de uma norma revogada pela revogação da norma revogadora. No Brasil, admite-se tão somente a repristinação expressa, conforme o artigo segundo da LINDB (L1, L2, L3 – L3 revoga L2 e restaura a L1, por exemplo); 2.3 – Vigor: Consiste na força vinculante de uma norma jurídica que regula os fatos ocorridos durante a sua vigência, permanecendo a eles vinculados mesmo após a sua vigência. A sistemática geral do vigor compreende três princípios– o princípio da segurança jurídica, o princípio de que o tempo rege o ato e o princípio da irretroatividade das leis 2.3.1 – O princípio da segurança jurídica: realização da previsibilidade na aplicação do direito 2.3.2 – O princípio de que o tempo rege o ato: os atos jurídicos se regem pela lei da época em que ocorreram, sendo essa utilizada como parâmetro para tomar decisões sejam elas administrativas ou judiciais 2.3.3 – O princípio da irretroatividade das leis: uma lei nova não retroage, ou seja, não pode voltar ao passado, não considerando situações já consolidadas na vigência da lei anterior O sistema de vigor comporta algumas exceções. A principal exceção é encontrada no Direito Penal: A Lei Penal retroage para beneficiar o réu, conforme estabelece o artigo quinto da Constituição e do Código Penal Brasileiro. Ex: Thiago e Bruno firmaram um contrato em 2019. Em 2020, passa a entrar em vigência uma nova lei. Em 2021, os dois se desentendem e Thiago entra com uma ação contra Bruno. A lei de 2019, embora não esteja mais em vigência, encontra- se em vigor para esse contrato estabelecido entre os dois. 2.4 – Eficácia: Consiste na possibilidade concreta de produção de efeitos jurídicos. 2.4.1 – Eficácia técnico-jurídica: aplicabilidade – Uma norma jurídica é aplicável quando ela produz os seus efeitos independentemente da criação de outra norma jurídica (Ex: Brasília é a capital federal). Um exemplo de norma que não possui aplicabilidade trata-se do artigo 153, inciso 7 da Constituição de 1988. A Constituição estabelece que compete à União legislar sobre impostos sobre grandes fortunas nos termos de lei complementar (depende, portanto, da lei complementar que ainda não foi elaborada). 2.4.2 – Eficácia social: efetividade – É a adequação fática de uma norma jurídica com a realidade social, quando seus preceitos são, de fato, observados pelos conjuntos dos agentes sociais. Entre a legitimidade e a efetiva encontra-se um grande caminho, principalmente em países como o Brasil, ilustrado, por exemplo, no Estatuto do Idoso que embora tenha uma aprovação social elevada, carece de maior eficácia (respeito a filas e a vagas preferenciais...); Um exemplo de normas eficazes são verificadas no trânsito 2.5 – Legitimidade: Consiste na adequação valorativa da norma jurídica. A norma legítima é aquela que é considera justa pela maioria da sociedade em dado contexto histórico-cultural. Ex: A Lei da Ficha Limpa, baseada na cassação de mandatos políticos de indivíduos que foram desmascarados em crimes impactantes, apresenta uma aprovação significativa pela população. AULAS NÚMEROS 05 E 06 – CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS 1. Quanto ao sistema: 1.1 - Normas estrangeiras: São normas jurídicas que são criadas fora do território de um Estado soberano no âmbito da comunidade jurídica internacional. Ex: Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU – 1948); 1.2 - Normas internas: São normas jurídicas produzidas no âmbito de um dado ordenamento jurídico nacional. Ex: A Constituição Federal Brasileira de 1988; 2. Quanto à relação com a vontade: 2.1 – Normas cogentes: São normas que impõem preceitos obrigatórios os quais não podem ser afastados pelas vontades das partes. Ex: A legislação tributária; 2.2 – Normas dispositivas: São normas que admitem a modulação dos efeitos pela vontade das partes (são mais facilmente relativizadas, flexíveis...). Ex: As normas do Código Civil que tratam do regime patrimonial de bens do casamento (comunhão total e comunhão parcial); 3. Quanto à relação entre as normas jurídicas: 3.1 – Normas primárias: São normas que regulam diretamente o comportamento humano seja para permitir, proibir e obrigar uma dada conduta. Ex. Art. 121 do CPB – crime de homicídio; 3.2 – Normas secundárias: São normas que regulam o modo de criação, interpretação e aplicação de outras normas jurídicas. Ex: O artigo primeiro da LINDB – determina uma incidência mediata de 45 dias (normas que tratam de outras normas); 4. Quanto à sistematização legal: 4.1 – Normas codificadas: São normas que integram os códigos (leis dotadas de grande generalidade e abstração, além de serem oriundas de um projeto único discutido no âmbito de um parlamento). Ex: Código Civil, Código Penal, Código Tributário, Código de Defesa do Consumidor...; 4.2 – Normas consolidadas: São normas que pertencem às consolidações (leis que reúnem normas específicas de outras leis preexistentes, não apresentando a mesma generalidade e coerência lógica que os códigos). Resumindo, são normas jurídicas que resultam da reunião ou da justaposição de leis esparsas vigentes sobre um mesmo assunto. Ex: A CLT – consolidação das leis do trabalho; 4.3 – Normas esparsas ou extravagantes ou especiais: São aquelas normas que tratam de aspectos éticos e jurídicos relativos a um campo bastante particularizado da vida humana em sociedade. Elas criam os chamados microssistemas jurídicos. A segunda metade do século XX, tendo em vista uma sociedade cada vez mais heterogênea, é caracterizada pela expansão desses microssistemas jurídicos. Ex: Estatuto do Idoso, Lei Maria da Penha, Estatuto da Igualdade Racial, Estatuto do Índio, Estatuto da Pessoa com deficiência, Estatuto da Criança e do Adolescente; 5. Quanto à estrutura: 5.1 – Princípios: São normas jurídicas dotadas de abertura semântica, generalidade e carga valorativa, que aproximam o direito da moral, potencializando a realização da justiça (associação com os poros de uma pele ou com as janelas de um edifício). Ex: Princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania – Art 1 da Constituição de 1988; OBS: A aplicação dos princípios exige um esforço hermenêutico muito maior, sendo denominada de concretização da atividade interpretativa que delimita o significado de um princípio (vínculo com uma análise zetética do direito). Se não bastasse a concretização de um princípio, muitas vezes os princípios entram em choque com outros, gerando uma necessidade de ponderação; 5.2 – Regras: São normas que descrevem situações específicas, estabelecendo previamente as consequências jurídicas para os aplicadores do direito. O papel das regras é estabelecer marcos de segurança jurídica para gerar previsibilidade social (vínculo com uma análise dogmática do direito). As regras são aplicadas através de uma atividade lógico-dedutiva denominada subsunção (premissa maior + premissa menor = conclusão). Ex: artigo 82 da Constituição Federal de 1988 – o mandato do presidente da república possui a duração de 4 anos. 6. Quanto ao grau de aplicabilidade: 6.1 – Normas de aplicabilidade plena: São normas jurídicas que produzem os seus efeitos independentemente da criação de outras normas jurídicas. Ex: Brasília é a capital federal (artigo 18, parágrafo primeiro da Constituição Federal de 1988); 6.2 – Normas de aplicabilidade limitada: São normas que dependem da criação de outra norma jurídica para produzir os seus efeitos. Ex: Artigo 153, inciso 7 – compete à União a aplicação de impostos sobre grandes fortunas tendo em vista a elaboração de uma lei complementar; 6.3 – Normas de aplicabilidade contida ou restringível: Conjunto de normas cujas produções em um primeiro momento apresenta a possibilidade de uma restrição de seus efeitos originais por conta da elaboração de uma norma posterior. Ex: Artigo 5, inciso 13 da Constituição Federal - Estabelece a liberdade de qualquer ofício ou profissão de acordo com as qualificações profissionais que a lei estabelecer; 6.4 – Normas de aplicabilidade exaurida: Normas que produzem os seus efeitos no mundo dos fatos por conta de um evento específico, permanecendo assim vigente por força de mera reminiscência histórica. Ex: Artigo 2 do ato das disposições tradicionais transitórias – no dia 07 de setembro de 1993 será realizado um plebiscito para a escolha da forma e estrutura do governo;7. Quanto aos âmbitos de validade: 7.1 – Validade espacial: contempla as normas gerais e as especiais. As normas gerais são válidas em todo o território nacional – Ex: A Constituição Federal de 1988, o Código Penal, entre outras. As normas especiais são normas que alcançam parcelas específicas do território de um estado soberano – Ex: A Constituição do Estado da Bahia, a Lei orgânica do munícipio de Salvador, entre outras; 7.2 – Validade pessoal: contempla as normas genéricas e as normas individualizadas. As normas genéricas são aquelas que alcançam destinatários indefinidos – Ex: o artigo 5 da Constituição Federal estabelece que todos são iguais perante a lei (quem são todos? – explícita indefinição). OBS: Quanto maior a hierarquia, maior a generalidade (relembrar a pirâmide normativa de Hans Kelsen, contemplada em aulas anteriores); As normas individualizadas são aquelas que alcançam destinatários definidos. Vale ressaltar, que quanto menor a hierarquia da norma, maior a sua individualização. Ex: Ricardo Maurício celebrou um contrato com a Sky; 7.3 – Validade material: contempla as normas de direito público e as normas de direito privado. As normas de direito público são normas geralmente cogentes que disciplinam a relação entre órgãos estatais e a relação do Estado com os cidadãos, tendo em vista a realização do interesse da coletividade. Ex: Artigo 2 da Constituição Federal – estabelece que são poderes harmônicos e independentes entre si os poderes legislativo, executivo e judiciário; As normas de direito privado são normas que disciplinam, geralmente de forma dispositiva (flexíveis, que podem ser relativizadas..), relações entre particulares tendo em vista a supremacia do interesse individual. Ex: As normas de contratos civis e comerciais (como o estabelecimento de contratos de prestação de serviços). Vale salientar que as normas do direito privado visam à supremacia dos interesses individuais; OBS: Atualmente verifica-se uma diluição das fronteiras seja porque acontece um processo de publicitação do direito privado seja porque ocorre, concomitantemente, um processo de privatização do direito público. Um exemplo pode ser percebido na aplicação do Código de Defesa do Consumidor; 7.4 – Validade temporal: contempla três subcritérios – vigência, incidência e reatroatividade 7.4.1 – Vigência – Existem normas de vigência determinada e normas de vigência indeterminada. As normas de vigência determinada são normas jurídicas que estabelecem o término de sua validade. Ex: As medidas provisórias. As normas são ditas de vigência indeterminada quando não dispuser sobre o final de sua duração. Ex: A Constituição Federal de 1988; 7.4.2 – Incidência – Existem normas de incidência mediata e normas de incidência imediata. Vale ressaltar que a incidência vincula-se à relação entre a data de publicação e o início da vigência de uma norma. As normas de incidência imediata são aquelas que o início da sua vigência coincide com a data de publicação – Ex: A Constituição Federal de 1988. As normas de incidência mediata são aquelas que pressupõem a existência de um prazo de vacância (vacatio legis) entre a data da publicação e o início da sua vigência – Ex: O Código Civil de 2002 que previu um vacatio legis de um ano; OBS: No geral, a maioria das normas jurídicas apresentam incidência imediata; 7.4.3 – Retroatividade – Existem normas retroativas e irretroativas. Normas retroativas são normas que produzem efeito no passado, alcançando situações ocorridas antes do início de sua vigência – Ex: A lei nº 11.106/05 que descriminalizou o adultério no Brasil. Vale ressaltar que apenas uma minoria das normas jurídicas retroagem – no Direito Penal para beneficiar o réu..., sendo a grande parcela irretroativas– normas que não produzem efeitos no passado e que produzem efeitos prospectivos do presente em direção ao futuro – Ex: A Constituição de 1988 não regula ações ocorridas antes da sua vigência (durante a Ditadura Militar, por exemplo); OBS: As normas são irretroativas, em sua maioria, por força dos princípios da segurança jurídica, do tempo que rege o ato, a fim de não alterar as situações ocorridas no passado. Nesse sentido, a lei deve respeitar o direito adquirido à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito. Conceitos importantes: Direito adquirido – é aquele direito que já se incorporou ao patrimônio do titular - Ex: Um concluinte do Ensino Médio não precisa mais retornar para buscar ser aprovado em uma disciplina; Ato jurídico perfeito – consiste em uma situação jurídica que se consolidou no passado pelo fato de observar os requisitos legais da época; Coisa julgada – corresponde a uma decisão judicial que se tornou imodificável pois dela não cabe mais recursos - Ex: Um indivíduo precisa pagar um valor de indenização à pessoa que ele traiu em um momento em que o adultério era considerado crime. Essa decisão se mantém apesar da criação da lei que descriminalizou o adultério em 2005; AULA NÚMERO 07 – FONTES DO DIREITO 1. Fontes do direito são os diversos modos de manifestação da normatividade jurídica que brotam diretamente da realidade social – Ex facto oritur jus (dos fatos surge o direito), ou seja, o direito é um produto da realidade social. 2. A etimologia vincula-se à origem dos vocábulos. O termo “fonte” provém do latim fons, fontis, que implica o conceito de nascente de água 3. Monismo jurídico x Pluralismo Jurídico: No âmbito da Teoria dos direitos fundamentais, os monistas defendem que o Estado seria o único centro produtor das normas jurídicas. Nesse sentido, a sociedade não produziria o direito. Esta foi a visão defendida pelo positivismo durante a Idade Moderna (vincula-se à Teoria dos círculos éticos separados). O Monismo Jurídico entra em crise após a Segunda Guerra Mundial como decorrência da própria crise do Positivismo. Por sua vez, o Pluralismo Jurídico defende a ideia de que o direito não é um produto exclusivo do Estado mas, sobretudo, um produto da sociedade. Este protagonismo social é um decorrência do reconhecimento dos direitos humanos fundamentais, de reaproximação do direito com a moral e da necessidade da redemocratização política (vincula-se à Teoria dos círculos éticos secantes). 4. Tipologias: Fontes materiais x fontes formais – Fontes materiais são todos aqueles elementos econômicos, políticos e ideológicos que se referem à criação do direito. Eles oferecem a matéria-prima para a criação do direito e, por conseguinte, das normas jurídicas (refere-se ao conteúdo e a uma análise zetética). As fontes formais do direito são as normas jurídicas propriamente ditas, nascendo da institucionalização das fontes materiais (fatores econômicos, políticos, ideológicos...) As fontes formais se subdividem em estatais e não estatais. As fontes formais estatais são aquelas fontes normativas que se originam diretamente do Estado – a legislação e a jurisprudência. As fontes formais não estatais são aquelas fontes que não se originam dos Estados, brotando diretamente da sociedade civil – os costumes, a doutrina, os negócios jurídicos e o poder normativo dos grupos sociais 5. Espécies de fontes do direito: 5.1 – Legislação: É uma fonte formal estatal que compreende todas aquelas espécies legislativas num dado ordenamento jurídico. Uma lei é um conjunto de normas escritas, abstratas (porque vincula-se a questões hipotéticas e ideias do mundo dever-ser), genérica (porque se dirige a destinatários indefinidos), de origem predominante parlamentar (porque geralmente as leis são elaboradas pelo Poder Legislativo, com raras exceções destinadas ao Executivo) que regulam as relações entre o Estado e os cidadãos (direito público) bem como as relações entre os agentes privados (direito privado). O sistema jurídico denominado civil law (de origem romano-germânica e geralmente associada a países do OcidenteEuropeu e por eles colonizados – no caso do Brasil), compreende a lei como a principal fonte do direito embora não seja a única. A lei se tornou a principal fonte do direito ocidental após as revoluções liberais burguesas (Gloriosa, Americana e Francesa) A Lei garante estabilidade e segurança para o sistema capitalista e também para a consolidação de regimes democráticos. OBS: No estado brasileiro entende-se por lei a Constituição Federal de 1988, as constituições estaduais, as leis orgânicas dos municípios, as leis complementares, as leis delegadas, as leis ordinárias, as emendas constitucionais, os decretos legislativos e as resoluções parlamentares. No Brasil, a lei continua sendo a principal fonte do direito mas verifica-se, hoje, o aumento da relevância da jurisprudência, fonte típica do sistema common law (origem anglo- saxônica). 5.2 – Jurisprudência: É o conjunto de decisões judiciais no mesmo sentido que formam um padrão interpretativo capaz de influenciar futuros julgamentos. Trata-se de uma fonte formal estatal que brota do poder judiciário. Além disso, consiste na principal fonte jurídica ao lado dos costumes no sistema de common law. No Brasil, após a Constituição de 1988 e o Código de Processo Civil de 2015, a jurisprudência ganhou enorme relevância no ordenamento jurídico nacional. Desde a Constituição de 1988, a jurisprudência vem colaborando para o exercício de um direito mais justo e mais efetivo, muitas vezes, antecipando alterações na ordem jurídica, a partir do reconhecimento de direitos implícitos mas não expressos da Constituição. São exemplos disso os alimentos gravídicos, a guarda compartilhada, o aborto de acefálicos, entre outros temas. A jurisprudência aproxima o direito da realidade social. No Brasil, contudo, critica-se muito a existência de múltiplos entendimentos jurisprudenciais. Após reiteradas decisões, os tribunais podem produzir súmulas para sintetizar o entendimento jurisprudencial. Existem dois tipos de súmulas – as súmulas persuasivas (não obrigatórias) e as súmulas vinculantes (são obrigatórias, sendo impostas pelo Supremo Tribunal Federal – STF – com base no art.103-A da Constituição inserido pela emenda constitucional N 45 de 2004. A título exemplificado, o STF já produziu 736 súmulas persuasivas e 58 súmulas vinculantes. 5.3 – Súmulas: são enunciados interpretativos que sintetizam a jurisprudência dos tribunais. Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação. 5.3.1 – Súmulas persuasivas: São aquelas que não vinculam formalmente o poder judiciário e a administração pública. A título exemplificativo, o STF já produziu 736 súmulas persuasivas; 5.3.2 – Súmulas vinculantes: São impostas pelo Supremo Tribunal Federal – STF – com base no art.103-A da Constituição inserido pela emenda constitucional N ° 45 de 2004. A título exemplificativo, o STF já produziu 58 súmulas vinculantes; Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei https://www.conjur.com.br/2018-jul-12/fernanda-quintas-sumulas-vinculantes-separacao- poderes VANTAGENS DAS SÚMULAS VINCULANTES DESVANTAGENS DAS SÚMULAS VINCULANTES Realizam o Princípio da Celeridade ou Princípio da Rapidez Processual (implica no desenvolvimento de relações processuais rápidas); Reforçam o Princípio da Segurança Jurídica por aumentar a previsibilidade decisória; Realizam o Princípio da Isonomia Decisória (manutenção de mesmos critérios para causas idênticas); Desafogam o Poder Judiciário, abrindo espaço para o julgamento de novas causas; Realizam o Princípio da Eficiência Administrativa no aspecto da economicidade, tendo em vista os elevados custos para a consolidação de um processo; Criam um horizonte de estabilidade econômica, favorecendo a realização de investimentos no mercado; O Princípio da Separação dos Poderes é comprometido (supremocracia), a quem veja nisto uma função legislativa do judiciário; Comprometem o Princípio do Livre Convencimento Judicial (“positivismo sumular” – o juiz torna-se um mero aplicador de súmulas com autonomia limitada); Promovem um engessamento da jurisprudência, bloqueando a atualização do direito; Comprometem o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição (o direito de recorrer); O STF é um tribunal que costuma atuar de forma conservadora em matérias de natureza política e econômica; Abrem o risco para a perpetuação de uma interpretação judicial; 5.4 – Doutrina: Consiste no conjunto de livros, artigos e obras dos grandes estudiosos do Direito que tecem os argumentos de autoridade intelectual capazes de fundamentar a tomada de decisões legislativas, administrativas e judiciais. Ex: O livro “Teoria Geral do Direito” de Ricardo Maurício Freire Soares; 5.5 – Negócio Jurídico: Consiste na manifestação de vontades unilaterais ou bilaterais que disciplinam as relações entre os entes privados, produzindo efeitos no mundo jurídico. Ex: contratos e testamentos; https://www.conjur.com.br/2018-jul-12/fernanda-quintas-sumulas-vinculantes-separacao-poderes https://www.conjur.com.br/2018-jul-12/fernanda-quintas-sumulas-vinculantes-separacao-poderes OBS: Tais negócios jurídicos podem ser escritos ou não escritos. Vale ressaltar que a maioria dos contratos não estão escritos; 5.6 – Costume Jurídico: É o conjunto de práticas sociais repetidas que se desenvolvem no plano da convivência humana para estabelecer direitos e deveres jurídicos. Ao lado da jurisprudência, é a principal fonte jurídica dos sistemas de common law, embora sejam também utilizados no âmbito do civil law. Ex: No direito brasileiro, pode-se citar o cheque pré-datado, surgido através dos costumes do direito comercial. Outro exemplo, é evidenciado na aplicação do 13 ° salário, um costume que foi convertido em lei; OBS: O Costume Jurídico pode interferir na eficácia social (eficiência) de uma norma jurídica e não possui vínculos com o atributo denominado validade. OBS: Os costumes jurídicos, diferentemente da legislação, não apresentam forma escrita (jus non scriptum); 5.7 – Poder normativo dos grupos sociais: Consiste no poder de criar novas normas jurídicas no plano das diversas instituições que compõem a sociedade. Trata-se de um exemplo do Pluralismo Jurídico. Ex: Convenções condominiais, regulamentos de empresas...; AULAS NÚMERO 09 E 10 – TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO 1. Conceito - Trata-se da parte da Teoria Geral do Direito que sustenta a possibilidade do direito ser estudado como um sistema. Enquanto a Teoria da Norma Jurídica estuda as normas jurídicas isoladamente, a Teoria do Ordenamento Jurídico examina a relação das normas jurídicas entre si. Tendo em vista a construção de um sistema jurídico. Entende-se por sistema um conjunto de elementos ordenados racionalmente. Todo sistema compreende um repertório (conjunto de elementos) e uma estrutura (padrão de organização dos elementos). Todo sistema é uma tentativa de organização racional de uma realidade caótica. 2. A noção de sistema jurídico – No mundo do direito é possível também concebermos a noção de sistema jurídico, havendo algumas concepções quediscutam a hegemonia na teoria jurídica. De um lado podem ser encontrados defensores da ideia de um sistema jurídico circular, tendo como maior expoente o pensador Niklas Luhmann. De outro lado, encontra-se a corrente da visão de um sistema jurídico piramidal, a qual é defendida, dentre outros, pelo jurista Hans Kelsen, autor da Teoria Pura do Direito. Essa segunda concepção apresenta-se, contudo, mais didática e operacional para o jurista prático, embora se revele limitada em sua utilização dos sistemas de common law, baseados na jurisprudência e nos costumes. 3. O problema da completude: lacunas jurídicas 3.1 - O problema da completude diz respeito à possibilidade do sistema jurídico oferecer respostas para todos os fatos da realidade social. De um lado existem defensores da completude do sistema jurídico, isto é, ausência de lacunas, inspirados no positivismo jurídico. De outro lado, existem os defensores da incompletude da ordem jurídica que reconhecem a existência de lacunas, inspirados no pós-positivismo jurídico. ARGUMENTOS EM PROL DA COMPLETUDE ARGUMENTOS EM PROL DA INCOMPLETUDE O direito seria completo pois tudo o que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido; O direito seria completo pois a própria ordem jurídica prevê os mecanismos de integração do direito (analogias, costumes, princípios gerais do direito e equidade); O direito seria completo pois o julgador não pode deixar de decidir, alegando a falta e a obscuridade da lei (a decisão judicial como reposta normativa); O direito seria incompleto pois a sociedade se transforma num ritmo mais célere (rápido) do que o direito, daí surgindo as lacunas jurídicas. A existência dos mecanismos de integração do direito é a demonstração da existência de lacunas; O direito é incompleto pois o legislador não está dotado de perfeição racional (é incapaz de prever o futuro e dar conta de todos os fatos presente). Sendo assim, após a Segunda Guerra Mundial, firmou-se o entendimento de que o direito se revela incompleto e lacunoso, visão hoje considerada predominante na Teoria do Direito; 3.2 – Lacunas jurídicas: conceito e tipologias – 3.2.1 – Conceito: Consiste em qualquer imperfeição que compromete a completude do sistema jurídico, seja pela incongruência normativa, seja pela incongruência fática ou valorativa; 3.2.2 – Tipologias: 3.2.2.1 – Normativas: São as lacunas tradicionais que se manifestam toda vez que se verifica a ausência de norma jurídica para tratamento da matéria. Ex: Ausência de legislação específica no Brasil sobre o uso da inteligência artificial (IA) para processos judiciais; 3.2.2.2 – Fáticas: São as lacunas jurídicas que se verificam toda vez que a norma jurídica vigente deixa de ser observada no âmbito dos fatos sociais (perda de efetividade). Ex: a prática do jogo do bicho; 3.2.2.3 – Valorativas ou axiológicas: Ocorre toda vez que a norma jurídica, embora vigente, perde contato com a realidade social no tocante à ideia de justiça (perda da legitimidade). Ex: A obrigatoriedade do voto, previsto no art 14 da CF/1988; 4. Integração do direito 4.1 – Conceito: Consiste na atividade de preenchimento das lacunas normativas fáticas e valorativas com o objetivo de restaurar a completude da ordem jurídica. 4.2 – Instrumentos: A ciência jurídica oferece quatro instrumentos de integração do direito, os quais podem ser utilizados em conjunto ou isoladamente. O ordenamento jurídico brasileiro prevê todos eles nos planos legislativo, jurisprudencial e doutrinário. Nesse cenário, não há uma hierarquia entre esses instrumentos. 4.2.1 – Analogia: Consiste na aplicação de uma norma jurídica que trata de uma dada situação social a uma outra situação social semelhante, que, contudo, não se encontra disciplinada expressamente. O raciocínio analógico está baseado na identificação relevantes de similitude. Ex: A aplicação da lei de proteção aos animais aos presos políticos durante a Ditadura Militar brasileira. Outro exemplo consiste na aplicação analógica da guarda compartilhada para animais; O uso da analogia não tem a mesma amplitude nos mais diversos ramos jurídicos. Naqueles ramos regulados pelo princípio da legalidade estrita, a analogia é vista com reservas, sendo utilizada de modo excepcional. Por exemplo, no direito penal, a analogia só pode ser usada para beneficiar o réu. 4.2.2 – Costumes: São práticas sociais reiteradas que criam normas não escritas para solucionar lacunas jurídicas. Ex: A possibilidade do uso de costumes para o preenchimento das lacunas contratuais, conforme estabelecido pelo Código Civil brasileiro; 4.2.3 – Princípios gerais do Direito: São normas expressas ou implícitas, constitucionais ou infraconstitucionais que aproximam o direito da moral, potencializando a realização da justiça. Os princípios gerais devem ser utilizados, sobretudo, no preenchimento de lacunas fáticas e valorativas (axiológicas). Ex: O uso do princípio da insignificância na hipótese de furtos famélicos (aqueles utilizados para saciar necessidades urgentes); 4.2.4 – Equidade: Trata-se da realização do sentimento de justiça do julgador diante de um caso concreto. Vale dizer, seria a autorização conferida ao aplicador do direito a fazer um juízo moral. Ex: O art segundo da lei brasileira de arbitragem, que autoriza expressamente o uso do juízo equitativo na resolução extrajudicial de certos conflitos de interesses; 5. O problema da coerência: antinomias jurídicas e os critérios de solução dos conflitos normativos 5.1 – Conceito: Exige-se que o sistema jurídico não apresente contradições ou se elas ocorrerem, o ordenamento jurídico possa solucionar tais contradições; 5.2 - Antinomias jurídicas: São conflitos normativos que se manifestam toda vez que uma norma permite e outra proíbe uma mesma conduta, gerando uma situação de capaz de comprometer a coerência do sistema jurídico. Ex: A abertura dos templos religiosos e o conflito entre os direitos de liberdade religiosa, saúde e vida; 5.3 – Critérios de solução dos conflitos normativos 5.3.1 – Hierárquico: Conforme a pirâmide normativa de Hans Kelsen, conflito entre norma jurídica superior e norma jurídica inferior, prevalece a norma jurídica superior. Ex: A Constituição Federal que prevê a igualdade de gênero prevalecerá diante de um concurso que reserva um maior número de vagas a pessoas do sexo masculino; 5.3.2 – Cronológico: Havendo conflito entre posterior e uma norma anterior, ambas da mesma hierarquia, prevalece a norma posterior (a mais nova). Ex: Conflito entre o Código Civil de 1916 e o Código de Defesa do Consumidor de 1990 em matéria de contratos bancários; 5.3.3 – Especialidade: Pelo critério da especialidade, havendo conflito entre norma geral e norma especial, estando na mesma hierarquia, prevalece a norma especial. Ex: No conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso no que se refere ao direito ao transporte dos idosos consumidores, prevalecerá o Estatuto do Idoso; OBS: Discute-se muito sobre a chamada antinomia de conflito: o conflito gerado entre uma norma anterior especial e uma norma posterior geral, ambas da mesma hierarquia. Não há aqui um meta-critério que possa ser utilizado para solucionar eventuais conflitos normativos, cabendo ao aplicador do direito aplicar as normas conforme a especificidade do caso concreto. 5.3.4 – Ponderação de bens e interesses: Toda vez que um princípio constitucional entrar em choque com outro princípio, não será possível a utilização dos critérios anteriores, restando o uso da ponderação. Ela consiste no estabelecimento de uma relação de prioridade concreta entre os princípios em disputa após a investigação zetética dos fatos e valores envolvidos (busca por uma conciliação harmônica). Ex: O conflito entre o princípio da liberdadereligiosa e o princípio da igualdade do caso de candidatos adventistas. Em matéria de ponderação de bens e interesses, não há uma única resposta correta, podendo haver a prevalência de diversos princípios a depender das circunstâncias dos casos concretos. Não há, assim, uma hierarquia prévia dos princípios constitucionais entre si. A sua prevalência é estabelecida concretamente, utilizando-se da razoabilidade. Os críticos da ponderação de bens e interesses referem que não haveria uma racionalidade na interpretação da ponderação, constituindo-se numa fachada pseudocientífica para as escolhas subjetivas dos aplicadores do direito (é a história do cavalo de troia). Ex: No caso da discussão da abertura de templos religiosos em tempos de pandemia, um intérprete considerado um cristão fervoroso está sujeito a uma ponderação distinta daquele intérprete considerado ateu. A ponderação seria apenas um disfarce das escolhas subjetivas dos operadores do direito. AULA NÚMERO 11 – RELAÇÃO JURÍDICA 1. Conceito: Trata-se do vínculo intersubjetivo que se estabelece toda vez que um fato materializa uma hipótese abstrata da norma jurídica, polarizando de um lado um sujeito ativo, titular do direito subjetivo e um sujeito passivo, obrigado ao cumprimento de um dever jurídico. Ademais trata-se de um vínculo intersubjetivo que justifica a aplicação de uma sanção jurídica para aquele que pratica uma ilicitude. 2. Características: Como já examinado anteriormente, a relação jurídica é bilateral e exterior porque supõe manifestações concretas no mundo dos fatos. 3. Elementos constitutivos: 3.1 – Fato jurídico: Consiste em todo e qualquer acontecimento humano (voluntário) ou natural (involuntário) que materializa uma hipótese abstrata da norma jurídica, produzindo consequências no mundo do direito. O fato jurídico em sentido amplo compreende duas categorias: o fato jurídico em sentido estrito e o ato jurídico. a) O fato jurídico em sentido estrito - É o fato jurídico, de caráter involuntário, que realiza a forma abstrata da norma jurídica para produzir consequências no mundo do direito. Ex: Nascimento, morte natural e a passagem do tempo; b) O ato jurídico - É o ato que realiza uma hipótese normativa que produz efeitos no mundo do direito. Ex: Celebração de contratos; 3.2 – Sujeitos de direito: São todos aqueles entes que integram os polos ativo e passivo de uma relação jurídica. Como sujeito ativo, titularizando direitos subjetivos; como sujeito passivo, obrigando-se ao cumprimento de um dever jurídico. Os sujeitos de direito podem ser: a) Pessoas naturais ou físicas – São pessoas dotadas de estrutura corpórea cujo surgimento ocorre a partir do nascimento com vida. Ex: O professor Ricardo Maurício Freire Soares; b) Pessoas jurídicas – São pessoas dotadas de existência abstrata ou ficta, as quais se apresentam como criações do espírito humano desprovidas, portanto, de existência concreta. Existem pessoas jurídicas tanto do direito privado, que atuam nas relações entre particulares - ex: sociedades comerciais, agrupamento de indivíduos que visam a bens lucrativos (bancos, empresas...) e associações civis, agrupamento de indivíduos que visam a bens não lucrativos (grêmios estudantis...); como também existem pessoas jurídicas no direito privado, responsáveis por representar coletividades - ex: organismos internacionais, Estados soberanos e entes federativos. c) Entes despersonalizados – São sujeitos desprovidos de personalidade que não interagem, titularizando, contudo, direitos e obrigados a cumprir. Ex: nascituro (ser que encontra-se em formação dentro do útero materno) – isso justifica a proibição do aborto no Brasil tendo em vista que fere o direito à vida do indivíduo; OBS: Não se pode confundir pessoa física e pessoa jurídica mas em situações excepcionais em que há riscos de fraudes a credores admite-se a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica; OBS: Atualmente constata-se que está em curso um processo de reconhecimento de novos sujeitos de direitos. A título exemplificativo pode-se citar animais e entes dotados de inteligência artificial (IA); 3.3 – Dever jurídico: Trata-se do conjunto de obrigações assumidas pelo sujeito passivo da relação jurídica, contemplando três obrigações: a) Obrigação de fazer – Corresponde à obrigação de realizar um dado comportamento, como, por exemplo, a prestação de um serviço; b) Obrigação de não fazer – Corresponde a uma abstenção, como, por exemplo, respeitar a vida alheia (não se pode matar o outro) e preservar o sigilo profissional (não se pode falar da vida do cliente a outras pessoas); c) Obrigação de dar – Corresponde à obrigação de entregar um bem, como, por exemplo, o pagamento de um tributo; Tipologias dos deveres jurídicos: 3.3.1 – Dever jurídico patrimonial x dever jurídico extrapatrimonial – O dever jurídico patrimonial é aquele dever jurídico que possui conteúdo econômico. Ex: O pagamento de um tributo. O dever jurídico extrapatrimonial é aquele que não apresenta conteúdo econômico. Ex: O respeito à vida alheia; 3.3.2 – Dever jurídico positivo x dever jurídico negativo – O dever jurídico positivo é aquele que consagra uma obrigação de dar e/ou uma obrigação de fazer. Ex: A prestação de um serviço. O dever jurídico negativo é aquele que corresponde a uma obrigação de não fazer. Ex: A preservação do sigilo profissional; 3.3.3 – Dever jurídico instantâneo x dever jurídico sucessível – O dever jurídico instantâneo é aquele que se consuma em um único ato. Ex: O pagamento a vista. O dever jurídico sucessível é aquele que se projeta no tempo, compreendendo diversas prestações ao longo do tempo. Ex: O pagamento de pensão alimentícia; 3.3.4 – Dever jurídico público x dever jurídico privado – O dever jurídico público é aquele cumprido no âmbito de uma relação em que o Estado figure como parte. Ex: O pagamento do auxílio emergencial em tempos de pandemia. O dever jurídico privado é aquele cumprido no âmbito de relações entre os particulares. Ex: O pagamento do salário de um empregador a um empregado; 3.4 - Direito subjetivo: Trata-se do conjunto de faculdades ou poderes conferidos pela norma jurídica ao sujeito ativo da relação jurídica. A título exemplificativo pode-se citar os direitos de propriedades e as faculdades de usar, gozar e dispor de um dado bem OBS: O objeto do direito subjetivo é nada mais nada menos que o cumprimento do dever jurídico correlato; Tipologia dos direitos subjetivos 3.4.1 - Direito subjetivo patrimonial x direito subjetivo extrapatrimonial – O direito subjetivo patrimonial é aquele que se vincula a conteúdo econômico. Ex: O direito de propriedade privada tem conteúdo econômico. O direito subjetivo extrapatrimonial é aquele que está fora do comércio jurídico. Ex: O direito de liberdade de locomoção; 3.4.2 – Direito subjetivo público x direito subjetivo privado – O direito subjetivo público é aquele direito exercido no âmbito de uma relação em que o Estado integre um sujeito. Ex: O direito subjetivo à segurança pública. O direito subjetivo privado é aquele exercido no âmbito de uma relação entre particulares. Ex: O direito de crédito trabalhista; 3.4.3 – Direito subjetivo absoluto x direito subjetivo relativo – O direito subjetivo absoluto é aquele exercido no âmbito de uma relação no qual o sujeito passivo é indeterminado. Ex: O direito à vida e o direito de propriedade privada - nesse caso o dever jurídico negativo é, na verdade, a obrigação imposta a toda comunidade jurídica. O direito subjetivo relativo é aquele exercido perante um sujeito passivo determinado. Ex: O direito de crédito trabalhista, o direito de crédito comercial – nesse caso o sujeito passivo cumpre uma obrigação de fazer ou de dar; 3.5 – Ilicitude: É o comportamento positivo ou negativo que contraria preceitos da normatividade jurídica sejapelo descumprimento do dever jurídico pelo sujeito passivo (inadimplemento) seja pelo exercício abusivo, desproporcional ou desarrazoado pelo sujeito ativo. OBS: A ilicitude é a forma mais grave de infração ética quando comparada à imoralidade e à descortesia; OBS: Vale ressaltar que a maioria dos comportamentos humanos são lícitos, sendo somente uma minoria integrante da zona da ilicitude; Exemplo de inadimplemento – um cliente não paga um tributo; Exemplo de exercício abusivo pelo sujeito ativo – uma operadora telefônica passa a ligar para o cliente inadimplente em horários não comerciais e enche-o de e-mails. 3.6 – Sanção jurídica: Trata-se da consequência patrimonial (Ex: multa de trânsito) ou pessoal (Ex: a pena de morte, a privação da liberdade...) imputada ao ilícito como consequência deste comportamento proibido pelo direito. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, a sanção jurídica apresenta natureza organizada, isto é, previamente determinada pelo monopólio do Estado. OBS: A sanção jurídica apresenta função punitiva, educativa e preventiva; AULA NÚMERO 12 – JUSNATURALISMO E POSITIVISMO LEGALISTA 1. Jusnaturalismo 1.1 – Conceito: Trata-se da doutrina dos direitos naturais: direitos universais e imutáveis que decorreriam da própria natureza humana; 1.2 – Teses fundamentais: 1.2.1 – Reconhecimento de um código de justiça ética único, gravado na essência humana e base para o exercício dos direitos naturais. Ex: Quando um indivíduo agride um idoso, esse já tem consciência automática de que cometeu uma ilicitude; 1.2.2 – Superioridade dos direitos naturais em face do direito positivo – o direito criado pelo Estado deve respeitar. Ex: Se o direito à vida trata-se de um direito natural, o Estado jamais poderia criar uma norma que prevê pena de morte; 1.3 – Fases do pensamento: 1.3.1 – Jusnaturalismo cosmológico (Idade Antiga): para tal concepção a fonte dos direitos naturais seria a harmonia com o universo. Ex: Os sofistas são considerados os responsáveis por fundar as bases do Jusnaturalismo, sendo ainda na Idade Antiga, essa doutrina desenvolvida mais precisamente por nomes como Platão e Aristóteles; 1.3.2 – Jusnaturalismo teológico (Idade Média): consiste na perspectiva da Idade Média, segunda a qual a vontade divina como a fonte da justiça e dos direitos naturais. Por exemplo, pode-se citar os pensamentos de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino – baseados na crença de que a razão encontrava-se a serviço da fé; 1.3.3 – Jusnaturalismo racionalista (Idade Moderna): para tal concepção, a fonte da justiça e dos direitos naturais seria a razão humana universal. A título exemplificativo, pode-se citar Immanuel Kant, no que tange a crítica à razão pura e crítica à razão prática – baseado na busca por se estabelecer normas de conduta universais (não farei com o outro aquilo que não quero que se faça comigo); 1.3.4 – Jusnaturalismo cosmopolita (Idade Contemporânea): para tal concepção, o fundamento dos direitos naturais, agora denominado direitos humanos, seria o consenso internacional estabelecido por diversos povos ou nações; 1.4 – Balanço de críticas: CRÍTICAS POSITIVAS CRÍTICAS NEGATIVAS Possibilita o debate sobre a legitimidade de um direito justo; O Jusnaturalismo desenvolveu a primeira noção de sistema jurídico (um prédio de dois andares – direito O Jusnaturalismo confunde validade com legitimidade – para os adeptos, aquilo que seria injusto não seria válido, gerando uma intensa confusão; natural acima do direito positivo). Assim, percebe-se o início de um debate acerca da existência de uma hierarquia normativa; O Jusnaturalismo possibilitou a consolidação da democracia, tendo em vista o desenvolvimento da teoria dos direitos humanos; A ideia de justiça varia no tempo e no espaço – negligenciam a concepção de que as normas éticas são flexíveis e, portanto, mudam a depender do contexto; Os direitos naturais não existem pois, a rigor, os direitos são criados pela sociedade dentro de contextos histórico-culturais; OBS: Apesar de ter perdido força, o Jusnaturalismo ainda existe, percebendo-se nos dogmas religiosos, por exemplo, em relação ao estigma associado ao aborto que, em tese, fere o direito à vida; 2. Positivismo Legalista 2.1 – Conceito e origem: Trata-se de uma concepção surgida na Idade Moderna, após as revoluções liberais burguesas dos séculos XVII e XVIII (Revolução Gloriosa, Independência dos Estados Unidos e Revolução Francesa). Trata-se da doutrina do direito positivo, expresso nas leis – defendendo a supremacia do direito positivo, geralmente corporizado em leis; Este legalismo se justificava pela ascensão da burguesia, pelo desenvolvimento do capitalismo moderno e pelo racionalismo – a lei passa a garantir maior segurança (estabilidade) ao sistema capitalista, sendo essa lei também um projeto de racionalização da vida humana em sociedade. A principal manifestação do Positivismo Legalista foi a chamada Escola de Exegese, formada pelos comentadores do Código Napoleônico de 1804. Partindo desse pressuposto, o Positivismo Legalista não se delimitou à França mas foi nela em que essa doutrina teve o seu maior expoente. 2.2 – Teses fundamentais: 2.2.1 – Identificação do direito com a lei (Legalismo Extremado); 2.2.2 – Defesa do monismo jurídico (O Estado como fonte do direito); 2.2.3 – Crença na perfeição racional do legislador (O legislador seria absoluto, capaz de criar leis perfeitas); 2.2.4 – Defesa da completude do sistema legal (ausência de lacunas jurídicas); 2.2.5 – Defesa da coerência do sistema legal (ausência de antinomias jurídicas); 2.2.6 – Afirmação da Teoria dos círculos éticos separados (crença na separação entre direito e moral); 2.2.7 – Negação da existência de direitos naturais (os direitos positivos seriam os únicos existentes); 2.2.8 – Identificação da justiça com a segurança jurídica (visão dogmática do direito); 2.2.9 – Crença na moderação judicial (o juiz colocado como uma “boca da lei” – parafraseando Barão de Montesquieu); 2.2.10 – O desenvolvimento de uma intepretação literal da lei (vincula-se a um caráter mais dogmático do direito); 2.3 – Balanço crítico: CRÍTICAS POSITIVAS CRÍTICAS NEGATIVAS O Positivismo Legalista contribuiu para o desenvolvimento da ciência jurídica, principalmente no âmbito do Direito Civil; A defesa da legalidade permitiu a consolidação da democracia e do capitalismo; Possibilitou o desenvolvimento da doutrina como fonte do direito; A lei não é a única fonte do direito, existindo outras estatais e não estatais (jurisprudência, negócio jurídico, costume jurídico, poder normativo dos grupos sociais e doutrina); A moderação judicial pode gerar uma aplicação dogmática e injusta da lei, correndo o risco da produção de decisões injustas; O legislador e a lei não apresentam perfeição, sendo comuns tanto lacunas quanto antinomias; AULA 13 – HISTORICISMO JURÍDICO, SOCIOLOGISMO JURÍDICO E TEORIA PURA DO DIREITO 3. Historicismo Jurídico 3.1 – Conceito e origem: Trata-se da primeira grande corrente de crítica ao Positivismo Jurídico, surgida na Alemanha durante o século XIX. Esse movimento surgiu a partir de uma polêmica doutrinária envolvendo dois grandes juristas germânicos da época: Thibaut e Savigny. Dessa forma, Frederich Savigny, contrário ao Código Napoleônico, foi o mentor da escola histórica do direito. 3.2 – Teses fundamentais: Afirmação do costume como a principal fonte do direito; Afirmação do direito como uma manifestação cultural de cada sociedade variável no tempo e no espaço; Defesa do Pluralismo Jurídico, ou seja, da concepção de que existem outros centros produtores e aplicadores de normas jurídicas além do Estado; Afirmação do espírito do povo (Volksgeist) como base do direito costumeiro; Reconhecimentoda imperfeição do legislador e da lei – defesa da existência de lacunas e antinomias jurídicas; Ênfase à interpretação histórica do direito (leitura retrospectiva do fenômeno jurídico); Resgate do estudo do direito romano como base para a compreensão do direito ocidental; 3.3 – Balanço crítico: CRÍTICAS POSITIVAS CRÍTICAS NEGATIVAS O Historicismo Jurídico teve o mérito de situar de forma adequada o direito no hall dos objetos culturais (superação do idealismo); O Historicismo Jurídico demonstrou que o sistema legal não é perfeito como imaginado pelo Positivismo Legalista; O Historicismo Jurídico demonstra como o direito romano é importante para a compreensão do fenômeno jurídico; Os costumes, por serem fontes não escritas, acabam sendo normas incapazes de trazer segurança jurídica; A noção de espírito do povo (Volksgeist) traz inúmeras estereotipações, ou seja, deformações da própria realidade. Essas generalizações são bastante perigosas uma vez que nem todos pensam e sentem da mesma forma; A noção de espírito do povo foi historicamente utilizada para legitimar regimes autoritários; O Historicismo Jurídico possui dificuldade de se adequar a sistemas jurídicos de civil law; 4. Sociologismo Jurídico 4.1 – Conceito e origem: Trata-se de uma corrente de oposição ao Positivismo Legalista que surgiu na França durante o século XX como uma reação à questão social gerada pela Revolução Industrial. Trata-se da aplicação dos conhecimentos da Sociologia no estudo dos fenômenos jurídico. A partir da França, o Sociologismo Jurídico se desviou para diversos países – a exemplo pode-se citar Estados Unidos, Rússia, Noruega, Finlândia, México e Brasil. Augusto Comte é considerado o pai da Sociologia e Émile Durkheim é considerado o pai do Sociologismo Jurídico, sendo esse movimento considerado o mais contundente no que diz respeito à oposição ao Positivismo Legalista. 4.2 – Teses fundamentais: Afirmação do direito como um fato social (expressão do mundo do ser); Valorização da efetividade como principal atributo das normas jurídicas – ou seja, há um ênfase na eficácia social; Defesa do Pluralismo Jurídico – a sociedade possui o protagonismo na criação do direito; Reconhecimento da imperfeição do legislador e da lei – prevê a existência de lacunas e antinomias no sistema jurídico; Valorização da jurisprudência como fonte do direito; Valorização da opinião pública como referencial da jurisprudência; Valorização da interpretação sociológica do direito (atualização do sistema jurídico às novas demandas sociais); OBS: É importante ressaltar a existência de pontos de interseção entre as teses fundamentais do Sociologismo Jurídico e as teses fundamentais do Historicismo Jurídico. 4.3 – Balanço crítico: CRÍTICAS POSITIVAS CRÍTICAS NEGATIVAS O Sociologismo Jurídico teve o mérito de incluir a jurisprudência no hall das fontes do direito; O Sociologismo Jurídico teve o mérito de demonstrar a importância da efetividade como atributo das normas jurídicas; O Sociologismo Jurídico promoveu a desmitificação da existência de um legislador perfeito; O Sociologismo Jurídico comprometeu a autonomia da ciência do direito; O Sociologismo Jurídico confunde o mundo do dever-ser e o mundo do ser, o que pode ocasionar um quadro de anomia; Os excessos da jurisprudência podem desembocar em um governo dos juízes – “juristocracia” (possibilidade de jurisprudência contra legem); 5. Teoria Pura do Direito 5.1 – Conceito e origem: Trata-se da maior manifestação do Positivismo Lógico do século XX. O seu grande mentor consistiu na figura de Hans Kelsen. A Teoria Pura do Direito foi desenvolvida durante o período entreguerras e representou uma reação ao Jusnaturalismo, ao Historicismo e ao Sociologismo Jurídico tendo em vista a busca por resgatar a autonomia da ciência do direito. Além disso, é importante ressaltar que a Teoria Pura do Direito representou a primeira fase do pensamento kelseniano. 5.2 – Teses fundamentais: Afirmação da ciência jurídica como uma ciência de normas, ou seja, seu objeto seriam as normas jurídicas; Utilização da lógica do dever-ser como a lógica para o estudo das normas jurídicas; Exclusão dos fatos e valores sociais da experiência normativa; Proposição de uma ciência jurídica baseada na objetividade e na exatidão; Afirmação do direito positivo como única realidade jurídica – isto é, o direito posto através das normas jurídicas; Compreensão da ordem jurídica como uma pirâmide normativa; Valorização da validade como único atributo das normas jurídicas – isto é, a sobreposição de uma norma jurídica superior em relação a uma norma jurídica inferior; Defesa da separação entre direito e moral (teoria dos círculos éticos separados); Negação da existência dos direitos naturais; Negação da possibilidade de um tratamento racional da ideia de justiça (ceticismo normativo); Defesa do monismo jurídico – isto é, o Estado seria o único centro produtor e aplicador de normas jurídicas; Defesa da cientificidade do conhecimento jurídico; Defesa de uma visão monodisciplinar – ou seja, da separação do direito com relação a outros saberes e formas de conhecimento; 5.3 – Balanço crítico: CRÍTICAS POSITIVAS CRÍTICAS NEGATIVAS Teve o mérito de resgatar a identidade epistemológica da ciência jurídica; Contribuiu para um grande avanço da ciência jurídica (conceitos, classificações, teorias) indubitavelmente; A valorização da normatividade jurídica traz segurança e previsibilidade para as relações sociais; A Teoria Pura do Direito pode ser utilizada em qualquer regime político- ideológico; Os fatos e os valores sociais não podem ser excluídos da experiência jurídica; O esvaziamento do debate sobre a justiça desemboca numa aplicação dogmática muitas vezes injusta do direito; A ciência jurídica não pode ser considerada um conhecimento exato e objetivo porque sempre estará submetido a multiplicidade de interpretações dos juristas; A neutralidade da teoria kelseniana oportunizou o seu uso político por regimes ditatoriais; AULA 14 – PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO Conceito: O Pós-positivismo jurídico é uma corrente doutrinária surgida pós-Segunda Guerra Mundial que representa uma reação às correntes do Jusnaturalismo, do Historicismo Jurídico e do Sociologismo Jurídico; Trata-se de uma teoria unitária e eclética que tenta reunir os aspectos positivos de todas as correntes anteriores. Embora o pós-positivismo seja uma corrente já difundida desde a década de 40 na Europa, no Brasil somente se manifestou a partir da Constituição Federal de 1988; O Pós-positivismo coincide com o processo de redemocratização política que varre o mundo ocidental após a Segunda Grande Guerra; Teses fundamentais: Afirmação do direito como um conjunto de normas, fatos e valores sociais (superação das visões unilaterais – do tratamento do direito como valor pelos jusnaturalistas; do tratamento do direito como norma pelos positivistas legalistas e positivistas lógicos; e do tratamento do direito como fato social pelos historicistas e sociologistas jurídicos); Valorização dos atributos da validade, efetividade e legitimidade – que devem ser levados em consideração pelos juristas; Valorização do diálogo interdisciplinar (diálogo do Direito com outros saberes humanos – Sociologia, Antropologia, Economia, Filosofia, Psicologia...); Valorização de uma abordagem zetética do direito – abordagem que demanda uma reflexão crítica do direito; Defesa do Pluralismo Jurídico – existência de outros centros produtores de normas jurídicas além do Estado (o direito é produzido pelo Estado e também pela sociedade); Defesa da incompletude do sistema jurídico(existência de lacunas jurídicas); Defesa da incoerência do sistema jurídico (existência de antinomias jurídicas); Reconhecimento da imperfeição racional do legislador e da lei; Valorização dos princípios constitucionais na teoria da norma jurídica; Afirmação da teoria dos círculos éticos secantes (reaproximação do direito com a moral); Resgate do debate sobre a justiça a partir de uma reflexão crítica (tendo em vista uma análise zetética do direito); Valorização da jurisprudência como fonte do direito; Diluição das fronteiras dos sistemas de civil law e de common law; Defesa do ativismo judicial (postura criativa e construtiva de efetivação dos direitos fundamentais pelo poder judiciário – oposição à crença do juiz como “boca da lei”); Diluição das fronteiras do direito nacional e internacional (globalização do direito); Valorização dos estudos sobre a hermenêutica jurídica; Valorização dos estudos sobre a retórica jurídica (teoria da argumentação jurídica); Balanço crítico: CRÍTICAS POSITIVAS CRÍTICAS NEGATIVAS O Pós-positivismo tem o mérito de apontar a utilização dos princípios como normas jurídicas capazes de realizar a justiça; A abordagem zetética e interdisciplinar possibilita uma melhor aplicação do direito; O ativismo judicial contribui para a efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos; O Pós-positivismo jurídico contribui para a afirmação de uma cultura de direitos humanos fundamentais, base do regime democrático; Os princípios são normas genéricas que acabam por força da multiplicidade, acarretando em insegurança jurídica; O ativismo judicial pode ser entendido como um convite a um governo dos juízes (juristocracia); O diálogo dos direito com outras ciências pode comprometer a autonomia do direito; O Pós-positivismo não tem uma identidade própria, sendo uma colcha de retalhos de outras concepções teóricas; Thiago Coelho – FBDG 2021.1 @taj_studies
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