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Universidade Estadual do Ceará - UECE Faculdade de Veterinária - FAVET Disciplina: Alimentação e Nutrição de Animais não Ruminantes Professor: Walbens Siqueira Benevides Alimentação e Nutrição do Gatos Antônia Tayane Vieira de Melo Gabriela Costa Veras Barbosa Lydia Letícia Oliveira de Paulo 0 4 de janeiro de 2022 Fortaleza, Ce Introdução Acredita-se que o gato doméstico tenha evoluído do gato selvagem africano Felis sylvestris libyca entre 4.000 e 10.000 anos atrás (Driscoll CA, et al, 2007). Os gatos pertencem à ordem Carnivora, o que significa “comedor de carne”, e à família Felidae. Acredita-se que os gatos vêm sendo domesticados há pelo menos 9.500 anos atrás, assim que houve o desenvolvimento da agricultura, o que implicou no estoque de alimentos e resultou no aumento significativo de roedores nesses locais. Isto gerou um atrativo para que os felinos migrassem até esses locais. Sendo assim, as gerações de filhotes descendentes dos felinos que permaneceram nesses locais desenvolveram uma relação de maior proximidade com o homem, e como conseqüência disso houve o início de sua domesticação, constituindo um elo de tolerância mútua e comensal com o homem, onde ambas as espécies foram beneficiadas (VIGNE et al, 2004). Características anátomo-fisiológicas Os gatos têm menos dentes do que os cães, mas o mesmo número de incisivos, caninos e dentes carniceiros (quarto pré-molar superior). Além disso, os gatos têm menor número de dentes pré-molares e molares com superfícies fissuradas. Sua dentição é mais especializada para dilacerar carne e não para triturá-la (NRC, 2006). Como os gatos evoluíram para pequenas refeições frequentes ao longo do dia, a capacidade de seu estômago é menor do que a de cães. A capacidade estomacal máxima do gato encontra-se entre 45 e 60 mℓ/kg de peso corporal, em comparação com 90 mℓ/kg no cão. O comprimento intestinal relativo é determinado pelo índice comprimento intestinal/comprimento do corpo. O comprimento do intestino é um dos fatores que influenciam a quantidade de tempo para que ocorram digestão e absorção. Os gatos apresentam comprimento intestinal mais curto do que os cães e outros carnívoros e herbívoros. No gato, esse índice é de 4:1 em comparação a 6:1 em cães (NRC, 2006). A maioria dos mamíferos produz e secreta fator intrínseco a partir do estômago e do pâncreas. A cobalamina, ou vitamina B12 , precisa se ligar ao fator intrínseco para sua absorção e sua captação no íleo. No gato, o fator intrínseco é produzido apenas no pâncreas (Fyfe, 1993). Particularidades Nutricionais Os gatos possuem particularidades nutricionais, tal como a habilidade limitada de infra regular as enzimas do catabolismo do nitrogênio e aquelas do ciclo da ureia, necessidade estrita pelo aminoácido arginina, incapacidade de sintetizar taurina a partir da cisteína, capacidade limitada de lidar com carboidratos na dieta, incapacidade de sintetizar vitamina A a partir de betacarotenos (Morris, 2002). Proteína A proteína na dieta é necessária por dois motivos. O primeiro consiste nos aminoácidos (AA) que o gato não pode sintetizar, denominados essenciais. A segunda consiste no nitrogênio e nas cadeias de carbono para a síntese de AA não essenciais e outros compostos necessários contendo nitrogênio (ou seja, purinas, pirimidinas, heme, hormônios e neurotransmissores). Tanto os AA essenciais quanto os não essenciais tornam-se parte do acúmulo de AA para a síntese de proteína nos tecidos (NRC, 2006). Arginina A arginina é um intermediário fundamental no ciclo da ureia envolvida na excreção do nitrogênio via ureia, assim, a arginina permite que grandes quantidades de nitrogênio, gerados do catabolismo de aminoácidos, sejam convertidos em ureia, para que possam ser excretados do organismo. Uma única refeição sem o AA arginina pode resultar em eventos essencialmente fatais no gato, ou seja, se a arginina não estiver na alimentação, o gato não irá repor os intermediários do ciclo da ureia e ocorrerá o desenvolvimento de hiperamonemia grave (Morris, 1985) A arginina pode ser produzida a partir da ornitina na maioria dos animais, onde os aminoácidos glutamato e prolina atuam como precursores da síntese de ornitina na mucosa intestinal. No entanto, as células da mucosa intestinal do gato têm um nível extremamente baixo de pirrolina-5- carboxilato sintetase ativa, uma enzima essencial nesta via metabólica. O gato também tem uma baixa atividade de uma segunda enzima, a ornitina aminotransferase. Além de sua incapacidade para sintetizar ornitina, o gato também é incapaz de sintetizar arginina a partir da ornitina,para ser utilizada pelos tecidos extra-hepáticos, mesmo quando a dieta fornece ornitina (Case, 1995). Metionina e Cisteína Esses dois aminoácidos sulfúricos são necessários em maiores quantidades para gatos, que para as demais espécies. Elas são estudadas juntas, pois a metionina pode ser convertida a cisteína; assim, a necessidade de aminoácidos com enxofre pode ser satisfeita mediante metionina individualmente ou metionina e cisteína (NRC, 2006). A metionina é um doador importante de grupamento metil para a síntese de DNA e RNA, além de ser um componente de muitas proteínas. A cisteína é importante componente de muitas proteínas, sendo encontrada em cabelos/pelos. A cisteína também é precursora de glutationa, um importante antioxidante em sistemas de mamíferos, e precursor para a síntese de felinina. A felinina é um AA de cadeia ramificada encontrado na urina de gatos domésticos. Não se conhece completamente a função biológica da felinina, embora se acredite que funcione como um feromônio e seja importante na marcação de território (Hendriks WH et al.,2008). Taurina A taurina é um aminoácido (AA) betassulfônico não empregado na síntese de proteína, porém encontrado como AA livre em tecidos. As concentrações mais elevadas de taurina são encontradas no coração, nos músculos, no cérebro e na retina. A taurina tem muitas funções importantes, como osmorregulação, modulação dos canais de cálcio, ação antioxidante e conjugação de ácidos biliares (Huxtable, 1992). Os cães conseguem sintetizar taurina suficiente a partir da cisteína, já os gatos são incapazes de sintetizar taurina a partir da cisteína de forma significativa. Essa inabilidade é resultado da baixa atividade de duas enzimas essenciais na síntese de taurina: cisteína dioxigenase e cisteína descarboxilase e, principalmente, devido à demanda metabólica muito grande. Dessa forma, nem se considera a síntese de taurina nos gatos, o que implica na inclusão obrigatória desse aminoácido na dieta. A deficiência de taurina no gato está associada à miocardiopatia dilatada, à degeneração retiniana central felina e à falência reprodutiva (Morris, 2002) Carboidratos Os gatos que se alimentam apenas de carne animal têm dieta pobre em carboidratos. Assim como com a proteína, os gatos evoluíram diversas adaptações únicas no metabolismo de carboidratos em comparação com os onívoros ou osherbívoros. Dentre essas adaptações, estão: ausência de atividade da glicoquinase no fígado, níveis mais baixos de amilase e das dissacaridases sacarase e lactase no pâncreas e no intestino, pouca adaptação na atividade da amilase com dietas ricas em carboidratos e níveis altos de gliconeogênese a partir de proteínas e gorduras ( Washizu, 1999). Os gatos não apresentam necessidade dietética para carboidratos, mas sim para energia. Desde que a dieta contenha gorduras e proteínas gliconeogênicas, conseguem sintetizar glicose e energia suficientes para manutenção. Um estudo em cães demonstrou que cães lactantes que receberam dieta sem carboidratos tornavam-se hipoglicêmicos, com baixa taxa de sobrevida entre os filhotes . É provável que, embora os gatos não tenham necessidade absoluta de carboidratos, as gatas-mães com um pouco de carboidratos na dieta consigam suportar mais adequadamente a lactação (Romsos et al.,1981) Os mamíferos têm até quatro isoenzimas no fígado que catalisam a conversão de glicose a glicose-6-fosfato, a primeira etapa na utilização da glicose. A hexoquinase responsável pela operação sob altas quantidades de glicose é a hexoquinase D, ou glicoquinase. O gato possui uma baixíssima atividade da glicoquinase, o que está de acordo com uma dieta com níveis baixos de carboidratos. Por outro lado, os cães apresentam a atividade da glicoquinase e conseguem lidar com cargas maiores de carboidratos ( Washizu, 1999). O gato não possui a amilase salivar, enzima responsável pela hidrólise do amido até glicose, e os níveis de amilase pancreática são muito baixos em comparação aos cães (NRC, 2006). Além disso, a atividade dos transportadores de açúcar no intestino também não é adaptável a níveis mais elevados de carboidratos na dieta, em comparação com o cão. Comparados com outras espécies, os gatos apresentam níveis muito mais baixos de atividade de maltase, isomaltase e sacarase na mucosa do intestino delgado. A atividade da lactase é alta em filhotes recém-nascidos, porém rapidamente diminui ao desmame, conforme visto em outros mamíferos. Contudo, comparados com cães, os gatos exibem diminuição mais rápida na lactase (Kienzle et al., 1993). Vitamina A O termo vitamina A inclui algumas substâncias químicas relacionadas chamadas retinol, retinal e ácido retinóico. Todos os animais têm necessidade fisiológica de vitamina A ativa (retinol). No entanto, a maioria dos mamíferos, com exceção do gato, têm a capacidade de converter os precursores da vitamina A (carotenoides) em retinol. Os carotenoides são sintetizados somente por células vegetais. Quando um animal se alimenta de carotenoides de uma planta, a beta-caroteno 15, 15’ – dioxigenase, enzima da mucosa intestinal, converte essas pró-vitaminas em retinol, forma ativa da vitamina A. O retinol é então absorvido e estocado no fígado. Porém, nos gatos, essa enzima é ausente ou deficiente, e, portanto, estes animais necessitam da vitamina pré-formada presente na dieta. Essas substâncias podem ser encontradas em abundância em óleos de fígado de peixes e fígado de animais (CASE et al., 2011). A vitamina A é importante para a visão, crescimento ósseo, reprodução e manutenção do tecido epitelial. Como os gatos não convertem carotenoides (provitaminas A), devido à falta da enzima dioxigenase, eles necessitam da vitamina A pré-formada presente na dieta. Essa vitamina é uma das mais importantes, pois é essencial em diversas funções biológicas no organismo. A deficiência desta vitamina causa vários sintomas diferentes e inespecíficos como anorexia, perda de peso, lesões de pele, fraqueza, infertilidade etc. Os sinais patognomônicos incluem aqueles que afetam a visão, como nictalopia (cegueira noturna) e xenoftalmia (conjuntiva ocular seca) (KIRK et al., 2000). Todavia, como se trata de uma vitamina lipossolúvel, que pode ser estocada, ela também pode se tornar tóxica em concentrações muito elevadas, principalmente em dietas que contém fígado de animais. Os sintomas da hipervitaminose A são malformações ósseas, fraturas espontâneas e hemorragias internas (Polizopoulou et al., 2005). Tiamina A tiamina (B1) é uma das vitaminas B hidrossolúveis necessárias para a formação da coenzima tiamina pirofosfato (TPP). A TPP funciona como coenzima nas reações de descarboxilação no catabolismo tanto de carboidratos quanto de AA. A tiamina é essencial na síntese e no metabolismo de carboidratos, aminoácidos e ácidos graxos. Os gatos precisam de quatro vezes mais tiamina na dieta em comparação com cães (Lonsdale, 2006). Isso pode ser devido a seu nível mais elevado de catabolismo de AA e gliconeogênese. As tiaminases são antagonistas naturais da vitamina B1, as quais são capazes de inativar a tiamina por um processo de oxirredução. Elas são encontradas em alta concentração no peixe cru, mariscos, fermentos e fungos. Dessa forma, animais que possuem uma dieta rica em peixe, principalmente cru, podem sofrer com a deficiência de tiamina. Os sinais clínicos de deficiência de tiamina são anorexia, perda de peso e depressão, os quais evoluem para sinais neurológicos de pupilas dilatadas, ataxia, fraqueza, convulsão e, por fim, morte (Lonsdale, 2006). Comportamento Alimentar Normal Os gatos são caçadores solitários, dessa forma, embora tenham sempre comida à disposição, continuam com o hábito de caçar roedores, lagomorfos, aves e répteis. (HORWITZ et al., 2008). As preferências gustativas desses felinos são instintivas e adquiridas. Quanto às instintivas, eles possuem receptores gustativos especializados para a ingestão de carne, já em relação às preferências adquiridas, foram demonstradas por meio da exposição pré-natal e pós-natal a determinados sabores no líquido amniótico e no leite das gatas-mãe. (BECQUES et al., 2010). Adaptações de Carnívoros Como as presas dos felinos são principalmente ricas em proteína e gordura, eles não apresentam amilase salivar para digerir carboidrato. (ARMSTRONG et al., 2010). Nesses animais, durante a refeição, a dieta proteica estimula a liberação de insulina, que, por sua vez, estimula a gliconeogênese hepática para restabelecer a glicemia. Embora a maioria dos animais suprima a gliconeogênese durante as refeições, os gatos aumentam a produção hepática de glicose durante a fase de absorção para compensar os níveis elevados de insulina. Como os gatos dependem bastante de proteínas para a gliconeogênese, eles continuam metabolizando aminoácidos para energia mesmo quando desnutridos em termos de proteína. (ROGERS et al., 1977). Deficiência de aminoácidos essenciais podem provocar doença grave e até mesmo morte. Dentre esses aminoácidos, a arginina é fundamental para a o homeostase do organismo, uma vez que ela é necessária no ciclo da uréia, para converter amônia tóxica em uréia. A amônia é um produto intermediário do metabolismo de proteínas, e pode ocorrer hiperamonemia se os gatos forem alimentados com apenas uma refeição semarginina. (ROGERS et al., 1984). Necessidade de Energia A necessidade calórica do gato ou necessidade diária de energia (NDE) é uma combinação de vários fatores. No gato, a maior parte da energia é direcionada para as funções metabólicas basais, que é conhecida como necessidade de energia em repouso (NER). Além disso, essa energia também é gasta em exercícios físicos, digestão e regulação da temperatura. Para estimar quantas quilocalorias um gato deve receber na alimentação diariamente, a NER é estimada de acordo com o peso ideal de um gato. A NER pode ser estimada a partir de duas equações: NER (kcal/dia) = (peso corpora / kg) ^0,75 × 70 NER (kcal/dia) = (peso corpora / kg × 30) + 70 Nutrição por Estágio de Vida Em gatos adultos, a primeira etapa para desenvolver um plano nutricional consiste em avaliar o estado de saúde do paciente. Desse modo, obter o histórico completo, realizar exames físicos, como a condição corporal, e laboratoriais são necessários para descartar doenças responsivas a alterações nutricionais específicas. A contagem da condição corporal estima a massa adiposa corporal através da visualização e palpação do gato. Utiliza-se uma escala de 5 ou de 9 pontos, em que 1 é caquético e 5 ou 9 é obeso. Depois de se determinar a condição corporal, estima-se a massa gordurosa corporal. O ideal é que os gatos tenham entre 20 a 25% de massa gorda. Assim, se a contagem da condição corporal for 5/5 ou 9/9, então estima-se que a massa gordurosa seja 40 a 45%. As fêmeas em prenhez ou em lactação também necessitam de uma dieta especial. As demandas físicas da gestação requerem que a gata esteja com peso ideal, e recebam uma dieta rica em proteína e em aminoácidos essenciais. Gatas desnutridas podem ter dificuldade de ficar prenhas, produzir fetos passíveis de anormalidades ou de aborto. (GROSS et al., 2010). Por outro lado, fêmeas obesas são mais propensas a cesarianas e a parir natimortos. Diferente das outras espécies, as gatas ganham peso linearmente ao longo da gestação. O peso ganho no início vai para a construção de reservas adiposas maternas e não para o crescimento fetal. (LOVERIDGE et al., 1989). As gatas prenhes costumam precisar de 25 a 50% a mais de calorias do que as necessidades de manutenção. Já as gatas lactantes necessitam de 2 a 6 vezes a necessidade energética em repouso. As dietas vegetarianas são especialmente prejudiciais para gatas prenhes e lactantes, pois são necessários aminoácidos essenciais e ácidos graxos, de animais, para o desenvolvimento do feto e dos gatinhos. Além disso, a produção de leite exige aumento da ingestão de líquido. Todos os gatos, as lactantes em particular, devem ter acesso a água potável limpa em todos os momentos. (GROSS et al., 2010). Para os filhotes em crescimento, a fase de amamentação é crucial para o seu desenvolvimento. Em geral, os filhotes felinos iniciam o desmame com 3 a 4 semanas de vida e completam o processo com 6 a 9 semanas. Devem ser oferecidos a eles alimentos úmidos ou levemente umedecidos com água no início do desmame. Com 5 a 6 semanas, 30% das calorias devem ser de origem de alimentos sólidos enquanto o complemento deve ser fornecido ainda pela amamentação.(GROSS et al., 2010). Após o desmame, eles devem comer ração para filhotes, a partir dos cinco meses, pode ser feita a alteração para ração para adultos. Com a gonadectomia, os machos têm suas necessidades calóricas reduzidas 28% e as fêmeas a 33%. (ROOT et al., 1996). Ingestão Hídrica Na natureza, o requerimento hídrico dos felinos é suprido predominantemente pelo consumo de suas presas. Desta forma, faz parte da gestão de cuidados nutricionais, a implementação de medidas capazes de estimular a ingestão hídrica (LING et al., 1998 ) . A dieta úmida vem sendo considerada uma das principais estratégias de implemento hídrico para gatos, principalmente diante do manejo de pacientes acometidos por doenças do trato urinário tais como a cistite intersticial e a urolitíase (HARDIE; KYLES, 2004 ) . Sabe-se que os gatos possuem habilidade de produzir urina concentrada, podendo chegar na densidade de 1,080 ou até mais. Grande parte dos gatos portadores de cálculo de oxalato de cálcio (CaOx ) possui densidade urinária superior a 1,040 (KIRK; BARTGES, 2006), assim, a diluição da concentração urinária por meio do aumento substancial da ingestão hídrica é preconizada tanto em seres humanos quanto em gatos. O objetivo é alcançar a densidade urinária de 1,030 ou menos (KIRK; BARTGES, 2006 ; PALM; WESTROPP, 2011). Uma das medidas mais eficazes para prevenir a formação de cristais ou evitar o crescimento de cálculos é a redução da densidade urinária por meio de maior ingestão hídrica. Sabendo-se que as rações secas possuem apenas 3% de água e que as rações úmidas apresentam 8 0 % de água, é recomendado que 75% da alimentação diária dos gatos domésticos seja à base de sachês e patês. Alguns benefícios da dieta úmida são alta palatabilidade, alta umidade, menos calorias e é mais semelhante a alimentação “natural” dos felinos. Apresentam na sua composição moderada a alta proteína, moderada a alta gordura, baixo carboidrato e baixa a moderada fibra. Assim, a ingestão de dieta úmida é recomendada, pois, ao aumentar o volume urinário, ocorre diluição da urina propiciando um ambiente urinário desfavorável ao desenvolvimento dos cálculos (KIRK; BARTGES, 2006). Dietas com elevado teor proteico promovem diurese osmótica por aumentarem a produção de uréia, aumentando assim o volume urinário, o que reflete em diminuição da concentração dos elementos desencadeadores da cristalúria (BUFFINGTON et al., 1994; OSBORNE et al., 1995). Controvérsias nutricionais Os proponentes das dietas com alimentos crus têm uma filosofia muito básica: os gatos são carnívoros obrigatórios, projetados para ingerir carne crua, tal como seus ancestrais consumiam. As rações tradicionais, secas e enlatadas, disponíveis hoje em dia, são processadas pelo calor, o que pode degradar vitaminas, minerais e enzimas naturalmente encontradas na forma pré-processada. Assim, os ancestrais dos gatos domesticados não seriam afetados pela degradação de nutrientes, pois caçavam presas vivas e ingeriam carne a partir de carcaças frescas. Os proponentes dessa ideia também afirmam que essas dietas, além de manterem o equilíbrio natural de nutrientes, conferem benefícios como melhora da função imunológica, resistência, energia, saúde do pelo e da pele e comportamento. Também se diz que os odores (de hálito, corpo e fezes) são mais amenos, bem como é menor a incidência de problemas clínicos (Frank G, Anderson W, Pazak H et al.. 2001). Contudo, existem relatos publicados com relação a preocupações levantadas por oponentes da dieta crua, como a possibilidade de contaminação bacteriana e não bacteriana com potencial zoonótico, inadequações nutricionais e doenças clínicas ( LITTLE, Susan E.2 015). Além de Salmonella , outras espécies bacterianas comuns em carne crua são Campylobacter spp., Escherichia coli, Yersinia enterocolitica, Listeria monocytogenes, Clostridium perfringens, Staphylococcus aureus e Bacillus cereus (Laflamme DP, Abood SK, Fascetti AJ et al., 2008). As preocupações de saúde pública quanto a dietas cruas relacionam-se com a possível exposição humana a Salmonella spp. e a E. coli , dentre outros patógenos (Center for Food Safety and Applied Nutrition, 2010). Os esforços de orientação do veterinário devem se concentrar especialmente nas casas em que os animais são alimentados com comida crua e onde haja pessoas imunocomprometidas (crianças, idosos, doentes crônicos), pois esses indivíduos correm maior risco de se tornarem infectados. Todos os recipientes de alimentos e de superfícies de trabalho de cozinha devem ser desinfectados, bem como é importante lavar as mãos antes de preparar ou consumir alimentos. Neste ponto, não existem evidências suficientes para determinar se as dietas cruas têm influência sobre a função imunológica, a saúde geral, a energia, a saúde do pelo e da pele, o comportamento, as doenças metabólicas ou o odor das fezes. Embora os relatos de experiências sejam convincentes, são necessários estudos com base na clínica e revisão por outros colegas antes de quaisquer conclusões definitivas. Até que isso ocorra, os veterinários são aconselhados a instruir os proprietários a cozinhar toda carne incluída em dietas preparadas em casa ( LITTLE, Susan E. 2 015). Quando existem inadequações na dieta, uma doença clínica pode ser a consequência, dependendo dos nutrientes envolvidos, da duração da administração da dieta deficiente e do estágio de vida do animal. Uma das doenças clínicas nutricionais mais relatadas é a osteodistrofia atribuída a desequilíbrios de cálcio, fósforo ou vitamina D (Von Pfeil DJ. 2001). A maioria dos proprietários que alimentam seus gatos com dietas caseiras, optam por esse método pela falta de confiança nos produtos animais. Outras questões de segurança que os proprietários têm afirmado com relação às rações industrializadas envolvem o uso de aditivos artificiais, especialmente conservantes, corantes e flavorizantes, o que leva à ingestão elevada desses itens. Muitos temem que os aditivos alimentares contribuam para a carcinogênese e o desenvolvimento de transtornos de hipersensibilidade ou autoimunes dietéticos (MacDonald ML, Rogers QR, Morris JG. 1984). Gatos e carboidratos Os gatos são carnívoros obrigatórios, e precisam controlar a glicemia em face da ingestão pobre em carboidratos (Zoran DL. 2002). Os gatos também têm produção de glicose hepática constante a partir de aminoácidos (gliconeogênese) e atraso no uso de carboidrato da dieta (baixa atividade de glicoquinase) (Lauten S, Kirk CA. 2005). Devido à dieta dos seus ancestrais, os gatos domésticos apresentam algumas particularidades digestivas e metabólicas a respeito da absorção e da metabolização dos carboidratos, pois essa espécie apresenta baixa capacidade de digestão do amido pelas enzimas digestivas endógenas e apresentam uma amilase salivar limitada, enzima responsável pela iniciação da digestão do amido na cavidade bucal. Além disso, a amilase intestinal dos felinos é mais baixa, comparada com a dos outros animais. Portanto, quando em excesso ou mal digeridos, os carboidratos se acumulam no cólon dos gatos servindo como substrato para a fermentação microbiana, assim aumenta o pH do cólon podendo causar diarreias ( INTERNATIONAL, Improve 2 018). Com uma dieta rica em carboidratos, a glicemia aumenta, o que provoca a necessidade de maior nível de insulina. A atividade da lipoproteína lipase aumenta conforme mais glicose penetra nas células adiposas para conversão em ácidos graxos, com subsequente depósito sob a forma de gordura. Com uma dieta pobre em carboidratos, os níveis sanguíneos de glicose e insulina são mais baixos e as vias enzimáticas são alteradas, a fim de preservar a glicose, limitar a gliconeogênese a partir de aminoácidos (para conservar proteínas corporais) e mobilizar gorduras. Além disso, ocorre maior consumo de gordura e proteína e são necessários níveis mais altos de proteína para dar suporte ao aumento da gliconeogênese hepática. A produção de glicose hepática é responsável por uma taxa lenta e constante de glicose sendo liberada para a corrente sanguínea, o que mantém um nível adequado de glicose (Hoenig M, Thomaseth K, Waldron M et al. 2007). Qualquer distúrbio que exija a restrição de proteínas ou gorduras deve ser considerado com cuidado antes de se recomendarem dietas pobres em carboidratos. Isso envolve doença renal, doença hepática grave, encefalite hepática e, possivelmente, pancreatite (Hoenig M, Thomaseth K, Waldron M et al. 2007). Conclusão Os gatos, ao longo da sua evolução, sofreram adaptações que persistem até hoje, mesmo para aqueles que vivem em ambiente doméstico, como por exemplo o hábito de caçadores. A dieta estritamente carnívora da espécie justifica a falta de algumas enzimas comuns em outras espécies, como a amilase salivar, bem como algumas características específicas da espécie, como a limitada digestão de carboidratos. Além disso, fatores como idade, castração, gestação, prenhez são cruciais para montar uma dieta adequada para esta espécie. Outra característica dos gatos é a necessidade de maior consumo de dieta úmida a fim de aumentar a ingestão hídrica. Portanto, é de suma importância o aumento nos estudos no campo da nutrição e alimentação dos gatos visto todas as suas particularidades. Referências Armstrong P, Gross K, Becvarova I et al: In Hand M, Thatcher C, Remillard R et al, editors: Small animal clinical nutrition, ed 5, Topeka, Kan, 2010, Mark Morris Institute, p 361 BUFFINGTON, C.A.; BLAISDELL, J. L.; KOMATSU, Y. et al. Effects of Choreito Consumption on Struvite Growth in Urine Cats. 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