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1.Epidemiologia A Leishmaniose Visceral (LV), ou calazar, é uma doença sistêmica, fatal se não tratada, causada pela Leishmania chagasi, um parasita intracelular. Trata-se de uma doença endêmica no Brasil (Nordeste e Centro-Oeste e Norte-Nordeste de Minas Gerais) que ocorre em todos os continentes, exceto Oceania. É bastante difundida pelo mundo (calazar indiano, calazar mediterrâneo, calazar africano e calazar americano) e manifesta-se com particularidades em cada região. Quanto à LV nas Américas, 98% dos casos concentram-se no Brasil, principalmente nos estados do Ceará (destaque para a cidade de Sobral), Piauí e Bahia (destaque para a cidade de Jacobina). A leishmaniose é uma zoonose, pois se trata de uma doença de animais que eventualmente atinge o homem. O vetor da doença, no Brasil, é o mosquito flebotomíneo da espécie Lutzomyia longipalpis (mosquito-palha), que habita regiões secas e é responsável pela transmissão entre homem infectado e homem são, e entre cães infectados e homem são. O mosquito é domiciliado. As vias de transmissão podem ser vetorial (natural) e outras esporádicas, como transfusão e acidentes de laboratório, as quais são pouco importantes em relação à transmissão pelo mosquito. Em países do Mediterrâneo (Portugal, Espanha, Itália, França), é elevada a frequência da coinfecção LV/HIV, e nessa circunstância ocorre uma forma alternativa de infecção primária, decorrente da inoculação intravenosa de Leishmania sp, por meio do compartilhamento de agulhas e seringas, entre usuários de drogas injetáveis (transmissão inter-humana). O cão é o principal reservatório urbano da doença. O Lutzomyia, quando pica o cão e o homem, transfere a este formas flageladas do protozoário (promastigotas), que perdem o flagelo e passam a multiplicar-se no sistema reticulo-endotelial, sobretudo no fígado, no baço, na medula óssea e nos linfonodos. O período de incubação é longo e muito variável (de 10 dias a 3 anos), mas, em média varia de 3 a 6 meses. Cerca de 80% dos casos ocorrem em crianças com menos de 10 anos. LEISHMANIOSE VISCERAL Amanda Vieira Sampaio - Medicina UFMA PHO 2. Fisiopatologia A LV é causada por leishmanias do complexo donovanii. Mosquitos da espécie Lutzomyia inoculam as formas promastigotas na epiderme e na derme profunda. O ciclo do parasita nesses mosquitos dura de 3 a 5 dias. O protozoário apresenta 2 formas evolutivas: promastigota (forma flagelada e móvel presente no mosquito, infectante) e amastigota (forma imóvel presente no homem). As Leishmanias parasitam apenas macrófagos. A Leishmania não causa liberação de citocinas (como IL-12), de forma que os macrófagos não são ativados e ficam repletos de formas amastigotas. O macrófago repleto de parasitas rompe-se, liberando as formas amastigotas, que infectam outras células. O acúmulo dos macrófagos infectados em baço e fígado gera a hepatoesplenomegalia. E a hiperplasia dos macrófagos na medula óssea compromete a produção das outras células, causando pancitopenia. 3. Apresentação clínica A LV é definida como uma doença espectral. A incompetência em responder adequadamente ao protozoário leva ao quadro visceralizado, demonstrada pela reação de Montenegro negativa. O quadro clínico é dividido em 3 fases: período inicial, fase de estado e fase final. O período inicial corresponde à fase de aparecimento dos sintomas e é seguido pela fase de estado, em que já está estabelecido o quadro clínico clássico da doença. Em geral, o quadro inicia-se com febre irregular, não muito alta (38,5°), e tem períodos de acalmia por algumas semanas. Observam-se, também, diarreia e dor abdominal. Tosse seca e irritante pode decorrer de pneumonite intersticial. O paciente apresenta emagrecimento e palidez cutânea. Hepatomegalia, 3 a 4 cm da linha hemiclavicular (LHC) direita, é um achado frequente. A esplenomegalia pode chegar a ser muito exuberante (baço ultrapassando a linha média em direção à fossa ilíaca direita). Dor esplênica à palpação pode indicar periesplenite (inflamação da cápsula esplênica), e dor esplênica aguda é sugestiva de infarto esplênico. Hepatomegalia: a arquitetura hepática está preservada. A células de Küpffer estão aumentas quanto ao tamanho e contêm muitos parasitas na forma amastigota. Não se observa necrose de hepatócitos; Esplenomegalia: intensa hipertrofia e hiperplasia do sistema fagocítico-monocitário. O baço tem consistência amolecida; Pneumonia intersticial: pode evoluir para focos de fibrose septal. Não se encontram formas amastigotas; Nefrite intersticial: leva à insuficiência renal aguda por hiperplasia e hipertrofia das células mesangiais do glomérulo. A IRA é pouco frequente, mas possível, decorrente de depósito de imunocomplexos. Não há grande adenomegalia, mas a micropoliadenopatia generalizada não dolorosa é comum. Observam-se sinais de desnutrição: pele seca, pelos quebradiços e cílios longos (sinal de Pittaluga). O paciente com leishmaniose visceral é um imunodeprimido e está sujeito a infecções secundárias, principalmente por tuberculose, bactérias capsuladas (Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae) e bactérias Gram- negativas. A infecção secundária é a principal causa de morte nestes paciente. Outra importante causa é a hemorragia, devido à plaquetopenia e a deficiências de fatores de coagulação. A icterícia na LV pode acontecer quando o comprometimento do parênquima hepático é importante. Observa-se aumento das enzimas hepáticas e das bilirrubinas, mas não é uma manifestação muito comum. Existem formas oligossintomáticas e afebris de difícil diagnóstico, que podem evoluir para cura espontânea ou para formas sintomáticas. Deve-se considerar a hipótese da doença em todo indivíduo com grande esplenomegalia (em área endêmica, quanto maior o baço, maior a chance de calazar) e nos pacientes com quadros graves, toxemia, anemia ou pancitopenia, hepatoesplenomegalia, hemorragias, infecções graves, vômitos, diarreia, tosse, instabilidade respiratória e hemodinâmica sem uma causa óbvia. A presença de cães infectados ou doentes nas redondezas reforça a suspeita. São achados histopatológicos frequentes na leishmaniose visceral: LEISHMANIOSE VISCERAL Amanda Vieira Sampaio - Medicina UFMA PHO Hemograma: anemia, leucopenia, neutropenia e eosinopenia, plaquetopenia (por hiperesplenismo e ocupação da medula óssea); EFP (eletroforese de proteínas séricas): hipoalbuminemia, hipergamaglobulinemia policlonal; Proteína C reativa e VHS: elevados na maioria dos casos; Transaminases e bilirrubinas: normais ou com aumento leve a moderado; Urina I: proteinúria de hematúria discretas; Ureia/creatinina: podem elevar-se com o comprometimento renal; Hemocultura: para afastar infecções associadas, sobretudo nos neutropênicos febris. Parasitológico; Mielograma e mielocultura: pesquisa direta de formas amastigotas em aspirado de medula óssea, visualizadas no interior de macrófagos, entremeados a ninhos de plasmócitos; Punção e aspiração hepática ou esplênica: se não há plaquetopenia < 40.000/mm³ nem coagulopatia. Pode revelar o parasita no sistema reticuloendotelial; Ordem de abundância dos parasitas: baço > medula óssea > fígado > linfonodos > sangue periférico; Cultura: meio NNN. Identificação de formas promastigotas; 4. Diagnóstico a) Exames gerais b) Exames específicos Febre h ep a t o esp len o m eg a lia p a n c it o p en ia h ip o a lb u m in e m ia h ip e r g a m a g l o b u l in e m ia Imunológico: sorologia ELISA, imunofluorescência indireta; tem pouco valor diagnóstico em áreas endêmicas. Reação de Montenegro é a prova de hipersensibilidade tardia, em geral, é negativa nos doentes de LV e positiva nas pessoas infectadas sem a doença. Salmonelose septicêmica prolongada (enterobacteriose septicêmica prolongada): ocorre em pacientes esquistossomóticos, quando o Schistossoma mansoni é colonizado por enterobactérias (como Salmonella ou outras). Brucelose: compreende uma doença de animais que, eventualmente, atinge o homem, causandohepatoesplenomegalia febril; Malária: apenas os quadros crônicos e arrastados; Neoplasias: linfomas; Outros como toxoplasmose tifoídica, tuberculose miliar etc. 5. Diagnósticos diferenciais 6. Tratamento a) Medidas gerais de suporte Internação apenas de casos graves, instáveis e neutropênicos febris, suporte nutricional adequado, tratamento das infecções associadas, correção da anemia nos casos graves. b) Tratamento específico Antimoniais pentavalentes: glucantime A na dose de 20 mg de antimoniato/kg/dia. A droga é administrada por via intramuscular profunda, em caso de plaquetas acima de 50.000/mm³. Pode ser feita intravenosa, em dose única diária em infusão lenta. O tratamento dura 20 dias. Trata-se de uma droga cardiotóxica, nefrotóxica e hepatotóxica, e a droga de escolha no Brasil, em casos sem critérios de gravidade; Anfotericina B na dose de 1 mg/kg/dia. A dose acumulada deve ser de 30 a 50 mg/kg. Nefrotóxica, cardiotóxica e hepatotóxica. Está indicada como 1ª escolha em pacientes LEISHMANIOSE VISCERAL Amanda Vieira Sampaio - Medicina UFMA PHO hem o g ra m a elet r o fo r ese d e p r o t eín a r k 3 9 m ie lo g r a m a s o r o l o g ia (if i) com sinais de gravidade - idade inferior a 6 meses ou superior a 65 anos, desnutrição grave, comorbidades, incluindo infecções bacterianas ou outras manifestações clínicas como icterícia ou fenômenos hemorrágicos. Pentamidina (diamina aromática) na dose de 2 a 4 mg/kg/dia em dose única diária ou em dias alternados por 40 doses. 7. Controle de cura A cura após o tratamento é sempre presuntiva, pois não se pode ter certeza de que todos os parasitas tenham sido eliminados. Os critérios de cura são essencialmente clínicos. Ao final do tratamento, a presença de eosinófilos no sangue periférico é um índice de bom prognóstico. O paciente tratado deve ser acompanhado durante 12 meses. Ao final desse período, se permanecer estável, será considerado clinicamente curado. Durante o processo de cura, podem surgir lesões cutâneas ricas em parasitas, referidas como dermatose pós-calazar. Não é frequente no Brasil.
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