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Tromboembolismo arterial felino O que é um trombo? O trombo é um coágulo de sangue formado, normalmente, quando há injúria vascular, prevenindo hemorragia, mas também quando há a presença de estase circulatória e alteração da coagulação de sangue. Tromboembolismo arterial felino (TAF): O tromboembolismo arterial felino é uma afecção que acomete principalmente, mas não exclusivamente, gatos com cardiomiopatia, geralmente mais frequente nos casos com importante aumento de câmaras cardíacas esquerdas. A tromboembolização ocorre quando este trombo desloca-se da sua origem e aloja-se em algum outro local do sistema vascular, comprometendo ou impedindo seu fluxo sanguíneo. Fatores que predispõem o tromboembolismo em felinos: Existem 3 fatores predisponentes ao tromboembolismo nos felinos, que são chamados de Tríade de Virchow. Para o trombo ocorrer, basta ter um, dois ou três deles, são eles: 1) Estase sanguínea (aumento atrial) - Aurícula - reservatório para formação (<0,20 m/s) - Contraste espontâneo (sinal de smoke) Por que os gatos acabam fazendo essa estase? Sabe-se que a principal doença do gato é a cardiomiopatia hipertrófica, que é uma hipertrofia concêntrica do músculo cardíaco. Quando isso acontece, a musculatura cardíaca vai crescendo para dentro do ventrículo e tirando o espaço do sangue. Assim, quando o sangue vem do átrio ele não consegue chegar de forma correta no ventrículo, e acaba formando uma estase sanguínea dentro do átrio. Onde isso ocorre principalmente? Dentro da aurícula, pois já é uma região dentro do átrio que tem pouca circulação, tem uma circulação mais lenta de sangue. Em alguns pacientes, no ECO é possível ver o início da formação do trombo. 2) Hipercoagulabilidade sanguínea - Na CMH plaquetas requerem menos ADP para agregação. POR: LAÍS DANTAS Sabe-se que os gatos com cardiomiopatia hipertrófica, as plaquetas necessitam de menos ADP para agregação, logo, se agregam com facilidade maior. 3) Lesão endotelial - Estiramento atrial - exposição do colágeno Como o átrio aumenta de tamanho, temos o estiramento atrial, o adelgaçamento da parede do átrio, e com isso há exposição do colágeno, sendo o local onde esse trombo vai inicialmente se formar. Sempre que há exposição de colágeno, é como se tivesse uma ferida, e é necessário que as plaquetas se desloquem para aquele local para impedir que haja uma ruptura. Dos gatos com tromboembolismo: - 92% são por causa cardiogênica (e a doença mais comum é a cardiomiopatia hipertrófica - CMH) Nem sempre que houver tromboembolismo é problema de coração, visto que alguns outros fatores podem desencadear, como: - 5% por neoplasia (carcinoma broncogênico) - 3% por causas não identificadas - Machos são mais acometidos (e também por CMH, e sempre que há CMH, em algum momento o animal desenvolve tromboembolismo, e como machos tem mais CMH, se diz que eles são mais acometidos por tromboembolismo). O trombo vai se formar inicialmente no átrio esquerdo, vai crescendo lá dentro, em determinado momento se solta, ganha o ventrículo esquerdo e ganha a aorta. Temos a aorta torácica, aorta abdominal, até o momento em que esse trombo não consegue mais passar porque a aorta vai ficando muito fina, e aí ele obstrui. Isso acontece principalmente na região da bifurcação da aorta, onde ela se divide entre as duas ilíacas. Ao se passar um bisturi pela aorta, pode-se observar a presença do trombo obstruindo o local na região da bifurcação, o que se chama de trombo em cela, obstruindo a passagem de sangue pelas ilíacas: Manifestações clínicas: - Quadro sempre AGUDO (ex: o gato do nada começa a miar de dor); - 90% dos trombos vão para os membros pélvicos (paresia); POR: LAÍS DANTAS Os trombos podem se deslocar para outros locais, como na art. cerebral, art. renal (ocasiona IRA) e art. mesentérica (causa necrose intestinal); - Vocalização; - Ausência ou diminuição do pulso (uni ou bilateral); Obstrução unilateral. Obstrução bilateral. - Hipotermia das extremidades (pés frios por falta de distribuição de sangue e consequente falta de calor); - Necrose coagulativa (desnaturação das enzimas lisossomais, digerindo o membro); - Perda do membro. Diagnóstico: - Clínico e emergencial; - Ultrassom abdominal pode ser útil; - Ecocardiograma pode mostrar aumento do AE, mas não mostra o trombo porque na maioria das vezes ele já foi embora; - Ausência de sangramento na unha; - Doppler vascular; - Angiografia (incomum na rotina); Como o paciente chega na clínica? Costuma-se falar dos "5 P's" comuns no TAF: 1) Pain (dor) 2) Paralysis (paralisia) 3) Pulselessness (perda de pulso) 4) Poikilothermy (pecilotermia) 5) Pallor (palidez) A vocalização aguda ocorre por causa da dor, e esse gato pode chegar arrastando um ou dois membros posteriores. Também pode haver diminuição da resposta neurológica em um ou dois membros, porque o membro vai começar a entrar em acidose para arranjar energia, e faz glicogenólise, produzindo ácido lático, que consequentemente leva paralisia e a diminuição da resposta neurológica, começa a ter uma dessensibilização dos membros posteriores. Há ausência de pulso pela obstrução, e pecilotermia levando às extremidades frias. Além disso, os coxins ficam pálidos ou cianóticos e se palpar os músculos, principalmente o tibial cranial ou o gastrocnêmio, observa-se que eles estão rígidos como um pedaço de madeira devido à cãibra pela acidose. Diagnóstico diferencial: - Trauma; - Extrusão do disco intervertebral (raríssimo em gato); - Linfoma espinhal e outras neoplasias. POR: LAÍS DANTAS Testes laboratoriais (para serem realizados no membro afetado): - Creatina fosfoquinase - CPK ou CK (>); - Aspartato aminotransferase - AST (>); - Glicose (<); - Lactato (>). Tratamento: Prevenção, quando iniciar? Todos os gatos com cardiomiopatia hipertrófica devem começar a fazer tratamento preventivo para tromboembolismo? Não, os pacientes devem ser classificados de acordo com critérios baseados no ecocardiograma, que são: 1) Baixo risco (não indicada) - Átrio esquerdo (normal ou com aumento discreto). 2) Alto risco (considerar terapia anticoagulante) - Átrio esquerdo (aumento moderado ou importante); - Relação átrio esquerdo/aorta > 1,9. 3) Altíssimo risco (iniciar terapia anticoagulante) - Presença de contraste espontâneo; - Evento prévio de TEA; - Velocidade aurícula esquerda < 0,25 m/s; - Fração de encurtamento atrial abaixo de 12%. Prevenção: Aspirina em baixa dose: - Não existe consenso, algumas literaturas recomendam 5-25 mg/kg a cada 3 dias, outras recomendam 5 mg/gato a cada 2-3 dias; - Renais (pode causar irritação gástrica por isso deve-se ter cuidado com gastrite). Warfarin (Coumadin ou Marevan humanos): - 0,05 - 0,5 mg/gato/SID; - Risco de hemorragias (alto). O que mais se utiliza na rotina é o Clopidogrel (Plavix): - Mais eficaz que aspirina em medicina humana e com menos efeitos colaterais; - Dose de 18,75 mg/gato/dia com alimento. - O comprimido tem 75 mg, então é dado ¼ do comprimido por dia ao gato. POR: LAÍS DANTAS Primeira abordagem emergencial: Lembrar que a chance de óbito é grande, portanto há um protocolo a ser seguido nesses casos. O protocolo emergencial deve ser da seguinte forma: Protocolo de rotina na emergência: - Clopidogrel (Plavix) 75mg (dar 1 comprimido inteiro ao chegar/ após 1/4 de comprimido SID para o resto da vida); - Anticoagulante: heparina de hospital/clínica 250 a 375 Ul/kg IV, após 3 horas iniciar 100 - 200 Ul/SC/TID por 48 - 72h (período pelo qual o felino ficará internado); - Tratar demais alterações. Também é necessário tentar melhorar a circulação colateral. Por muito tempo se falou da utilização da acepromazina (acepram) por ser vasodilatador, que iria melhorar a circulação, mas sua dose é mais prejudicial do que benéfica. Hoje em dia, sabe-se que na formação do trombo há liberação de serotonina e tromboxano A2, que fazem vasoconstrição e diminuem a circulação colateral. Então, os antagonistas da serotonina são bons fármacos incorporados ao tratamentodo tromboembolismo na rotina, como por exemplo: - Ciproheptadina (Cobavital): ¼ comprimido SID/BID. Outras opções: Anticoagulação com heparina de baixo peso molecular, injeção de seringa de vidro. - Enoxaparina (clexane ) - 1 a 1,5 mg/kg/cada 6 a 8h; - Dalteparina (fragmin) - 150 Ul/kg/SC/cada 4h; Contras: - Alto custo, maior frequência na administração e baixa eficácia; POR: LAÍS DANTAS - Não há testes mostrando superioridade em relação a de alto peso molecular na veterinária (humano). Terapia trombolítica: - Alta mortalidade, NÃO É RECOMENDADA devido a resultados ruins em estudos, pois ao quebrar o trombo, o sangue volta a circular recolhendo todos os radicais livres como potássio, cálcio, causando síndrome de reperfusão que mata o paciente); - Estreptoquinase (90.0000 Ul/IV), depois de 1h, 45.000 Ul durante 8h IC. - 46 gatos, 33% sobreviveram (MOORE, 2000); - 8 gatos, nenhum sobreviveu (Ramsey, 1996); - Ativador de plasminogênio tecidual; - Uroquinase. Tratamento cirúrgico: Existe uma maior taxa de óbito do que tratamento medicamentoso, segundo a literatura, mas hoje em dia muita coisa mudou, e isso também vai depender do imediatismo em que se atende o paciente. Controle da dor: - Metadona (0,3 a 0,5 mg/kg/IM/BID - TID) + Dipirona (25mg/kg/IM/BID) funciona muito bem para gato; - Fentanil (2-5 mcg/kg/IV bolus seguido por 4 a 10 mcg/kg/hr) - O efeito demora muito pouco e deve-se ter cuidado com a bradicardização. Tratar causa de base: - CMG; - Beta bloqueador, IECA, Furosemida. Principal causa de óbito: - Síndrome da reperfusão que causa acidose e hipercaliemia, devendo ter atenção sempre na gasometria; - Corrigir a acidose e hipercaliemia: Glucanato de cálcio 10% - 0,5 a 1,5 mg/kg/IV/lento (5 a 10 min), serve para fazer com que a glicose entre na célula e leve o potássio junto, retirando-o da circulação sistêmica e agindo antes do paciente morrer; Bicarbonato de sódio 1-2 mEq/kg/IV/lento (15 minutos); Dextrose 25% (2g/Ul de insulina) + insulina regular (05 Ul/kg/IV). - Perfil bioquímico: eletrólitos e função renal (lembrar que parte dos trombos podem ir para a artéria renal causando IRA, e eletrólitos podem ser interferência da síndrome de reperfusão); - O paciente deve ser acompanhado por pelo menos 72h, em que a recuperação do membro ocorre até 6 semanas, não é imediata, é progressiva, então não deve eutanasiar o animal. Tratamento de suporte durante o internamento: - Suporte nutricional; - Ambiente confortável (repouso, longe de cães que possam estar latindo e POR: LAÍS DANTAS estressando, pois estresse libera adrenalina, que é vasoconstritora); - Cuidado com uso de fluidos (cardiopatia/acidose), o acesso venoso é para manter um acesso, e não para exagerar na fluído, pois isso pode causar edema ou efusão; - Terapia física (para estimular a circulação de retorno); - Estimulação vesical (alguns pacientes perdem o tônus muscular, e precisam desse estímulo para urinar). Prognóstico: - 33 a 39% sobrevivem ao primeiro evento; - Melhora do membro entre 24 - 72h, em 50% dos que sobrevivem; FATCAT STUDY: Esse estudo observou que em 1 ano, pacientes que utilizaram clopidogrel, 39% fizeram trombo de novo, dos que estavam utilizando aspirina, 61% refizeram o trombo, mostrando que o clopidogrel é mais eficaz na prevenção da retrombólise. No total do período de estudos, 53% refizeram com clopidogrel e 75% com aspirina. Perspectivas futuras: A perspectiva futura é a utilização dos inibidores diretos do fator XA da cascata de coagulação, que são os chamados Xabans, como: Rivaroxaban (Xarelto): Sintético oral (1/4 do comp. de 10mg/SID) - este fármaco vem sendo estudado para saber se é mais eficaz que o clopidogrel, sabe-se que são seguros nos gatos, sugerindo a dose de 0,5 a 1mh/kg/SID; Fondaparinux (Arixtra): - Profilaxia: 0,06mg/kg SC a cada 12h; - Tromboembolismo: 0,2mg/kg SC a cada 8 a 12h; - Contra: R$ 40,00 cada seringa com 2,5 mg/0,5mL Inibidores diretos da trombina, como: Dabigatran (Pradaxana). POR: LAÍS DANTAS
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