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MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO 7 - CFSH As alterações fisiológicas observadas na gestação são decorrentes, principalmente, de fatores hormonais e mecânicos, e os ajustes verificados no organismo da mulher devem ser considerados normais durante o estado gravídico, embora possam determinar pequenos sintomas que afetam a saúde da paciente. A fim de se compreender melhor essas modificações experimentadas pela gestante, diferenciam-se em sistêmicas e dos órgãos genitais. Modificações sistêmicas • Postura e deambulação Verifica-se alteração postural na gestante antes mesmo da expansão de volume do útero gestante. Quando a matriz evadida da pelve se apoia à parede abdominal, e as mamas, dilatadas e engrandecidas, pesam no tórax, o centro de gravidade desvia-se para frente, e todo o corpo, em compensação, projeta-se para trás. Involuntariamente, a atitude adotada é a de quem carrega objeto pesado, mantendo-o, com as duas mãos, à frente do abdome. Essa situação torna-se mais nítida quando a gestante está de pé, pois, para manter o equilíbrio, empina o ventre, provocando a lordose da coluna lombar. Amplia-se a base do polígono de sustentação, os pés afastam-se, e as espáduas projetam-se para trás. Grupamentos musculares que não costumam ter função nítida ou constante passam a atuar, estirando-se e contraindo-se, e sua fadiga responde pelas dores cervicais e lombares, uma queixa comum. A gestante, ao andar, lembra, com seus passos oscilantes e mais curtos, a deambulação dos gansos, a chamada marcha anserina. A base de sustentação ampliada e os ângulos aumentados entre os pés e a linha mediana, principalmente à direita, por conta do dextrodesvio uterino, conferem peculiaridades à sua movimentação. As articulações apresentam maior mobilidade durante a gestação, notadamente as sacroilíacas e a sínfise pubiana. Atribui-se à relaxina, secretada pela placenta, a frouxidão dos ligamentos, especialmente da sínfise pubiana, que pode alargar cerca de 4 mm nas primíparas e 4,5 mm nas multíparas. A principal resultante dessas modificações é o aumento da capacidade pélvica, favorecendo a disjunção sinfisária e os movimentos de nutação do sacro. Essa crescente mobilidade das articulações atua na mudança da postura materna e de sua marcha, como já relatado anteriormente. • Metabolismo Glicídico: São notáveis alterações no metabolismo glicídico pois - Há um novo consumidor de glicose (concepto) que demanda grandes quantidades dela, se a gestante está em jejum prolongado ele continua a extrair glicose nas mesmas quantidades em momentos de alimentação. - A fim de prover suprimento ininterrupto de glicose e de aminoácidos para o concepto, a gestante faz ajustes importantes: não consome mais indiscriminadamente a glicose e, à medida que a gravidez se desenvolve, seu uso periférico diminui, graças aos hormônios contrainsulares pela placenta. O consumo contínuo de glicose pelo concepto e seu rápido transporte pela placenta influenciam profundamente o metabolismo de carboidratos na gestante. Durante a gravidez registra-se aumento na resistência à insulina ao final do 2o trimestre (devido a grande quantidade de depósito de gordura), podendo chegar a aproximadamente 80% no termo. Níveis elevados de hormônio lactogênio placentário humano (hPL), hormônio do crescimento placentário humano (hPGH) e adipocinas (leptina, adiponectina, TNF-α, IL-6) estão todos implicados no processo. Os níveis de hPL elevam-se rapidamente no 1o e no 2o trimestre e alcançam o seu máximo nas últimas 4 semanas da gravidez. O efeito diabetogênico do hPL resulta na mobilização de lipídios na forma de ácidos graxos livres (AGL). Esses AGL serviriam como fonte de energia, poupando glicose e aminoácidos, que estarão disponíveis para o feto. No 3o trimestre, após a administração de glicose, observa-se hiperinsulinismo pós-prandial (devido a uma hiperglicemia), em função dos fatores contrainsulares. O efeito inibitório da insulina na lipólise é significativamente reduzido durante o 3o trimestre quando comparado ao de outras fases do ciclo gestatório. Em resumo, a gravidez avançada caracteriza-se por mudanças no metabolismo da mulher, no que se refere à preservação de glicose à custa do uso dos lipídios. A liberação excessiva de ácidos graxos também contribui para a redução do uso da glicose materna. Lipídico: O aumento do peso materno durante a gestação corresponde ao crescimento da unidade fetoplacentária e ao acúmulo dos seus próprios tecidos, MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO 7 - CFSH especialmente o relacionado com a elevação de lipídios nos depósitos de gordura. Esse fenômeno, comum na gravidez humana e de alguns animais, ocorre durante os primeiros 2/3 da gestação e é o principal responsável pelo acréscimo de peso materno, excluindo o decorrente do concepto, e parece estar diretamente relacionado com a hiperfagia, pois desaparece com a restrição alimentar. Esse aumento nos depósitos de gordura maternos é decorrente da lipogênese aumentada (primeira fase: vai da concepção até 24/26 semana); ele corresponde à elevação na síntese de ácidos graxos e do glicerídio glicerol, indicando que a formação dos triglicerídios está exaltada. A tendência de acumular gordura cessa durante a segunda metade da gravidez, quando o metabolismo lipídico se transmuda para estado catabólico, em virtude de diversas alterações coincidentes que ocorrem no tecido adiposo, como: - O aumento desacelerado da atividade lipogênica - A atividade lipolítica torna-se exaltada talvez comandada pelo hPL por sua ação similar à do hormônio do crescimento. O aumento da atividade lipolítica do tecido adiposo eleva a liberação de AGL e de glicerol na circulação materna, na qual alcançam grandes concentrações no plasma. A transferência placentária desses dois produtos lipolíticos é baixa, e o fígado materno é o principal receptor. Após serem convertidos no fígado em suas respectivas formas ativas, AGL em acil-CoA e glicerol em glicerol-3-fosfato, eles podem ser usados para a esterificação, na síntese dos triglicerídios, para a produção de corpos cetônicos, por meio do AGL, ou para a formação de glicose no que concerne ao glicerol. Ao fim da gestação, a transferência aumentada de AGL e de glicerol ao fígado em decorrência da lipólise nos tecidos adiposos justifica a exaltada esterificação e a subsequente liberação hepática na forma de triglicerídios da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL). A síntese de corpos cetônicos torna-se altamente incrementada durante o final da gestação sob condições de jejum, e o uso desses produtos pelos tecidos maternos reduz o consumo de glicose, que fica disponível de ser transferida para o feto. Ao fim da gravidez, a gliconeogênese a partir do glicerol está aumentada, poupando aquela proveniente dos aminoácidos que são transportados para o feto. Conclui-se que o feto se beneficia dos produtos finais do metabolismo decorrente da atividade lipolítica do tecido adiposo materno. Os corpos cetônicos cruzam livremente a placenta e podem ser usados como combustível fetal ou mesmo como substratos para a síntese de lipídios no cérebro. Finalmente, a atividade lipolítica intensa do tecido adiposo durante o final da gestação também favorece os tecidos maternos, pois nesse estágio o uso periférico de glicose é bastante diminuído pela resistência à insulina, e os produtos lipolíticos – especialmente AGL e corpos cetônicos – podem ser empregados como combustíveis alternativos, poupando a glicose. Proteico: A concentração da maioria dos aminoácidos está reduzida na gravidez. As proteínas totais, embora aumentem em valores absolutos pela hemodiluição plasmática, têm concentração diminuída. As de albumina sofrem reduçãonítida, enquanto é menor a queda das gamaglobulinas e se registra ascensão dos teores de alfa- e betaglobulinas e de fibrinogênio. Hidroeletrolítico: Uma das alterações sistêmicas mais notáveis observadas na gravidez é o aumento do volume sanguíneo que pode aumentar de 35 a 50% dos valores pré-gestacionais, e promovem a retenção de líquido (8 a 10l). Essa alteração hidroeletrolítica é fundamental para que ocorra outras mudanças, como o débito cardíaco e o fluxo plasmático renal. Na mulher não grávida, um aumento agudo da volemia sanguínea estimula receptores de volemia e os barorreceptores presentes nos átrios, que assim liberarão o peptídio natriurético atrial que atuará aumentando a excreção de sódio e água e vasodilatação. No ciclo gravídico, foi constatado que o PNA está aumentado, entretanto o aumento da volemia é lento e dessa forma torna os receptores menos sensíveis ao estímulo, permitindo a ação do sistema renina-angiotensina-aldosterona que acumula sódio e água, necessários para expansão tecidual, dos compartimentos líquidos que acontecem na gravidez, da perda sanguínea no parto etc. A gravidez é caracterizada por um hiperaldosteronismo. Além disso, foi visto que na mulher gestante o limiar da sede está alterado de forma que ela sente menos vontade de ingerir líquido do que uma não gestante. Em resumo, os fatores responsáveis pela retenção de líquido estão descritos a seguir: - Retenção de sódio - Novo nível de osmolaridade - Diminuição do limiar da sede - Redução da pressão oncótica (coloidosmótica) As consequências da retenção de líquido são: - Redução na concentração de hemoglobina - Redução do hematócrito - Diminuição da concentração de albumina - Aumento do débito cardíaco - Elevação do fluxo plasmático renal (TFG) - Edema periférico. MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO 7 - CFSH • Sistema cardiovascular As alterações hemodinâmicas principais são: aumento do débito cardíaco e volume sanguíneo (plasma), redução da resistência vascular periférica e pressão arterial. A partir da 5° semana de gestação é possível notar um pequeno aumento da frequência cardíaca que vai influenciar no aumento do débito cardíaco, visto que DÉBITO CARDÍACO= VOLUME SISTÓLICO + FREQUÊNCIA CARDÍACA. Tal frequência vai ser aumentada progressivamente até a 28/32 semana de gestação, com um acréscimo de 10 a 15bpm, estabilizando-se até o parto. Além disso, o volume sistólico também vai aumentar nos dois primeiros trimestres de gestação (devido ao aumento plasmático), porém não aumenta tão inicialmente quanto a frequência cardíaca. Em consequência, o débito cardíaco se eleva de 5l por min para 7l por min. O débito cardíaco pode ser maior 50% que mulheres não grávidas. Além disso, após o parto o débito aumenta muito devido a descompressão dos vasos pélvicos. A partir de 20 semanas, a distensão do abdome devido ao útero gravídico, em posição de decúbito dorsal, pode comprimir a veia cava inferior e reduzir abruptamente o débito cardíaco, levando a uma hipotensão, podendo causar até desmaios. Tal situação pode ser chamada síndrome da hipotensão supina. Ao se adotar o decúbito lateral o débito cardíaco é restaurado. Devido ao aumento da liberação de óxido nítrico e ação de prostaciclinas juntamente com tromboxanos A2 (associados a altos níveis de progesterona), vai haver uma diminuição da resistência vascular periférica (vasodilatação sistêmica constante) e assim, uma redução da pressão arterial, atingindo valores médios de 105/60 mmHg, mesmo com o aumento do volume sanguíneo e do débito cardíaco. Isso ocorre nos primeiros dois trimestres, sendo no segundo trimestre a maior queda da pressão, depois se estabiliza. Com o decorrer da gravidez, o diafragma eleva-se, esse deslocamento altera a posição cardíaca. Assim o coração se encontra desviado para cima e para esquerda, ligeiramente rodado para a face anterior do tórax. - Aumento da frequência cardíaca (10 a 20%) - Aumento do volume sistólico (10%) - Aumento do débito cardíaco(40 a 50%) - Diminuição da pressão arterial média (10%) - Diminuição da resistência vascular periférica (35%). • Sistema sanguíneo Devido a um grande aumento do líquido plasmático (cerca de 40%), seus fatores circulantes sofrem uma hemodiluição, principalmente as hemácias, isso ocorre já no primeiro trimestre. Embora haja o aumento da produção delas na gravidez, a quantidade de líquido consegue diluir e diminuir a concentração dela no sangue. Assim os índices hematológicos tendem a diminuir: hematócrito, hemoglobina, contagem de hemácias. A hemoglobina sai de 13g/dl para 11g/dl no primeiro trimestre e 10,5g/dl nos dois últimos trimestres. Assim, para suprir suas necessidades e as do feto a gestante necessita ingerir maior quantidade de ferro. Ao contrário das hemácias, os leucócitos têm a sua concentração ampliada na gestação, podendo alcançar, no termo, até 20 mil/mm3. A concentração de plaquetas exibe, por outro lado, pequeno decréscimo (250 para 210 mil/mm3, valores médios). Registra-se, inclusive, trombocitopenia gestacional, no 3o trimestre, com níveis de 80 a 150 mil/mm3. Também ocorrem alterações importantes na coagulação sanguínea durante a gravidez e, nesse contexto, elas são caracterizadas por estado de hipercoagulabilidade. Ocorre aumento significante de diversos fatores da coagulação, notadamente do fibrinogênio, e redução da atividade fibrinolítica. Essas modificações são responsáveis pela hemostasia fisiológica ao tempo da separação da placenta. Diminuição: do número de hemácias, da concentração de hemoglobina e de hematócrito Aumento: de leucócitos e da concentração de fibrinogênio. • Sistema urinário Modificações anatômicas Os rins deslocam-se para cima pelo aumento do volume uterino e aumentam em tamanho cerca de 1 cm em virtude do acréscimo do volume vascular renal e do espaço intersticial. Uma das mais significantes alterações do sistema urinário observadas na gravidez é a dilatação da sua porção superior que ocorre a partir de 7 semanas em até 90% das gestantes e pode persistir até 6 semanas do pós-parto. Considera-se que essa hidronefrose fisiológica resulte tanto de fatores hormonais quanto mecânicos. MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO 7 - CFSH O útero expandido diretamente comprime os ureteres, enquanto a progesterona inibe a musculatura lisa ureteral, determinando ureteroectasia. A dilatação ureteral é mais pronunciada à direita em virtude da dextrorrotação uterina, estando o ureter esquerdo relativamente protegido pela sigmoide. A dilatação do sistema urinário superior pode aumentar a estase urinária, predispondo a gestante a infecções urinárias, pielonefrite. No sistema urinário inferior, a anatomia da bexiga está distorcida pela compressão direta do útero gravídico. A bexiga é deslocada anteriormente, com expansão lateral. Além disso, os níveis circulantes elevados de estrogênios determinam hiperemia e congestão da mucosa uretral e vesical. Também há redução da resposta contrátil do colo vesical a estímulos alfa- adrenérgicos e diminuição do suporte pélvico da parede vaginal anterior e da uretra, alterações que podem contribuir para a incidência elevada de incontinência urinária na gravidez. Modificações fisiológicas Com o aumento do débito cardíaco e a diminuição da resistência vascular sistêmica observados na gestação, há concomitante aumento do fluxo plasmático renal e da TFG, que podem estar aumentados, respectivamente, de 50 a 85% e 40 a 65%, quando comparados a valores não gravídicos. A elevação da TFG resulta em diminuição da creatinina plasmática, que alcança em média valores de 0,5 a 0,8 mg/dℓ. Isso causa repercussões importantes, uma vez que a excreção renal de determinados medicamentos pode estar alterada e os valores de creatinina no soro indicativos de insuficiência renal podem ser mais baixos. A concentração de ácido úrico, de 4 mg/dℓ em período não gravídico, cai para ≤ 3 mg/dℓ no 1o trimestre da gravidez, devido à ação uricosúrica dos estrogênios e do aumento da TFG; eleva-se depois, a partir do 3º trimestre, até atingir 4 a 5 mg/dℓ no termo da gestação. A hipercalciúria também é comum na gravidez pelo aumento da absorção do cálcio intestinal. Todavia, a taxa de formação de cálculos renais permanece inalterada, à medida que fatores inibidores na sua produção, tais como citrato, magnésio e glicoproteínas, também estão aumentados. A glicosúria é fisiológica na gravidez e se deve ao aumento da TFG que excede o limite da reabsorção tubular da glicose. Desse modo, não é indicativa de diabetes na gestação, assim como não serve para o seu rastreamento. Igualmente, a proteinúria (microalbuminúria) é fisiológica na gravidez, sendo normais valores de proteína na urina de até 300 mg/dia. A despeito do enorme trabalho urinário na gravidez, o volume urinário não está maior. Até 80% da urina filtrada é absorvida nos túbulos proximais. A frequência urinária decorre da compressão do útero gravídico na bexiga. Por fim, entram em jogo os mecanismos compensatórios (sistema renina-angiotensina) responsáveis pela retenção de sódio observada na gravidez. • Sistema respiratório A expansão do volume sanguíneo e a vasodilatação da gravidez resultam em hiperemia e edema da mucosa do sistema respiratório superior. Essas alterações predispõem a gestante a congestão nasal, epistaxe e até mesmo alterações da voz. Também caracterizam a gravidez alterações marcantes na caixa torácica e no diafragma. Os diâmetros anteroposterior e transverso do tórax aumentam 2 cm cada um, resultando na expansão da circunferência torácica de 5 a 7 cm. A complacência da parede torácica, todavia, diminui com o evoluir da gestação, aumentando o trabalho da respiração. Já no 1o trimestre da gestação o volume-minuto, produto do volume-corrente pela frequência respiratória, aumenta 30 a 40%, refletindo a elevação do volume-corrente, pois a frequência respiratória não se altera. A expansão da caixa torácica e o aumento do estímulo respiratório criam o volume-corrente elevado. A progesterona parece desempenhar papel fundamental no estímulo do centro respiratório no sistema nervoso central. Pela elevação da cúpula do diafragma, estão diminuídos o volume de reserva expiratório e o volume residual, em cerca de 20%, o que se reflete na capacidade residual funcional, também reduzida em 20%. A hiperventilação da gravidez facilita as trocas gasosas nos pulmões. Tanto o PO2 no ar alveolar quanto no sangue arterial eleva-se. O consumo de oxigênio aumenta de 15 a 20% para fazer frente à massa materno-fetal adicional e ao trabalho cardiorrespiratório da gestação. A já referida hiperventilação da gravidez ocasiona alcalose respiratória, com diminuição do PCO2 para menos de 30 mmHg, embora haja modesto aumento no PO2 (101 a 104 mmHg). A diminuição do PCO2 é compensada pelo aumento da excreção urinária de bicarbonato, cuja concentração diminui no plasma; por isso, o pH arterial não sofre alteração significativa (pH = 7,4), caracterizando a alcalose respiratória compensada. Cerca de 60 a 70% das gestantes livres de doença respiratória experimentam dispneia. Como os sintomas começam no 1o ou no 2o trimestre e estabilizam-se no 3o, não é provável qualquer papel determinante do útero aumentado de tamanho. A dispneia parece decorrer da percepção da paciente à hiperventilação da gravidez. MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO 7 - CFSH O exercício acarreta aumento compensatório na frequência respiratória, no volume-corrente e consumo de oxigênio. Essa resposta adaptativa ao aumento do trabalho respiratório está amortecida na gestante em comparação a controles não gravídicos. Por isso, recomenda-se reduzir a intensidade do exercício aeróbio na gravidez. • Sistemadigestório No 1o trimestre é frequente a ocorrência de náuseas e vômitos (50 a 90% das gestantes), levando, em geral, à anorexia, embora uma quantidade equivalente de mulheres relate melhora no apetite e uma parcela considerável admita desejos por certos alimentos. A base fisiológica das náuseas, que tendem a ocorrer pela manhã, é desconhecida, embora possa estar relacionada com níveis crescentes de gonadotrofina coriônica humana (hCG) e de estrogênios. A gengivite, no ciclo gestatório, assim como fora dele, é consequente ao acúmulo da placa bacteriana na margem gengival, e se apresenta com eritema, sangramento e intumescimento da zona afetada, bem como extremo desconforto para a paciente. Quando muito intensas, essas alterações periodontais podem deflagrar parto pré-termo, o que é discutível. As gengivas estão comumente edemaciadas, hiperêmicas, e sangram com facilidade. Não se identificou, contudo, tendência para o aparecimento de cáries dentárias na gestação, nem que a hiperêmese gravídica e o vômito matinal, e consequente queda no pH bucal, aumentariam o risco de cáries. O sistema gastrintestinal (esôfago, estômago, vesícula, intestino) permanece atônico durante toda a gestação. Os fatores determinantes são hormonais, os mesmos que relaxam a musculatura de artérias, veias e ureteres. Uma consequência imediata é a alta incidência de pirose (a progesterona relaxa a musculatura lisa), combinação do relaxamento do esfíncter gastresofágico ao aumento de pressão intra- abdominal, esta última condicionada pelo útero gravídico. A atonia do cólon explica a grande frequência da constipação intestinal. A vesícula fica hipotônica, distendida, com bile viscosa e com grande tendência de formar cálculo. • Sistema endócrino Hipófise: Essa glândula sofre hipertrofia e hiperplasia, pode chegar a dobrar de tamanho. A adeno-hipófise aumenta a produção de prolactina em cerca de 10 vezes, para preparar as glândulas mamárias a produzirem leite. Tireoide: As alterações fisiológicas da tireoide na gravidez são consideráveis e podem ser confundidas com a própria doença. O volume da tireoide materna chega a aumentar 30% no 3o trimestre, em decorrência da hiperplasia e da maior vascularidade. Não se trata de bócio, pois esse aumento é fisiológico. Os níveis da tireoxina total (T4T) aumentam 1,5 vez em relação aos valores não gravídicos, até 16 semanas da gravidez (primeiro trimestre e um pouco), momento em que se estabilizam devido à elevação da globulina de ligação da tireoxina (TBG) estimulada pelos estrogênios, com 99,7% do T4 ligados à TBG. A tireotrofina, mais conhecida como hormônio tireoestimulante (TSH), que desempenha papel central no rastreamento para o diagnóstico de muitos distúrbios da tireoide, apresenta níveis diminuídos nas primeiras 12 semanas da MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO 7 - CFSH gravidez em virtude da menor estimulação dos receptores de TSH causada pelo substancial quantidade de gonadotrofina coriônica humana (hCG). Após o 1o trimestre, os níveis de TSH retornam aos seus valores basais. O hCG elevado no 1o trimestre tem ação tireotrófica e estimula a produção materna da tireoxina livre (T4 L) que, por sua vez, inibe a secreção do TSH. No 2o trimestre, e em especial no 3o, os níveis de T4 L são significativamente mais baixos. O aumento da TBG concorre também para a diminuição dos hormônios tireoidianos livres (T4 e T3). A última série de eventos desenrola-se no metabolismo periférico dos hormônios da tireoide e é mais proeminente na segunda metade da gestação. Existem três enzimas deiodinases nos tecidos, nomeadas como tipo I, II e III. As enzimas tipo I não se modificam significativamente. As enzimas do tipo II, expressas na placenta, convertem T4 em tri-iodotironina (T3). As últimas (tipo III), também abundantes na placenta, catalisam T4 em T3 reversa (T3r). Paratireoide: O metabolismo mineral está sobrecarregado na gravidez em razão das novas demandas fetoplacentárias, que irão drenar o cálcio e outros elementos da economia materna para a formação do esqueleto fetal. Além disso, o aumento da TFG aumenta a excreção de cálcio. Essas alterações fisiológicas levam ao decrécimo de níveis séricos de cálcio total e não do cálcio iônico, assim não se observa benefício na suplementação. E o paratormônio sofre um decrécimo na gravidez, entretanto há uma elevação de Vitamina D, que aumenta a bsorção de cálcio pelo TGI. Ovários: Produção de relaxina. • Pele e fâneros Cerca de 50% das gestantes exibem estrias no abdome no decurso do último trimestre, por vezes encontradas também nos seios (estrias gravídicas ou víbices). Inicialmente vermelhas, mais tarde tornam-se brancas ou nacaradas, persistindo indelevelmente. Há aumento na pigmentação da linha alva do abdome inferior (linea nigra), da vulva, das aréolas mamárias e da face (cloasma). É comum o aparecimento de telangiectasias, relacionadas com os altos níveis estrogênicos. É provável que o hormônio melanotrófico da hipófise atue também sobre os melanoblastos epidérmicos, acentuando a pigmentação, e o sistema nervoso autônomo influencie a formação do pigmento nas gestantes. A hipertricose é um fenômeno fisiológico durante a gravidez (pelos na face e em outras regiões, crescimento mais acentuado dos cabelos), com unhas muito quebradiças e surgimento de eritema palmar e hipertrofia das glândulas sudoríparas e sebáceas. • Sistema esquelético As articulações, em geral, sofrem o processo de embebição gravídica, que nada mais é que o acúmulo líquido proveniente da ação sistêmica da progesterona e do estrógeno. Se vê como um processo adaptativo de aumento da mobilidade da pelve que prepara o organismo para a parturição. Durante a gravidez, as articulações da bacia óssea se apresentam com maior elasticidade, aumentando a capacidade pélvica e modificando a postura e deambulação.
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