O MINIGUIA DA ANÁLISE MÓRFICA NO PORTUGUÊS com Roberto Gandulfo @portuguescombetinho youtube.com/omorfologista SUMÁRIO 3 3 6 9 11 11 15 18 18 21 22 23 24 26 28 31 31 32 33 35 38 40 O começo da morfologia Morfema Classificação dos morfemas Classificação das palavras Análise mórfica de verbos Estruturas de forma nominal Formas conjugadas Análise mórfica de nomes Estruturas nominais Nomes comuns de dois Derivação nominal Análise mórfica de outras classes Análise mórfica de bases presas Análise mórfica de morfemoides Análise mórfica de alomorfes Casos particulares O sufixo -mente A terminação -ão O fonema de ligação Análises prontas Exercícios Gabarito O começo da morfologia MORFEMA A análise mórfica é a divisão de uma palavra em seus respectivos morfemas. Mas, afinal, o que é um morfema? Bem, o morfema é a menor unidade linguística dotada de significação. E o que isso significa? Isso significa que o morfema vai atribuir alguma significação a um vocábulo, e o significado global do vocábulo será, em geral, a soma das significações dos seus morfemas. Vamos ver um exemplo: youtube.com/omorfologista cantar = [cant] - [a] - [r] INDICA A CONJUGAÇÃO DO VERBO INDICA O SIGNIFICADO BÁSICO DA PALAVRA INDICA QUE O VERBO ESTÁ NO INFINITIVO Baseando-nos nos morfemas de "cantar", podemos concluir que se trata de um verbo de primeira conjugação (ou seja, daqueles que terminam em -ar, como "amar", "colocar", etc.) no infinitivo, cujo sentido é de "produzir com a boca sons que formam melodias ou músicas". Então, cada morfema indica alguma parte da significação global do vocábulo. Mas como nós podemos encontrar morfemas? Nós devemos reparar que os morfemas se repetem em palavras da língua. Portanto, nós podemos encontrar um morfema comparando palavras que contêm alguns morfemas em comum. Vamos a um exemplo prático? Imagine que você quer dividir os morfemas da palavra "infelizmente". Devemos supor que é útil (para não dizer óbvio) comparar essa palavra com "infeliz" e com "felizmente", porque sabemos intuitivamente que essas palavras mantêm alguma ligação. Quando comparamos "infeliz" com "infelizmente", percebemos que aquele [mente] está sobrando. Quando comparamos "infeliz" com "feliz", percebemos que o [in] está sobrando. Como não conseguimos encontrar uma palavra mais simples que "feliz", percebemos que [feliz] constitui uma unidade sozinho. Aí está análise mórfica que fizemos! [feliz] [in] - [feliz] [in] - [feliz] - [mente] Nós vamos perceber, ao estudarmos mais, que essa análise está incompleta em alguns pontos, mas isso ficará mais claro quando estudarmos as estruturas vocabulares do português. Outra característica importante do morfema é o ordenamento. Os morfemas aparecem numa ordem específica na palavra, definida pela estrutura da língua. Então, "cantar" se divide em [cant][a][r], e não podemos mudar essa ordem: *racant (o asterismo indica agramaticalidade), *acantr, etc. Por fim, o último princípio é a composicionalidade: toda palavra é formada por morfemas. O importante neste momento é que percebamos que todo morfema possui algumas características fundamentais: TODO MORFEMA a) É indivisível! b) É significativo! c) É recorrente! d) É ordenado! e) Compõe palavras! Vamos interpretar isso. Se o morfema é a menor unidade linguística dotada de significação, então ele obviamente é indivisível, ou seja, você não pode dividir um morfema em outros dois morfemas, porque isso seria contraditório. Do mesmo modo, se o morfema é dotado de significação, então todo morfema é significativo. Por fim, para encontrar um morfema, nós devemos comparar palavras distintas que o contenham. Isso só é possível porque os morfemas são recorrentes, ou seja, eles aparecem em várias palavras. Se o morfema segue uma ordem específica na palavra, ele é ordenado. Se ele compõe todas as palavras da língua, ele é composicional. CURIOSIDADE! Existem morfemas irrecorrentes na língua, sabia? São os morfemoides (sem acento, hein!). Nós vamos estudá-los em momento oportuno, mas já adianto um pequeno exemplo: resguardar. Sabemos que resguardar vem de guardar, então o [res] é um morfema. Mas ele não é recorrente, porque só aparece nessa palavra. Pois é! Trata-se de um morfemoide. CLASSIFICAÇÃO DOS MORFEMAS A questão da classificação e até mesmo da divisão dos morfemas é extremamente controversa na literatura. No entanto, como este material é voltado para a galera da graduação, não vou me aprofundar muito nisso. Vou traçar um panorama geral da classificação dos morfemas de acordo com os autores mais cobrado entre as graduações. Primeiro, existe o morfema nuclear, que indica a significação básica da palavra. Esse morfema é chamado de radical por alguns autores e de raiz por outros. Isso não importa para nós, mas eu chamarei esse morfema de radical, porque é a nomenclatura que vejo com maior frequência. Além disso, utilizarei a sigla R para representá-lo. Por fim, vale notar que palavras que possuem o mesmo radical são chamadas cognatas. Veja um exemplo de conjunto de palavras cognatas: {[centr]o, [centr]al, [centr]alizar, [centr]alização, des[centr]alizar, des[centr]alização, [centr]ar, [centr]alidade...}. O conjunto formado por todas as palavras cognatas a uma primeira é chamado família de palavras ou grupo lexical. Por fim, um princípio: toda palavra, obrigatoriamente, possui pelo menos um R. Não existe palavra sem R. O segundo morfema que veremos é aquele que indica a conjugação de verbos e cria um lugar propício para a entrada de afixos (que veremos mais à frente). Seu nome é vogal temática. Alguns autores mais "moderninhos" chamam esse morfema de índice temático, argumentando que ele nem sempre é preenchido por uma vogal. Enfim... não vou aderir a isso, porque acredito que essa discussão supera os limites da morfologia para a graduação. Vamos manter o nome "vogal temática" mesmo, valendo-se da sigla VT. Nos verbos, a VT (verbal) indica a conjugação. Verbos de primeira conjugação recebem no infinitivo a VT [a] (cant[a]r, am[a]r...); verbos de segunda conjugação recebem [e] (vend[e]r, perd[e]r...); verbos de terceira conjugação recebem [i] (part[i]r, consegu[i]r...). No caso dos nomes, a VT (nominal) pode ser [a] (mes[a], cam[a]...), [e] (ment[e], alfac[e]...) ou [o] (corp[o], med[o]...). Ela serve em geral para dar lugar a outros morfemas: mes[a] > mes[inha], ment[e] > ment[al], menin[o] > menin[a]. Além disso, devemos postular que toda VT nominal é átona. Portanto, na palavra "café", por exemplo, o é não é uma VT, porque ele é tônico. Toda vogal átona final em nomes é uma VT nominal. Uma palavra cuja VT é zero é chamada atemática. Todo nome terminado em vogal tônica (café, axé, cipó...) ou em consoante (motor, capital, país...) é atemático. O terceiro morfema são os afixos. Devemos lembrar a definição de R: "indica a significação básica da palavra". Por que dizemos que essa é a significação básica porque é dever dos afixos modificá-la. Portanto, afixos são os morfemas que modificam a significação (ou seja, o significado ou a classe) da palavra a que se associam. No português, existem dois tipos de afixo: os prefixos (que vêm antes da palavra) e os sufixos (que vêm depois da palavra). Simplificaremos prefixo como P e sufixo como S. Exemplo de P: fazer > [re]fazer. Exemplo de S: gosto > gost[oso]. O quarto é último grupo de morfema é a desinência. Desinências são morfemas que indicam as flexões dos nomes ou dos verbos. As que indicam flexões dos nomes são desinências nominais. As que indicam as flexões dos verbos são desinências verbais. As que indicam formas nominais do verbo são desinências verbo-nominais. Existem dois tipos de desinências verbais: as modo-temporais (DMT) e as número- pessoais (DNP). Existem dois tipos de desinências nominais: as de gênero (DG) e as de número (DN). Existem três tipos de desinências verbo-nominais: a de infinitivo (Di), a de gerúndio (Dg) e a de particípio (Dp). Acredito eu que os nomes já são autoexplicativos. Exemplo de DMT: canta[re]mos. Exemplo de