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0 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA IAGO HENRIQUE ALBUQUERQUE DE MEDEIROS OS CONCHEIROS EM DUNAS DO LITORAL SETENTRIONAL NORTE-RIO- GRANDENSE: OCUPAÇÃO HUMANA, CULTURA MATERIAL E PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO REGISTRO ARQUEOLÓGICO RIO DE JANEIRO 2016 1 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA IAGO HENRIQUE ALBUQUERQUE DE MEDEIROS OS CONCHEIROS EM DUNAS DO LITORAL SETENTRIONAL NORTE-RIO- GRANDENSE: OCUPAÇÃO HUMANA, CULTURA MATERIAL E PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO REGISTRO ARQUEOLÓGICO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arqueologia, do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial do processo de Doutorado. Orientadora: Dra. Maria Dulce Barcellos Gaspar de Oliveira Linha de pesquisa: Povoamento do Território Brasileiro RIO DE JANEIRO 2016 0 2 IAGO HENRIQUE ALBUQUERQUE DE MEDEIROS OS CONCHEIROS EM DUNAS DO LITORAL SETENTRIONAL NORTE-RIO-GRANDENSE: OCUPAÇÃO HUMANA, CULTURA MATERIAL E PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO REGISTRO ARQUEOLÓGICO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial do processo de Doutorado. Orientadora: Dra. Maria Dulce Barcellos Gaspar de Oliveira Linha de pesquisa: Povoamento do Território Brasileiro BANCA EXAMINADORA Membros Titulares: ____________________________________________________________ Dra. Maria Dulce Barcellos Gaspar de Oliveira – Orientadora (PPGArq-MN/UFRJ) ____________________________________________________________ Dra. Cláudia Rodrigues Ferreira de Carvalho – PPGArq/MN/UFRJ ____________________________________________________________ Dr. Murilo Quintans Ribeiro Bastos - MN/UFRJ ____________________________________________________________ Dra. Rita Scheel-Ybert – PPGArq/MN/UFRJ ____________________________________________________________ Dr. Roberto Airon Silva – PPGH/UFRN Membros Suplentes: ____________________________________________ Dra. Claudia Rodrigues Ferreira de Carvalho - PPGArq/MN/RJ ____________________________________________ Dr. Renato Rodriguez Cabral Ramos - DGP/GeoQuater/Museu Nacional /MN/RJ RIO DE JANEIRO 2016 3 DEDICATÓRIA À Marluce, Marcelo e Paulo Roberto de Medeiros (in memorian), pessoas para as quais dedico este trabalho e minha vida. 4 AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos à Universidade Federal do Rio de Janeiro e ao Museu Nacional, pela oportunidade de ingressar no Programa de Pós-Graduação – PPGArq/MN, pelos conhecimentos adquiridos que foram a base para o desenvolvimento da pesquisa; À Dra. Maria Dulce Gaspar do PPGArq, professora na mais ampla acepção da palavra, que me forneceu sempre a oportunidade da conversa, sugestão de leituras, discussões e delineamento da pesquisa; À Dra. Tânia Andrade Lima pelos conhecimentos adquiridos ao longo do curso e mesmo antes do Doutorado; À Dra. Denise Cavalcante, Dr. Andersen Lyrio e Dr. Renato Rodriguez Cabral Ramos pelas contribuições à época da qualificação; Aos Professores que compuseram a banca examinadora por suas observações, muitas correções, contribuições ao texto final e por terem identificado neste trabalho uma contribuição à arqueologia norte-rio-grandense; À Dra. Gina Faraco Bianchini pela oportunidade de aprendizado em campo no Sítio Sernambetiba e no Laboratório de Arqueologia; Ao MsC. Diogo Borges, pelas discussões e pelo exemplo de otimismo e alegria; Ao colega de curso e amigo Paulo Roberto do Canto pelas discussões, análise das coleções cerâmicas, amizade e convivência no Rio de Janeiro e em Natal; À Claudine Leite e Nazaré Rezende pelo tratamento sempre cordial e disposição em ajudar a todos que as procuram; Ao Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte pelos anos de aprendizado e aos professores Paulo Tadeu, Mirian Cazetta e Roberto Airon; Ao LAHP/UERN na pessoa de seu coordenador, Prof. Valdeci dos Santos Júnior; À Jeanne Nesi, Superintendente do IPHAN no Rio Grande do Norte; A Onésimo Santos pelo acesso às coleções arqueológicas do IPHAN/RN; À Verônica Pontes Viana, a Hebert Rego, Cristiane Bucco e aos colegas do Ceará; 5 À Railda Nascimento e aos colegas de Sergipe; Agradeço a todos os colegas e amigos por participarem de minha trajetória. Credito ainda este trabalho à excelência dos professores, às pessoas gernerosas e de bom coração com as quais tive contato no Rio de Janeiro/ Aos belíssimos Quinta da Boa Vista e Museu Nacional que relativizaram as dificuldades e relevaram o aprendizado no curso; À Marluce, Marcelo e Paulo Roberto de Medeiros (in memorian). 6 “Eu venho das dunas brancas Onde eu queria ficar Deitando os olhos cansados Por onde a vista alcançar Meu céu é pleno de paz Sem chaminés ou fumaça No peito enganos mil Na terra é pleno abril No peito enganos mil Na terra é pleno abril Eu tenho a mão que aperreia Eu tenho o sol e areia Sou da América Sou (...)” Terral, de Ednardo, composição de 1973. 7 RESUMO A tese de doutorado apresenta a pesquisa dos sítios litorâneos do litoral do Rio Grande do Norte, a partir das coleções arqueológicas oriundas do Projeto Dunas (Albuquerque, 1994) e dos resgates dos materiais arqueológicos dos sítios Galinhos e Três Irmãos (respectivamente localizados em dunas costeiras dos municípios de Galinhos e São Bento do Norte, Estado do Rio Grande do Norte). Os sítios arqueológicos localizados nesses contextos ao longo da História de sua formação foram expostos a eventos de modificação pós-deposicional, promovidos pela dinâmica geomórfica. São de interpretação complexa, e, entre outras limitações introduzidas pelos processos de formação, figuram a composição de palimpsestos arqueológicos. Considerando esses vieses a pesquisa teve como perspectiva de abordagem a análise espacial intra-sítio, e, complementarmente cotejou os processos de cunho geoambiental aliado à análise da cultura material dos sítios. Residiu, fundamentalmente, em uma análise relacional entre os sítios litorâneos orientais e os setentrionais do Estado. Para tal foram avaliados os dados disponíveis resultantes de pesquisas em áreas do litoral oriental, nas áreas de dunas e tabuleiros litorâneos, à luz do estudo de dois sítios escavados no litoral setentrional. As relações passíveis de serem colocadas entre as duas áreas, em termos das escolhas dos grupos pré-coloniais, bem como as diferenças ao nível da estruturação do registro arqueológico foram questões latentes. Ademais, não haviam sido cotejadas, até a elaboração da presente pesquisa. Tencionou-se contribuir para a compreensão dessas questões, uma vez que os dados e conclusões reunidos na tese de doutorado indicaram, que numa equação complexa um conjunto de variáveis, de fundo geoambiental e cultural respondem pela diferenciação dos contextos de ocupação e funcionalidade dos sítios nos dois setores litorâneos: o oriental e o setentrional. Para interpretar as ocupações e os padrões de uso do espaço, além dos processos de formação do registro arqueológico, foram empregadas técnicas de análise espacial em arqueologia, por meio do processamento de dados pelo emprego do Sistema de Informações Geográficas SIG/GIS. Com a conclusão da pesquisa foi possível identificar elementos que remetem a um modelo de ocupação dos setores do litoral oriental e setentrional, além da intrepretação dos padrões espaciais e da estrutura dos concheiros setentrionais (elementos caracterizadores do registro arqueológico na região). Palavras-chave: Litoral Setentrional do RN – Ocupação Humana – Cultural material– Processos de Formação do Registro Arqueológico 8 ABSTRACT The doctoral thesis presents the research of coastal sites in the Rio Grande do Norte coastline based on archaeological collections derived from Projeto Dunas (Albuquerque, 1994) and the archaeological materials derrived from sites Galinhos e Três Irmãos located in the municipalities of Galinhos and São Bento do Norte, Rio Grande do Norte State. The archaeological sites located in these contexts and throughout the history of its formation, were exposed to formation processes highlighting the formation of archaeological palimpsests. Considering these biases the research was to approach the intra-site spatial analysis and complementarily analyzed the environmental processes and data from the material culture. It was in fact a relational analysis between the eastern coastal and northern sites. Thus the data of research conducted on the eastern coast were used, in addition to the data from two sites on the northern coast of the State. Were issues to be clarified, the potential relations between the two coastal sectors, in terms of differentiation of the archaeological record and the choices of prehistoric groups. It is intended to contribute to the understanding of these issues, since the data collected and conclusions indicated that a number of environmental and cultural variables are responsible for the differentiation of the archaeological record in the two coastal sectors. To understand the occupations and space patterns, as also the formation processes of the archaeological record, were employed spatial analysis techniques and geographic information system GIS. With the conclusion of the research was possible to propose a model of occupation of areas of eastern and northern coast, as also the spatial patterns and structure of coastal northern sites. Key Words: Coastal Northern/RN - Human Occupation - Cultural Material – Formation Processes of the Archaeological Record. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 20 2 QUADRO DE REFERÊNCIA: AS PESQUISAS E SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO LITORAL DO RIO GRANDE DO NORTE 27 2.1 Os sítios com materiais conchíferos do litoral do Brasil: Potencial informativo, conjuntos de cultura material, estratigrafia e processos de formação do registro. 50 3 O CONTEXTO GEOLÓGICO 61 3.1 Geologia e geomorfologia da faixa litorânea do Rio Grande do Norte 62 3.1.1 Elementos para entendimento dos processos eólicos em dunas costeiras 74 3.2 Aspectos fisiográficos do Litoral Setentrional do Rio Grande do Norte 90 3.2.1 Vegetação do litoral do Rio Grande do Norte 91 3.3 Datações das dunas costeiras do Rio Grande do Norte, paleoclimas e níveis de NRM 94 3.4 Paleoclima da região Nordeste e níveis relativos do mar 95 3.4.1 Nível relativo do mar no Holoceno 96 3.4.2 Representação do contorno da linha de NRM aos 5.900-6000 anos cal. AP: transgressão marinha e os sítios arqueológicos. 99 4 OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS 107 4.1 Os Sítios Arqueológicos 107 4.2 Processos de formação do registro arqueológico em dunas eólicas costeiras 122 4.3 Considerações à abordagem de sítios em dunas eólicas 127 4.4 Geoindicadores e disposição espacial de sítios arqueológicos em dunas no Litoral Setentrional do Rio Grande do Norte 132 4.5 Os sítios arqueológicos e o estudo das coleções 145 4.5.1 Pressupostos à análise das coleções líticas coletadas no Projeto Dunas: a tradição Itaparica 145 4.5.2 As indústrias líticas do Rio Grande do Norte: observações sobre a unifacialidade, os instrumentos acabados 146 4.5.3 Representação gráfica da de artefatos plano-convexos do Projeto Dunas 164 4.6 Sistematização dos dados oriundos das escavações realizadas nos sítios arqueológicos Galinhos e Três Irmãos 171 10 4.6.1 Os levantamentos de campo nos sítios setentrionais em dunas 171 4.6.2 Objetivos que guiaram as escavações 173 4.6.3 Metodologia de campo 197 4.6.4 Análise e perspectivas acerca das coleções cerâmicas dos sítios Galinhos e Três Irmãos 173 4.6.5 As industrias e coleções de materiais malacológicos dos sítio Galinhos e Três Irmãos 197 4.6.6 A análise do material cultural 213 5 CARACTERIZAÇÃO DOS ARRANJOS ESPACIAIS NOS SÍTIOS GALINHOS E TRÊS IRMÃOS E OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO REGISTRO ARQUEOLÓGICO. 215 5.1 Pressupostos à avaliação espacial: Os palimpsestos e o problema das taxas de acumulação em sítios arqueológicos 215 5.2 Caracterização dos arranjos espaciais no espaço dos sítios Galinhos e Três Irmãos e os processos de formação do registro arqueológico. 216 5.3 Análise intra-sítio: arranjos espaciais, atividades préteritas e comportamento nos Sítios 231 5.4 Os conjuntos artefactuais 236 5.4.1 A análise da indústria lítica 239 5.5 Avaliação da cultura material dos sítios 244 6 CONCLUSÃO 247 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 252 11 ÍNDICE DAS FIGURAS Figura 1: Plano-convexo do centro norte mineiro. Fonte: (PROUS, 1992) 34 Figura 2: Plano-convexo do centro norte mineiro. Fonte: (PROUS, 1992) 34 Figura 3: Raspadores longos, característicos da tradição Itaparica, de populações que ocupavam áreas de cerrado no centro do Brasil entre 9 mil e 6.500 anos. FONTE: (GUIDON, 1992) 34 Figura 4: Plano-convexo da fase Paranaíba. FONTE: (GUIDON, 1992) 35 Figura 5: Plano-convexo sobre lâmina da fase Paranaíba. FONTE: (GUIDON, 1992) 35 Figura 6: Plano-convexo, Lapa do Morrro Vermelho. FONTE: (GUIDON, 1992) 35 Figura 7: Plano-convexo da região centro norte de Goiás. FONTE: (GUIDON, 1992) 35 Figura 8: Lesmas da fase Paranaíba da tradição Itaparica, provenientes dos abrigos de Serranópolis. Fonte: (SCHMITZ, 1987) 36 Figura 9: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas, face dorsal. 37 Figura 10: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas, face ventral. 37 Figura 11: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas, vista lateral. 37 Figura 12: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas, face dorsal. 38 Figura 13: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas- face ventral. 38 Figura 14: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas– Vista em perfil. 38 Figura 15: Lesmas identificadas por V. Calderón (Gruta do Padre, Pernambuco). Fonte: Martin & Rocha (1990). 39 Figura 16: Homem Tapuia. 44 Figura 17: Homem Tupi. 44 Figura 18: Contato entre as dunas e o tabuleiro no litoral do Rio Grande do Norte. 64 Figura 19: Área de dunas ativas. 65 Figura 20: Bacia de deflação em dunas ativas. 65 Figura 21: Dunas ativas. 66 Figura 22: Dunas ativas. 66 Figura 23: Classificação de estruturas pós-deposicionais segundo McKee et al. (1971). A) Estruturas rotacionadas; B) Dobras suaves; C) Estruturas em chama; (D) Dobras de arrasto; E) Dobras assimétricas de alto ângulo; F) Dobras redobradas; G) Dobras de empurrão; H) Partes quebradas; I) Brechas. 77 Figura 24: Superfície limitantes adaptado de Brookfield (1977). 78 Figura 25: Tipos de dunas, modificado de McKee (1979). 79 12 Figura 26: Morfologia de dunas barcanas. E compreende a extensão, L a largura e h a altura (Pye & Tsoar 1990). 80 Figura 27: Modelos de modificação de dunas barcanas e formação das seif dunes a partir de dunas barcanas. 1), 2). F ventos fortes e S ventos suaves. (modificado de Pye e Tsoar, 1990) 81 Figura 28: A variabilidade de formas das dunas parabólicas: A) grampo, B) lobular, C) hemicíclica, D) digitada, E) nidiformes (dunas conjugadas, na qual dunas menores aninham-se entre os braços da duna maior), F) cadeias transgressivas com dunas transversais secundárias, G) dunas em forma de “ancinho”. A e B são formas simples, C, D e E são formas compostas e F e G são formas combinadas, modificado de Pye & Tsoar, 1990. 82 Figura 29: Modelo de formação de dunas estrela a partir de dunas transversaisnuma área onde predominam ventos multidirecionais. As setas indicam as direções de ventos: a) Duna Transversal, b) Reversão sazonal da linha da crista, c) Duna reversa com braço incipiente de duna estreala, d) Desenvolvimento de braços a partir de um fluxo secundário e e) Acentuação dos braços a partir de uma terceira direção do vento e fluxo secundário. Extraído de Lancaster (1989). 83 Figura 30: Modelo evolutivo para dunas frontais sugerido por Hesp (1988). 84 Figura 31: Principais morfologias de blowouts. Blowout tipo pires (esquerda); Blowouts tipo calha (direita), exibindo paredes erosionais mais íngremes e bacia de deflação mais profunda em relação ao blowout em forma de pires. As setas indicam o padrão de fluxo do vento. “1. Lobo Deposicional, 2. Bacia de Deflação e 3. Parede Erosional”. Extraído de Hesp (2002). 85 Figura 32: Vegetação herbácea das dunas. 92 Figura 33: Vegetação secundária. 93 Figura 34: Vegetação arbustiva de caatinga em área de tabuleiro. 93 Figura 35: Detalhe de Sedimentos areno-argilosos em tabuleiro litorâneo. 94 Figura 36: Fatores que regem as flutuações do nível relativo marinho. (Fonte: SUGUIO et al, 1985) 97 Figura 37: Superfície deflacionada. 123 Figura 38: Estrutura interna de uma duna migrante. 125 Figura 39: Vista de artefato confeccionado sobre carapaça de gastrópode, conta com perfuração central e regularizada por polimento, superfície, sítio Galinhos/RN. 132 Figura 40: Detalhe da foto anterior, conta de colar polida com orifício central para engaste, identificada no sítio Galinhos. Apresenta intenso polimento provocado pela exposição à abrasão eólica (grãos de em suspensão, que imprimem aos objetos o chamado “brilho do deserto”) 133 Figura 41: Vista de sítio arqueológico no litoral setentrional, Grossos/RN. Carapaças de gastrópodes de indíviduos juvenis, com marcas de percussão e quebra do ápice da columela, expostos à abrasão eólica. 133 Figura 42: Vista de sítio arqueológico no litoral setentrional, Galinhos/RN. Os materiais estão na face de deslizamento de uma pequena duna em forma de domo (dome dune) 134 Figura 43: Tabuleiro litorâneo, Galinhos/RN. 135 Figura 44: Paleodunas e Formação Jandaíra em São Bento do Norte/RN. 135 Figura 45: Dunas em Areia Branca/RN, Formação Barreiras e Dunas Móveis. 136 13 Figura 46: Sítio arqueológico em Galinhos/RN. Parede erosional, corredor de blowout, formados pela deflação, com materiais conchíferos em processo de escorregamento na parede erosional. 137 Figura 47: Conjunto de instrumentos unifaciais (Projeto Dunas, 1994). 148 Figura 48: Conjunto de instrumentos unifaciais (Projeto Dunas, 1994). 148 Figura 49: Instrumento unifacial sobre lâmina – face inferior. (Projeto Dunas, 1994). 149 Figura 50: Instrumento unifacial sobre lâmina – Vista lateral. (Projeto Dunas, 1994). 149 Figura 51: Instrumento unifacial sobre lâmina – face superior. (Projeto Dunas, 1994). 150 Figura 52: Núcleo sobre lasca – face superior. (Projeto Dunas, 1994). 150 Figura 53: Núcleo sobre lasca – face inferior. (Projeto Dunas, 1994). 151 Figura 54: Instrumento unifacial sobre lâmina, vista do talão e lábio resultante de percutor mole. (Projeto Dunas, 1994). 151 Figura 55: Instrumento unifacial sobre lâmina, vista do talão – face superior com preparação prévia, retirada da cornija. (Projeto Dunas, 1994 ). 152 Figura 56: Instrumento unifacial sobre lâmina, vista da face superior com preparação aresta guia. (Projeto Dunas, 1994). 152 Figura 57: Instrumento plano convexo, unifacial de espessura média. (Projeto Dunas, 1994). 153 Figura 58: Artefato plano convexo – espesso – face superior. (Projeto Dunas, 1994). 154 Figura 59: Artefato plano convexo – espesso – face inferior. (Projeto Dunas, 1994). 154 Figura 60: Artefatos planos convexos – espesso – face superior, confeccionados com matéria prima de uma mesma área fonte ou do mesmo núcleo. (Projeto Dunas, 1994). 154 Figura 61: Superfícies erodidas que expuseram núdulos, plaquetas, calhaus e blocos, área de tabuleiro pré-litorâneo, em sítio arqueológico com artefatos lascados que documentam as primeiras fases da cadeia operatória/redução lítica, aquisição de matéria prima. Sítio Oiticica/RN. 155 Figura 62: Superfícies erodidas que expuseram núdulos, plaquetas, calhaus e blocos, área de tabuleiro pré-litorâneo, em sítio arqueológico com artefatos lascados que documentam as primeiras fases da cadeia operatória/redução lítica, aquisição de matéria prima. Sítio Oiticica/RN. 156 Figura 63: Vista da variedade de suportes naturais em silexito e sua abundância, Sítio Oiticica/RN. 156 Figura 64: Suporte de redução para lascas espessas, típicas de sítios de apropriação de matéria prima. 157 Figura 65: Suporte de redução com córtex carcterístico de nódulos de sílex, crosta carbonática, que indica sua origem e formação na Formação Jandaíra da Bacia Potiguar. 157 Figura 66: Pavimento com grande variedade de suportes em silexitos em sítio de obtenção de matéria prima, sítio do Trilho/RN. 158 Figura 67: Núcleo lascado em silexito, sítio de obtenção de matéria prima, sítio do Trilho/RN. 158 14 Figura 68: Superfícies erodidas que expuseram núdulos, plaquetas, calhaus e blocos em área de tabuleiro pré-litorâneo, em sítio arqueológico com artefatos lascados que documentam as primeiras fases da cadeia operatória/redução lítica, aquisição de matéria prima. Sítio Amargoso/RN. 159 Figura 69: Pavimento com grande variedade de suportes em silexitos em sítio de obtenção de matéria prima, sítio do Trilho/RN. 159 Figura 70: Pavimento com grande variedade de suportes em silexitos em sítio de obtenção de matéria prima, em área de Tabuleiro litorâneo (Formações Barreiras e Jandaíra). 160 Figura 71: Pavimento com grande variedade de suportes em silexitos em sítio de obtenção de matéria prima, em área de Tabuleiro litorâneo (Formações Barreiras e Jandaíra). 160 Figura 72: Suporte em silexito de grandes dimensões (com aproximadamente 40 a 50 kg) em sítio de obtenção de matéria prima, em área de tabuleiro litorâneo (Formações Barreiras e Jandaíra). 161 Figura 73: Leito de curso d’água rio Amargoso com grande variedade de suportes em silexitos em meio aos aluviões em domínios da Formações Barreiras e Jandaíra. 161 Figura 74: Núcleo em silexito em meio aos aluviões em domínios da Formações Barreiras e Jandaíra. 162 Figura 75: Artefato plano-convexo 165 Figura 76: Raspador lateral sobre lasca espessa. 165 Figura 77: Lasca espessa de seção plano-convexa. 166 Figura 78: Artefato plano-convexo e lesma espessa. 166 Figura 79: Artefato unifacial sobre lasca. 167 Figura 80: Artefato plano-convexo. 167 Figura 81: Artefato plano-convexo. 168 Figura 82: Artefato plano-convexo, lesma. 168 Figura 83: Artefato plano-convexo. 169 Figura 84: Artefato unifacial sobre lasca. 169 Figura 85: Artefato plano-convexo. 170 Figura 86: Artefato unfacial. 170 Figura 87: Artefato unifacial. 171 Figura 89: Vista da área de escavação. 198 Figura 90: Vista da área de escavação 199 Figura 91: Vista da área de escavação. 199 Figura 92: Vista de área de escavação. 200 Figura 93: Vista da área de escavação. 200 Figura 94: Vista da área de escavação. 201 Figura 95: Coleta sistemática de superfície. 201 15 Figura 96: Vista da área de coleta sistemática de superfície – Sítio Arqueológico Ponta dos Três Irmãos. 202 Figura 97: Vista de parte do contexto do Sítio Arqueológico Galinhos. 205 Figura 98: Detalhe da foto anterior, vista do contexto de superfície no sítio Galinhos. 205 Figura 99: Detalhe da foto anterior, vista do contexto de superfície no sítio Galinhos. 206 Figura 100: Núcleo em silexito no sítio Galinhos. 206 Figura 101: Fragmentos de vasilhas cerâmicas no sítio Galinhos. 207 Figura 102: Fragmento de borda de vasilha cerâmica remontada, fase Papeba externa, face exposta à erosão e abrasão eólica. 175 Figura 103: Fragmentode borda de vasilha cerâmica remontada, fase Papeba externa, face preservada com tratamento de superfície aliasado. 176 Figura 104: Fragmento de borda de vasilha cerâmica remontada, fase Papeba externa, face exposta à erosão e abrasão eólica. 176 Figura 105: Fragmento de borda de vasilha cerâmica remontada, fase Papeba interna, face exposta à erosão e abrasão eólica. 177 Figura 106: Fragmento de borda de vasilha cerâmica remontada, fase Papeba externa. 177 Figura 107: Fragmentos de bojos de vasilhas cerâmicas, fase Papeba. 178 Figura 108: Fragmentos de bojos de vasilhas cerâmicas, fase Papeba. 178 Figura 109: Fragmentos de bojos de vasilhas cerâmicas, fase Papeba. 179 Figura 110: Fragmentos de bojo e borda de vasilha cerâmica, fase Papeba. 179 Figura 111: Fragmentos de borda externa de vasilha cerâmica, fase Papeba. 180 Figura 112: Fragmentos de borda externa de vasilha cerâmica, fase Papeba. 180 Figura 113: Fragmento de borda interna de vasilha cerâmica, fase Papeba. 181 Figura 114: Fragmento de borda interna de vasilha cerâmica, fase Papeba. 181 Figura 115: Fragmento de borda interna de vasilha cerâmica, fase Papeba. 182 Figura 116: Fragmento de borda interna de vasilha cerâmica, fase Papeba. 182 Figura 117: Fragmento de borda externa de vasilha cerâmica, fase Curimataú. 183 Figura 118: Fragmento de borda externa de vasilha cerâmica, fase Curimataú. 183 Figura 119: Fragmento de borda face interna da fase Curimataú, tradição Tupiguarani. 184 Figura 120: Fragmento de borda da externa fase Curimataú, tradição Tupiguarani. 184 Figura 121: Gastrópode com orícifio de perfuração de predador, polvo, sítio Galinhos. 209 Figura 122: Gastrópode com oríficio de perfuração de predador, polvo, sítio Galinhos. 209 Figura 123: Gastrópode com marca de utilização sítio Galinhos. 210 Figura 124: Gastrópode com marca de utilização, sítio Galinhos. 210 Figura 125: Gastrópode com marca de utilização, sítio Galinhos. 211 Figura 126: Bivalve do sítio Galinhos. 211 Figura 127: Bivalve do sítio Galinhos. 212 16 Figura 128: Bivalve do sítio Galinhos. 212 Figura 129: Instrumento em material malacológico, sítio Três Irmãos. 212 Figura 130: Instrumento em material malacológico, sítio Três Irmãos. 213 Figura 131: Instrumento em material malacológico, sítio Três Irmãos. 213 17 ÍNDICE DOS MAPAS Mapa 1:Localização de sítios do Litoral Oriental pesquisados à época do Projeto Dunas. 59 Mapa 2: Localização dos sítios do Litoral Setentrional pesquisados pelo autor. 60 Mapa 3: Mapa ambiental com destaque para o contexto geológico e geomorfológico, características do quadro natural de base para as ocupações pré-colonais. 63 Mapa 4: Geomorfologia do litoral setentrional do Rio Grande do Norte. 70 Mapa 5: Geomorfologia do litoral setentrional do Rio Grande do Norte. 71 Mapa 6: Geomorfologia do litoral oriental do Rio Grande do Norte 72 Mapa 7: : Geomorfologia do litoral oriental do Rio Grande do Norte 73 Mapa 8: Correlação entre os níveis relativos do nível do mar e possível cenário da transgressão no litoral oriental e setentrional do Rio Grande do Norte. 101 Mapa 9: Correlação entre os níveis relativos do nível do possível cenário no litoral oriental e setentrional do Rio Grande do Norte. 102 Mapa 10: Cenário pretérito de NRM elevado para os litorais oriental e setentrional do Rio Grande do Norte. 103 Mapa 11: Cenário pretérito de NRM elevado para os litorais oriental e setentrional do Rio Grande do Norte. 104 Mapa 12: Cenário pretérito de NRM elevado para os litorais oriental e setentrional do Rio Grande do Norte. Ressalte-se o fato da localização dos sítios mais interiores estarem próximos a cusos d’água atualmente seco, mais provalvemnete pernenes no contexto de NRM mais altos, que comportam variações locais de menor escala como a mudança na rede de derangem superficial em compartimentos geográficos específicos. 105 Mapa 13: Cenário pretérito de NRM elevado para os litorais oriental e setentrional do Rio Grande do Norte. 106 Mapa 14: Níveis do mar e sítios aruqueológicos (Litoral Oriental). 118 Mapa 15: Níveis do mar e sítios arquelógicos (Litoral Oriental). 119 Mapa 16: Níveis do mar e sítios arqueológicos (Litoral Setentrional). 120 Mapa 17: Níveis do mar e sítios arquelógicos (Litoral Setentrional). 121 Mapa 18: Localização dos geoindicadores relacionados ao sítio Três Irmãos (dunas). Ressalte- se que os sítios mais inteiores localizam-se em áreas de contato entre o Barreiras e a Formação Jandaíra (pertencentes à Bacia Potiguar, onde ocorrem jazidas de silexitos) . 139 Mapa 19: Localização dos geoindicadores relacionados ao sítio Galinhos (dunas). Ressalte-se que os sítios mais inteiores localizam-se em áreas de contato entre o Barreiras e a Formação Jandaíra (pertencentes à Bacia Potiguar, onde ocorrem jazidas de silexitos). 142 Mapa 20: Levantamento topográfico e áreas de escavação (sítio Galinhos) 203 Mapa 21: Áreas de ocorrência de vestígios no sítio Galinhos, padrão de densidade espacial segundo o estimador Kernell. 229 Mapa 22: Áreas de ocorrência de vestígios no sítio Galinhos, padrão de densidade espacial segundo o estimador Kernell 230 18 ÍNDICE DOS GRÁFICOS Gráfico 1: Frequencia total de materiais culturais no sítio Galinhos 222 Gráfico 2: Frequencia total de materiais culturais no sítio Três Irmãos 222 Gráfico 3: Frequencia total dos materiais culturais no sítio Galinhos. 240 Gráfico 4: Frequencia total dos materiais culturais no sítio Três Irmãos. 240 Gráfico 5: Frequencia de classes de artefatos líticos sítio Galinhos. 241 Gráfico 6: Frequencia de classes de artefatos líticos sítio Três Irmãos. 241 Gráfico 7: Índice de ocorrência de talões, sítio Galinhos. 243 Gráfico 8: Índice de ocorrência de talões, sítio Três Irmaõs. 243 19 ÍNDICE DAS TABELAS Tabela 1: Síntese da Geologia e Geomorfologia do Litoral do Rio Grande do Norte. ............ 68 Tabela 2: Tipos de Camadas de Referência e Laminações cruzadas de marcas ...................... 75 Tabela 3: Quadro potencial de dados paleoclimáticos. ............................................................ 95 Tabela 4: Sítios Arqueológicos identificados no Projeto Dunas (1992) ................................ 108 Tabela 5: Quadro percentuais de compartimentos geomorfológicos correlacionáveis ao Sítio Três Irmãos (Mapa 20) ........................................................................................................... 140 Tabela 6: Quadro quantitativo de Unidades Geomorfológicas da Área em Estudo - (Mapa 20) ................................................................................................................................................ 141 Tabela 7: Quadro percentual de compartimentos geomorfológicos correlacionáveis ao Sítio Galinhos (Mapa 20) ................................................................................................................ 143 Tabela 8: Quadro quantitativo de Unidades Geomorfológicas da Área em Estudo - Detalhe 2. ................................................................................................................................................ 145 20 INTRODUÇÃO Nas áreas de dunas do litoral Setentrional do Rio Grande do Norte foram localizados sítios arqueológicos, testemunhos de ocupações que se deram desde o período pré-colonial até épocas do contato com os europeus. Nessas áreas há conjuntos de vestígios malacológicos associados a artefatos líticos e cerâmicos. Os sítios estão localizados em dunas móveis com matrizes arenosas quartzosas eólicas e são marcados pelos processos erosivos e deposicionais do vento. O litoral setentrional desempenhou um papel importante nas estratégias de ocupação dos grupos numa perspectiva da longa duração do tempo, dos processos sócio-culturais subajcentes, como área de aquisição, manutenção da subsistência, atividades industriais/laboraise base para o desenvolvimento de sistemas cultrais. Além disso, se constituiu numa rota de fácil transposição e ocupação, pois é composto por meio ambiente rico em estoques de recursos potenciais para subsistência. A sua importância pode ser inferida pela ocorrência de vestígios arqueológicos passíveis de serem relacionados a três grupos: 1) àqueles relacionados a portadores de tecnologia para confecção de artefatos líticos em silexito, os artefatos plano-convexos, devido à disponibilidade de fontes de matéria prima; estas situadas nos trajetos que demarcam as áreas de exploração e jazidas interiores em demanda ao litoral; 2) os agricultores-ceramistas passíveis de serem filiados aos grupos da fase Pabeba; e, 3) àqueles identificados a ocupações de horticultores-ceramistas da tradição Tupiguarani (fase Curimataú, da tradição Tupiguarani). Esses antecedentes de pesquisa residem nos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Projeto Dunas/LARQ/UFRN, ao longo da década de 1990. No Projeto Dunas foi identificado um número significativo de sítios arqueológicos pré-coloniais e de contato euro-indígena, nas áreas de dunas do litoral oriental norte-rio-grandense. As pesquisas desenvolvidas se restringiram a essa porção do litoral e tiveram como objetivo central o cadastramento dos sítios arqueológicos. O Projeto Dunas foi desenvolvido sob a coordenação do arqueólogo Paulo Tadeu de Souza Albuquerque, coordenador do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – LARQ/UFRN. O projeto contou com o apoio do CNPQ, PPPG/UFRN, IBPC/4ª. SR. FUNPEC/UFRN, lDEC/SEPLAM/RN e Fundação José Augusto/RN. Foi desenvolvido em etapas de campo, nos anos de 1992 a 1994, em laboratório até fins da década de 1990. Nesses sítios em dunas do litoral oriental os materiais culturais encontrados permitiram a construção de inferências sobre os grupos pré-coloniais. As ocupações corresponderiam a de 21 “caçadores-coletores-pescadores” e nas que se sucederam àquelas os grupos seriam agricultores-ceramistas, apresentando uma tecnologia cerâmica diferenciada, expressas pelas cerâmicas da subtradição Pintada e as da fase Papeba. Hipóteses acerca da correlação de evidências artefactuais com ocupações de grupos pré-cerâmicos foram elaboradas, a partir da ocorrência de artefatos filiados à tradição Itaparica. Com relação aos artefatos correlacionáveis à tradição Itaparica trata-se de uma indústria de características unifaciais, na qual os artefatos plano-convexos, as chamadas lesmas, se destacam em meio aos instrumentos acabados. Tivemos oportunidade de ter os primeiros contatos com tais artefatos ainda sob a condição de bolsista do Laboratório de Arqueologia1, quando da participação na análise prévia das coleções do Projeto Dunas. Nos sítios os vestígios que informam diretamente sobre as práticas econômicas e de subsistência são escassos, embora sejam sempre frequentes, mas em quantidades inexpressivas. Sobre a ausência de restos malacológicos, à época, Albuquerque (1994) ressaltou que é significativa a quase total ausência de restos alimentares, como carapaças de moluscos e peixes nos sítios. Os sítios arqueológicos litorâneos em contextos abertos, localizados em dunas móveis e com contexto deposicional caracterizado por arranjos de superfície, são particularmente complexos, pois frequentemente passam por múltiplos períodos de moficações pós- deposicionais relacionadas com a dinâmica geomórfica (OLSZEWSKI et al, 2005; FANNING et al, 2009). Essas modificações dificultam o objetivo de interpretar as cronologias das ocupações e problemas de espacialidade correlatos (BAILEY, 2007). Da mesma forma esses sítios podem ser objetos de processos de longo termo, que incluem um amplo espectro de modificações pós-deposicionais. A pesquisa arqueológica nesse contexto requer um necessário foco na análise espacial (HOLDAWAY et al, 1998). À análise espacial desses sítios pode-se acrescentar os dados oriundos dos processos observáveis, e, ainda vigentes na paisagem (atualísticos), das características tecnológicas, morfológicas, funcionais dos conjuntos artefactuais. A perspectiva subjacente é a de que embora os arqueólogos estejam principalmente direcionados ao estudo do comportamento humano nas sociedades pretéritas, estes devem também interpretar os processos culturais e naturais que conformaram o registro arqueológico, de forma a obter um mais factível cenário do passado. Os vestígios dos grupos pré-coloniais são, então, componentes da paisagem e são atingidos pelos processos que a moldaram. (AMMERMAN & FELDMAN, 1978). 1 Sob a condição de bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – CNPQ/PIBIC. 22 Tendo em vista os antecedentes de pesquisa e a continuidade da ocorrência de sítios ao longo do litoral setentrional foi formulado o objetivo da presente tese de doutorado. É nosso objetivo central caracterizar as ocupações pré-coloniais no litoral setentrional do Rio Grande do Norte, no que estas representam objetivamente do cenário maior de ocupação costeira do RN, a partir do recurso à analise relacional dos contextos ambientais (em termos de seus recursos potencialmente exploráveis), da análise espacial intra-sítio, considerando os processos de cunho geoambiental, dados oriundos da cultura material e estruturação espacial dos sítios do litoral setentrional. Trata-se de um objetivo factível, tendo em vista o corpus de dados arqueológico já disponível, e, principalmente, condizente com a contribuição que se espera da pesquisa de uma tese de dourado. De outra forma insuficiente, caso fosse centrada, por exemplo, apenas na análise de uma classe dos fenômenos arqueológicos verificados nos sítios, como a frequência de artefatos líticos tipo Itaparica, na frequência de fragmentos de vasilhas da fase Papeba ou nos da tadição Tupianmbá. A condição para o alcance do objetivo da tese foi avaliar de forma integrada as várias classes de evidências, sua articulação espacial nos sítios, os fatores geoambientais e os processos de formação do registro arqueológico. Para a consecução de tal objetivo foram avaliados os dados disponíveis resultantes de pesquisas em áreas do litoral oriental, nas áreas de dunas e tabuleiros litorâneos. Os dados foram reinterpretados à luz do estudo de dois sítios escavados sistematicamente no litoral setentrional do Estado. As relações passíveis de serem colocadas entre as duas áreas em termos das escolhas dos grupos pré-colonais, com base em índices como a localização diferencial dos sítios arqueológicos no espaço costeiro ou nas diferenças atribuíveis à estruturação do registro arqueológico, não eram evidentes quando das pesquisas anteriores; embora se tratassem de questões latentes. Ademais, ressalte-se que as questões mencionadas não haviam sido abordadas, inexistindo referências na bibliografia arqueológica, mesmo a de extração recente. Assim consideramos como uma contribuição à compreensão dessa questão os dados e conclusões reunidos na pesquisa ora apresentada. No decorrer da pesquisa foram avaliadas as variáveis, que numa equação de fundo ambiental e cultural, respondiam pela não ocorrência de materiais conchíferos nos sítios do litoral oriental, resultando na configuração de sítios bem diversos dos encontrados no litoral setentrional. 23 A pesquisa residiu, fundamentalmente, em uma análise relacional entre os sítios litorâneos orientais e dois sítios sententrionais, os últimos escavados sistematicamente pelo autor e equipe, sob a perpectiva da análise espacial intra-síitio, da componente da cultura material e dos processos de formação do registro. A tese, então, apresenta a pesquisa na qual foram analisados os contextos ambientais, os caracterizadores geoambientais (geológicos e geomorfológicos) dos dois setores litorâneos, bem como os tipos de sítios, seus contextos de deposição, os caracterizadorese perfis tecnológicos, morfológicos e funcionais da cultura material. Devido à grande amostra de cultura material resgatada no Projeto Dunas apenas os artefatos líticos e os instrumentos acabados foram analisados. 2 Assim, a perspectiva foi interpretar o processo de ocupação ao longo dos aproximadamente 410 km, nos quais ocorrem campos de dunas, falésias e tabuleiros (feições geomórficas dominantes no setor litorâneo do Estado), utilizando-se como estudo de caso dois sítios setentrionais, que denotam padrões de utilização do espaço e remetem a padrões diversos dos identificados originalmente nas pesquisas que nos antecederam. Tal analise só foi possível utilizando-se de ferramentas informáticas como os dados específicos de modelagens espaciais intra-sítio e geoinformações produzidas pelo SIG/GIS. O cenário geoambiental, apesar de aparentemente homogêneo, apresenta notadas diferenças, ressalvando-se as mudanças introduzidas na linha de costa no Holoceno Médio, tome-se como exemplo a reconstituição dos limites das transgressões e regressões marinhas em toda a costa do RN com base no Sistema de Informações Geográficas – SIG/GIS. Neste cenário foram abordadas através de uma perspectiva de análise espacial (intra- sítio), com recurso às referidas ferramentas de interpretação do espaço3 dos dois sítios, que encontram congêneres em todo o litoral setentrional, desde a mudança de inflexão do setor litorâneo no estado do Rio Grande do Norte (saliente nordestino). Os sítios com materiais conchíferos estendem-se por setores litorâneos dos estados do Ceará e Piauí como indicam pesquisas recentemente desenvolvidas. 2 Os conjuntos de cultura material resgatados no Projeto Dunas somam mais de noventa mil artefatos, entres estes se destacam os restos informes e não identificáveis de lascamento (com baixo potencial informativo) os fragmentos de bojo de vasilhas cerâmicas com superfícies erodidas e de pequenas dimensões que impossibilitam a recomposição de formas e escassos restos malcológicos. 3 A contribuição do Sistema de Informações Geográficas – SIG/GIS. consistiu na elaboração de mapas de distribuição que possibilitaram a interpretação espacial dos arranjos encontrados nos sítios setentrionais e fundamentam as conclusões acerca de sua espacialidade, estrutura e funcionalidade. Estes mapas fundamentaram avaliações acerca dos setores de lascamento (através da frequência de certos tipos de restos de lascamento atribuíveis à debitagem, façonnage, uso, descarte, de execução de atividades pretéritas, trabalho executado nas carapaças dos materiais malacológicos, acerca da disposição das concentrações cerâmicas, etc.). 24 Os sítios estudados a partir dessa perpectiva eram dois concheiros, exemplos de sítios desse compartimento costeiro que representam um padrão de ocupação e exploração do espaço litorâneo com base nesse recurso, os sítios conchíferos de Galinhos/RN e São Bento do Norte/RN. As características que diferenciam os sítios desse setor, são emprestadas pela existência de extensos conjuntos de restos malacológicos. Não obstante o fato dos sítios do litoral setentrional apresentarem um componente ocupacional diferenciado apresentam variáveis que tornam essencial a correlação com os sítios do litoral oriental. Ambos os sítios compartem os contextos deposicionais similares: estão localizados em dunas, cuja dinâmica eólica reduziu os vestígios de ocupação e seus arranjos espaciais a palimpsestos dispostos em superfícies, baciais de deflação, dunas de blowouts ou demais feições criadas pelos processos de transporte e deposição eólica. Ademais apresentam similaridades ao nível da cultura material, das tradições, subtradições e horizontes arqueológicos definidos. Assim em termos de abordagem e interpretação dos fenômenos arqueológicos não se pôde prescindir da perspectiva relacional que englobou: a) a análise dos dados de pesquisas já realizadas no litoral oriental, nas áreas de dunas e tabuleiros litorâneos; b) reavaliação dos resultados dessas pesquisas à luz do estudo de dois sítios escavados sistematicamente no litoral setentrional do estado, que apresentaram potencial de fornecer contribuições à interpretação das ocupações litorâneas; c) análise dos contextos espaciais, dos conjuntos de cultura material (constituídos principalmente por restos malacológicos, otólitos, conjuntos líticos e cerâmicos). A especificidade destes sítios remete à sua funcionalidade como áreas de aquisição e processamento de recursos ligados às estratégias de subsistência (recursos alimentares e matérias-primas, recursos manejados pelos grupos em épocas pré-coloniais). A interpretação de tais sítios passou então pela identificação da configuração de seus extensos arranjos de superfície, que de acordo com análise espacial compuseram áreas de atividade: de lascamento, de trabalho de extração de gastrópodes e bivalves além de concentrações cerâmicas e áreas de ocorrência de otólitos. Não obstante, são sítios nos quais a dinâmica eólica reduziu os componentes do registro arqueológico a arranjos espaciais de superfície, palimpsestos em meio às bacias de deflação e demais feições eólicas erosivas/deposicionais (as chamadas, formas de leito, no jargão utilizado no âmbito da Geologia). Os ambientes costeiros são os de mais elevada dinâmica geoambiental, em especial aqueles nos quais incidem a dinâmica eólica, nos campos de dunas. Daí resulta a introdução de vieses produzidos pelos processos de formação do registro arqueológico à interpretação dos 25 sítios. Estes viesses, entretanto, podem ser mensurados e apesar da impossibilidade real de depurá-los do registro arqueológico, podem ser levados em consideração na interpretação arqueológica. Assim esta foi mais uma questão chave na pesquisa, ou seja, a avaliação dos processos de modificação pós-deposicional que influíram na formação dos sítios arqueológicos estudados. O litoral setentrional desempenhou um papel importante nas estratégias de ocupação dos grupos, como área de aquisição de recursos de subsistência e atividades industriais, na forma de matérias-primas rochosas para lascamento Principalmente os arranjos espaciais destes sítios dão conta de que estes foram conformados como áreas de obtenção, processamento e consumo de recursos de origem costeira. A pesquisa ora proposta testou esta hipótese que está ligada aos padrões de localização dos sítios arqueológicos no espaço do litoral oriental, através da análise de dados do registro arqueológico para responder a questões sobre as ocupações em termos, temporais, tecnológicos, econômicos e culturais. Com a conclusão da pesquisa foi possível identificar os elementos que estruturam o modelo de ocupação dos setores do litoral oriental e setentrional, além da fornecer dados oriundos da intrepretação dos padrões espaciais e estrutura dos concheiros litorâneos setentrionais. A estruturação da tese foi pensada para sediar as temáticas específicas que serviram ao objetivo de traçar a perspectiva adotada na abordagem em direção ao teste de hipóteses e às conclusões. No capitulo I foram apresentadas as pesquisas e sítios arqueológicos do litoral do Rio Grande do Norte, seus antecedentes e resultados que compuseram o quadro geral dos dados sobre a ocupação na área litorânea. O capítulo II aborda os contextos e temáticas geoambientais dos compartimentos costeiros norte-rio-grandense. Destaca em especial os dados relativos à geologia, geomorfologia e dos processos que moldaram a costa em épocas passadas. O capítulo III é composto por informações sobre os sítios arqueológicos identificados no litoral setentrional do Estado objetos da pesquisa intensiva. O capítulo IV aborda as características e a conformação do registro arqueológico dos sítios setentrionais, em termos de seus arranjos espaciais e os processo de modificação do registro. São apresentados osresultados da análise de parte da coleção dos artefatos coletados no Projeto Dunas, das escavações realizadas nos sítios arqueológicos Galinhos e Três Irmãos e análise dos seus conjuntos artefatuais. Ademais são analisadas as ocupações e os padrões de 26 uso do espaço litorâneo do estado, nas quais foram empregadas técnicas de análise espacial e do sistema de informações geográficas SIG/GIS. . 27 1 QUADRO DE REFERÊNCIA: AS PESQUISAS E SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO LITORAL DO RIO GRANDE DO NORTE O registro arqueológico resultante das ocupações na área costeira do Rio Grande do Norte apresenta contextos culturais, temporalidades, formas de ocupação humana que legaram sítios arqueológicos costeiros com potencial científico diferenciado. Estes sítios se localizam ao longo de uma área de 410 quilômetros, se tomarmos a divisão geográfica atual litorânea. Este recorte espacial é meramente arbitrário, pois as divisões, limites ou fronteiras em épocas passadas eram balizadas por outros marcos territoriais, ambientais, étnicos e sócio-culturais. O primeiro seguimento do litoral potiguar apresenta características geoambientais marcadamente diversas de outros setores litorâneos do estado. Este é denominado de litoral Oriental e apresenta um quadro geoambiental marcado pela maior disponibilidade de recursos hídricos superficiais, formações vegetais mais densas e quadro geomorfológico marcado pela planície litorânea, tabuleiros costeiros, rochas praiais e campos de dunas que são os elementos de relevo predominantes em todo o litoral oriental. Esse setor do litoral apresenta antecedentes de pesquisa que remetem à década de 1970 e 1990. A primeira fase da pesquisa arqueológica nessa área remete às pesquisas do Programa Nacional de Pesquisa Arqueológica – PRONAPA e forneceram um primeiro quadro das ocupações, pelo que se pode inferir das publicações da época. Ocupações de grupos ceramistas-agricultores foram identificadas nas pesquisas empreendidas por N. Nasser4 na bacia do rio Curimataú-Cunhaú e no sistema lacustre e lagunar das Guaraíras, Papeba e Papari. Os materiais culturais desses sítios serviram à criação de duas fases cerâmicas, a fase Curimataú e a fase Papeba. Segundo NASSER (1971), os sítios da bacia do Curimataú estavam localizados a pouca distância dos corpos d’água (entre 100 e 1000 metros), situados à meia encosta ou em terras baixas quando, então, em situação plana. Foram classificados como “sítios-habitações abertos” e “sítios-cemitérios” com áreas que variam entre 80 até 9600 metros quadrados, com formas elípticas ou circulares. Os primeiros somaram 14 sítios e os com sepultamentos, 4 sítios. Foram classificados como sítios de superfície, estando modificados pela prática da agricultura das populações camponesas locais. Estes sítios, segundo o autor, não apresentavam possibilidades 4 Este pesquisador foi participante do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológica – PRONAPA - que consistiu num programa de pesquisa que abrangeu áreas do território brasileiro. Atenção especial desse Programa foi dada à região norte (PRONAPABA) e à região litorânea. Os procedimentos de campo adotados foram difundidos em publicações como o Guia para Prospecção Arqueológica no Brasil. 28 de escavação devido à pouca profundidade do refugo arqueológico, o que resultou na inferência de que estes resultaram de ocupações rápidas e ou decorrentes da baixa densidade demográfica. Os materiais cerâmicos desses sítios foram, então, agrupados à fase Curimataú. Por falta de obtenção de datações, as cronologias dessas ocupações foram apenas estimadas; sendo correlacionadas às fases da Subtradição Pintada (à fase Itapicuru de 1270 AD.) (NASSER, 1971). A fase cerâmica Curimatú foi descrita como: [...] por apresentar tempero de cacos triturados, grânulos de argila e grãos de quartzo angulosos e subangulosos; o método de manufatura mais usual é o acordelamento, aparecendo em alguns fragmentos o modelado; o tratamento de superfície, tanto externa como internamente é irregular; a técnica decorativa diagnóstica é a pintura em vermelho e preto sobre o engobo branco, o vermelho sobre o branco, o banho vermelho e preto. A decoração plástica mais frequente (sic) é a borda entalhada, acanalada, escovada, corrugada, escovada-acanalada e escovada-corrugada. As formas das vasilhas são meia-calota, elipsóide, esférica e carenada. As bordas apresentam-se diretas, extrovertidas, verticais e inclinadas interna e externamente. Esses dados permitiram identificar a fase Curimataú como integrante da subtradição pintada da Tradição Tupi-guarani. (BROCHADO, 1969). Na lagoa de Guaraíras, foi escavado um sítio estratificado com vestígios de duas ocupações de grupos ceramistas. Uma das ocupações seria caracterizada pelas cerâmicas da fase Curimataú e a outra pelas cerâmicas da fase Papeba. Tratava-se de um sítio numa colina a 250 metros da margem da lagoa, apresentava contorno elíptico e havia a concentração de materiais arqueológicos em manchas de terra escura em número de cinco e mediam, a grosso modo, 30 x 20 m, sugerindo habitações de uma aldeia (NASSER, 1974). A camada arqueológica apresentou 40 cm de profundidade. Os materiais cerâmicos desse sítio foram reunidos na fase Papeba. Segundo NASSER (1974), a ocupação Papeba “...pelos indícios estratigráficos, seria anterior à chegada da fase Curimataú...” (NASSER, 1967). Das camadas de ocupação Papeba foram obtidas ainda lascas de sílex, furadores, núcleos, machados polidos e conchas de Strombus goliath. Segundo Martin (1997), as cerâmicas Papeba ocorrem em lugares de habitação, não relacionadas a enterramentos ou a urnas funerárias. As cerâmicas da fase Papeba são caracterizadas: [...] pelo tempero de areia grossa e areia fina; o método de manufatura mais frequente (sic) é o acordelado, embora apareçam exemplares modelados; queima por oxidação incompleta; superfície alisadas, alguns fragmentos apresentam um banho vermelho, nesses destacam-se os apêndices verticalmente vazados; são encontrados, também; fragmentos com perfurações circulares nas paredes; as formas básicas são: 1 - boca circular constrita, lábio apontado, borda direta e introvertida, bojo ovóide e base arredondada, 2 - boca circular, abertura ampliada, lábio apontado, borda com inclinação externa, bojo em meia-calota, base arredondada, 3 - boca circular, abertura ampliada, lábio apontado, borda com inclinação externa, bojo esférico e base arredondada e 4 - boca circular, abertura ampliada, lábio arredondado, borda extrovertida, bojo em meia-esfera e base plana. (NASCIMENTO & LUNA, 1997). 29 Em Vila Flor, onde no século XVII foi criado um aldeamento Carmelita, foram também localizadas cerâmicas da fase Curimataú, segundo NASSER (1967) as cerâmicas foram encontradas na área urbana em refugos de pouca espessura. Dentro da perspectiva desse programa de identificação de coleções de superfície e cortes pouco profundos orientado por uma abordagem eminentemente vertical, as ocupações foram identificadas com base nos elementos diagnósticos da forma e decoração dos vasilhames cerâmicos à Subtradição Pintada Tupiguarani. As diferenças nos conjuntos cerâmicos indicariam que os grupos Papeba teriam desenvolvido modos de subsistência variantes em relação ao estabelecido para a tradição Tupiguarani, que apresenta formas cerâmicas relacionadas ao processamento da mandioca (SILVA, 2003). Nos trabalhos de N. Nasser, que fazem parte das “Publicações Avulsas do PRONAPA” é possível entrever a metodologia utilizada em campo para a análise e coletas realizadas nos sítios. As informações sobre estes são sumárias, não se encontrando nesses trabalhos referências à documentação gráfica (plantas, croquis, seções estratigráficas e da distribuição espacial dos vestígios coletados), que possibilite visualizar os sítios quando da realização dos trabalhos de campo.Trata-se de documentação que deve ser inserida no contexto histórico de sua produção, não deixando, entretanto, de ter grande importancia para a construção do conhecimento arqueológico da região. A fase Curimataú parece, então, ser produto de coletas de superfície e da aplicação da seriação às cerâmicas coletadas. Para isso utilizava-se o método Ford para a seriação cerâmica, cujo elemento diagnóstico era a decoração aplicada às cerâmicas. O método era de aplicação simples e foi exposto em publicações dedicadas não apenas aos arqueólogos, mas também a técnicos iniciados em sua utilização, ressalte-se que da mesma forma produziram informações úteis e importantes.5 A importância atribuída à decoração e tratamento de superfície no interior das fases não permitiam estabelecer relações com grupos sociais. Um fator limitante era o tratamento isolado dos vestígios cerâmicos do contexto arqueológico, já que não se sugeriam escavações em superfícies amplas, mas, cortes nos sítios.6 5 Acerca das pesquisas desenvolvidas no Pronapa foi constatado a existência no meio arqueológico no país uma certa tendência à critica circular, centrada em poucos pontos, embora sempre relevados pelos críticos do programa. São, então, as criticas relativas a interpretações rápidas sobre a metodologia, sobre idéias errôneas acerca das orientações teóricas dos pesquisadores do programa, ao fato de seus idealizadores serem ligados a uma instituição de pesquisa estrangeira, entre outros aspectos... . (veja-se: Hilbert, 2007) 6 “Tais cortes podem ser de 1 ou 1,5 ou 2 metros quadrados, dependendo da densidade de cacos, escavados em níveis artificiais de 10 cm. A escavação de pelo menos dois cortes em diferentes partes do sítio aumenta a probabilidade de obtenção de uma amostra estratigráfica que esteja livre de perturbação mecânica ou outras distorções.” (MEGGERS & EVANS, 1970). 30 A aldeia Papeba foi o sítio mais rico em termos de evidências materiais e possibilitava ainda a realização de escavação estratigráfica. Além disso, não se dispõem de datações absolutas para as fases cerâmicas e para as ocupações nos sítios, apesar de serem ricos em materiais orgânicos. À indústria cerâmica foi dispensada maior atenção, estando os materiais cerâmicos bem descritos em suas características técnicas e morfológicas. Dessas pesquisas realizadas pioneiramente no litoral do Rio Grande do Norte, sendo os dados disponíveis principalmente relativos às fases pré-coloniais, pode-se inferir que os sítios, passíveis de serem relacionados a agricultores-ceramistas, estão ligados a contextos ambientais litorâneos específicos: localizam-se a pouca distância da bacia principal que drena o litoral oriental e os sistemas lagunares dessa área. Estão também ligados a solos agricultáveis, embora pobres, obrigando a uma ocupação itinerante. Estes sítios se encontram em um contexto geomorfológico diferente daquele dos sítios dunares costeiros do Estado, com suas areias quartzosas distróficas impróprias à agricultura. Em síntese, tendo por base a orientação teórica geral do PRONAPA foi cunhada uma subtradição Tupi local, denominada fase Curimataú. A denominação da fase é indício da orientação prática adotada por participantes do programa, pois faz referência à bacia do fluvial principal, a do rio Curimataú, cujo curso é totalmente perene no trecho litorâneo, mas apresenta cursos temporários na área do Agreste e Sertão do Estado. Os sítios foram descritos como de habitação e cemitério. O material cerâmico foi descrito como recomendava a prática de campo e laboratório e se estabeleceu uma cronologia relativa com base nas formas e tratamentos de superfície. Com base em diferenças nos vasilhames cerâmicos foi identificada uma ocupação inferida como pré-tupi. A ocupação, relacionada às cerâmicas de paredes finas e ausência das cerâmicas diagnósticas Tupi, foi denominada como fase Papeba, denominação emprestada da Lagoa de mesmo nome, próxima de onde se localizava o sítio. Corroborando a inferência acerca da antiguidade da ocupação Papeba em relação aos Tupi, estava o fato da localização estratigráfica dos restos da ocupação Papeba. Entre as décadas de 1960/70 e 1990 não foram realizadas pesquisas arqueológicas litorâneas. A partir da década de 1990 o Projeto Dunas é o referencial de pesquisa acadêmica litorânea no Estado mais importante, pois cobriu amplos setores do litoral oriental.(Veja-se o Mapa 2) O Projeto Dunas esteve voltado para a pesquisa nas áreas de dunas, áreas de pós-praia de lençóis arenosos e superfícies expostas da formação Barreiras.7 7 O Projeto dunas foi realizado pelo LARQ/UFRN com recursos do CNPQ, FUNPEC e IBPC/CNPQ. 31 Segundo Albuquerque et al (1994) os sítios localizados estavam sobre as dunas móveis, sobre paleodunas, ou sobre os sedimentos da Formação Barreiras, alguns destes apresentavam grandes manchas de ocorrência de materiais líticos (lascas, núcleos, instrumentos, estilhas, fragmentos e demais restos de lascamento), de materiais cerâmicos e poucos ou inexpressivos restos malacológicos. Nos sítios os vestígios que informam diretamente sobre as práticas econômicas e de subsistência são escassos. Sobre a ausência de materiais malacológicos. Albuquerque et al (1994) ressaltou que: Apesar da presença de alguns instrumentos executados sobre material malacológico, é significativa a quase total ausência de restos alimentares de moluscos e peixes, não havendo, em nenhum dos sítios, algo que se possa aproximar de qualquer caracterização de lente conchífera. Nesses sítios dunares do litoral oriental os materiais culturais encontrados permitiram a construção de inferências sobre os grupos pré-coloniais. Nas ocupações mais antigas os grupos seriam “caçadores-coletores-pescadores”. Evidências correlacionáveis a grupos pré-cerâmicos foram postas a partir da ocorrência de artefatos filiados à tradição Itaparica “...dado que nos sítios norte-rio-grandenses os instrumentos apresentam características específicas da chamada tradição Itaparica...” (ALBUQUERQUE et al, 1994). (Vejam-se as figuras 9 a 14) Com relação à indústria lítica acrescente-se que os sítios no Projeto Dunas foram caracterizados adicionalmente como: [...] sitios-oficinas, identificados através da presença de grande número de lascas, com e sem marcas de uso, obtidas de matérias-primas como o sílex, a calcedônia, o Jaspe e o quartzito e a presença de alguns instrumentos como percutores, furadores, raspadores simples e raspadores plano-convexos. Nos locais são encontrados, igualmente, grande número de microlíticos e estilhas de lascamento por pressão. Os instrumentos foram lascados por pressão direta e indireta, com percutores moles e duros, e com técnica bipolar. (ALBUQUERQUE et al, 1994). Com relação à tradição Itaparica é necessário realizar certa digressão para remeter ao leitor à criação da tradição arqueológica. As pesquisas no Nordeste do Brasil acerca da tradição Itaparica são tributárias das originalmente desenvolvidas nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Na região do vale do São Francisco na região que abrange os sertões da Bahia e Pernambuco (PROUS, 1992). Escalonam-se no tempo as pesquisas realizadas no âmbito do PRONAPA, nas Missões Franco Brasileira no sertão do Piauí, originalmente dedicadas ao estudo da arte rupestre em São Raimundo Nonato/PI. Desde o desenvolvimento destas pesquisas originais o âmbito da chamada tradição Itaparica é norteada por uma certa confusão terminológica e conceitual. A alternativa em 32 algumas pesquisas é escamotear o nó górdio terminológico das tradições utilizando-se do recurso, quando da chegada aos resultados das pesquisas realizadas, de não ratificar a noção original de tradição Itaparica. Nos termos estritos das tecnologias líticas já foi apontado por diversos autores (PROUS, 1992; SCHMITZ, 1984; FOGAÇA, 2002) que existem certas similaridadesentre a Pré-história do Nordeste e a do Planalto Central do Brasil. Estas similaridades no que se referem aos instrumentos líticos estão relacionadas às indústrias de fatura unifacial, nas quais ocorrem os artefatos plano-convexos que caracterizam os sítios com materiais líticos nestas regiões em datas de 12.000 a 10.000 BP. (Vejam-se as figuras 1 a 8 e mapa 1) 33 Mapa 1: Mapa de ocorrência dos sítios Itaparica adaptado de Lourdeau, 2010. Note-se a ocorrência de sítios com artefatos com façonnage unifacial (os números em negrito, 38 a 48, acrescidos à imagem devido à ocorrência de artefatos líticos com façonnage unifacial no litoral oriental do Rio Grande do Norte 34 Figura 1: Plano-convexo do centro norte mineiro. Fonte: (PROUS, 1992) Figura 2: Plano-convexo do centro norte mineiro. Fonte: (PROUS, 1992) Figura 3: Raspadores longos, característicos da tradição Itaparica, de populações que ocupavam áreas de cerrado no centro do Brasil entre 9 mil e 6.500 anos. FONTE: (GUIDON, 1992) 35 Figura 4: Plano-convexo da fase Paranaíba. FONTE: (GUIDON, 1992) Figura 5: Plano-convexo sobre lâmina da fase Paranaíba. FONTE: (GUIDON, 1992) Figura 6: Plano-convexo, Lapa do Morrro Vermelho. FONTE: (GUIDON, 1992) Figura 7: Plano-convexo da região centro norte de Goiás. FONTE: (GUIDON, 1992) 36 Figura 8: Lesmas da fase Paranaíba da tradição Itaparica, provenientes dos abrigos de Serranópolis. 1 Fonte: (SCHMITZ, 1987) 37 Figura 9: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas, face dorsal. Figura 10: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas, face ventral. Figura 11: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas, vista lateral. 38 Figura 12: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas, face dorsal. Figura 13: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas- face ventral. Figura 14: Plano Convexo, litoral oriental do Rio Grande do Norte Projeto Dunas– Vista em perfil. No âmbito do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas – PRONAPA os referenciais utilizados eram os do programa, o manual de Emperaire (1967), publicado em 39 português, que por sua vez refletia a grande influência dos referenciais na área de estudo das tecnologias do Paleolítico Europeu, notadamente dos trabalhos de François Bordes (1956). Um dos seus pressupostos residia na possibilidade de caracterizar “entidades étnicas”, segregá-las, com base na tecnologia lítica. Tratava-se antes de identificar técnicas que mantivessem uma persistência no tempo. O peso dado à tradição como caracterizador étnico à época é ainda relativizado em perspectivas como a de Schmitz (1980), ao manejar tradições estabelecidas por Calderón em sua área de pesquisa, constatando ser pouco factível relacioná-la a outros aspectos das chamadas “entidades étnicas”. (veja-se a figura 15) Figura 15: Lesmas identificadas por V. Calderón (Gruta do Padre, Pernambuco). Fonte: Martin & Rocha (1990). A tradição Itaparica inicialmente mais estudada no Nordeste do Brasil foi denominada originalmente por Calderón, que agrupou inicialmente os conjuntos de indústrias que datavam de 8 000 BP et 7 000 BP, coletados na década de 1960. Calderón ressaltava o fato que o estudo tipológico proposto por Laming-Emperaire poderia não ser aplicável às indústrias que estudava e foi um dos poucos a não utilizar o manual de Emperaire 40 devido à diversidade tipológica da tradição Itaparica, a exceção é devida a total coincidência, diga-se de passagem morfológica, entre uma lesma com extremidade ativa arredondada similar as do Musteriense europeu. Calderón também definiu uma tradição de seixos e lascas que reunia indústrias compreendidas entre 6 000 BP e 2 000 BP ao longo de uma vasta região do vale do São Francisco, que posteriormente foi melhor definida por Schmitz (1987). Dessa forma Schmitz (1987) caracterizou a tradição Itaparica como uma tecnologia lítica de caçadores-coletores generalizados, estabelecida originalmente no Nordeste. A tradição foi melhor definida no Planalto Central, onde foi sem dúvida melhor estudada. A partir desta tradição foi definida a fase Paranaíba, situada cronologicamente entre 11 000 BP e 8 500 BP, com base em um número considerável de sítios, abrigos sob rocha e sítios a céu aberto, em áreas do Brasil central, no estado de Goiás. Neste contexto de sítios destacam-se também os instrumentos em osso. Ressalte-se a particularidade de que Schmitz nominou os primeiros instrumentos estudados como “lâminas unifaciais”, “unifaces” e “lesmas” ao se referir aos artefatos posteriormente correlacionáveis à tradição (SCHMITZ, 1980, 1987). As descrições de artefatos Itaparica por este autor as menciona como: a) Lesmas com façonnage ao longo de toda a periferia, com eventuais restos de plano de percussão; b) Lesmas com forma inicial de quilha; c) Lesmas como produtos de lascas ou lâminas curtas e espessas com nervuras dorsais; d) Lesmas com face inferior lisa; e) Lemas com face superior, composta por aresta dorsal produzida ou não por façonnage; f) Lesmas sem aresta; g) Lesmas com face dorsal lisa, sobre lascas ou lâminas. Desde Schmitz (2004) até mesmo em estudos recentes as lesmas são definidas pela seguinte cadeia de eventos técnicos: descorticamento de um bloco de matéria-prima; debitagem de lascas espessas, seguida por um sumário retoque no suporte, façonnage das lemas, eventual utilização das lascas brutas resultantes da produção e utilização de percurtor de pedra. O processo de redução lítica produz da ordem de centenas de restos de lascamento. Esses, entretanto, podem apresentar formas e estígmatas diagnósticas. Tratam-se das lascas comuns de lascamento inical do suporte (núcleo) e principalmente as de façonnage das lesmas, as lascas de redução. Estas lascas de façonnage são caracterizadas por estígmatas 41 como: a) marcas de preparação do plano de percussão por abrasão, b) perfil curvo e c) são ultrapassadas. Em Mato Grosso lesmas foram coletadas em uma camada datada em torno de 10.400 BP (SCHMITZ, 2002). Fogaça (2001) em seu trabalho na Lapa do Boquete (vale do Peruaçu, afluente do São Francisco) em camadas datadas de 12 000 BP et 10 500 BP, ressalta que dos 139 instrumentos, apenas 27 foram classificadas como lesmas. Para as lesmas, ao contrário dos demais instrumentos, o suporte eram lascas espessas, embora a morfologia seja heterogênea: 1) Peças com uma nervura guia; 2) Peças com duas nervuras; 3) Peças com uma superfície plana; 4) Peças com uma superfície dorsal parcialmente cortical; e 5) Peças com uma crista longitudinal. Fogaça (2002) propôs quatro grupos tecnológicos Itaparica: 1) Instrumentos unifaciais sobre lascas robustas, onde a façonnage preserva as características do suporte; 2) lesmas onde a façonnage unifacial modelou completamente a face superior criando uma peça simétrica (marcadores da tradição tecnológica Itaparica); 3) instrumentos expeditos sobre todos os tipos de restos e 4) peças bifaciais foliáceas. A classificação tipológica é um elemento dominante na definição dos constituintes da tradição Itaparica, sendo as técnicas de talhe mencionadas como informações de cunho complementar às variáveis tipológicas, não se chegando à leitura da articulação entre as etapas de fabricação que culminariam nos instrumentos acabados (PROUS & MALTA, 1991). Assim, uma definição que se restrinja à morfologia dos instrumentos é insuficiente para caracterizar uma indústria lítica (DIAS, 1994, 2003). As pesquisas em áreas do Centro e Nordeste do Brasil evidenciaram um quadro de ampla dispersão geográfica de instrumentos plano-convexos obtidos por façonnage unifacial. No Brasil Central foram estabelecidas duas fases: fase Paranaíba e Serranópolis.Para os instrumentos encontrados no Planalto Goiano, já foi observado um elevado grau de predeterminação entre as etapas das cadeias operatórias. O nível de complexidade na fabricação destes instrumentos sugeriria uma gênese conceitual desde o pleistoceno, revelando então uma longa evolução tecno-funcional. Duas são as hipóteses consideradas nessa perspectiva, tratar-se-ia “de uma importação técnica ou da evolução local a partir de indústrias mais antigas” (FOGAÇA; LOURDEAU, 2006). No Nordeste, a tradição Itaparica foi definida por base em instrumentos líticos do tipo lesmas de sílex, de arenito silicificado e de calcedônia, raspadores circulares, semi- circulares, laterais e na forma de leque, furadores de ombro. Aparecem também algumas lâminas. 42 Para as ocupações do sudeste do Piauí, no mesmo período foi observada a ocorrência de uma maior diversidade tipológica no tocante à indústria lítica: aparecem artefatos sobre lascas, raspadores laterais e terminais, lesmas, lascas retocadas, facas furadores, ‘racletes’. As peças típicas de Serra Talhada são, sobretudo, as lesmas e um raspador lateral côncavo-convexo (GUIDON, 1992). A ocorrência de artefatos Itaparica em vastas regiões do interior do Nordeste do Brasil, com excepcional concentração no trecho Pernambucano com abrigos sob rocha, nos trechos cortados pelo rio São Francisco é um fato bastante conhecido, e sua ocorrência em área do litoral do Rio Grande do Norte é um fenômeno complementar, que exemplifica a longa dispersão de indústrias unifaciais que tiveram por base as cadeias operatórias ligadas à manufatura de artefatos com façonnage unifacial associadas às lesmas. Nas ocupações que se sucederam àquelas os grupos seriam agricultores-ceramistas, apresentando uma tecnologia cerâmica diferenciada, expressas pelas cerâmicas da Subtradição Pintada e as da Fase Papeba.8 Nos sítios do litoral oriental do RN, os vestígios que informam diretamente sobre as práticas econômicas e de subsistência são escassos, embora sejam sempre frequentes em quantidades inexpressivas. Sobre a ausência de restos malacológicos Albuquerque et. al. (1994) ressaltou: “...outra evidência arqueológica significativa é a ausência de restos alimentares de procedência marinha, não permitindo associar os homens das dunas com o que seria o óbvio - sua dependência primária dos recursos do mar.” Depreende-se dos resultados do Projeto Dunas ademais que os sítios arqueológicos identificados localizavam-se principalmente em áreas de dunas e paleodunas. As descrições remetem à condição de superficialidade dos conjuntos de artefatos líticos e cerâmicos. Da mesma forma foi identificado que os grupos humanos que ocuparam tais sítios, seriam caçadores-coletores-pescadores, de tradição Itaparica identificada em sítios do Planalto Goiano, Brasil Central e do Vale do São Francisco. Tendo em vista esses antecedentes da pesquisa e a continuidade da ocorrência de sítios ao longo do litoral setentrional foi formulado o objetivo da presente pesquisa que aborda, além dos sítios identificados no Projeto Dunas e seus conjuntos de artefatos, dois sítios do litoral Setentrional, denominados Galinhos e Três Irmãos. O litoral Setentrional apresenta características geoambientais diversas do Oriental, uma vez que os rios são em menor número, embora na região desemboquem os cursos dos 8 Foram identificadas duas unidades cerâmicas em que: “... A Unidade I aponta, para uma tradição ainda indeterminada, e a Unidade II se insere, no que se considera como cultura Tupi-guarani.” (GUIDON, 1992) 43 rios Piranhas-Açú e Apodi-Mossoró. A região apresenta extensos manguezais e sistemas lacustres com comunicação com o mar, esporões arenosos formando restingas e águas de mar raso. Essa conformação natural faz com que o meio ambiental e seu potencial de sediar grupos seja bastante localizado, embora apresente disponibilidade de fontes alimentares, de matéria prima líticas, recursos de origem marinha e flúvio-lacustre. Basicamente esses recursos são representados por bancos de ostras, áreas de ocorrência de gastrópodes marinhos e espécies de bivalves. Os sistemas fluviais, lacustres e costeiros marinhos combinados tornam essa região propícia à exploração de seu potencial ambiental por parte dos grupos humanos. Albuquerque et al (1994) à época do desenvolvimento do Projeto Dunas já divisava que o litoral setentrional norte-rio-grandense apresentava potencialidade arqueológica, em virtude das probabilidades de localização de novos sítios e de informações etno-históricas que davam conta da ocorrência de concheiros na calha de alguns rios da região. “Há citações históricas e dúbias informações sobre "concheiros" na calha de alguns rios do Estado, mas as buscas têm sido infrutíferas”. (ALBUQUERQUE et al., 1994). A documentação histórica é especialmente informativa, são relatos do século XVII, época de atividade dos cronistas holandeses (ver figuras 16 e 17). Os indígenas que ocupavam o litoral e o interior da Capitania do Rio Grande são descritos em seus hábitos culturais e áreas tradicionais de ocupação no espaço. Outro período que legou muita informação etnográfica sobre os índios Tupinambá foi o da ocupação francesa no Maranhão, na primeira metade do século XVII. No caso dos grupos Tapuia do interior as informações dos cronistas holandeses são mais significativas, e a eles foi dispensado um tratamento diferenciado, pois os grupos Tapuia, especialmente os Cariri e Janduí, fizeram parte da política estratégica de manutenção e consolidação da conquista. Igualmente informativas são as pinturas dos artistas da comitiva de Nassau como as de Albert Eckhout. Na pintura que se segue podemos identificar os indígenas Tapuia e Tupinambá com seus instrumentos e adornos em detalhe. Alguns relatos dão conta das migrações periódicas que estes índios realizavam de suas áreas do interior para o litoral. Os frutos do litoral, especialmente o caju são reportados como principal motivação de suas incursões nas marinhas da Capitania do Rio Grande. Nada é mencionado sobre a coleta de recursos marinhos como os gastrópodes e bivalves encontrados nos sítios. 44 Figura 16: Homem Tapuia. Figura 17: Homem Tupi. Nas figuras acima são retradados indígenas históricos como foram vistos pelo olhar do europeu. Ressaltem-se os artefatos representados, que diferem substancialmente e a utilização de elementos da fauna e flora, utilizadas para compor informações sobre os índios representados. Destaque-se, ainda, os itens em materiais orgânicos: as longas lanças, borduna e propulsor do índio tapuia. Compondo o pano de fundo são identificados caranguejos, uma mandioca, um largo curso d’água, junto ao Tupi, e uma vegetação aberta e serpente junto ao Tapuia. A exceção fica por conta de uma pintura na qual é retratada um indígena Tupinambá com um pingente de material malacológico, provavelmente uma columela central de gastrópode. Afora estas escassas informações não havia dados sobre a ocorrência de sítios nas áreas de dunas do litoral Setentrional. Levantamentos realizados nas primeiras décadas dos anos de 2010 levaram à identificação de sítios com materiais conchíferos no litoral do estado. Estes levantamentos são devidos também ao incremento na demanda pela utilização do espaço para instalação de empreendimentos econômicos, em especial, empreendimentos energéticos para instalação de linhas de transmissão e parques de geração de energia eólica. (veja-se o Mapa 3) 45 Assim foram desenvolvidas pesquisas de arqueologia preventiva em setores do litoral do Estado do Rio Grande do Norte. Estas pesquisas forneceram um conjunto de dados adicionais sobre a ocupação pré-colonial na porção litorânea setentrional do estado. Nos sítios Galinhos e Três Irmãos foram realizadas ações de resgate sendo os materiais e dados coletados sistematicamente, por meio de
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