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TOC: Transtorno Obsessivo-Compulsivo

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TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo)
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é considerado o quarto transtorno psiquiátrico mais presente mundialmente, apenas ultrapassado pela depressão, fobia social e abuso de substâncias, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Afeta cerca de 5% da população mundial, causando prejuízos ao indivíduo em seu cotidiano, relações sociais e afetivas. 
O TOC é comum na população geral. Estudos comunitários revelam prevalência ao longo da vida, e nos últimos 12 meses, respectivamente, de 2,3 e 1,2% nos Estados Unidos e 6,76 e 3,9% na Grande São Paulo. O curso é tipicamente crônico, com sintomas de intensidade moderada a grave e períodos de melhora e piora, embora sejam possíveis o curso episódico ou, mais raramente, com deterioração progressiva. É também importante causa de sofrimento e prejuízo funcional, afetando principalmente os relacionamentos e o funcionamento social dos indivíduos, além da capacidade para o estudo e o trabalho.
O TOC tipicamente inicia-se de forma mais precoce nos meninos, com frequência antes dos 10 anos; já nas meninas, o pico de início se dá na transição da adolescência para a idade adulta, com média de início aos 19 anos, sendo incomum o início após os 35 anos. Na idade adulta, observa-se distribuição equivalente entre os sexos.
O diagnóstico do TOC é baseado na apresentação clínica e fundamentado na presença dos sintomas centrais desse transtorno, pensamentos obsessivos e comportamentos repetitivos.
Obsessões 
► São pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que são experimentados como intrusivos e indesejados e que, na maioria dos indivíduos, causam acentuada ansiedade, desconforto e/ou sofrimento. Podem se manifestar como:
Impulsos obsessivos: sensação de pressão ou urgência para se realizar determinada ação.
Imagens obsessivas: imaginações vívidas, intensas e angustiantes.
Característica intrusiva: as obsessões são experimentadas como sujeitas a pouco ou nenhum controle voluntário. Contudo, são experimentadas como pensamentos próprios, ainda que desagradáveis (egodistônicos), e não como algo provindo de influências ou entidades externas.
Inquietude, repugnância ou nojo, causando ansiedade que pode ser intensa, a ponto de precipitar ataques de pânico.
Compulsões 
► São comportamentos observáveis ou atos mentais repetitivos que o indivíduo se sente compelido a executar em resposta a uma obsessão, ou de acordo com regras que devem ser rigidamente aplicadas, ou para obter uma sensação de completude. Os comportamentos repetitivos ou atos mentais visam prevenir ou reduzir a ansiedade, desconforto ou sofrimento, contudo, eles não têm uma conexão realista com o que objetivam neutralizar ou evitar, ou são claramente excessivos. Embora haja indícios de que as compulsões podem preceder as obsessões, especialmente em crianças, a maioria dos pacientes relata que suas compulsões são realizadas em resposta aos pensamentos obsessivos. O reconhecimento dessa relação ajuda a diferenciar o TOC de transtornos nos quais há predominância de obsessões (p. ex., pensamentos ruminantes de culpa, nos transtornos depressivos, ou expectativas ansiosas exageradas, como no transtorno de ansiedade generalizada [TAG]) e de transtornos nos quais há comportamentos repetitivos sem obsessões correspondentes (como na tricotilomania e na dermatotilexomania). Também facilita a compreensão da proposta da terapia cognitivo-comportamental (TCC) e sua implementação pelo paciente, estimulando a exposição aos pensamentos intrusivos, mas prevenindo respostas comportamentais disfuncionais. As compulsões não são realizadas com prazer, mas sim a contragosto, buscando a sensação de alívio, mesmo que temporário, que proporcionam.
Outra característica clínica importante do TOC são os fenômenos sensoriais (FS). Pessoas com TOC descrevem, com frequência, sensações subjetivas desconfortáveis de “não estar em ordem”, ou um sentimento de incompletude, ou de apenas “ter que” realizar algum comportamento repetitivo. A sensação de incompletude leva o paciente a repetir um comportamento até atingir “o ponto certo”, ou de que fez “o suficiente”. De forma semelhante, a sensação de “estar em ordem”, ou, em inglês, “to feel just right”, refere-se a sensações táteis, visuais ou auditivas, que expressam quando algo está exatamente como deveria ser, incluindo parecer (visual), soar (auditivo) ou ser sentido (tátil) como estando adequado ou perfeito. Embora a presença de FS não seja necessária para o diagnóstico de TOC, são comumente relatados e merecem ser pesquisados para que possam ser incluídos na estratégia de tratamento.
Para que se feche o diagnóstico, os sintomas devem ocupar tempo significativo (p. ex., mais de 1h/dia) ou resultar em sofrimento subjetivo considerável ou prejuízo notável no funcionamento social, pessoal, convívio familiar, na vida acadêmica e profissional ou em outras áreas. Ainda, o quadro não pode ser mais bem explicado pelos efeitos fisiológicos de uma substância (medicamentos ou drogas psicoativas), por uma condição médica ou por outro transtorno mental.
Vale mencionar que as obsessões e compulsões não são necessariamente patológicas, nem exclusivas dos transtornos do espectro do TOC, exigindo do clínico uma avaliação criteriosa de seu padrão, contexto, intensidade, grau de sofrimento e prejuízos associados para que se faça o diagnóstico. Sintomas obsessivo-compulsivos (SOCs) isolados, assim, não são suficientes para determinar a presença de um transtorno mental, e a CID-11, reconhecendo essa possibilidade, introduziu uma codificação para sintomas obsessivos (MB26.5) e compulsivos (MB23.4). Comparamos, no Quadro 24.1, alguns aspectos das propostas da CID-11 com os critérios diagnósticos do DSM-5.
A maioria (96%) dos indivíduos com TOC apresenta obsessões e compulsões. Pacientes com apenas obsessões ou compulsões merecem uma busca minuciosa por compulsões mentais ou fenômenos sensoriais para auxiliar no diagnóstico diferencial do TOC com outros transtornos com SOCs.
O conteúdo dos SOCs é muito diverso. Pode haver sobreposição de sintomas de diferentes dimensões em um mesmo indivíduo, mas elas tendem a se manter estáveis ao longo do tempo, e eventuais mudanças costumam ocorrer nas dimensões já apresentadas pelos pacientes. O Quadro 24.2 lista e exemplifica as principais dimensões de sintomas do TOC.
A acumulação consiste em guardar grande quantidade de objetos de forma desorganizada e disfuncional. Há pouca consideração em relação a importância ou função dos objetos, que são guardados por receio de se tornarem necessários no futuro ou devido à incapacidade de descartá-los, ou ainda devido a um valor sentimental. Esses sintomas, até recentemente, eram entendidos como uma dimensão do TOC. Nas classificações atuais, caso sejam a única dimensão apresentada, caracterizam o transtorno de acumulação (TA), integrante dos transtornos do espectro obsessivo-compulsivo (TEOC).
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS ASSOCIADAS E ESPECIFICADORES DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
Os aspectos a seguir não são necessários para o diagnóstico, porém, são comumente observados e, quando presentes, podem ter implicações na avaliação e no manejo dos casos.
· Tiques: transtornos de tique, em especial a síndrome de Tourette, foram apontados em estudos de famílias de probandos com TOC como frequentes, podendo ocorrer em até um terço desses indivíduos. Sabe-se que pessoas com TOC associado a tiques podem se beneficiar do uso combinado de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) e antipsicóticos. A presença de tiques é usada pelo DSM-5, mas não pela CID-11, como especificador do TOC.
· Insight (crítica): pessoas com TOC, de maneira geral, apresentam boa crítica do seu estado mórbido. A pouca crítica, ou ausência de crítica, traz implicações diretas ao desfecho do tratamento. A avaliação do grau de insight se justifica, também, para que se faça o diagnóstico diferencial com um transtorno psicótico. Mesmo quando há uma crença delirante associada aos SOCs, o tratamentopadrão para TOC não deve ser substituído pelo uso isolado de antipsicóticos, que poderão ser combinados aos ISRSs. O grau de insight é adotado como especificador tanto pela CID-11 como pelo DSM-5, o que reforça a importância de se avaliar esse aspecto clínico.
· Ataques de ansiedade: esse especificador visa evitar um diagnóstico indevido de transtorno de pânico (TP) quando os ataques são associados às obsessões, e chamar a atenção para uma possível maior gravidade associada a ataques de pânico recorrentes em sujeitos com TOC, incluindo pior resposta ao tratamento e maior risco de suicídio. Introduzido como especificador na CID-11.
Existem instrumentos disponíveis para a avaliação dos tipos e gravidade dos sintomas do TOC, sendo os mais usados apresentados a seguir.
· Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale ­(Y-BOCS): considerada o padrão-ouro para a avaliação da gravidade de SOCs,15 inclui 10 itens divididos igualmente entre obsessões e compulsões e pontuando de 0-4 cada, permitindo a distinção por níveis de gravidade:
· –0-13 – leve
· –14-25 – moderado
· –26-34 – grave
· –35-40 – muito grave
· Dimensional Yale-Brown Obsessive-Compulsive Scale (DY-BOCS): avalia separadamente a presença e a gravidade dos sintomas em cada uma das dimensões descritas no item anterior.
Recentemente, tem se buscado explicar melhor os SOCs em termos de padrões específicos de funcionamento cerebral, correlacionando-os com alterações da atividade neural em estruturas e vias específicas. A compreensão mais refinada das vias envolvidas nos diferentes tipos de sintomas, associada a novas tecnologias que permitam intervir em circuitos específicos, têm o potencial de promover intervenções sob medida para cada paciente, diminuindo as iterações, hoje comuns na escolha do tratamento, que demandam tempo e aumentam a carga da doença para os pacientes. Ainda, esses conhecimentos têm o potencial de reorganizar o modo como se classificam os transtornos mentais, que ainda se limitam a concepções “etiologicamente agnósticas”.
COMORBIDADES
A presença de comorbidades do TOC é mais regra do que exceção, e, por isso, sua busca ativa deve ser considerada em todos os casos avaliados pela primeira vez. Em estudos na população geral5 e em centros especializados que usam os critérios do DSM-IV, 90% ou mais dos pacientes com TOC apresentavam ao menos um transtorno psiquiátrico adicional. Segundo Torres e colaboradores,18 a principal comorbidade é com transtornos de ansiedade (TAG, fobia social, fobia específica, etc.), 69,8%; seguida pelos transtornos do humor (transtorno depressivo maior [TDM], distimia, transtorno bipolar [TB]), 60,8%. Destacam-se também os transtornos do controle de impulsos (36,2) e os transtornos de tique (28,4%).
FATORES ETIOLÓGICOS
ACHADOS NEUROPSICOLÓGICOS
Em relação à neuropsicologia, metanálises recentes, somando dezenas de estudos, com centenas de voluntários envolvidos, evidenciaram dificuldades dos pacientes adultos em inúmeros domínios (e subdomínios) cognitivos. Cabe ressaltar, no entanto, que muitos desses domínios e subdomínios apresentaram tamanhos de efeito pequenos, apesar de significativos, o que é crucial para a interpretação dos dados. Os domínios que revelaram déficits são:
· memória não verbal (evocação de estímulos visuais complexos), que apresentou o maior tamanho de efeito nas duas metanálises;
· funções executivas (planejamento, inibição de resposta e flexibilidade cognitiva);
· velocidade de processamento;
· habilidades visuoespaciais;
· atenção (atenção sustentada);
· memória operacional (verbal e espacial);
· memória verbal;
· fluência verbal.
Em 2015, uma terceira metanálise, focada nas funções executivas (um conjunto de habilidades relacionadas ao controle cognitivo de propósito geral e que nos permite exercer um comportamento autodirigido, direcionado a um objetivo), encontrou prejuízos em:
· inibição de resposta;
· flexibilidade cognitiva;
· planejamento;
· atualização;
· memória operacional (verbal e visuoespacial);
· fluência verbal (semântica e fonêmica);
· velocidade de processamento.
É importante ressaltar que os resultados dessa revisão não foram explicados por outros fatores que poderiam acrescentar ruído aos estudos de neuropsicologia do TOC, como lentidão motora ou depressão. Em contrapartida, fatores como uso de medicamentos, idade e sexo moderaram alguns efeitos.
Em pacientes pediátricos, a única metanálise disponível não revelou qualquer diferença nas habilidades cognitivas entre pacientes e controles. Fazendo uma leitura crítica, essa revisão reuniu os resultados de 11 estudos da área (227 pacientes), o que pode ser considerado pouco, uma vez que estudos recentes com populações pediátricas foram publicados com amostras de 82, 87 e 102 pacientes. É possível que, se uma nova metanálise fosse realizada com esses números, encontrássemos resultados positivos – ou seja, tamanhos de efeito indicando prejuízo nas funções cognitivas e executivas de crianças com TOC.
Com relação à inteligência, uma metanálise sobre quociente de inteligência (QI) nos pacientes com TOC pôs fim a uma longa hipótese, talvez originada no texto O homem dos ratos, de Freud, que afirmou que os “neuróticos obsessivos” teriam inteligência acima da média. É possível que muitos clínicos já tenham ouvido essa afirmação, que não encontra fundamentação científica nos últimos estudos com maior nível de evidência: na realidade, os pacientes apresentaram menor QI (verbal, não verbal e total) quando comparados aos voluntários saudáveis, embora ainda se situem dentro da faixa média normativa da população.
Em suma, as evidências disponíveis indicam menor desempenho dos pacientes em inúmeras habilidades cognitivas, perfazendo praticamente todos os domínios neuropsicológicos avaliados. Entretanto, a magnitude dessas dificuldades parece não ser tão grande a ponto de impactar significativamente o desempenho nas atividades diárias, como visto em outros transtornos. Talvez por isso ainda não exista um protocolo de remediação cognitiva ou reabilitação neuropsicológica específico para pacientes com TOC, embora existam evidências, por meio de relatos de caso e estudos caso-controle, de que essas técnicas possam ajudar no dia a dia dos pacientes. A avaliação neuropsicológica, portanto, pode ser fundamental no tratamento, ao levantar e mapear as forças e as fraquezas cognitivas do paciente, pois isso pode ajudar a personalizar o tratamento e, por fim, atingir melhores resultados.
GENÉTICA
A participação de fatores genéticos no TOC foi demonstrada por múltiplos estudos de genética epidemiológica. Estudos de família evidenciaram consistentemente que o TOC é um transtorno familial, em especial quando de início de precoce. A familialidade do TOC, a princípio, pode ser atribuída a fatores genéticos e ambientais compartilhados entre membros de uma mesma família. Nesse sentido, uma metanálise de 14 estudos de gêmeos, totalizando uma amostra de 24.161 pares de gêmeos, estimou que fatores genéticos aditivos (ou seja, não considerando os efeitos de interação de variantes genéticas) e fatores ambientais não compartilhados entre gêmeos são responsáveis por cerca de 40 e 50% da variação dos SOCs, respectivamente. Esses achados indicam que a familialidade do transtorno se deve, majoritariamente, a fatores genéticos e, dessa forma, que o TOC tem um expressivo componente hereditário.
Estudos recentes empregando metodologias capazes de investigar o genoma inteiro têm constatado que a arquitetura genética do transtorno é complexa e poligênica, sendo composta por variantes genéticas de diferentes frequências populacionais, efeitos biológicos e interações. O maior estudo de associação genômica ampla (GWAS, do inglês genome-wide association study) de TOC, até o momento, incluiu 2.688 casos e 7.037 controles.28,29 Esse GWAS revelou que variantes genômicas comuns, denominadas polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, do inglês single nucleotide polymorphisms), são responsáveis por 28% da variação fenotípica do transtorno. Ademais, os SNPs com maior magnitudede associação ao TOC, nesse estudo, localizam-se em, ou próximos a, genes relacionados à função sináptica excitatória (GRID2) e ao neurodesenvolvimento (KIT). Uma metanálise posterior desse GWAS e de diferentes GWASs de outros 24 transtornos psiquiátricos e neurológicos, totalizando uma amostra de 265.218 casos e 784.632 controles, revelou que a arquitetura genética do TOC é compartilhada com outros transtornos psiquiátricos, especialmente a anorexia nervosa.
Estudos de sequenciamento do exoma inteiro (WES, do inglês whole-exome sequencing) evidenciaram a contribuição de variantes genéticas raras denominadas de novo (ou seja, não presentes nos pais de um indivíduo) na arquitetura genética do TOC. O maior estudo de WES em TOC, até o momento, incluiu 188 trios compostos 
Todos os ISRSs são equivalentes quanto à eficácia. Porém, apresentam perfis de efeitos adversos diferentes, o que pode ser levado em conta na escolha do princípio ativo mais adequado para cada paciente. A fluoxetina (FLX) pode se associar a agitação e insônia; a sertralina (SER), a efeitos gastrintestinais; a paroxetina (PRX), a efeitos anticolinérgicos e ganho de peso.
Os critérios de resposta mais usados nos ensaios clínicos farmacológicos incluem a redução de pelo menos 25-35% do escore inicial da escala Y-BOCS e a obtenção de um escore “melhor” ou “muito melhor” na Escala de Impressão Clínica Global – subitem melhora global (CGI). Por esses critérios, é possível que um paciente muito grave na linha de base seja considerado respondedor ao tratamento, mas, ainda assim, mantenha sintomas clinicamente significativos. Com isso em mente, recentemente têm-se usado a redução da pontuação absoluta na Y-BOCS (menor do que 12 ou 14 pontos) para se definir a remissão de sintomas, tanto em cenários clínicos como de pesquisa.
A resposta pode surgir em até 12 semanas a partir do início do uso do fármaco, e a redução de pelo menos 20% no escore inicial da escala Y-BOCS nas primeiras quatro semanas foi apontada como preditiva de boa resposta ao final de 12 semanas de tratamento. Em caso de resposta insuficiente, pode-se trocar o ISRS em uso por outro, de modo cruzado, monitorando o paciente quanto a sintomas da síndrome serotonérgica. Uma vez alcançada a resposta, o tratamento deve ser mantido por pelo menos dois anos, quando se tratar do primeiro episódio, ou mesmo ao longo de toda a vida, levando-se em consideração a gravidade e a duração dos sintomas, o número de episódios, a presença de sintomas residuais e as dificuldades psicossociais concomitantes, uma vez que a retirada do ISRS está fortemente associada à ocorrência de recaídas.
■ CONDUTA PARA A SITUAÇÃO DE RESPOSTA PARCIAL OU FALTA DE RESPOSTA AO ISRS
Sempre que possível, deve-se combinar o tratamento com a TCC.3 Caso não haja disponibilidade da terapia, pode-se trocar o ISRS em uso por outro, ou pode-se tentar a monoterapia com a clomipramina (CMI), um ISRS (até 300 mg/dia), ou a monoterapia com a venlafaxina (VEN), um inibidor seletivo de recaptação de serotonina e noradrenalina ([ISRSN] habitualmente 150-300 mg/dia e, excepcionalmente, até 375 mg/dia, com monitoramento da pressão arterial), ou pode-se recorrer a algumas estratégias de potencialização dos ISRSs.
■ POTENCIALIZAÇÃO DOS ISRSs COM CLOMIPRAMINA
A CMI, um antidepressivo tricíclico com predomínio da inibição de recaptura da serotonina, foi o primeiro tratamento farmacológico identificado como efetivo para o TOC. As primeiras revisões sistemáticas de tratamento farmacológico do TOC sugeriam superioridade da CMI (maior tamanho de efeito) sobre os ISRSs, o que não se confirmou em metanálise mais recente. Além disso, os efeitos colaterais anticolinérgicos (boca seca, constipação, visão borrada, fadiga, tremor), raros casos de convulsões (dose-dependente), ganho de peso e aumento das aminotransferases fazem os ISRSs serem preferíveis à monoterapia com a CMI. Atualmente, a CMI é empregada em associação aos ISRSs (em doses mais baixas que as usadas em monoterapia: 75-150 mg/dia) ou em monoterapia, como mencionado anteriormente. Deve-se ter cautela na combinação de FLX e CMI devido a interações no citocromo P450, o que deve ser monitorado com eletrocardiograma. A CMI também está associada a risco aumentado de arritmias e convulsões em doses maiores do que 200 mg/dia.
■ POTENCIALIZAÇÃO DOS ISRSs COM ANTIPSICÓTICOS
Os antipsicóticos podem ser adicionados aos ISRSs, seguindo o racional de um possível envolvimento do sistema dopaminérgico no TOC. O haloperidol em doses baixas apresenta evidências positivas, mas seu uso é desencorajado devido a seus efeitos extrapiramidais, com níveis elevados de descontinuação. Aripiprazol e risperidona demonstraram benefício discreto e por curto prazo, e seu uso deve ser monitorado precocemente (em até quatro semanas) para avaliação da efetividade. O aripiprazol, associado a estabilizadores de humor, pode ser uma opção interessante em pacientes com TOC e TB, uma vez que, nesse subgrupo, o uso de ISRSs pode causar instabilidade do humor. Há menos evidências para o uso de olanzapina ou quetiapina.
NEUROMODULAÇÃO
A neuromodulação para o tratamento do TOC pode usar técnicas não invasivas e invasivas, que serão detalhadas a seguir. Essas técnicas ainda são pouco conhecidas pelos clínicos que atuam fora de um ambiente de pesquisa, e, portanto, pouco usadas na prática clínica. Em contrapartida, espera-se que o aumento das evidências, facilitando a aprovação pelas agências regulatórias, contribua para o uso mais consistente dessas técnicas, atualmente consideradas para os casos de difícil manejo.
NEUROMODULAÇÃO NÃO INVASIVA
Estimulação magnética transcraniana (EMT, ou transcranial magnetic stimulation [TMS]) 
► A EMT é uma técnica de neuromodulação não invasiva que envolve o posicionamento de uma bobina pela qual passam pulsos de corrente elétrica que geram campos magnéticos na área cortical estimulada, provocando despolarização ou hiperpolarização da área cortical abaixo da bobina.65 Estímulos de alta frequência (≥ 10 Hz) são geralmente excitatórios no tecido cerebral subjacente, enquanto estímulos de baixa frequência (≤1 Hz) são considerados inibitórios. O posicionamento da bobina no córtex dorsolateral pré-frontal (DLPFC), eficaz no tratamento do TDM, mostrou resultados inconsistentes no TOC, levando a novos posicionamentos da bobina, com estímulos inibitórios (≤1 Hz) na área suplementar motora (SMA). O posicionamento sobre a SMA apresentou resultados positivos, mostrando-se superior ao procedimento falso (sham), com um estudo negativo realizado com pacientes refratários a dois ISRSs e à CMI. O córtex orbitofrontal também foi investigado como alvo da EMT, com resultados moderados e não duradouros. Ainda não há consenso sobre quais áreas devem ser estimuladas e quais protocolos usar (altas versus baixas frequências), porém, as evidências apontam que áreas cerebrais mais mediais, como a SMA, o córtex pré-frontal medial (mPFC) e o córtex cingulado anterior (ACC) parecem ser relevantes no TOC. Em 2018, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou a EMT profunda (deep TMS) para o tratamento do TOC resistente, baseada em um estudo multicêntrico com 99 pacientes. A pesquisa usou um protocolo de alta frequência (20 Hz) sobre o mPFC e ACC, com bobinas H7 de penetração mais profunda, permitindo o estímulo dessas estruturas. A pesquisa durou seis semanas cinco sessões/semana por (cinco semanas e quatro sessões/semana na última semana), com provocação de SOCs e os pacientes instruídos a pensar continuamente nas suas obsessões durante todo o tratamento. Obteve-se resposta de 45,2% no grupo ativo, versus 17,8% no grupo sham.70 Os efeitos colaterais da EMT costumam ser leves, sendo cefaleia o mais reportado.
Estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC, ou transcranial direct current stimulation [tDCS]) 
► A ETCC é uma técnica não invasiva que envolve o posicionamento de dois eletrodos no escalpe do paciente: um ânodo e um cátodo. Diferentemente da EMT, a ETCC envolve a passagem de uma corrente elétricade baixa amperagem (1-2,5 mA), aplicada diretamente sobre a pele do crânio, atravessando o tecido subcutâneo, o osso e estimulando áreas cerebrais abaixo dos eletrodos. Difere da EMT, também, pelo fato de que a ETCC não é capaz de gerar potenciais de ação. Apresenta um perfil de efeitos colaterais leves e circunscritos aos locais da pele sobre os quais estão posicionados os eletrodos (eritema e desconforto local). Embora o efeito da estimulação final possa variar, a depender dos parâmetros de estimulação, área a ser estimulada e dose, a atividade do ânodo costuma aumentar a excitabilidade dos neurônios corticais abaixo do local de aplicação e o cátodo costuma diminuir a excitabilidade.
A ETCC ainda é uma técnica sob investigação no TOC, com resultados preliminares positivos. A melhor montagem de eletrodos (posicionamento do ânodo e do cátodo) ainda não foi determinada, utilizando-se o racional da EMT para encontrar o melhor posicionamento. A inibição catodal sobre a área pré-suplementar motora (pré-SMA) parece ser superior à estimulação com o ânodo na mesma área.
NEUROMODULAÇÃO INVASIVA
As técnicas neurocirúrgicas de tratamento do TOC estão reservadas aos pacientes comprovadamente refratários, ou seja, que não responderam a múltiplos tratamentos farmacológicos e à TCC, e mantêm sintomas incapacitantes. Os critérios de elegibilidade para esses procedimentos geralmente exigem a falta de resposta a pelo menos três inibidores da recaptação de serotonina (ISRS e CMI) em doses máximas, no mínimo duas estratégias de potencialização (p. ex., inibidor da recaptação de serotonina + antipsicótico, ou ISRS + CMI) e pelo menos 20 sessões de TCC com EPR. Os pacientes elegíveis devem assinar um termo de consentimento, que descreve detalhadamente os possíveis benefícios da cirurgia, os efeitos colaterais e as complicações. Além disso, normas federais exigem que todos os pacientes elegíveis sejam obrigatoriamente avaliados junto ao Conselho Regional de Me­dicina (CRM) antes da neurocirurgia. A remissão completa de sintomas é algo raro. Os tratamentos cirúrgicos não são curativos. A cirurgia funciona, aparentemente, como um potencializador dos efeitos dos medicamentos e da TCC, que devem ser mantidos após os procedimentos. No caso de neurocirurgia ablativa, os pacientes devem ser informados sobre a irreversibilidade do procedimento. São critérios de exclusão: transtorno por uso de substâncias atual, condições cerebrais orgânicas funcionais ou estruturais, transtorno da personalidade grave, história de traumatismo craniencefálico e deficiência cognitiva.
Estimulação encefálica profunda 
► A estimulação encefálica profunda (EEP, ou deep brain stimulation [DBS]) é um procedimento neurocirúrgico invasivo (envolvendo a craniotomia), que consiste no implante de finos eletrodos em regiões cerebrais envolvidas na neurobiologia do TOC, com lesão desprezível de tecido nervoso. Esses eletrodos são ligados a um neuroestimulador (semelhante a um marcapasso), instalado no subcutâneo da região subclavicular, permitindo a transferência de estímulos elétricos de baixa intensidade para as regiões dos contatos dos eletrodos dentro do cérebro. Trata-se de uma forma reversível de neuromodulação invasiva, na medida em que os efeitos terapêuticos e a maioria dos efeitos colaterais são observados apenas quando os eletrodos estão ligados. Diferentes regiões cerebrais podem ser estimuladas, mas a maioria dos estudos usa como alvo as regiões ventrais do braço anterior da cápsula interna, o núcleo subtalâmico ou, mais recentemente, o fascículo prosencefálico medial.65 Cerca de 60% dos pacientes respondem às diferentes técnicas de EEP. Os efeitos adversos mais frequentes são sintomas de ansiedade, hipomania, cefaleia, náuseas, esquecimentos e aumento de peso. Em menor frequência, podem ocorrer infecção na ferida cirúrgica (4,3% dos casos) e hemorragia cerebral de pequena proporção (2,6%). O paciente deve ser esclarecido da necessidade de fazer um acompanhamento de longo prazo, para ajustes nos parâmetros de neuroestimulação, e que a bateria do neuroestimulador deverá ser trocada após alguns anos. A EEP foi aprovada para o TOC refratário pela FDA em 2009.
Neurocirurgias ablativas invasivas e não invasivas 
► As neurocirurgias ablativas foram as primeiras técnicas cirúrgicas para tratamento do TOC, e consistem na lesão de um volume relativamente pequeno de tecido nervoso em uma região envolvida na neurobiologia do TOC. Elas podem ser invasivas (com craniotomia e introdução de algum aparato que permita a lesão de tecido cerebral, p. ex., na neurocirurgia por radiofrequência, ou na terapia térmica a laser) ou não invasivas (sem abertura do crânio, como a radiocirurgia Gamma Knife, ou o ultrassom focal de alta intensidade).
Os alvos mais escolhidos ao longo das décadas têm sido o braço anterior da cápsula interna e o giro do cíngu­lo anterior, empregados, principalmente, a partir da segunda metade do século passado, com melhora de 30-70%. Na capsulotomia anterior, desconectam-se fibras de substância branca que conectam porções do córtex orbitofrontal, córtex cingulado anterior dorsal (dACC), estriado ventral e tálamo. Na cingulotomia, a lesão no feixe do cíngulo interrompe ligações bidirecionais entre o dACC, córtex orbitofrontal, estriado ventral e estruturas límbicas. A heterogeneidade das técnicas cirúrgicas e a falta de estudos comparativos entre as duas técnicas impedem a definição de superioridade de um procedimento em relação ao outro, embora, clinicamente, observe-se maior eficácia com a capsulotomia.
Na radiocirurgia Gamma Knife, direcionam-se cente­nas de feixes de raios gama, oriundos de uma câmara de cobalto radioativo, diretamente em um ponto do cérebro onde desejamos realizar uma lesão actínica, sem abertura do crânio. As porções ventrais do braço anterior da cápsula interna são a região de interesse na capsuloto­mia ventral por raios gama (CVRG). O único estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo de um procedimento cirúrgico ablativo no TOC (e em toda a psiquiatria), foi realizado com a CVRG. Os estudos sugerem que sua eficácia em longo prazo é de 36,4 a 80% (com média de 60% de respondedores), e o tempo de resposta ao procedimento cirúrgico parece variar entre 6 e 36 meses. As complicações mais graves, embora pouco frequentes, são a radionecrose com edema ao redor das lesões e a formação de cistos cerebrais com sintomas neurológicos. Nos estudos mais recentes, os pacientes também podem apresentar sintomas mais leves, como crises de cefaleia e náuseas, alterações de peso, fadiga, hipomania/mania e ganho de peso, sendo que alguns desses sintomas podem melhorar ao longo do tempo.
PARTICULARIDADES EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A prevalência de TOC em crianças e adolescentes varia de 0,25 a 3%. É importante ressaltar que cerca de 50% dos pacientes adultos com TOC relataram que seus sintomas começaram antes dos 14 anos de idade.
Quando os SOCs não são tratados de forma adequada na infância, existe um risco aumentado de apresentarem um curso crônico, com comprometimento do funcionamento familiar, acadêmico e social,81 além de aumentar o risco da presença de comorbidades na idade adulta.
Semelhante a adultos com TOC, 60 a 80% das crianças e adolescentes afetados apresentam um ou mais transtornos psiquiátricos comórbidos. Alguns dos mais comuns são tiques e/ou síndrome de Tourette, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), transtornos de ansiedade, do humor e transtornos alimentares.
Crianças com TOC ou adultos com início precoce dos SOCs podem apresentar características clínicas específicas, como maior probabilidade de as compulsões antecederem o início das obsessões, maior frequência de compulsões ticlike, definidas como compulsões semelhantes a tiques, mas realizadas com a intenção de aliviar o desconforto ou ansiedade causadas por uma obsessão, além de maior frequência de fenômenos senso­riais, comparado com o subgrupo de início tardio.
Estudos genéticos encontraram frequências aumentadas de TOC e SOCs nosfamiliares de primeiro grau de crianças com o diagnóstico de TOC, quando comparados com as frequências na população em geral e em familiares de pacientes com início dos SOCs após a puberdade.
Com relação às particularidades do tratamento nessa faixa etária, vários estudos têm demonstrado que a TCC e/ou a terapia comportamental têm impacto positivo para a redução da frequência e gravidade dos SOCs, sendo importante lembrar que quanto mais nova for a criança, principalmente menores de 12 anos, maior a necessidades de os pais serem incluídos no tratamento. Em paralelo, ensaios clínicos têm demonstrado que os ISRSs são os medicamentos mais eficazes e seguros para tratar os SOCs em crianças e adolescentes. Recomenda-se iniciar com doses baixas e aumentar gradativamente, sendo que as doses máximas recomendadas para crianças são as mesmas dos adultos. Frequentemente, o tratamento do TOC é de longo prazo, e recomenda-se mantê-lo por um tempo mínimo de 18 meses. Um estudo conduzido pelo nosso grupo, comparando a evolução de jovens com TOC tratados inicialmente com TCC em grupo versus a FLX revelou que a taxa de resposta foi semelhante nos dois grupos, sugerindo que o jovem com TOC deve ser tratado prontamente com o tratamento de primeira linha que estiver ao seu alcance, sem prejuízo da resposta.

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