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1 Capítulo 45. Síndromes depressivas e ansiosas Introdução: A OMS estima que 264 milhões de pessoas vivem com depressão em 2020, sendo no Brasil uma prevalência de 8% nos últimos 12 meses A depressão é a principal causa de incapacitação para o trabalho e a principal causa de morte por suicídio Transtornos mentais mais comuns na população: transtorno ansiosos (28%) que compreendem o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno do pânico, transtorno de ansiedade social e fobia específica Historicamente, a população LGBTQIA+ no Brasil e no mundo foi pouco estudada numa perspectiva de pesquisa demográfica Até pouco tempo atrás, os estudos não incluíam perguntas relativas à orientação sexual ou identidade de gênero No Brasil, ainda há poucos estudos sobre a população LGBTQIA+ e sua saúde mental. Dentro desse grupo, alguns subgrupos possuem ainda menos visibilidade na pesquisa acadêmica, como é o caso das travestis e das pessoas intersexo Modelo do estresse de minorias Fornece uma abordagem conceitual para entender as disparidades de saúde relacionadas à população LGBTQIA+ De acordo com esse modelo, as minorias sexuais experenciam estressores específicos e crônicos ao lado da vida, como homofobia internalizada, o que pode estar relacionado aos efeitos danosos a saúde mental O modelo de estresse descreve três grandes grupos relacionados ao estresse: LGBTIfobia internalizada, estigma e experiencias de violência e preconceito LGBTIfobia internalizada Refere-se ao direcionamento a si mesmo das atitudes negativas da sociedade As pessoas LGBTQIA+ internalizam atitudes discriminatórias presentes na sociedade dominante por acreditarem que a cis heterossexualidade é a norma, o ‘’ correto ‘’ A LGBTQIA+ pode manifestar alguns sintomas ao lado da vida, como: (Inserir quadro 1) – Negação da propria indentidade de genero ou orientação sexual, falta de reconhecimento das próprias atrações sexuais e romanticas; tentativas de mudar a propria identidade de genero ou orientação sexual Estigma Crescer e viver em uma sociedade preconceitutosa, na qual pessoas LGBTQIA+ encontram dificiuldades ao revelar sua orientação sexual ou 2 identidade de genero, o estigma pode trazer impactos negativos sobre a saude mental Erving Goffman, cientista social e antropólogo canadense, discute em seu livro Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada sobre a ansiedade com que as pessoas estigmatizadas tendem a lidar em suas interações sociais O receito de julgamento devido a algo que ele é, significa que o individuo LGBTQIA+ está sempre inseguro quando em contato com outras pessoas, sempre com medo de que algo possa lhe acontecer Um alto nível de estigma percebido levaria a uma hipervigilância, assim como altas expectativas de rejeição, discriminação e violência, e uma sensação constante de medo e desconfiança Um exemplo de técnica utilizada para se adaptar, por exemplo, é a de tentar se ‘’esconder’’ entre as pessoas, tudo para que os outros não ‘’descubram’’ sua condição de LGBTQIA+ Ter múltiplas identidades minoritárias pode levar a maior exposição à violência e estigmas que resultam em piores desfechos em saúde mental Exemplos: dentre homens cis gays e negros, há a sobreposição de estigmas: de que é menos capaz intelectualmente, é considerado objeto sexual (hipersexualizado), tem que estar sempre disponível sexualmente como “ativo” (por ser homem e negro), tem que ter “pênis grande”, sendo excluído do ambiente tanto entre gays como entre os negros Experiencias de violência e preconceito Acontecem desde muito cedo na população LGBTQIA+ e são as formas explicitas de estresse de minoria Bullying, agressões físicas e verbais no ambiente doméstico ou fora dele, vivencia de menos direitos e privilégios que os cidadãos cis e heterossexuais, são experiencias vividas pela população LGBTQIA+ que tem efeitos negativos sobre a saúde mental Há um estudo com 741 homens cis gays na cidade de Nova Iorque que confirmou que a somatória dos efeitos da LGBTQIfobia internalizada, o estigma, a violência e o preconceito são os grupos de estresses associados a problemas de saúde mental Um estudo com 496 cis lésbicas encontrou que experiencias de discriminação e fatores proximais de estresses de minorias estavam associadas a ansiedade social aumentada Uma pessoa com 859 pessoas trans na Australia demonstrou altos níveis de sofrimento mental, com 3 em cada 4 pessoas com diagnostico de depressão ou ansiedade devido a experiencias negativas, como vivencias de rejeição, acomodação precárias, bullying na escola e discriminação 3 Diagnóstico, abordagem e manejo de transtornos específicos A maior parte dos estudos sobre a saúde mental da população LGBTQIA+ não trata as síndromes ansiosas e depressivas do ponto de vista diagnostico Nas poucas pesquisas existentes, a população LGBTQIA+ é considerada uma massa homogênea, sem caracterizar distinções entre si e quando ocorrem essas pesquisas, o foco se encontra na saúde mental do homem cis gay Depressão É um transtorno de humor caracterizado por humor depressivo e perda do prazer A depressão está associada a uma miríade de sintomas ao longo do tempo, como: a perda ou ganho de peso ou alterações do apetite, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade e culpa excessiva, redução da concentração, pensamentos de morte e ideação suicida A população bissexual é a que apresenta a maior prevalência de um episodio depressivo ao longo da vida, com mulheres cis bissexuais superando 35% e homens cis bissexuais 30% Uma amostra norte-americana relata que mulheres cis lesbica são as que apresentam menor diferença em relação ao cis heterossexuais, com prevalência de 1,4 vezes maior de depressão Nos indivíduos transgênero, a depressão é o principal transtorno mental com prevalência ao longo da vida de até 44% e é maior em mulheres trans. Esses dados incluem tanto a população adolescente mais velha, como a população adulta Nos adolescentes transgênero os transtornos ansiosos são mais frequentes que a depressão, devido a falta de suporte parental, com redução da intensidade e frequência dos sintomas depressivos nos que têm o apoio familiar O uso de hormônio sexuais reduz a chance de depressão para aqueles que pretendem modificações corporais e as pessoas trans que desejam esse acompanhamento e não conseguem, apresentam quatros vezes mais chances de depressão que a população geral É importante que se considere os fatores de risco específicos no tratado de depressão de pessoas LGBTQIA+ que estão relacionados ao desenvolvimento e á manutenção do quadro depressivo, como o preconceito, estigma, violência a rede de apoio Transtorno de ansiedade social (fobia social) Se caracteriza por medo ou ansiedade acentuado relacionado a situações sociais nas quais o individuo se preocupa em ser avaliado negativamente por outras pessoas 4 Em pessoas LGBT, lidar com a homofobia ao longo da vida leva a comportamentos que se assemelham a ansiedade social A prevalência do transtorno de ansiedade social em homens cis gays é aumentada em cerca de 2 a 3 vezes em relação aos cis heterossexuais devido a uma maior ansiedade em situações, como interações sociais diretas, com um maior medo de rejeição e preocupação com avaliações negativas A ansiedade social possui efeitos deletérios e predispõe a outras patologias e fatores de risco, como depressão, obesidade e hipercolesterolemia Há evidências de que o transtorno de ansiedade social está associado a uma maior prevalência de relações sexuais sem preservativo e de consumo de substâncias psicoativas nas relações sexuais, de modo a aplacar o medo da rejeição pela parceria O tratamento para o transtorno de ansiedade social na população LGBTQIA+ éo mesmo da população cis heterossexual: psicoterapia como primeira escolha, com mais estudos apontando o benefício da terapia cognitivo comportamental (TCC) e, em alguns casos, farmacoterapia Para a população LGBTQIA+ sugere-se a adequação da linguagem e reconhecimento das vivencias especificas e abordagem de assuntos, como identidade de gênero e sexual, os preconceitos e estigmas no tratamento Transtorno de ansiedade generalizada (TAG) É caracterizado por preocupação crônica e persistente que é, ao mesmo tempo, incontrolável e aversiva Principais fatores associadas a tag em pessoas LGBTQIA+: LGBTIfobia internalizada e discriminação percebida Pessoas LGBTQIA+ têm 1,5 vezes maior risco de desenvolver sintomas ansiosos em comparação as cis heterossexuais Um trabalho mostrou que os níveis de ansiedade em pessoas trans foram três vezes maiores que a população geral, sendo os homens trans mais ansiosos que as mulheres trans Uma pesquisa demonstrou que, após 18 meses de hormonização, houve redução de 20% dos sintomas depressivos, mas na ansiedade, o impacto da hormonização parece menor, pois esses sintomas estão mais associados a vivências de violência, discriminação e rejeição social A Tag é tratada com associação de psicoterapia com terapia farmacológica, como inibidores seletivos da recaptação da serotonina ou inibidores da receptação de serotonina e noradrenalina Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) Ocorre após exposição a um evento ou série de eventos traumáticos ou de ameaça à vida ou integridade 5 Um estudo mostrou que aproximadamente 25% de homens cis gays e bissexuais e 20% de mulheres cis lesbica e bissexuais dos EUA reportaram terem sido vítimas de tentativas e crimes de ódio baseados na orientação sexual Um estudo com 6 mil participantes mostrou que 63% das pessoas trans reportavam experiencias de discriminação que trouxeram prejuízos emocionais ou risco de morte Estimativas de prevalência de TEPT na população trans podem ir de 18% a 61%46 , com maior gravidade e frequência de entorpecimento emocional, evitação e hiperexcitação fisiológica Pessoas trans estão expostas a mais eventos traumáticos múltiplos do que as cis Em pessoas LGBTQIA+, recomenda-se que o tratamento seja focado no trauma, com toda uma terapia de abordagem afirmativa Indica-se também associação com ISRS, como sertralina e paroxetina por 6 a 12 meses Não se recomenda o uso de benzodiazepínicos, devido ao risco de aumento paradoxal do comportamento relacionado ao medo e dos sintomas de TEPT Transtorno de estresse agudo e transtorno de adaptação São sintomas que se manifestam até um mês após um evento traumático testemunhado ou vivenciado diretamente pela própria pessoa ou com um familiar ou amigo próximo Podem ser mais frequentes em pessoas LGBTQIA+ devido à maior presença de situações de violência e agressões Transtorno de adaptação são sintomas emocionais ou comportamentais surgidos em resposta a um estressor identificável em até três meses anteriores Estresses traumáticos agudos, microagressões e intimidações crônicas e persistentes à própria identidade da pessoa LGBTQIA+ ameaçam as necessidades humanas fundamentais de confiança, compreensão, controle e pertencimento, com efeitos prejudiciais na saúde mental, bem como aumentam o risco de TEPT, ideação suicida, depressão e outros transtornos ansiosos Transtorno de pânico É caracterizado por ataques de pânico recorrentes que levam a sofrimento, prejuízo funcional significativo e preocupação intensa com futuros episódios Tem início abrupto, inesperado, alcança um pico em minutos, com a presença de sintomas como taquicardia, palpitações, sudorese, tremores, sensação de falta de ar, dor, náusea, calafrios, medo de perder o controle ou morrer A prevalência desse diagnóstico ao longo da vida em pessoas trans é de 13,1% (5,7% em mulheres trans e 8,5% em homens trans) 6 Transtorno obsessiva-compulsivo (TOC) São os pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes, intrusivos e desagradáveis Podem levar a compulsões, caracterizadas por atos motores e/ou mentais repetitivos, estereotipados e ritualizados A prevalência de TOC na população trans é de 9,8%, consideravelmente maior que da população geral (1%) Um estudo com 431 pessoas que procuravam clínicas para tratamento de TOC mostrou que 11,9% da amostra teve pensamentos obsessivos no presente ou ao longo da vida a respeito da orientação sexual. Isso demonstra o impacto da LGBTIfobia inclusive em pessoas cis heterossexuais Fobia específica São medos de objetos específicos ou situações, como aranhas ou sangue, que são desproporcionais a ameada real do estímulo e leva à evitação e prejuízo funcional Medo e ansiedade específicos relacionados à infecção pelo HIV e ao adoecimento pela Aids eram de relato comum, principalmente nas décadas de 1980 e 1990 Pessoas LGBTQIA+ estão mais suscetíveis a desenvolverem medo desproporcional de contrair HIV, com evitação da atividade sexual e inúmeras testagens sorológicas Atualmente, o medo de se infectar pelo HIV que pode ser manifestado por aversão, agressão e culpabilização às pessoas que vivem com HIV é denominada “sorofobia” Considerações finais Pessoas LGBTQIA+ apresentam uma maior prevalência de transtornos ansiosos e depressivos em comparação à população cis heterossexual O aumento da frequência desses transtornos se deve a situações de violência às quais estão submetidas desde a infância até a vida adulta, com o peso do preconceito e do estigma, a maior fragilidade das relações interpessoais e do suporte social e familiar CIASCA, Saulo Vito; HERCOWITZ, Andrea; JUNIOR, Ademir Lopes. Saúde LGBTQIA+: Práticas de cuidado transdisciplinar. 1. Ed. Sanada de Parnaíba [SP]: Manole, 2021
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