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Medicina UNEB – Turma XIII P á g i n a | 1 choque A reposta inicial à perda sanguínea é um mecanismo de compensação: progressiva vasoconstrição da circulação cutânea, muscular e visceral para preservar o fluxo sanguíneo aos rins, coração e cérebro, ocorrendo um aumento da FC na tentativa de preservar o DC. A liberação de catecolaminas endógenas aumenta a RVP. Como decorrência, a PAD aumenta e a pressão de pulso se reduz, mas não resultam em aumentos significativos da perfusão orgânica. Outros hormônios com propriedades vasoativas são liberados na circulação durante os estados de choque, como histamina, bradicinina, betaendorfinas e outras citocinas pró- inflamatórias, como iNOS e TNF. Essas substâncias têm efeito profundo na microcirculação e na permeabilidade vascular, propiciando um cenário de dano orgânico final e subsequente disfunção de múltiplos órgãos e sistemas. O retorno venoso na fase inicial do choque hemorrágico é preservado em algum grau pelo mecanismo de compensação pela redistribuição do volume sanguíneo no sistema venoso, o que não contribui para modificar a pressão venosa sistêmica média. Contudo, esse mecanismo de compensação é limitado. A maneira mais efetiva de restaurar o DC e a perfusão a órgãos-chave é o restabelecimento do retorno venoso ao normal, através da localização e interrupção do foco de sangramento e de reposição volêmica apropriada. No nível celular, as células que são perfundidas e oxigenadas inadequadamente apresentam uma mudança para o metabolismo anaeróbico, que leva à formação de ácido lático e ao desenvolvimento de acidose metabólica. Se o processo não for revertido, o dano celular progride, podendo ocorrer alterações na permeabilidade endotelial, edema tecidual adicional e morte celular. Os sinais mais precoces de perda de volume sanguíneo, na maioria dos adultos, são a taquicardia e a vasoconstrição cutânea. Consequentemente, todo doente traumatizado que está frio e taquicárdico está em choque, até prova em contrário. Um hematócrito muito baixo, detectado logo após o traumatismo, sugere perda sanguínea maciça ou anemia preexistente, enquanto um hematócrito normal não descarta perdas sanguíneas significativas. O valor do déficit de base e/ou do lactato na gasometria pode ser útil para determinar a presença e a gravidade do choque. Avaliações seriadas desses parâmetros podem ser utilizadas para monitorar a resposta do doente ao tratamento instituído. CHOQUE HEMORRÁGICO Virtualmente, todo politraumatizado tem um componente de hipovolemia. Além do mais, a maioria dos estados de choque não hemorrágico responde parcial ou transitoriamente à reposição volêmica. Portanto, se existem sinais de choque, o tratamento é iniciado como se o doente estivesse hipovolêmico. Entretanto, assim que o tratamento é instituído, é importante identificar o choque causado por outra etiologia (p.ex. tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo, lesão medular ou contusão cardíaca, que agravam seu estado de choque hemorrágico e hipovolêmico). Focos potenciais de perda sanguínea → tórax, abdome, pelve, retroperitônio, membros e sangramentos externos - devem ser rapidamente avaliados no exame físico e estudos complementares apropriados. Medicina UNEB – Turma XIII P á g i n a | 2 RXTX, da pelve ou o FAST (Focused Assessment With Sonography in Trauma) ou lavagem peritoneal diagnóstica e sondagem vesical, podem ser necessários para determinar o foco da perda sanguínea. CHOQUE NÃO HEMORRÁGICO Choque cardiogênico → a disfunção miocárdica pode ser causada por traumatismo fechado do coração, tamponamento cardíaco, embolia gasosa ou IAM associado ao trauma (raro). É importante a monitorização pelo ECG para verificar a presença de arritmias ou traçados sugestivos de lesão. Tamponamento cardíaco → é mais comum no ferimento penetrante do tórax, mas pode ocorrer como resultado de contusões torácicas. Taquicardia, bulhas abafadas, veias do pescoço dilatadas e engurgitadas com hipotensão que não responde à reposição volêmica sugerem tamponamento cardíaco. Todavia, a ausência desses sinais clássicos não exclui a presença dessa condição. O pneumotórax hipertensivo pode simular o tamponamento cardíaco, mas pode ser diferenciado deste pela ausência de MV e pelo timpanismo à percussão no HTX afetado. O tamponamento cardíaco é tratado melhor por toracotomia. A pericardiocentese pode ser uma manobra paliativa temporária quando não for possível a realização imediata de toracotomia. Pneumotórax hipertensivo → resulta em diminuição do retorno venoso e redução no DC. A presença de insuficiência respiratória aguda, enfisema subcutâneo, ausência de MV, timpanismo à percussão e de desvio da traqueia sugere fortemente o diagnóstico e autoriza a descompressão torácica sem esperar a confirmação radiológica. O posicionamento adequado de uma agulha no espaço pleural nestes casos alivia temporariamente esta condição potencialmente fatal. Choque neurogênico → lesões intracranianas isoladas não causam choque, a não ser que haja lesão do tronco cerebral, por isso presença de choque num doente com trauma de crânio indica a necessidade de pesquisar outra causa de choque. Uma lesão medular cervical ou torácica alta pode provocar hipotensão por perda do tônus simpático, que acentua o efeito fisiopatológico da hipovolemia e a hipovolemia acentua o efeito fisiopatológico da denervação simpática. O quadro clássico do choque neurogênico é hipotensão sem taquicardia e sem vasoconstrição cutânea. Pulso fino não é visto no choque neurogênico. Os doentes com diagnóstico ou suspeita de choque neurogênico devem ser tratados inicialmente como se estivessem hipovolêmicos. O insucesso no restabelecimento da perfusão orgânica com a reposição volêmica sugere a presença de hemorragia contínua ou de choque neurogênico. Choque séptico → choque por infecção, imediatamente após o trauma, é incomum. Entretanto, esse problema pode ocorrer se a chegada do doente ao PS demorar algumas horas. O choque séptico pode ocorrer nos doentes com ferimentos penetrantes de abdome com contaminação peritoneal por conteúdo intestinal. Os doentes sépticos que estão hipotensos e afebris são de difícil diferenciação daqueles em choque hipovolêmico, pois ambos os grupos podem apresentar taquicardia, vasoconstrição cutânea, diminuição do débito urinário, diminuição da pressão sistólica e pulso fino. Na fase precoce do choque séptico, os doentes podem ter volume circulante normal, discreta taquicardia, pele rósea e quente, pressão sistólica próxima do normal e alargamento da pressão de pulso. CLASSIFICAÇÃO DA HEMORRAGIA O volume sanguíneo normal de um adulto corresponde a 7% do seu peso corporal (p.ex., 70 kg, ~5L de sangue). Em obesos, se calcula usando o peso ideal, porque o peso real pode superestimar esse valor. Em crianças, esse valor é de 8-9% do peso corporal. O controle da hemorragia e a reposição com solução balanceada deve ser iniciada precocemente, tão logo se tornem suspeitos ou aparentes sinais e sintomas de perda sanguínea – não quando a pressão arterial se reduza ou não possa ser aferida. Doentes sangrando necessitam de sangue! Hemorragia Classe I – Perda de até 15% do volume sanguíneo Medicina UNEB – Turma XIII P á g i n a | 3 Um exemplo é o doador de uma unidade de sangue, com sintomas clínicos mínimos. Em doentes saudáveis, essa perda volêmica não exige reposição, porque o reenchimento capilar e outros mecanismos de compensação restabelecem o volume circulatório em 24 horas. Hemorragia Classe II – Perda de 15-30% do volume sanguíneo É a hemorragia não complicada, mas que precisa de reposição de cristaloides. Os sintomas são taquicardia, taquipneia e diminuição da PA, relacionada à elevação da PADpor aumento da RVP, decorrente do aumento das catecolaminas circulantes. A PAS muda pouco no início do choque hemorrágico, sendo mais importante avaliar a pressão de pulso. Outros achados clínicos pertinentes a esse grau de perda sanguínea incluem alterações sutis do SNC, como ansiedade, medo ou hostilidade. Perdas hidroeletrolíticas concomitantes podem agravar a hemorragia classe II. Alguns desses doentes acabam necessitando de transfusão sanguínea, mas podem ser estabilizados inicialmente pela reposição de soluções cristaloides. Hemorragia Classe III – Perda de 30-40% do volume sanguíneo Hemorragia complicada que é necessária a reposição de, pelo menos, cristaloides, e, possivelmente, de sangue. São sinais clássicos de perfusão inadequada, taquicardia acentuada, taquipneia, alterações significativas do estado mental e queda mensurável da PAS. Doentes com esse grau de hemorragia quase sempre requerem transfusão. Muitos doentes vão requerer concentrado de hemácias e produtos sanguíneos para a reanimação no intuito de reverter o estado de choque. A decisão de transfusão de sangue é baseada na resposta do doente à reposição líquida inicial. Hemorragia Classe IV – Perda de mais de 40% do volume sanguíneo A menos que medidas terapêuticas muito agressivas sejam adotadas, o doente morrerá dentro de minutos. Os sintomas incluem taquicardia acentuada, diminuição significativa da PAS e presença de pressão do pulso muito pinçada. O débito urinário é desprezível e o nível de consciência está notadamente deprimido. A pele está fria e pálida. Tais doentes usualmente exigem transfusão rápida e intervenção cirúrgica imediata. AVALIAÇÃO INICIAL DAO CHOQUE HEMORRÁGICO Acesso vascular → deve ser obtido rapidamente, com a inserção de 2 cateteres intravenosos periféricos (mínimo 16 G no adulto) antes de considerar qualquer possibilidade de cateterismo venoso central. Para infusão rápida de grandes volumes de líquidos, cateteres intravenosos periféricos curtos e calibrosos são preferíveis. Utilize líquidos aquecidos e bombas de infusão rápida quando houver hemorragia maciça e hipotensão grave. Assim que se conseguir o acesso venoso, são colhidas amostras de sangue para tipagem e prova cruzada, para exames laboratoriais adequados, estudos toxicológicos e teste de gravidez em todas as mulheres em idade fértil. Reposição volêmica inicial → são utilizadas soluções eletrolíticas isotônicas aquecidas, como ringer lactato ou soro fisiológico. Esse tipo de líquido promove a expansão intravascular transitória e contribui para a estabilização do volume vascular por meio da reposição das perdas que ocorreram para o interstício e para o compartimento intracelular. Um volume de líquido aquecido inicial é administrado. A dose habitual é de 1-2 L no adulto e de 20 mL/kg em crianças. Volumes absolutos de fluidos para a reanimação devem ser baseados na resposta do doente. É importante lembrar que a quantidade inicial de fluidos inclui qualquer fluido administrado no pré-hospitalar. Comentado [AP1]: Os locais mais adequados para os acessos venosos periféricos no adulto são as veias do antebraço ou antecubitais. Comentado [AP2]: A velocidade do fluxo é proporcional à quarta potência do raio do cateter e inversamente proporcional ao seu comprimento (lei de Poiseuille). Medicina UNEB – Turma XIII P á g i n a | 4 É mais importante avaliar a resposta do doente à reposição volêmica (hipotensão permissiva) e identificar a evidência de uma adequada perfusão e oxigenação orgânica finais (p.ex., débito urinário, nível de consciência e perfusão periférica). Reposição de sangue → A alternativa preferível é sangue com todas as provas cruzadas. Entretanto, o procedimento pode levar 1 hora na maioria dos bancos de sangue. Em doentes que se estabilizam rapidamente, quando há indicação de transfusão, o sangue deve ser selecionado por meio de todas as provas cruzadas. Na maioria dos bancos de sangue, sangue tipo específico pode ser providenciado em aproximadamente 10 minutos (compatível com o do doente, nos sistemas ABO e Rh, mas pode ter outras incompatibilidades). Quando não está disponível sangue tipo específico, indica-se o uso de concentrados de hemácias tipo O para doentes com hemorragia exsanguinante. Em mulheres em idade fértil, prefere- se o uso de glóbulos Rh- para prevenir sensibilizações e futuras complicações. Assim que estiver disponível, o uso de sangue tipo específico é preferível ao tipo O.
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