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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Otorrinolaringologia OTITE EXTERNA Definição: A otite externa é definida como a infecção aguda da pele do conduto auditivo externo, resultando em edema e inflamação do conduto auditivo externo de intensidade variável. Epidemiologia: A otite externa apresenta incidência de aproximadamente 10% ao longo da vida, sendo mais comum em crianças na faixa etária de 7-12 anos de idade. A incidência de otite externa é maior no verão, principalmente em jovens, em climas quentes e úmidos e após banhos de mar e/ou piscina. Fatores Predisponentes: Os principais fatores predisponentes para o desenvolvimento de otite externa são: - Exposição à água/umidade: nadar, mergulhar; a presença recorrente de água/umidade no interior do conduto auditivo externo causa alteração do pH e diminuição da acidez do conduto auditivo externo, facilitando a penetração bacteriana devido à falha dos mecanismos de proteção do conduto auditivo externo. - Trauma: arranhões, uso de cotonetes/hastes de algodão para limpeza do conduto auditivo externo; o trauma causa laceração da pele do conduto auditivo externo, com formação de solução de continuidade entre a pele e o meio externo, facilitando a penetração bacteriana e a infecção da pele do conduto auditivo externo. - Alteração da produção de cerúmen: o aumento da produção de cerúmen causa retenção de água no interior do conduto auditivo externo, resultando em alteração do pH e diminuição da acidez do conduto auditivo externo, facilitando a penetração bacteriana devido à falha dos mecanismos de proteção do conduto auditivo externo; a diminuição da produção de cerúmen causa redução dos mecanismos de proteção do conduto auditivo externo por aumento do pH e diminuição da acidez do conduto auditivo externo, facilitando a penetração bacteriana; a alteração da composição do cerúmen, por causar alteração do pH do conduto auditivo externo, também aumenta o risco de otite externa devido à falha dos mecanismos de proteção do conduto auditivo externo. Etiologia: A infecção do conduto auditivo externo geralmente é polimicrobiana. As bactérias mais comumente associadas à otite externa são: - Pseudomonas aeruginosa. - Staphylococcus aureus. - Proteus mirabillis. - Serratia marcescens. A penetração das bactérias na pele do conduto auditivo externo é facilitada por alguns fatores de risco. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de otite externa são: - Exposição à água/umidade. - Trauma do conduto auditivo externo. - Alergia a antibióticos tópicos (neomicina). - Doenças de pele (dermatite atópica, dermatite de contato, psoríase). - Diabetes mellitus. - Imunodepressão. - Exposição a agentes químicos irritantes. - Uso prolongado de antibióticos tópicos (a droga solidifica-se no interior do conduto auditivo externo). A presença de alterações anatômicas que causam estenose do conduto auditivo externo associa-se a acúmulo de cerúmen no interior do conduto auditivo externo, aumentando o risco de otite externa. As principais alterações anatômicas são a exostose, que é a irregularidade da parede do conduto auditivo externo, podendo causar estreitamento do canal auditivo externo, e o osteoma, que é a lesão arredondada e localizada causada por proliferação de tecido ósseo que invade o conduto auditivo externo, resultando em estreitamento do canal auditivo externo. A integridade da pele do conduto auditivo externo e a presença de quantidade 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 adequada de cerúmen no interior do conduto auditivo externo, com manutenção do pH ácido, são fatores protetores ao desenvolvimento de otite externa. Imagem: Exostose de conduto auditivo externo. Aproximadamente 90% dos casos de otite externa são causados por bactérias (Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus) e aproximadamente 10% dos casos de otite externa são causados por fungos (Aspergillus sp. e Candida sp.). Fisiopatologia: A alteração da integridade da pele do conduto auditivo externo, devido à presença de água/umidade, à doença de pele ou à trauma, iniciam o processo inflamatório da pele do conduto auditivo externo, caracterizado por eritema e edema do conduto auditivo externo, que facilitam a penetração bacteriana e a infecção da pele do conduto auditivo externo. Além disso, o aumento da quantidade de cerúmen no interior do conduto auditivo externo, causando retenção de água, aumento do pH e diminuição da acidez, ou a diminuição da quantidade de cerúmen no interior do conduto auditivo externo, causando aumento do pH e diminuição da acidez, aumentam a penetração bacteriana devido à falha dos mecanismos de proteção do conduto auditivo externo, resultando em otite externa. Classificação: A otite externa classifica-se, quanto à extensão da infecção bacteriana do conduto auditivo externo, em: - Otite externa localizada (furunculose): infecção dos folículos pilosos e das glândulas sebáceas da porção cartilaginosa do conduto auditivo externo; a infecção apresenta localização bem definida, com formação de furúnculo. Imagem: Otite externa localizada, caracterizada por eritema e edema da pele da porção cartilaginosa do conduto auditivo externo. - Otite externa difusa: infecção da pele de todo o conduto auditivo externo, mas sem invasão do tecido cartilaginoso e/ou do tecido ósseo. Imagem: Otite externa difusa, caracterizada por eritema e edema da pele de todo o conduto auditivo externo, com descamação da pele e formação de tecido necrótico. - Otite externa maligna: infecção da pele do conduto auditivo externo que invade estruturas adjacentes, principalmente cartilagem auricular e osso temporal; caracteriza-se por lesão invasiva de cartilagem auricular, conduto auditivo externo e osso temporal, com inflamação e necrose tecidual intensas; acomete principalmente pacientes diabéticos e imunodeprimidos. Apresentação Clínica: As principais manifestações clínicas de otite externa são: - Otalgia de intensidade moderada à forte, geralmente unilateral. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Desconforto em trágus e dor à manipulação do pavilhão auricular. - Prurido de intensidade variável. - Otoscopia dolorosa indicando eritema e edema do conduto auditivo externo, além de descamação da pele do conduto auditivo externo. Em alguns casos, o edema do conduto auditivo externo é tão intenso que causa obstrução do canal auditivo externo, resultando em hipoacusia. - Otorreia. - Plenitude auricular. - Hipoacusia. - Otoscopia dolorosa indicando hiperemia da membrana timpânica, mas sem abaulamento da membrana timpânica. - Linfadenopatia cervical. - Presença de tecido de granulação e/ou de tecido necrótico em conduto auditivo externo e pavilhão auricular (otite externa maligna). Imagem: Otite externa maligna, caracterizada por eritema e edema do conduto auditivo externo, com formação de tecido de granulação e de tecido necrótico em conduto auditivo externo e pavilhão auricular. Diagnóstico: O diagnóstico de otite externa é eminentemente clínico, ou seja, baseia-se em anamnese e exame físico (otoscopia). Os exames complementares devem ser realizados apenas em casos de otite externa maligna, para avaliar a extensão da infecção/inflamação, e em casos de otite externa que não responde ao tratamento inicial. Os principais exames complementares que podem ser realizados para a avaliação diagnóstica da otite externa são: - Cultura de secreção da orelha externa: identificação da bactéria ou do fungo causador da otite externa com o objetivo de iniciar antibiótico ou antifúngico específico. - Microscopia de secreção da orelha externa: identificação da bactéria ou do fungo causador da otite externa com o objetivo de iniciar antibiótico ou antifúngico específico; na otite externa fúngica (otomicose), observa-se a presença de hifasfilamentosas brancas (Aspergillus sp. ou Candida sp.) ou de esporos negros (Aspergillus niger) na microscopia óptica. - TC ou RM de osso temporal: → Indicada em casos de otalgia de forte intensidade que persiste 48-72 horas após o início do tratamento, em casos de presença de tecido de granulação ou de tecido necrótico em conduto auditivo externo ou em casos de presença de destruição/erosão de osso temporal para confirmar ou excluir o diagnóstico de otite externa maligna. → Os exames de imagem sempre devem ser realizados quando há suspeita clínica de otite externa maligna, principalmente em pacientes diabéticos e imunodeprimidos. Diagnóstico Diferencial: Os principais diagnósticos diferenciais de otite externa aguda são: - Pericondrite: infecção da cartilagem auricular, caracterizada por eritema e edema do pavilhão auricular geralmente após trauma local; o tratamento baseia-se em antibiótico sistêmico, associado ou não a corticoide sistêmico, drenagem, em caso de abcesso, e uso de curativo compressivo. - Otite média aguda (OMA): caracteriza-se por hiperemia e abaulamento da membrana timpânica e alteração da timpanometria. - Furúnculo: infecção do folículo piloso, localizado na porção cartilaginosa do conduto auditivo externo; o furúnculo é formado por um único orifício de drenagem de secreção purulenta. - Carbúnculo: conjunto de furúnculos; presença de múltiplos orifícios de drenagem de secreção purulenta; o tratamento baseia- 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 se em drenagem da secreção purulenta associada à antibioticoterapia; em casos de furúnculo ou carbúnculo recorrentes, deve- se realizar cultura com antibiograma por meio de swab nasal para determinar o antibiótico sistêmico que apresenta cobertura para o agente causal (Staphylococcus aureus); iniciar antibiótico sistêmico empírico com cobertura para Staphylococcus aureus associado à mupirocina tópica e realizar medidas para erradicar o germe causador da infecção. - Dermatite de contato: caracteriza-se por reação alérgica a soluções otológicas tópicas, antibióticos tópicos, cosméticos ou prótese auditiva; ausência de infecção do conduto auditivo externo; a inflamação da pele do conduto auditivo externo associada à dermatite de contato aumenta o risco de infecção bacteriana secundária, resultando em otite externa. - Dermatite atópica: ausência de infecção do conduto auditivo externo; a inflamação da pele do conduto auditivo externo associada à dermatite atópica aumenta o risco de infecção bacteriana secundária, resultando em otite externa. - Herpes-zóster auricular: caracteriza-se por presença de eritema e de vesículas na pele da orelha e/ou do conduto auditivo externo; cursa com otalgia grave, paralisia facial, distúrbios da gustação nos 2/3 anteriores da língua, diminuição do lacrimejamento e hiperacusia. - Otite externa crônica: apresenta meses ou anos de evolução; caracteriza-se por ausência de otalgia e presença de otorreia e prurido discretos; a pele do conduto auditivo externo é seca e pode apresentar tecido de granulação. - Neoplasia do conduto auditivo externo: indica a realização de biópsia e de exames de imagem para a avaliação diagnóstica. - Colesteatoma: tumor benigno de tecido epitelial que forma-se no interior da orelha média, podendo crescer em direção ao conduto auditivo externo e causar perfuração da membrana timpânica. Tratamento: O tratamento da otite externa depende da extensão da infecção do conduto auditivo externo, variando desde antibióticos e corticoides tópicos até antibióticos e corticoides sistêmicos. Em geral, quando há infecção apenas do conduto auditivo externo, sem comprometimento da cartilagem auricular, recomenda-se o uso de antibiótico tópico, associado ou não a analgésico ou corticoide tópico. Nestes casos, normalmente introduz- se compressa embebida em antibiótico tópico associado a anestésico ou corticoide tópico no conduto auditivo externo por 24-48 horas. Em geral, quando há infecção do conduto auditivo externo, com comprometimento da cartilagem auricular e/ou da pele adjacente, recomenda-se o uso de antibiótico sistêmico associado ou não a corticoide sistêmico. O paciente deve ser orientado a proteger o conduto auditivo externo contra a entrada de água durante o tratamento da otite externa. Otite Externa Bacteriana: - Tratamento inicial: → Antibiótico tópico. → Manejo da dor: analgésico tópico, corticoide tópico, analgésico sistêmico e/ou corticoide sistêmico. → Debridamento. - Refratariedade ao tratamento inicial: → Antibiótico tópico + antibiótico sistêmico. → Manejo da dor: analgésico tópico, corticoide tópico, analgésico sistêmico e/ou corticoide sistêmico. → Debridamento. - Tratamento da otite externa maligna: → Antibiótico tópico + antibiótico sistêmico. → Manejo da dor: analgésico tópico, corticoide tópico, analgésico sistêmico e/ou corticoide sistêmico. → Debridamento. → Oxigênio hiperbárico. Os antibióticos tópicos de primeira escolha para o tratamento da otite externa bacteriana são as quinolonas, como ciprofloxacino e ofloxacino, que não apresentam ototoxicidade, podendo ser utilizados em casos de perfuração da membrana 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 timpânica. Os antibióticos tópicos de segunda escolha para o tratamento da otite externa bacteriana são os aminoglicosídeos, como gentamicina, neomicina e tobramicina, que, entretanto, são ototóxicos e contraindicados em casos de perfuração da membrana timpânica. Portanto, quando há dúvida quanto à presença ou não de perfuração da membrana timpânica, recomenda-se o uso de quinolona como antibiótico tópico de escolha, pois não causa ototoxicidade. Geralmente, utiliza-se soluções otológicas combinadas de antibiótico tópico + corticoide tópico, como ciprofloxacino + dexametasona ou ciprofloxacino + hidrocortisona. Algumas soluções otológicas contêm ácido acético associado ao antibiótico tópico ou ao corticoide tópico, pois a diminuição do pH do conduto auditivo externo potencializa a eliminação das bactérias. Os antibióticos sistêmicos de primeira escolha para o tratamento da otite externa bacteriana são as quinolonas, como ciprofloxacino e ofloxacino, que apresentam cobertura para Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus, apresentam boa biodisponibilidade oral e boa penetração no tecido ósseo e causam menos efeitos adversos quando comparadas a outros antibióticos sistêmicos. Otite Externa Fúngica (Otomicose): - Tratamento inicial: → Antifúngico tópico associado ou não a antifúngico sistêmico. → Manejo da dor: analgésico tópico, corticoide tópico, analgésico sistêmico e/ou corticoide sistêmico. → Debridamento. Prevenção: A prevenção primária da otite externa baseia-se em evitar os fatores de risco para o desenvolvimento da doença. As principais estratégias de prevenção são: - Evitar a exposição à água/umidade, secando adequadamente o ouvido após banhos de mar e/ou piscina. - Evitar o uso de hastes de algodão/cotonetes para a limpeza do conduto auditivo externo. - Tratar doenças de pele, como dermatite atópica, dermatite de contato, psoríase, etc. - Realizar consultas regulares para limpeza do conduto auditivo externo a cada 6-12 meses. A prevenção secundária da otite externa baseia-se em uso de gotas otológicas de ácido acético ou de álcool boricado para a manutenção do pH ácido do conduto auditivo externo e a prevenção de novos episódios de otite externa aguda, principalmente em pacientes que praticam natação. O uso de álcool boricado é contraindicado em casos de perfuração da membrana timpânica, devido ao risco de ototoxicidade.
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