Buscar

Lingu_stica B_sica - Unidade 4 - Livro did_tico

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 28 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A língua na sociedade 
Objetivos de aprendizagem 
● Compreender a interdependência entre língua e cultura. 
● Explicar por que o ensino da língua também é uma questão de justiça social. 
● Identificar os diferentes tipos de variação linguística. 
● Definir norma padrão e entender como ela se relaciona com a norma culta. 
● Entender porque norma padrão e norma culta diferem tanto no Brasil. 
● Refletir sobre as atitudes e preconceitos que as pessoas geralmente têm diante das 
línguas e variedades linguísticas. 
 
Temas 
 
1 - Língua, cultura e sociedade 
Você já parou para pensar que a língua portuguesa e a maneira como você a usa - ajuda a 
definir quem você é? Nesta primeira parte da unidade, veremos que língua tem a ver com 
identidade sociocultural e até mesmo com poder político. 
 
2- Variação linguística e norma padrão 
Já falamos várias vezes de norma padrão neste livro. Agora chegou a hora de definir esse 
conceito e ver como ele se relaciona às diferentes formas de usar uma língua as variedades 
linguísticas. 
 
3 - Atitudes e preconceitos linguísticos 
Como estudante de linguística, você precisa entender de onde vêm os preconceitos 
relacionados ao uso da língua. Entendendo suas razões, será mais fácil evitá-los e 
combatê- los! 
 
Introdução 
 
 
Você já deve ter ouvido - ou mesmo feito - algum comentário semelhante a estes: 
Quando ela disse que tinha "menas gente na sala até doeu o meu ouvido! Não é “para mim 
fazer”, é “para eu fazer”. Não maltrate a língua portuguesa, rapaz! Com as gírias do funk e 
da internet os jovens estão assassinando o idioma 
Comentários como esses têm um lado positivo pois sugerem que as pessoas consideram a 
língua um importante componente do patrimônio cultura do país em prince po estão 
dispostas a apoiar iniciativas voltadas a seu ensino el valor do for outro lado esse tipo de 
comentando dera entrever um apega exagerada arremate normativa. aquela que determina 
padrões para uso da língua. 
Como vimos no fim da unidade anterior, a gramática normativa tem uma função social 
relevante, na medida em que serve de balizamento para a comunicação jurídica, comercial, 
jornalística, didática e em muitas outras esferas da atividade humana. Contudo, uma coisa é 
reconhecer o papel dessa gramática e esforçar-se para cumprir seus padrões nas situações 
em que isso é necessário; outra bem diferente é endeusá-la, colocá-la em um pedestal e 
desprezar ou mesmo ridicularizar aqueles que não seguem suas regras. 
Refletir sobre essa questão é importante para os estudantes de linguística em geral, e mais 
ainda para aqueles que pretendem se tornar professores de língua materna. Afinal, para 
uma criança, é um tremendo desestímulo perceber que seu professor a considera uma 
"analfabeta alguém que fala e escreve "tudo errado''. O professor de língua materna, mais 
do que qualquer outro profissional, deve saber que a gramática normativa é apenas um 
conjunto específico de regras, com uma finalidade específica; o conjunto de regras gerais 
da língua, conforme comprovamos na unidade anterior, é perfeitamente compreendido e 
manejado por todos que a falam. 0 professor deve valorizar esse conhecimento que todos 
os seus alunos sem exceção, detém, e utiliza lo como ponto de partida para o 
desenvolvimento e aprimoramento da turma. 
Encerraremos este livro, portanto, com uma reflexão sobre as questões identitárias, sociais 
e até mesmo políticas que envolvem o uso da lin gua, com um enfoque especial naquelas 
relacionadas a seu ensino e aprendizagem Desse modo, chegaremos ao fim destes estudos 
introdutórios de linguística voltando o olhar aos problemas sociais que as pesquisas da área 
podem ajudar a entender e, talvez até amenizar. 
 
Língua, cultura e sociedade 
Nas cidades brasileiras. quando vemos uma pessoa usando máscara cirúrgica no ônibus ou 
no metrô, deduzimos que ela está com algum problema de saúde, que acabou de sofrer 
uma cirurgia dentária, ou mesmo que é paranoica por higiene Já um morador de uma 
cidade japonesa, ao ver alguém usando máscara cirúrgica na rua, simplesmente pensa 
inverno já começou. 
 
O motivo para isso é que, no Japão, as pessoas costumam utilizar esse tipo de máscara no 
inverno a fim de prevenir a transmissão de doenças comuns nessa época, como gripes e 
 
resfriados. Nas culturas brasileira e japonesa, a máscara cirúrgica representa referências 
diferentes. 
Podemos definir cultura como um conjunto de referências compartilhadas por determinado 
grupo social. Essas referências incluem comportamentos, conhecimentos, valores, 
superstições, crenças, mitos, religiões, danças, festas, manifestações artísticas. 
E a língua? Seria mais uma dessas referências culturais? Na verdade, a língua mantém 
uma relação de interdependência tão grande com esse conjunto de referências que, de 
certo modo, podemos dizer que ela está contida nele - isto é, a língua faz parte da cultura -, 
mas também podemos dizer o oposto - ou seja, que a cultura faz parte da língua. Para 
entender isso melhor, perceba que todas as nossas práticas linguageiras (práticas 
comunicativas que envolvem o emprego da linguagem verbal), desde uma conversa em 
família até a leitura de um jomal ou a redação de um currículo, só são possíveis porque se 
baseiam em um conjunto de referências culturais compartilhadas. Dito de outro modo, para 
formar enunciados em língua portuguesa, abastecem-nós, alimentamo-nos o tempo todo 
dos conteúdos pertencentes ao universo cultural compartilhado pelo grupo social em que 
nos inserimos Mas, ao mesmo tempo, a própria comunicação em língua portuguesa ajuda a 
formar esse universo de referências - afinal, como estudamos na Unidade 2, as línguas não 
são sistemas de rótulos que o ser humano coloca em conceitos preexistentes, mas sim 
formas particulares de categorizar e organizar o mundo. 
A Figura 4.1 busca representar visualmente a ligação íntima e indissolúvel entre língua e 
cultura. 
 
Quando dizemos que a cultura é um conjunto de referências compartilhadas por certo grupo 
social, isso não implica que todos nesse grupo compartilhem a totalidade dessas 
referências. Você tem algumas referências em comum com seus avós, mas certamente tem 
 
outras bem diferentes das deles: muitos dos filmes, músicas, gírias, comportamentos, 
costumes ou mesmo valores que fazem parte de sua vida não fazem parte da vida deles. 
As referências não variam apenas de geração para geração, mas também de uma região 
para outra, de um extrato socioeconômico para outro de uma profissão para outra, de uma 
religião para outra, ou mesmo de uma "tribo" para outra, por exemplo, roqueiros, pagodeiros 
e funkeiros podem até viver na mesma cidade e pertencer à mesma faixa etária e nível 
econômico, mas certamente têm referências culturais distintas. 
Como todos nós circulamos por várias esferas de atividades e interesses e desempenham 
diversos papéis na sociedade (somos ao mesmo tempo pais, filhos, funcionários, vizinhos, 
clientes, estudantes), estamos acostumados a transitar por esses diferentes universos Por 
exemplo ao conversar com uma senhora de idade que não usa o computador, você sabe 
que não poderácitar nenhuma das "modinhas" da internet, pois ela não entenderá esse tipo 
de referência 
Ora, se referências culturais e práticas linguageiras são entidades interdependentes, 
podemos concluir que, a todas essas variações de referências culturais que acabamos de 
mencionar, correspondem variações no modo de usar a língua. Você certamente não 
conversa com seus amigos do mesmo modo que conversa com seus avós, seu professor, 
seu patrão, seu médico, o atendente de um órgão público, um delegado, um juiz Ao cumprir 
os diferentes papéis que lhe cabem na vida pessoal e social, você também usa a língua 
portuguesa de formas diferentes Logo, quanto mais práticas linguageiras você dominar, 
mais facilidade terá para circular em diferentes esferas e exercer diferentes papéis sociais 
Ficou um pouco difícil entender esse raciocínio Calma que vamos explicar melhor. 
 
Língua e justiça social: o conceito de letramento 
Como você sabe, um dos pilares das sociedades democráticas é a busca pela justiça social. 
Todos devem ter as mesmas oportunidades em termos de educação, moradia, alimentação, 
saúde e acesso a serviços públicos para poder, assim, competir em condições de igualdade 
no mercado de trabalho e em outros espaços sociais. Dito de outro modo, todos devem 
estar em condições de circular pelas diferentes esferas de atividades e interesses que a 
sociedade oferece, e também de desempenhar os diversos papéis que ela possibilita. Para 
dar um exemplo concreto: em uma sociedade democrática, o filho de um faxineiro deve ter 
a mesma oportunidade de tornar-se um cientista do que o filho de um banqueiro 
Juntando essa reflexão com a que acabamos de fazer sobre a relação entre língua e 
cultura, chegamos à conclusão de que o objetivo do ensino da língua materna deve ser dar 
a todo cidadão a possibilidade de desenvolver as práticas linguageiras vigentes nas mais 
diversas esferas de atividade e interesse, sobretudo naquelas que não lhe são familiares. 
Lembra-se de que, na unidade anterior, dissemos que ninguém precisaria ir à escola para 
aprender a se comunicar com parentes ou amigos, porque isso todo mundo já sabe fazer? 
Era a isto que nos referimos a escola tem a obrigação de ensinar o futuro cidadão a 
empregar sua língua materna, adequadamente, em contextos diferentes de seu entorno 
imediato. Por exemplo, em uma entrevista de emprego, em uma reunião profissional, em 
uma audiência com uma autoridade pública e nas mais diversas comunicações escritas, 
 
inclusive e sobretudo naquelas que lhe abrirão portas para posições valorizadas na 
sociedade (vestibulares, concursos públicos, processos seletivos) e também naquelas que 
lhe permitirão exercer ativamente sua cidadania, por meio de textos opinativos e 
argumentativos 
A ideia de preparar o estudante para as práticas sociais de leitura, escrita e oralidade em 
contextos mais amplos e complexos do que seu entorno imediato está na base do conceito 
de letramento Esse termo passou a ser usado em vários países, a partir de meados dos 
anos 1980, em contraposição à tradicional alfabetização. 
 
Links 
Uma das maiores especialistas em letramento no Brasil é a educadora Magda Becker 
Soares. No artigo acadêmico "Letramento e alfabetização, as muitas facetas'', de 2004, 
Soares refaz o percurso histórico do conceito de letramento e o relaciona ao de 
alfabetização. Você pode ler esse artigo no seguinte link: <www.scielo.br/pdf/tbedu/n25/n 
25a01.pdf/>. 
Outra fonte de consulta interessante sobre alfabetização e letramento é este vídeo da 
revista Nova Escola, em que as especialistas Emília Ferreiro e Telma Welsz discutem os 
dois conceitos: 
<revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/emilia-ferreiro-cisaoalfabetizacao-letramento-745
163.shtml>. 
 
A diferença entre alfabetização e letramento é que a primeira se concentra no domínio do 
código. Ela prepara a criança para codificar e decodificar mensagens no sistema linguístico 
vigente em seu país. Se, mais tarde, a pessoa vai usar esse conhecimento apenas para 
tarefas comunicativas rotineiras, como decifrar o letreiro do ônibus ou escrever uma lista de 
compras, não é uma preocupação do alfabetizador. Já o letramento tem como objetivo 
preparar as crianças para práticas linguageiras mais avançadas e complexas do que seu 
entorno imediato, a fim de, em última instância, proporcionar-lhes oportunidades mais 
igualitárias de acesso ao poder na sociedade 
 
Quando falamos em poder, não estamos falando apenas de poder econômico (embora ele 
também deva ser considerado no contexto da igualdade social), mas de poder político. 
Quem tem boa capacidade de compreensão textual consegue, por exemplo, detectar as 
estratégias argumentativas utilizadas por certa pessoa pública com um texto oral ou escrito 
e, assim, consegue atribuir sentidos ao texto dessa pessoa de maneira mais crítica e 
ponderada do que alguém que não frequentou aulas de interpretação de texto. Do mesmo 
modo, uma pessoa que teve a oportunidade de desenvolver sua capacidade de produção 
textual é capaz de escrever comentários argumentativos bem articulados na internet 
preparar pautas de reivindicações para lideranças políticas de sua comunidade defender 
seu ponto de Vista oralmente em uma assembleia ou reunião e tudo isso é uma forma de 
exercer poder político. 
 
O movimento do letramento tem, portanto, íntima relação com o conceito de empowerment 
(ou empoderamento) que, nas últimas três décadas, vem tomando corpo nas reflexões e 
desenvolvimentos teóricos relacionados à didática e a metodologias de ensino. Pela 
perspectiva do empowerment, a educação deve ter como objetivo "empoderar" as crianças 
e jovens, de modo que, no futuro, eles se tornem cidadãos autônomos e participativos. 
O ato de dar poder aos estudantes não tem nada a ver com permitir indisciplina ou 
"rebeldia" em sala de aula, e sim com lhes proporcionar acesso às mesmas estratégias, 
técnicas e práticas que as camadas mais poderosas da sociedade já dominam. No caso do 
ensino da língua materna, isso significa, como dissemos, iniciar os aprendizes em práticas 
de escrita, leitura e oralidade com as quais eles não têm familiaridade e que, em geral, são 
justamente aquelas que dão acesso a possibilidades mais amplas de realização pessoal e 
profissional. 
Nesse sentido, o letramento (ao contrário da alfabetização) obviamente não se encerra nos 
primeiros anos de escola Ele continua ao longo de todo o ensino básico e até no superior, já 
que, a cada nova etapa de sua formação. o jovem depara com novos contextos sociais e 
novas práticas linguageiras, cada vez mais avançados e desafiadores 
Pense, por exemplo, nos textos que você precisa ler e escrever na faculdade. Certamente, 
eles são muito mais complexos do que os que você costumava ler e escrever no ensino 
básico. E não estamos falando apenas dos temas em foco, mas da própria maneira como 
os textos são escritos - a linguagem é bem mais formal, com rígida obediência à gramática 
normativa, as construções frasais são mais longas e intrincadas, o que provavelmente o 
obriga a reler várias vezes o mesmo trechoaté compreendê-lo, o vocabulário é mais amplo 
e técnico, levando-o a consultar com frequência dicionários e enciclopédias. 
Na hora de escrever um texto acadêmico, você também deve ter percebido vários desafios 
Para começar, a estrutura desses textos costuma ser rígida: uma monografia, por exemplo, 
precisa ter capa, folha de rosto, sumário, divisão em capítulos, referências bibliográficas, 
entre outros elementos obrigatórios. Além disso, a linguagem desses textos precisa ser bem 
formal, neutra e objetiva. Um professor preocupado com o letramento acadêmico de seus 
alunos vai orientá-los em todos esses detalhes, para que todos possam desempenhar suas 
tarefas acadêmicas adequadamente, em igualdade de condições. Se repetida em todas as 
fases da formação das crianças e jovens, essa postura educativa resulta ria, teoricamente, 
em condições mais igualitárias de participação na sociedade, 
 
Saiba mais 
Falamos aqui em letramento acadêmico, que significa preparar os estudantes para 
participar das práticas linguísticas vigentes no mundo do ensino superior e da pesquisa. 
Existem vários outros letramentos: por exemplo, o letramento visual, relacionado a 
capacidade de compreender mensagens visuais, como uma pintura ou fotografia, e o 
letramento digital, relacionado à leitura e produção de textos na internet. É natural que não 
se fale em um único letramento, mas sim em múltiplos letramentos, uma vez que os 
contextos sociais em que ocorrem as práticas linguísticas também são múltiplos e 
heterogêneos. 
 
 
E a gramática normativa? Como ela se relaciona com essa nova perspectiva para o 
ensino-aprendizagem de língua materna? Ora, uma vez que, em todos os contextos sociais 
complexos e avançados de que falamos até agora é importante, de modo geral, obedecer 
às regras da gramática normativa, então o professor tem o dever de proporcionar aos 
estudantes o domínio dessas regras. Mas ele não fará isso por achar que essa é a única 
maneira correta de usar a língua, menosprezando as formas de expressão que os 
estudantes já conhecem e utilizam, e sim porque, em certos contextos sociais, o domínio de 
lais regras é importante para colocar os interlocutores em pé de igualdade. 
No Brasil, o letramento, o empoderamento e as filosofias educacionais a eles relacionadas 
são, hoje, predominantes na metodologia de ensino de língua materna Eles estão, aliás, na 
base dos mais importantes documentos que norteiam o ensino dessa disciplina, os 
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de língua portuguesa, editados pelo Ministério 
da Educação e Cultura 
Curiosamente, porém, a percepção que boa parte de nossa população tem dessa "nova 
maneira de ensinar português" é bem diferente de tudo que expusemos aqui Muitas 
pessoas acreditam que na atualidade, os professores de portugués "aceitam os erros" dos 
alunos, "não corrigem o português" deles - e que isso só vai colaborar para mantê-los na 
pobreza e na ignorância, perpetuando a desigualdade social. Isso é exatamente o oposto do 
que pretende a nova metodologia de ensino de língua materna baseada no conceito de 
letramento! 
Parece paradoxal, não é? Para entender melhor o motivo de tamanha confusão, vamos 
examinar os dois principais conceitos que estão por trás desse debate - variação linguística 
e norma padrão. 
 
Variação linguística e norma padrão 
Na Unidade 2, quando analisamos as dicotomias saussurianas que envolvem os conceitos 
de língua e fala e de diacronia e sincronia, vimos que, segundo Ferdinand de Saussure, o 
linguista deve ria se concentrar no estudo da língua em perspectiva sincrônica Em outras 
palavras, o toco deveria recair no sistema linguístico abstrato, coletivo e homogêneo 
(língua), e não nas suas manifestações concretas, individuais e heterogêneas (fala), além 
disso, deveria estar no estado atual desse sistema, no "anel" do tronco da árvore em que 
ele se encontra correntemente (sincronia), e não na comparação entre os diferentes "anéis" 
formados ao longo do tempo (diacronia). 
 
Embora o estabelecimento desse foco tenha sido importante naquele momento inaugural da 
ciência linguística, ajudando a separá-la da história, da filosofia e outras disciplinas, ele 
deixava fora do campo de investigações do linguista algumas questões essenciais. Uma 
delas era: como ocorre a transição de um "anel" da árvore para o outro? Ou, para usar a 
terminologia técnica, como se passa de um estado da evolução de uma língua para outra? 
 
 
Saiba mais 
Como vimos no início deste livro, o Curso de linguística geral não foi escrito pelo próprio 
Ferdinand de Saussure, e sim por dois de seus alunos. Manuscritos do próprio Saussure 
descobertos posteriormente vêm sendo publicados nos últimos anos e parecem sugerir que 
a visão do mestre genebrino sobre a tarefa do linguista não era tão estrita quanto à 
defendida no Curso. É provável que os alunos de Saussure tenham exagerado alguns 
pontos de vista do professor e levado o estruturalismo, especialmente em sua fase inicial, a 
uma postura excessivamente formalista e abstrata. Os manuscritos originais de Saussure, 
organizados e comentados por Simon Bouquet e Rudolf Engler, podem ser consultados na 
obra Escritos de linguística geral (CULTRIX, 2004). 
 
Se a fala é assistemática e heterogênea, como ela tem o poder de, às vezes, alterar o 
sistema todo da língua? Para que o pronome você (descendente do antigo Vossa Mercê) 
substituísse o tu na maior parte do Brasil, foi necessário que muitas pessoas, em cada 
momento histórico, adotassem a nova forma de tratamento. Se apenas uma ou outra 
falasse de vez em quando, sem regularidade, a mudança histórica não ocorreria. 
Além disso, durante o período de transição, as duas formas coexistiram na língua (uns 
falavam você, outros falavam tu), o que compromete sua suposta homogeneidade Aliás, o 
que é um período de transição? Como podemos dizer quando termina um estágio da língua 
e começa outro? 
Nas décadas que se seguiram à publicação do Curso de linguística geral, alguns estudiosos 
debruçaram-se sobre essas lacunas deixadas pela teoria de Saussure e concluíram que 
faltava estabelecer uma ponte mais sólida entre as dicotomias língua-fala e 
sincronia-diacronia. Um dos linguistas que começaram a construir essa "ponte" foi Eugenio 
Coseriu, um professor romeno que morou e lecionou vários anos no Uruguai. Em 1958, 
Coseriu pu- blicou o livro Sincronia, diacronia e história, no qual propôs um acréscimo à 
principal dicotomia saussuriana - em vez da oposição entre língua e fala, Coseriu sugeriu 
uma tríade formada por sistema, norma e fala, conforme mostra a Figura 4 2. 
 
 
 
 
Na perspectiva de Coseriu, o sistema é o conjunto mais abstrato de possibilidades de uma 
língua. Ele abarca todas as regras para as combinações possíveis de fonemas nessa 
língua, para a formação e combinação de morfemas, para a estruturação das palavras e 
para a combinação das palavras em orações. Virtualmente, ele pode dar origem, portanto, a 
todos os enunciados imagináveis nessa língua. 
Entre esse sistema abstrato e a manifestação individual e concreta dos falantes- a fala - há 
uma segunda instância a norma, "um sistema de realizações obrigatórias, consagradas 
social e culturalmente" (COSERIU, 1979, p. 50). Ainda segundo o autor, a norma "não 
corresponde ao que se pode dizer, mas ao que já se disse e tradicionalmente se diz na 
comunidade considerada". 
Enquanto o sistema é o lugar das possibilidades, a norma é o lugar das limitações. Para 
entender melhor essas concepções teóricas de Coseriu, vamos analisar um exemplo do 
português brasileiro. 
 
Exemplo 
O sistema do portuguės brasileiro atual permite estas duas construções: 
Tu vais à aula de linguística hoje? 
Você vai à aula de linguística hoje? 
Contudo, a escolha entre elas não é, de modo algum, um ato individual e assistemático 
Moradores de algumas regiões do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina escolheram a 
primeira opção, enquanto moradores de outras partes do país escolheram a segunda. 
 
 
A perspectiva de Coseriu explica essa situação do seguinte modo: o sistema linguístico do 
portugues brasileiro nas da essas duas possibilidades de construção frasal mas a norma 
nos impede de escolher livremente entre elas,linguístico do português brasileiro nos dá 
essas duas possibilidades de construção frasal, mas a norma nos impede de escolher 
livremente entre elas, porque nós construímos nossos enunciados de acordo com a tradição 
da comunidade em que nos inserimos. Essa tradição não contempla todas as possibilidades 
do sistema, apenas aquelas que já foram e continuam sendo usadas em tal comunidade. 
No exemplo visto aqui, as diferentes comunidades são delimitadas pela região geográfica, 
mas também poderiam ser definidas por características socioeconômicas, etárias, de 
gênero etc. 
 
A tríade sistema, fala e norma" proposta por Eugenio Coseriu foi um primeiro passo rumo à 
desconstrução da concepção saussuriana de língua como um sistema homogêneo e 
invariável Outro e mais decisivo passo foi dado pelo linguista norte-americano William 
Labov, considerado o fundador da sociolinguística varia consta Como vimos na Unidade 1, 
a sociolinguística estuda, de modo geral. as relações entre língua e sociedade dentro dela, 
a sociolinguística variacionista localiza especificamente as variações linguísticas. 
Labov é considerado o fundador desse campo por ter, junto com os colegas Uriel Weinreich 
e Marvin Herzog, estabelecido a Teoria da Variação e da Mudança, e por ter, depois, 
desenvolvido uma metodologia até hoje utilizada para estudar a variação linguística sob um 
viés quantitativo (que mede a variação em números e porcentagens). A Teoria da Variação 
e da Mudança estabelece, em resumo, os seguintes princípios: 
a. O fato de a língua ser uma estrutura não significa que ela seja homogênea. 
Estruturalidade não é sinônimo de homogeneidade. 
b. Toda língua serve aos propósitos comunicativos de certa sociedade, como esses 
propósitos são heterogêneos e mutáveis, toda língua também é necessariamente 
heterogênea e mutável. O estranho seria encontrarmos uma língua estática, 
homogênea, sem variações - isso só poderia indicar que ela já está morta (como o 
latim) ou em vias de extinção. 
c. A heterogeneidade e a mutabilidade da língua não se processam de modo 
assistemático, e sim ordenado, estruturado. Mesmo a fala do "povão", geralmente 
tida como caótica e ilógica, segue regularidades nítidas. Já exemplificamos isso na 
Unidade 1, quando comentamos que alguns grupos de falantes do português brasi 
leiro dizem "nóis fumo" e "nóis vortemo", mas nunca formas irregulares, como "nóis 
fumo" ou "nóis vorta mo". O "erro", do mesmo modo que o "acerto", segue uma 
regularidade, portanto o linguista não deve vê-los em oposição, como faz a 
gramática normativa, e sim como padrões diferentes coexistentes na língua. 
d. Esses padrões correspondem, em linhas gerais, às normas das diferentes 
comunidades preconizadas por Coseriu. Contudo, os sociolinguistas variacionistas 
não trabalham com o conceito de norma na perspectiva coseriana porque, para eles, 
é impossível separar o sistema geral dessas normas ou padrões. Em outras 
palavras, para os variacionistas, as normas são o sistema linguístico, logo não faz 
sentido diferenciar norma e sistema (LUCCHESI. 2004). O sistema em si é um 
conjunto de heterogeneidades ordenadas (normas). 
 
e. Dito de outro modo, a sociolinguística variacionista estabelece que toda língua é um 
conjunto de variedades Essas variedades são praticadas não apenas por 
comunidades específicas, mas também pela mesma pessoa. Afinal, as pessoas 
cumprem diferentes papéis e circulam por diferentes esferas, portanto, naturalmente 
dominam uma certa quantidade de variedades linguísticas, a fim de se comunicar 
eficientemente nesses diferentes contextos. 
 
Muitos conceitos da Teoria da Variação e da Mudança são utilizados até hoje nos estudos 
linguísticos, ainda que com refinamentos e adaptações. Seguindo um caminho parecido, a 
noção de norma proposta tantas décadas atrás por Coseriu ainda é utilizada, porém com 
sentidos e objetivos um pouco diferentes dos originais. 
Nas seções a seguir, examinaremos o que se entende, atualmente, por variação linguística 
e norma, com destaque para as duas "normas" mais debatidas: a culta e a padrão. Faremos 
uma descrição prática e com bastantes exemplos, sem nos atermos tanto aos teóricos que 
propuseram esse ou aquele conceito. Se você tiver interesse em um estudo mais 
aprofundado das teorias sobre norma e variação linguística, siga as dicas de leitura do boxe 
Saiba mais​. 
 
Saiba mais 
No Brasil, o mais importante autor e divulgador dos estudos sobre norma padrão e 
variações linguísticas é o linguista Marcos Bagno, da Universidade de Brasília. Duas de 
suas obras são especialmente recomendadas para o conhecimento do tema. A primeira, de 
cunho mais teórico, é a coletânea Linguística da norma, lançada pela editora Loyola em 
2004, da qual Bagno participa como organizador e autor. A segunda, mais prática e 
direcionada a professores do ensino básico, é ​Nada na língua é por acaso: por uma 
pedagogia da variação linguística ​(BAGNO, 2007). 
Existe, ainda, uma opção para quem prefere tomar contato com esses temas de modo bem 
leve, na forma de um verdadeiro romance: é o livro ​A língua de Eulália: novela 
sociolinguística​, lançado por Bagno em 1997 e reeditado, com atualizações, em 2008. 
Outra importante estudiosa da sociolinguística no Brasil é Stella Maris Bortoni-Ricardo, 
cujos trabalhos se voltam principalmente à formação de professores de língua materna. 
Entre esses trabalhos, podemos mencionar os livros ​Nós cheguemu na escola, e agora? 
(Parábola Editorial, 2005) e ​Educação em língua materna a sociolinguística na sala de aula 
(Parábola Editorial, 2004). 
 
Variação linguística: definição e classificação* 
*Este tópico foi extraído e adaptado de Guimarães (2012). 
 
Vamos começar com algumas noções básicas. Variável é qualquer elemento da língua que 
se realiza de maneiras diferentes. Por exemplo, o ​r em final de sílaba é uma variável do 
português brasileiro, porque é pronunciado de maneiras distintas: "amor", "amor", "amo", 
entre outras. Já a varianteé cada uma dessas formas de realizar a variável. Por fim, 
variedade linguística é um conjunto de variantes utilizado por certo grupo Podemos pensar, 
por exemplo, na variedade linguística utilizada por paulistas interioranos de alta 
escolaridade eles provavelmente usam algumas variantes comuns em sua região, como o ​r 
"puxado", mas não outras, como a troca de Lh por i (eles não falam "páia", e sim "palha"). 
Em qualquer momento histórico, como já vimos, a língua é um conjunto de variedades. As 
variantes que formam esses conjuntos de variedades e que se relacionam a determinada 
variável podem coexistir durante anos, décadas e até séculos na língua sem que uma tome 
o lugar da outra. O próprio caso do r em final de sílaba é um bom exemplo disso há muito 
tempo o ​r puxado" da fala caipira convive com as outras realizações desse fonema (as 
outras variantes), e é pouco provável que uma se torne dominante em detrimento da outra. 
Em vários casos, porém, em decorrência de fatores linguísticos (internos ao próprio 
sistema) ou extralinguísticos (sociais e culturais), ou ainda de uma combinação deles, 
acontece de uma variante antes dominante tornar-se cada vez menos frequente, até 
desaparecer e ser substituída por outra, com a qual até então coexistiam. Isso é o que 
ocorreu, por exemplo, no emprego do vós, que desapareceu do português brasileiro escrito 
e falado, permanecendo apenas em algumas práticas linguageiras muito específicas e 
cristalizadas, como as preces religiosas ("Bendita sois vós entre as mulheres"), Em todos os 
outros usos, ele foi substituído pelo pronome ​vocês​. 
Quando um fenômeno desse tipo ocorre, dizemos que houve uma variação linguística 
diacrônica - palavra que, como você já sabe, vem da junção dos elementos gregos diá, ao 
longo de", e khronos, "tempo". Além das variações diacrônicas, existem, e claro, todas as 
outras que se observam em um mesmo momento do tempo as variações linguísticas 
sincrônicas Como se vê na Figura 4.3, elas se dividem em quatro outros grupos: 
❏ variações diatópicas (do grego topos lugar") são aquelas relacionadas à região onde 
o falante nasceu ou mora, 
❏ variações diastráticas (do latim stratum, "camada") - são aquelas relacionadas à 
camada ou grupo social a que pertence o falante; 
❏ variações diamėsicas (do grego mésos, "meio") - são aquelas relacionadas ao meio 
pelo qual se dá a comunicação: oralmente ou por escrito, 
❏ variações diafásicas (do grego phásis, "modo de falar") - são aquelas relacionadas 
ao estilo um mesmo falante é capaz de se expressar de modo mais ou menos 
formal, informal, rude, sim patico, infantilizado e assim por diante. 
Descreveremos cada um desses tipos de variação sincrônica nos subtópicos a seguir. 
 
 
 
Variações diatópicas (regionais) 
Em um país tão extenso quanto o Brasil, temos muitas variações diatópicas, ou seja, 
variações relacionadas à região geográfica. Elas se manifestam principalmente: 
❏ Na pronúncia das palavras (sotaque) ​- um exemplo disso é a perda de certos 
fonemas na fala mineira: "mineirim" (em vez de mineirinho), "prestenção" (em vez de 
presta atenção​), "perdacerca” (em vez de perto da cerca). Outro exemplo é o chianti 
dos cariocas, em palavras como ​festa​ e ​arroz​. 
❏ No vocabulário - ​são exemplos de variações no vocabulário as palavras bergamota 
e mexerica, usadas em diferentes partes do país para designar a tangerina. 
❏ Na maneira de conjugar os verbos e de combinar as palavras na frase - um 
exemplo disso é a conjugação tu visse (em vez de tu viste). Outro exemplo é a 
construção “sei, não" (em vez de “não sei"). Ambas as formas são comuns em 
certas partes do Nordeste. 
 
Variações diastráticas (sociais) 
Quando o assunto é variação linguística social, muitas pessoas imediatamente pensam no 
contraste entre variedades populares e variedades cultas, ou seja, entre a fala dos pouco 
escolarizados e a dos muito escolarizados. Contudo, as variações diastráticas vão muito 
além disso. Considere, por exemplo, as falas a seguir: 
 
 
 
 
Certamente, ao ouvir cada uma delas, você conseguiria deduzir várias características dos 
falantes, não necessariamente ligadas ao nível de escolaridade. Se queremos analisar as 
variações diastráticas em certa população, podemos considerar uma série de critérios; por 
exemplo: 
❏ Nível de escolaridade - ​quanto maior o tempo de escolarização de uma pessoa, 
maior a probabilidade de ela falar e escrever de acordo com as regras da gramática 
normativa 
❏ Faixa etária - ​você certamente não fala como seus pais, que por sua vez não falam 
como os pais deles. A variação relacionada à faixa etária está diretamente ligada à 
mudança linguística, uma vez que se determinada maneira de falar não passa de 
uma geração para a outra, é sinal de que está entrando em extinção 
❏ Sexo - se você sempre achou que homens e mulheres falavam "linguas diferentes", 
de certa maneira acertou várias pesqui sas comprovam notáveis diferenças entre a 
expressão verbal masculina e feminina De modo geral. as mulheres tendem a 
obedecer à norma padrão com mais rigor do que os homens. Elas costumam manter 
o seo m como marca de plural no fim das palavras (por exemplo, as crianças 
nadam), enquanto eles tendem a se expressar de maneira mais relaxada, mesmo 
quando têm o mesmo nível de escolaridade que elas (RUBIO, 2010). 
❏ Profissão ​- a variante linguística típica de um grupo profissional (às vezes 
incompreensível para os leigos) é chamada de jargão. São exemplos disso o 
"informatiquês" e o "economês", 
❏ Grupos sociais ​- as categorias profissionais são um tipo de agrupamento social, 
mas existem vários outros, especialmente entre os jovens, e cada um deles pode 
apresentar marcas linguísticas específicas. Pense, por exemplo, no linguajar próprio 
de grupos como surfistas, evangélicos, clubbers fãs de música sertaneja, fãs de 
quadrinhos japoneses e tantas outras tribos unidas por vários tipos de afinidade. 
 
 
Variações diamésicas (oralidade e escrita) 
A oralidade tem certas características que a distinguem da expressão escrita. A principal 
delas diz respeito aos momentos de produção e recepção do texto: na comunicação oral, 
esses momentos são simultâneos - à medida que você fala, seu interlocutor ouve. Já na 
comunicação escrita, existe uma defasagem entre o momento de produção e o de recepção 
Essa diferença fundamental traz vantagens e desvantagens para cada modalidade. A 
vantagem da simultaneidade na comunicação oral é que ela nos permite acionar dois 
importantes mecanismos: 
 
 
 
Esses mecanismos não são acionados apenas por palavras, mas também por gestos, 
expressões faciais e olhares. Basta nosso interlocutor nos olhar com "cara de ponto de 
interrogação" para sabermos que não estamos sendo compreendidos. A linguagem não 
verbal nos permite, também, complementar o sentido da verbal: entonação, gestos, 
referências a elementos do ambiente tudo isso ajuda a tornar a comunicação oral mais clara 
Já a comunicação escrita não conta com nenhum desses expedientes. O autor precisa 
prever todas as dúvidas que seu texto pode causar ao leitor e tentar esclarecê-las ainda no 
momento de produção O leitor,por sua vez, só conta com aquele papel (ou tela) sem vida 
para recuperar os significados que o autor tentou construir. 
Essa falta de sincronia, por outro lado, tem suas vantagens. Podemos dizer que. se o texto 
oral é como uma transmissão ao vivo, o texto escrito e como um programa gravado e 
editado: podemos revisá-lo quantas vezes for necessário, "apagando" os erros que 
cometemos e apresentando ao interlocutor apenas o resultado final, perfeitamente polido e 
retocado. Outra vantagem da comunicação escrita é que ela nos permite fazer pesquisas e 
consultas durante a produção - se você está preparando uma monografia para a faculdade, 
por exemplo, pode buscar informações em livros e textos na internet, já se estiver 
apresentando um seminário, só poderá contar com suas anotações e a própria memória 
 
 
A possibilidade de produzir textos mais bem-acabados gera, também, maior cobrança na 
expressão escrita Em outras palavras, tendemos a ser bem menos tolerantes com erros nos 
textos escritos do que nos orais Sabendo disso, as pessoas costumam tomar um cuidado 
maior na hora de escrever A expressão escrita tende, por essa razão, a ser mais formal do 
que a oral. 
 
Fique atento 
Embora a expressão escrita tenda a ser mais formal do que a oral, existem várias situações 
em que precisamos nos comunicar oralmente de maneira formal. Por exemplo: em uma 
palestra, um debate, uma entrevista de emprego ou uma reunião de negócios. 
 
No Quadro 4.1, apresentamos uma síntese das principais diferenças entre oralidade e 
escrita. 
 
 
 
 
 
Variações diafásicas (registro formal e informal) 
Pense em um renomado intelectual, acostumado a dar palestras e a escrever artigos 
acadêmicos. Nessas situações comunicativas, obviamente ele precisa obedecer com rigor à 
norma padrão. É bem provável, também, que evite gírias e expressões coloquiais. Mas você 
acha que ele se comporta do mesmo modo quando está em casa, conversando com os 
filhos, ou quando escreve um bilhete para a mulher ? Certamente não. 
Pense, agora, em um lavrador analfabeto que foi convocado para dar um testemunho em 
um tribunal. Você acha que ele vai falar na frente do juiz e dos advogados da mesma 
maneira que fala na lavoura, cercado por parentes e amigos? A resposta mais uma vez é 
não. Mesmo sem ter jamais frequentado a escola, o homem vai perceber que se trata de 
uma situação formal e, em consequência, vai expressar-se de maneira mais cuidada do que 
o habitual. 
Que conclusão extraímos desses exemplos? Nenhum de nós usa o idioma da mesma 
maneira o tempo todo. Independentemente de sermos mais ou menos escolarizados, de 
morarmos nessa ou naquela região, de sermos jovens ou velhos, homens ou mulheres, 
surfistas ou roqueiros, todos nós mudamos nossa maneira de falar e escrever conforme o 
grau de formalidade da situação comunicativa. 
As variedades linguísticas relacionadas ao nível de formalidade são chamadas de registros 
ou níveis de linguagem. Assim, exis tem registros (ou niveis de linguagem mais e menos 
formais. 
 
 
Contudo, em vez de pensar em dois pólos extremos, com a formalidade de um lado e a 
informalidade de outro, seria mais correto pensar em uma linha ascendente de formalidade, 
como mostra a Figura 4.4 Note, ainda, que essa figura distingue entre a formalidade oral e a 
escrita - afinal, conforme vimos há pouco, as modalidades oral e escrita da comunicação 
têm características bem específicas, que geram expectativas e posturas diferentes por parte 
dos interlocutores. 
 
. 
Saiba mais 
As variações diafásicas não estão relacionadas apenas ao grau de formalidade, e sim às 
variações de estilo em sentido amplo. Pense, por exemplo, no linguajar de um médico:ao 
conversar com colegas de profissão, mesmo informalmente, ele usa termos do jargão da 
medicina - o que, como vimos, faz parte da variação diastrática (social). Por outro lado, ao 
falar ou escrever em uma situação formal não relacionada à medicina (ao redigir uma 
solicitação a um órgão público, por exemplo), ele não usará tal jargão. Percebemos que, 
nesse caso, a variação de estilo não está relacionada ao grau de formalidade, e sim a 
outros fatores da situação comunicativa. Aqui, porém, focalizamos apenas as variações 
diafásicas ligadas ao registro, porque são as mais importantes nas pesquisas linguísticas. 
 
Norma padrão e norma culta 
Depois de examinar todos esses tipos de variação linguística, talvez você esteja se 
perguntando se a língua varia tanto como ela consegue manter sua integridade? Ou dito de 
outra maneira se a língua varia tanto, como conseguimos produzir livros, jornais. 
 
documentos, leis, programas de TV e anúncios que, bem ou mal, são compreendidos pelos 
brasileiros em geral, sejam eles jovens ou velhos, homens ou mulheres, sulistas, 
nordestinos e mineiros, de alta ou baixa escolaridade? 
A explicação para isso é que, conforme mostra a Figura 4.5, todas as línguas estão sujeitas 
a duas forças contrárias que acabam se equilibrando (pelo menos durante certo tempo). De 
um lado está a força da inovação, representada pela variação linguística. Essa força, 
exercida pela diversidade dos falantes e pela própria evolução da sociedade, "puxa" a 
língua para longe de suas origens Por outro lado está a força da conservação, que reprime 
a primeira, "empurrando" a língua de volta para suas origens. Essa força conservadora é 
exercida por instituições como escola, imprensa, emissoras de TV, editoras, governos e 
órgãos públicos. Todas essas instituições produzem textos dirigidos à população de 
maneira geral, por isso precisam evitar as variações e zelar pela padronização da língua 
 
Até aí, tudo bem. Mas como essas instituições decidem qual será o padrão? Em outras 
palavras, como elas decidem quais formas são as "corretas" e, por isso, devem ser usadas 
em suas comunicações? Pense, por exemplo, na palavra placa, que uma parte dos 
brasileiros pronuncia como praça. Como se decidiu que o padrão seria placa, e não praca? 
Para responder a essa pergunta, precisamos antes detalhar um conceito que já 
mencionamos algumas vezes neste livro: a norma padrão A norma padrão é o jeito de falar 
e escrever uma língua que um grupo de pessoas definiu como sendo o correto. Como vimos 
na unidade anterior, ela não existe concretamente, é uma idealização, um modelo a ser 
seguido. 
Nem todas as línguas possuem norma padrão. Por exemplo, os usuários da língua wolof, 
falada e escrita no Senegal e em outros países da África Ocidental, nunca sentiram 
necessidade de padronizá-la (ALÉONG, 2001). Se uma palavra do wolof pode ser 
pronunciada de duas maneiras (como ocorre com praca e placa, em português), as duas 
pronúncias são admitidas, sem que uma seja considerada errada e a outra certa 
Isso só é possivel porque os senegaleses usam outra língua - o francês para produzir 
jornais, livros, leis e documentos Se não fosse por isso, é bem provável que eles já 
tivessem sentido a necessidade de estabelecer uma norma padrão para o wolof. 
 
 
Na língua portuguesa, essa necessidade surgiu no século XV. Nesse período, os 
portugueses haviam acabadode expulsar os árabes (que ocupavam a Península Ibérica 
desde o século VIII) e conseguido, finalmente, formar um Estado propriamente dito. Em um 
momento histórico tão importante, vários fatores tornavam necessário o estabelecimento da 
norma. 
● Era preciso ​uniformizar a língua, já que os elaboradores das leis e da burocracia do 
novo reino necessitavam de uma referência para escrever esses textos. Não 
"pegaria bem" deixar praca em um documento e placa em outro, por exemplo. 
● Era preciso construir uma identidade para o idioma português sobretudo para 
diferenciá-lo de seu "irmão" mais próximo, o espanhol. 
● Era preciso, por fim, valorizar a língua, mostrando que havia regras para usá-la, pois 
isso traria prestígio para seus escritores, intelectuais e, em última instância, para o 
reino português como um todo. 
 
Saiba mais 
Havia, ainda, outro motivo que levava à necessidade da norma padrão no século XV. A 
prensa, recém-introduzida por Johannes Gutenberg, começava a se popularizar na Europa. 
Mais do que nunca, era necessário definir regras para as línguas, de modo que os novos 
livros e jornais pudessem ser impressos de maneira uniformizada. 
Uniformização, construção da identidade e valorização - esses são os principais motivos 
que levam ao estabelecimento da norma padrão em uma língua. E como isso é feito? Por 
meio da publicação de gramáticas normativas (que, como vimos no capítulo anterior, 
sistematizam a norma padrão), dicionários e outras obras de referência. Essas obras são 
preparadas por professores e intelectuais geralmente com o apoio dos governantes 
Até aqui, tudo certo. Mas essa discussão toda nos leva de volta à pergunta inicial: como a 
norma padrão é decidida? Já vimos que, em qualquer momento histórico, a língua de uma 
população não é um todo homogêneo, e sim um conjunto de variedades. Com o português 
do século XV não era diferente, numerosas variedades regionais e sociais coexistiam no 
país. Se os responsáveis pelo estabelecimento da norma contemplassem todas elas, seria 
impossível obter a desejada uniformidade. Por exemplo, se eles admitissem tanto a forma 
placa quanto a forma praça, a padronização iria por água abaixo Era preciso, portanto fazer 
uma seleção (BAGNO. 2007), 
Agora, pense um pouco: você acha que os elaboradores da norma selecionaram as formas 
faladas pelo "povão" ou as formas faladas pelos nobres e intelectuais? Se você escolheu a 
segunda opção, acertou em cheio. A escolha da variedade linguística praticada pela elite 
cultural como base da norma padrão não ocorreu apenas na língua portuguesa. Em todas 
as línguas nas quais se estabeleceu uma norma o processo foi o mesmo. Por isso, a norma 
padrão também é chamada de norma culta embora seja uma idealização, ela se aproxima 
muito (ou pelo menos se supõe que se aproxime) da norma utilizada pelos grupos mais 
cultos da população. 
 
Norma culta e norma padrão no Brasil 
Agora que você já entendeu o que é norma padrão e por que e como ela é estabelecida, 
vamos retomar sua trajetória histórica em nossa língua. Havíamos parado no século XV, 
quando foram publicadas as primeiras gramáticas e dicionários da língua portuguesa 
Com o tempo, é claro que aqueles padrões precisaram ser revisados. Afinal, por mais que a 
força conservadora da norma padrão atue sobre uma língua, ela não consegue deter a força 
inovadora durante muito tempo. Chega uma hora em que algumas das variantes antes 
consideradas "erradas" (por serem diferentes do padrão) tornam-se tão disseminadas que 
os dicionaristas e gramáticos são obrigados a aceitá-las. 
Portanto, a norma padrão do português europeu hoje é bem diferente daquela estabelecida 
no século XV Contudo, ela tem um ponto em comum com sua "antepassada" continua 
refletindo o jeito de falar e escrever dos portugueses mais escolarizados. 
E o Brasil? Como fica nessa história? 
Infelizmente, fica em uma posição desfavorável. Para entender por que, precisamos 
recordar nossa formação cultural - que, obviamente, se reflete em nossa formação 
linguística. Como você sabe, o Brasil é um verdadeiro caldeirão cultural, em que se 
misturam heranças indígenas, africanas, portuguesas, espanholas, alemăs, japonesas, 
italianas, árabes e muitas outras mais 
Todas essas influências fizeram com que o português falado aqui se tornasse com o passar 
do tempo, bem diferente do falado no outro lado do Atlântico Além disso, enquanto 
passávamos por todas essas misturas culturais, a sociedade portuguesa continuava 
recebendo suas próprias influências e seguindo sua própria evolução - o que contribuiu para 
abrir um fosso ainda maior entre o modo de falar e escrever dos portugueses e o nosso 
Resultado: hoje em dia. o português europeu e o brasileiro são nitidamente distintos Se tem 
alguma dúvida disso, assista a um filme ou programa de TV português, talvez você tenha 
até dificuldade para compreender o que as pessoas falam. 
Mas qual é o problema de tudo isso? Por que o fato de empregarmos o português de um 
modo diferente do lusitano nos coloca em posição desfavorável? 
O problema é que, apesar de todas essas diferenças, o Brasil não tem uma norma padrão 
própria! Desde que foram publicados nossos primeiros dicionários e gramáticas, 
reproduzimos a norma europeia 
No começo, vários de nossos intelectuais protestaram. Um deles foi o escritor romântico 
José de Alencar, que você conhece por obras como Iracema, O guarani e Senhora. Alencar 
argumentava que ninguém no Brasil falava "Esqueci-me de comprar pão", como falam os 
portugueses. Desde aquela época, todos os brasileiros - inclusive os mais escolarizados - 
falavam "Me esqueci de comprar pão”. Portanto, segundo ele e outros que pensavam do 
mesmo modo, não fazia sentido obrigar as pessoas a seguir a regra do português europeu, 
segundo a qual um pronome oblíquo átono (como me) não pode ser colocado no início da 
oração. 
 
Pena que a turma de Alencar perdeu o debate para os intelectuais conservadores, que 
defendiam a obediência cega aos padrões portugueses Resultado até hoje, as gramáticas 
normativas brasileiras estabelecem que o certo é escrever Esqueci-me de comprar pão" e 
não "Me esqueci de comprar pão". 
Para piorar, há muito tempo nossas gramáticas normativas não são atualizadas: como 
vimos na unidade anterior, algumas delas foram produzidas há mais de 50 anos e 
continuam sendo usadas como referência. Com isso, aquela norma padrão "importada”, que 
já nos soava estranha desde o século XIX, vai ficando cada vez mais distante da realidade, 
à medida que a sociedade brasileira continua evoluindo e transformando-se. 
Considerando tudo isso, fica mais fácil entender por que é tão disseminada no senso 
comum a ideia de que nós, brasileiros, cometemos muitos "erros" de português e que nossa 
língua é muito dificil". Ora, quando um de nossos estudantes escreve "Me esqueci de 
comprar pão", ele está simplesmente reproduzindo uma construção que escuta todos os 
dias - inclusive da boca de representantes da elite cultural do país, mas essa construção é 
considerada incorreta por nossas gramáticas normativas. 
Em resumo, nossa norma culta - ou seja,o modo de falar dos brasileiros mais escolarizados 
- é bastante diferente de nossa norma padrão. 
E isso nos deixa em uma situação tremendamente desfavorável: nos países em que a 
norma padrão se aproxima da culta, os estudantes que querem aprender o jeito "certo" de 
falar e escrever só precisam seguir o exemplo de professores, jornalistas, escritores e 
outros falantes altamente escolarizados - o modo como eles falam e escrevem é o padrão, 
ou pelo menos está próximo dele 
No Brasil, porém, tudo se complica, porque existe um verdadeiro abismo entre norma 
padrão e norma culta. Iso dá a todos, "cultos" e “não cultos", uma sensação de permanente 
insegurança no uso da língua, já que a norma padrão que em todos os países é uma 
idealização, mas pelo menos uma idealização próxima do real é, aqui, uma idealização 
etérea, um conjunto de regras que muitas vezes soam até estranhas, como se 
pertencessem a outro idioma Veja alguns exemplos disso no Quadro 4.2. Na primeira 
coluna, apresentamos algumas variantes usadas pelos brasileiros mais escolarizados 
(variantes pertencentes à norma culta), na segunda, regras encontradas em gramáticas 
normativas brasileiras que condenam essas variantes. e. finalmente, na terceira, as 
variantes que deveriam ser usadas de acordo com a norma padrão. 
 
 
 
 
 
 
Muitos linguistas brasileiros (entre eles o citado Marcos Bagno) vêm denunciando a 
necessidade urgente de rever a norma padrão brasileira e de publicar gramáticas 
normativas que representem um modelo factível, próximo da norma culta real. Essa 
proposta, em vez de ser acolhida pela opinião pública - que, em tese, só teria a ganhar com 
a simplificação das regras -, vem recebendo pesadas críticas em diversos meios, sobretudo 
na imprensa. 
 
 
Qual seria a razão disso? Por que os brasileiros adotam uma postura tão conservadora em 
questões linguísticas? Isso é assunto para a terceira e última parte desta unidade. 
 
Saiba mais 
O Quadro 4.2 aborda regras presentes nas principais gramáticas normativas brasileiras. 
Além delas, existem regras "inventadas" por certos profissionais, como autores de manuais 
jornalísticos e consultores de português contratados por redes de televisão. Volta e meia, 
esses profissionais estabelecem regras que contrariam toda a tradição literária e cultural do 
país; mas, como eles têm influência na mídia, o que dizem acaba se tornando verdade 
inquestionável. 
Recentemente, por exemplo, começou a se dizer que a expressão certa seria "correr risco 
de morte", em vez da tradicionalíssima "correr risco de vida", consagrada há décadas nos 
mais variados textos da língua portuguesa. Você, como estudante de linguística, não pode 
se deixar levar por essas falácias. As regras da gramática normativa não podem ser 
inventadas por alguém, elas devem ser fruto de ampla pesquisa em registros autênticos 
(reais) que reflitam a norma culta do país. Se não se apoia em um levantamento sério e 
bem documentado, uma nova regra gramatical não passa de mero palpite. 
 
Atitudes e preconceitos linguísticos 
Observe novamente o Quadro 4.2, em que apresentamos alguns exemplos da disparidade 
entre norma culta e norma padrão no português brasileiro. Se você ouvisse ou mesmo lesse 
as formas da primeira coluna, isto é, as variantes condenadas pela norma padrão, 
provavelmente não notaria nada de errado nelas. A maioria dos brasileiros não percebe 
essas formas como incorretas. Mas compare-as agora com as que mencionamos na 
Introdução desta unidade e outras que reproduzimos a seguir: 
 
Tem menas gente na sala de espera. 
A professora passou este exercicio para mim fazer. 
Eu "truxe" pão com queijo. 
Posso "ponhá" mais água no feijão? 
A gente vamos de trem para o litoral. 
Ao ler ou ouvir cada uma dessas construções, você e a grande maioria dos brasileiros 
escolarizados não teriam dúvidas: elas estão erradas. Sob um ponto de vista estritamente 
objetivo, não há diferença entre elas e as da primeira coluna do Quadro 4.2, já que ambos 
os grupos estão em desconformidade com a norma padrão. No entanto, apenas as desse 
segundo grupo são percebidas como incorretas. 
 
 
Você já deve estar adivinhando a razão disso, que na verdade é muito simples: as 
construções desse segundo grupo são utilizadas por pessoas pobres, de baixo ou nenhum 
prestígio social. As construções da primeira coluna do Quadro 4.2 representam aquilo que 
Bagno (2007. p. 142) chama de traços graduais são traços linguísticos que aparecem na 
fala de todos os brasileiros, independentemente de sua origem social, regional etc.". Ja as 
construções que apresentamos neste tópico representam o outro grande conjunto de traços 
linguísticos do portugués brasileiro, o dos traços descontínuos, "aqueles que aparecem 
principalmente na fala dos brasileiros de origem social humilde, de pouca ou nenhuma 
escolaridade, de antecedentes rurais etc." (BAGNO, 2007, p. 142). 
A Figura 4.6, também extraida de Bagno (2007), representa visualmente a relação entre 
esses dois grandes conjuntos de traços linguisticos. 
 
 
Como se vê na Figura 4.6, os traços graduais aparecem desde a base até o topo da 
pirâmide socioeconômica. Em contrapartida, os traços descontínuos estão presentes 
apenas na base dela, ou seja, nas variedades linguísticas faladas pelas camadas menos 
favorecidas. Por estarem associadas aos grupos sociais sobre os quais recai a maior carga 
de discriminação, essas são variedades estigmatizadas, isto é, variedades em relação às 
quais as pessoas em geral mantêm uma atitude desfavorável, de rejeição e despre zo. A 
elas se opõem as variedades prestigiadas (ou normas urbanas de prestígio, termo que, 
como já comentamos, vem substituindo norma culta). estás, mesmo estando em 
desconformidade com a norma padrão, não são vistas como erradas, porque são 
 
associadas a grupos sociais diante dos quais se tem em geral, uma atitude favorável, de 
respeito e aprovação. 
Pela análise desses fatos, percebemos que as atitudes linguísticas dos falantes, isto é, as 
avaliações que eles fazem de uma língua ou de uma variedade Linguística, não costumam 
ser objetivas nem científicas Elas se baseiam em ideias que essas pessoas já têm 
previamente, acerca dos grupos que usam tal língua ou variedade. Se esta é utilizada por 
um grupo de prestigio social, será prestigiada também, se é praticada por um grupo 
estigmatizado, será discriminada também . 
Como os falantes em geral adotam essas atitudes linguísticas com base em 
prejulgamentos, sem questioná-los nem refletir sobre eles, muitas vezes nos referimos a 
elas como preconceitos linguísticos. É interessante notar que o preconceito pode ser tanto 
positivo como negativo. Um preconceito positivo bastante difundido, por exemplo, é o de 
que "no Maranhão se fala o português mais correto do Brasil". Quem repete essa balela não 
procurou se informar em nenhuma fonte linguística séria, porque, se tivesse feito isso, 
saberia que a afirmação não tem qualquer base científica 
Em primeiro lugar, por todos os motivos que vimos analisando desde o inicio desta unidade, 
não existe um lugar do Brasil onde sefala um "portugués mais correto do que nos outros 
Existem. isso sim, lugares onde predominam variantes prestigiadas, e ou tros onde 
predominam variantes estigmatizadas Como o Maranhão é sabidamente um dos estados 
mais pobres da federação (em 2010. segundo o IBGE . Maranhão tinha a mais baixa renda 
per capita do país), é difícil imaginar que predominem là variedades prestigiadas Por que 
teria surgido, então, esse mito acerca do Maranhão? 
Ao que tudo indica, o motivo é que, em São Luís e em algumas outras cidades 
maranhenses, até algumas décadas atrás o uso do pronome tu persistia, enquanto na maior 
parte do país já havia se completado, ou pelo menos estava em curso acelerado, a 
substituição desse pronome por você Ao que parece também (embora desconhecemos 
pesquisas científicas que possam comprová-lo), a concordância do pronome tu era feita, 
nessas cidades maranhenses, de acordo com a norma padrão Ou seja, em geral se falava 
"tu fazes, tu dizes, tu vens", e não "tu faz, tu diz, tu vem", como é comum em outras regiões 
Esse único fato, isoladamente, fez com que se difundisse o mito de que "o Maranhão é o 
lugar do Brasil onde se fala o melhor português". Em outras palavras, inúmeros brasileiros 
desenvolveram o preconceito linguístico de que, em certo estado da federação, se fala um 
português "melhor" simplesmente porque nesse estado se diz "tu fazes", e não você faz" 
Isso parece científico e lógico" Nem um pouco, não é? 
Para piorar, pesquisas linguísticas recentes (ALVES, 2012) vêm demonstrando que o 
pronome fit está desaparecendo da fala maranhense, e, mesmo quando é empregado, 
praticamente nunca vem acompanhado da concordância verbal padrão Ou seja, no 
Maranhão, assim como em grande parte do resto do país, quem ainda usa tu diz "tu faz, tu 
diz, tu vem", flexionando o verbo na 3ª pessoa do singular, e não na 2 como manda a 
gramática normativa 
 
 
Esse exemplo mostra claramente que o preconceito linguístico não é alvo de reflexão, 
questionamento nem reconsideração. Muitas pessoas o adotam simplesmente porque 
"ouviram falar", mas não buscam se informar - não são informadas pelos meios de 
comunicação de massa - de modo crítico e objetivo acerca do tema. 
Atitudes linguísticas preconceituosas não são exclusividade da sociedade brasileira. Elas 
existem virtualmente em todas as sociedades do mundo, pois em todas elas há algum grau 
de conflito entre os diferentes grupos, seja por motivos econômicos, religiosos, geográficos 
ou políticos. Contudo, como a sociedade brasileira é assolada por uma gigantesca 
desigualdade social, aqui esses preconceitos linguísticos são levados a um nível extremo. 
Aquela imensa distância entre norma culta e norma padrão de que falamos no tópico 
anterior só agrava o quadro. Em países onde a norma padrão se aproxima da culta, existe 
mais transparência no estabelecimento das regras da gramática normativa. Mesmo os 
grupos que não dominam as variedades prestigiadas podem, quando necessário, resolver 
suas dúvidas com certa facilidade. No Brasil, isso não é tão simples porque as regras 
gramaticais, por estarem tão distantes da realidade, parecem envolvidas em uma aura de 
mistério. 
Como você pode imaginar, manter essas regras como um saber elevado e hermético, 
disponível apenas para alguns iniciados, pode ser interessante para determinados grupos. 
Ainda mais se esses grupos, mesmo "errando", continuam sendo vistos como os únicos que 
falam o português corretamente, afinal, como vimos, os erros das camadas mais altas não 
são vistos como erros. 
Essa reflexão nos leva de volta ao início da unidade. Se o objetivo do professor de língua 
materna é proporcionar aos estudantes conhecimentos que lhes permitam participar da 
sociedade em condições de maior igualdade, esse professor precisa, antes de mais nada, 
ajudá-los a derrubar esses preconceitos linguísticos, que eles certamente carregam 
também. O professor precisa lhes mostrar que as variedades estigmatizadas não são 
"erros", e sim modos diferentes de usar a língua. Elas não são caóticas nem irregulares, 
pois seguem padrões tanto quanto as variedades prestigiadas. E, se elas não obedecem às 
regras da gramática normativa, é importante lembrar que as variedades prestigiadas 
também não obedecem! 
O professor de língua materna precisa, enfim, adotar uma atitude científica diante da 
linguagem verbal e ajudar os alunos a fazer o mesmo. Isso não significa, de modo algum, 
negar-lhes o ensino da norma padrão. Como vimos antes, ela é exigida na maioria dos 
contextos sociais mais prestigiados (o acadêmico, ou empresarial, o jornalístico, o jurídico 
etc.), portanto, deve fazer parte do letramento dos alunos Contudo, ela deve ser ensinada 
dentro do arcabouço teórico que buscamos esboçar aqui - ou seja, como uma norma a mais 
dentro da língua, e não como a única norma possível. diante da qual as demais 
(principalmente as dos menos favorecidos) se tornam incorretas. 
Essa atitude educativa é muito mal vista por certos setores da sociedade, que a acusam de 
não ensinar o que é para ser ensinado (a norma padrão) e contribuir para a degradação da 
língua, ao colocar em pé de igualdade as variedades prestigiadas e as variedades 
"incorretas" Será que esses setores estão, na verdade, interessados em manter o atual 
estado de coisas, ou seja, uma norma padrão misteriosa e hermética, supostamente 
 
dominada apenas pela elite cultural? Convidamos você a, com base em tudo que 
estudamos até aqui (e em outras informações que pode encontrar nas leituras sugeridas), 
continuar sozinho essa reflexão e tirar suas próprias conclusões. Ou melhor: sozinho, não, o 
ideal é que você faça essas reflexões em grupo, debatendo os temas desta unidade com o 
professor e os colegas Temos certeza de que, com esse tipo de refle xão, vocês 
aproximarão os estudos linguísticos de sua realidade e cada vez mais desenvolverão o 
senso crítico diante das questões que envolvem língua e sociedade.