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Funcionalidade dos gêneros textuais/discursivos nos processos de letramento APRESENTAÇÃO As abordagens metodológicas que permeiam o espaço escolar, no caso das disciplinas de língua materna e estrangeira, têm por base o modo como a sociedade de uma época entende a língua/linguagem. No fim do século XX, no contexto brasileiro, passou-se a observar um movimento de questionamento das bases e dos pressupostos teóricos que subjazem o ensino não só da língua portuguesa, mas também das várias disciplinas escolares. Posteriormente, após a elaboração de documentos com novas propostas de ensino, influenciados pelos estudos da linguística da enunciação/do discurso, a noção de língua/linguagem passa a ser tomada como uma atividade e ação social interativa. Neste contexto, a ênfase no ensino se desloca da gramática em direção ao estudo dos gêneros textuais/discursivos. Nesta Unidade de Aprendizagem, você identificará algumas abordagens de ensino sobre os estudos dos gêneros textuais/discursivos. Além disso, verá sobre as relações entre gêneros textuais/discursivos, esferas discursivas e propósitos de ensino. Por fim, estudará sobre a influência dos estudos dos gêneros textuais/discursivos no ensino de línguas. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar modos de abordagens de ensino relacionadas a gêneros textuais/discursivos.• Relacionar gêneros textuais/discursivos e esferas discursivas a propósitos de ensino.• Analisar o trabalho com os gêneros textuais/discursivos em língua estrangeira.• DESAFIO Os gêneros textuais/discursivos são eventos e práticas sociais, nas quais se manifestam as atividades comunicativas. Como são inúmeras as atividades comunicativas humanas, assim são também numerosos os gêneros dos discursos. Dito de outra forma, as ações comunicativas se realizam nas escolhas dos gêneros textuais/discursivos, e estes, por sua vez, ligam-se às esferas das atividades humanas. Conforme discute Bakhtin (2003), o uso da língua está relacionado às esferas da atividade humana, as quais apresentam condições e finalidades diversas. Entre algumas das esferas discursivas, é possível citar a midiática (jornalística), cotidiana, humorística, literária e escolar. A partir do exposto, faça a leitura do fragmento a seguir, escrito pela professora de Língua Portuguesa Mariana, no qual registra uma síntese de uma aula ministrada dias atrás sobre o ensino do gênero notícia de jornal impresso a uma de suas turmas do oitavo ano. Após a leitura desta síntese, responda a seguinte questão: a professora se embasa nos estudos dos gêneros textuais/discursivos para conduzir a sua aula sobre o gênero notícia jornalística impressa? Justifique a sua resposta. INFOGRÁFICO Os gêneros textuais/discursivos se constituem como ações e práticas sociais discursivas. Tais ações se realizam em textos (verbais, visuais e/ou verbo-visuais) e se relacionam às esferas comunicativas das quais fazem parte na sociedade. Na perspectiva da língua como uma atividade social, a abordagem dos estudos dos gêneros textuais/discursivos ganha destaque e, assim, durante o ensino da língua portuguesa, deve-se considerar alguns elementos, tais como o propósito social e comunicativo de um gênero textual/discursivo, para uma abordagem teórico-metodológica que parte da reflexão sobre os seus usos e as suas manifestações na sociedade. Neste Infográfico, você vai conferir alguns pontos relevantes para o ensino da língua portuguesa no espaço da escola, a partir dos estudos dos gêneros textuais/discursivos, tais como a ênfase na diversidade textual, o trabalho situado na funcionalidade comunicativa, a consideração dos contextos sociais de uso dos gêneros textuais/discursivos, entre outros elementos importantes nas relações estabelecidas entre o professor e o aluno durante o ensino-aprendizagem. CONTEÚDO DO LIVRO Os gêneros textuais/discursivos são atividades sociais, discursivas e culturais que organizam e se relacionam a diversas atividades da comunicação humana. Por constituírem e realizarem o processo comunicativo, o trabalho com os gêneros textuais/discursivos em sala de aula torna fundamental para o ensino-aprendizagem de língua materna e estrangeira. Quando trabalhados em sala de aula — por meio de suas funcionalidades comunicativas, de seus modos de produção, recepção e circulação, de seus diversos usos, de suas construções léxico- gramaticais em textos, dos valores sociais que geram e das relações ideológicas que movimentam —, os gêneros textuais/discursivos promovem outra possibilidade de pensar as habilidades ou os eixos de oralidade, leitura e escrita. Neste capítulo, Funcionalidade dos gêneros textuais/discursivos nos processos de letramento, da obra Gêneros textuais didáticos e análise de materiais didáticos de Letras, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer modos de abordagens de ensino relacionadas a gêneros textuais/discursivos. Além disso, vai relacionar a noção de gêneros textuais/discursivos a de esferas discursivas e propósitos de ensino. Por fim, vai identificar como pode se dar o trabalho com os gêneros textuais/discursivos em língua estrangeira. Boa leitura. GÊNEROS TEXTUAIS DIDÁTICOS E ANÁLISE DE MATERIAIS DIDÁTICOS DE LETRAS Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar modos de abordagens de ensino relacionadas a gêneros textuais/discursivos. Relacionar gêneros e esferas discursivas a propósitos de ensino. Analisar o trabalho com os gêneros textuais em língua estrangeira. Introdução Os gêneros são eventos sociais e discursivos, nos quais as nossas ações comunicativas se realizam. Tais atividades são constituídas por enunciados relativamente estáveis, os quais são tipificados socialmente e influenciados pelas esferas discursivas das quais fazem parte. A cada esfera da atividade humana se associam numerosos gêneros, como é o caso da notícia jornalística impressa, da reportagem televisiva e do editorial jornalístico impresso, os quais dizem respeito à esfera midiática. Por volta dos anos 1990, os estudos teóricos sobre os gêneros pas- saram a ganhar mais destaque no campo do ensino. Esse destaque dado aos estudos dos gêneros se dá também através da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais realçam o uso do texto na sala de aula, e dos materiais didáticos, que também vão em direção ao trabalho com os gêneros no processo de ensino-aprendizagem. Neste capítulo, você identificará modos de abordagens de ensino relacionadas aos gêneros, e entenderá as relações entre gêneros, esferas discursivas e ensino. Além disso, você refletirá sobre como os estudos dos gêneros podem guiar o professor no trabalho com o ensino-apren- dizagem de línguas para fins específicos. 1 Ensino, história e gêneros Desde as últimas décadas, as práticas e metodologias de ensino adotadas pelas escolas, no tocante às mais variadas disciplinas — a Matemática, as Ciências (Física e Química), a História, a Língua Portuguesa — têm passado por um processo sistemático de revisão e reconstrução. Parte dessa ação se deu (e continua a se dar) em virtude do intenso uso das tecnologias multimídias pelas pessoas nas suas atividades diárias, o que levou consequentemente a mudanças nas relações que as pessoas estabelecem com as práticas de leitura, de oralidade, de escrita e as do campo do visual. Essas relações emergentes têm implicado, no campo do estudo das linguagens, em uma ampliação no trabalho que a escola desenvolve a partir dos textos, uma vez que ensinar e estudar as tipologias textuais com os alunos (tais como, a exposição, a descrição, a argu- mentação, a narração e a injunção) não abarca todas as possibilidades de usos das várias linguagens. Vale dizer, ainda, que a adoção de concepçõesde língua e linguagem como processos ativos e dinâmicos de produção e construção de sentido entre os sujeitos (perspectiva sócio interacionista da linguagem) têm tido sobremaneira importância na reestruturação do espaço escolar na sociedade, do papel do professor na cadeia de produção do conhecimento e nas relações estabelecidas entre o professor e o aluno na sala de aula. No contexto brasileiro, os Parâmetros Curriculares Nacionais tiveram (e têm) um papel também fundamental na construção de um novo perfil da educação no país. O currículo que passa a ser proposto segue uma abordagem reflexiva e aberta à renovação teórica e prática do conhecimento — movi- mento esse que é próprio da língua —, uma vez que o conhecimento vai sendo construído por meio de competências básicas e habilidades trabalhadas com o aluno. Assim, nessa perspectiva, o ensino, antes “[…] descontextualizado, compartimentalizado e baseado no acúmulo de informações” (BRASIL, 2000, p. 4), passa a ser significado pela geração do conhecimento dentro de contextos sócio-históricos e culturais. O ensino torna-se situado e valoriza- -se a interdisciplinaridade entre as ciências. Esses parâmetros, portanto, não apenas funcionam como guias de diretrizes de ensino, mas acabam por atribuir uma dimensão humana, da ordem da cidadania, do cotidiano e do trabalho, às práticas de ensino operadas nas escolas. Tal perspectiva inovadora, no entanto, tem certa atualidade no sentido de que outras abordagens de leitura e escrita tiveram a sua presença na história. Antes de abordar algumas delas, se faz necessário comentar que cada uma é respaldada por uma orientação teórico-pedagógica que orienta as escolhas sobre os conteúdos e as metodolo- gias de ensino dos textos nos espaços formais educativos. Isso porque, como Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento2 afirma Santos (2007, p. 12), “[…] toda ação educativa está fundamentada em uma concepção de homem, de sociedade, de escola e responde a interesses específicos em uma dada formação social”. Logo, para entender o que guia (ou guiava) as outras abordagens de ensino de leitura e escrita nas escolas, é preciso saber qual a perspectiva teórica de língua e linguagem que as guiava e embasava — ora, é a partir da filiação teórica de cada uma que conseguimos compreender a sua base educativa de ação. Em geral, podemos dizer que três perspectivas se destacam. Veja a seguir quais são. 1. O ensino pela gramática (século XIX): a valorização do ensino da língua pela gramática remete frequentemente aos textos de excelência da esfera literária, uma vez que se tomavam os padrões linguísticos (usados por uma pequena classe social privilegiada; e empregados geralmente em gêneros da esfera literária) a serem seguidos pela sociedade. A partir dessa concepção, o ensino da língua se dava por meio da memorização de regras, listas e modelos (SANTOS, 2007) tidos como “superiores”, os quais deveriam ser usados por todos os falantes da língua. 2. O ensino pelo desenvolvimento (por volta de 1970): essa perspectiva está em consonância com a ideologia assumida pelo Estado Brasileiro na época, a saber, de estruturar a educação a partir do ponto de vista do desenvolvimento econômico (SANTOS, 2007). Nesse mesmo período a teoria da comunicação (que via a língua por meio de um instrumento comunicativo, o qual era marcado pelo eixo da codificação/decodifica- ção de sinais comunicativos) e a linguística estrutural (marcada também pelos estudos da etnografia e antropologia) passaram a marcar o ensino da língua portuguesa. 3. O ensino a partir de novas bases: embora sejam realizadas tentativas de se introduzir outros elementos no processo de ensino aprendizagem, conforme discute Santos (2007), o ensino permanece baseado na visão de língua como estrutura e código. A escrita continua a ser ensinada a partir da visão do que é uma boa escrita, isto é, dos textos clássicos que foram consagrados como modelos a serem seguidos pelos alunos. 3Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento Ensino pela gramática, ensino pelo desenvolvimento e ensino a partir de novas bases são nomeações que constituem categorizações feitas a partir das reflexões e discussões trazidas por Santos (2007) sobre o ensino e as concepções de língua/ linguagem que o subjazem. Note que essas categorizações foram elaboradas para este capítulo com o objetivo didático de facilitar o nosso entendimento sobre como o ensino se insere em um projeto ideológico maior, o qual envolve os valores de uma época sobre o homem, a sociedade e a língua. Interessante apontar que, a partir da reflexão trazida por Santos (2007) sobre as abordagens dadas ao ensino na escola — as quais refletem as con- cepções sobre como a sociedade da época entende a língua/linguagem —, a escrita vai sendo “construída” com o aluno a partir do trabalho de textos que não são situados no cotidiano do aluno, porque estritos à prática da es- cola. Dito de outro modo, a escrita é trabalhada por meio de textos que não têm um uso e uma circulação no “real”, no sentido de social, um propósito comunicativo (a não ser o de ser avaliado pelo professor), um sujeito outro com a qual pode estabelecer diálogos “reais” (novamente, o texto é dirigido ao professor-avaliador), uma vez que a finalidade está na escrita pela própria escrita como código linguístico. Dentro dessa mesma perspectiva, a leitura não é vista de forma diferente: esta é vista como uma articulação de frases cujo sentido está dado no texto. Além de se “pregar” a leitura dita “correta”, a preocupação residia na codificação/decodificação do que estava ali posto. Posteriormente, entre o fim dos anos 1970 e início dos 1980, Santos (2007, p. 17-18) aponta que se passa a observar um movimento de questionamento das bases e dos princípios que norteiam o ensino, não apenas no tocante à língua portuguesa, mas levando em consideração as várias disciplinas ministradas na escola: […] é a gênese de um movimento que se propõe a reconceitualizar não só os objetivos do ensino, mas, sobretudo, os objetos de ensino, juntamente com os pressupostos e procedimentos didáticos. Este movimento ocorre não só no Brasil, mas em diferentes países como, por exemplo, Portugal, França e Austrália e vai desembocar em um trabalho de reforma curricular. Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento4 Nesse período, documentos com novas propostas de ensino foram elabo- radas. O que é, no entanto, bastante significativo neles é a perspectiva teórica em que se baseiam, uma vez que passam a se fundamentar em uma nova concepção de língua/linguagem (SANTOS, 2007). A língua passa a ser vista como uma atividade e ação social interativa (língua como noção de intera- ção), influenciada pelos estudos da linguística da enunciação/do discurso. A partir de então, leitura e escrita deixam de ser apresentadas como estanques e são apontadas como práticas e atividades sociais. É aí que entra a noção de gêneros e a ênfase no seu ensino, o qual passa a considerar os seus elementos, como o contexto de produção e recepção do texto, o propósito comunicativo, a construção composicional, os papéis assumidos pelos sujeitos nas situações comunicativas engendradas pelos gêneros, os diferentes suportes etc. Cabe, a esse respeito, uma importante ressalva: pelo menos essas são as considerações teóricas que passam a ser colocadas em “pauta” e em prioridade na discussão de uma nova proposta curricular, uma vez que muitas vezes tais teorizações demoram para serem colocadas em prática e esbarram nas antigas visões, bastante enraizadas, do ensino pelo via da gramática ou da expressão/do código da comunicação. Abordagens de ensino a partir dos estudos dos gêneros Atualmente, tornou-se lugar comum associar as práticas de ensino de língua com a noção dos gêneros textuais e/ou discursivos na sala de aula. Embora essa relação teórico-metodológica já faça parte do ponto de partida de boa partedos professores de língua portuguesa no Brasil, os estudos dos gêneros se inserem em um campo epistemológico heterogêneo, constituído por mo- vimentos e abordagens diversas. Conforme discutem Cavalcanti et al. (2019), no fi nal dos anos 1970, o contexto acadêmico brasileiro estava voltado para saber como os estudos das Ciências da Linguagem poderiam auxiliar no ensino-aprendizagem da língua. Nesse contexto, a obra organizada por Geraldi (1997), intitulada O texto na sala de aula, tem importância fundamental uma vez que traz refl exões sobre o ensino a partir de questões diversas, que vão desde a gramática até a variação linguística. O texto, como aponta o título, é discutido como o “norte” das atividades de ensino-aprendizagem, pois por meio dele se estabelecem as práticas de ensino de leitura, produção de texto e análise linguística (CAVALCANTI et al., 2019). Ainda decorrência da discussão apresentada por Cavalcanti et al. (2019), a partir dos anos 1990, os estudos dos gêneros ganham mais destaque no campo 5Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento do ensino (os gêneros eram usados como conteúdos a serem ensinados ou como instrumentos das atividades didáticas). Esse destaque é ainda reforçado pela publicação dos Parâmetros Curriculares, entre 1997 e 1998, o que reforça o uso do texto na sala de aula, e de diversos materiais didáticos, que também vão em direção ao trabalho com os gêneros. Dentre as pesquisas desenvolvidas no Brasil, que se baseiam em diversas teorizações sobre os gêneros, Bunzen (2004), Motta-Roth (2008) e Cavalcanti et al. (2019) — esta última baseando-se nos dois anteriores —, identificam as seguintes teorizações (essas escolas são citadas de maneira geral, sem seguir uma ordem cronológica). A Escola de Sidney ou Escola Sistêmico-Funcional de Sydney, a qual tem Haliday e Hasan, e Martin dentre os seus autores de referência. Essa escola se volta principalmente para o estudo do léxico-gramática, além de focar as funções que o léxico-gramática desempenha nos contextos (MOTTA-ROTH, 2008). A Escola de Genebra ou Interacionismo Sócio-Discursivo, a qual tem Bronckart, Schneuwly e Dolz dentre os seus autores de referência. Essa escola se volta principalmente para o estudo da diversificação dos textos e das relações que os textos mantêm com o contexto de produção, tendo em vista os elementos sociais e históricos que dele fazem parte (BUNZEN, 2004). A Escola Americana da Nova Retórica ou da Sócio-Retórica, a qual tem Bazerman e Miller dentre os seus autores de referência. Essa es- cola se volta principalmente para as relações entre texto e contexto (CAVALCANTI et al., 2019), os contextos sociais e os atos de fala que os gêneros realizam a partir de uma determinada situação. A Escola Britânica de ESP (English for Specific Purposes), a qual tem Swalles e Bhatia dentre os seus autores de referência. Essa escola se volta principalmente para a organização retórica dos tipos de textos, os quais são definidos tomando como base as suas propriedades formais e os objetivos comunicativos considerando os contextos (HYON, 1996, apud MOTTA-ROTH, 2008). E, não podemos deixar de citar, os estudos dos gêneros do discurso trazidos por Bakhtin (2003), em um dos seus textos intitulado Os gêneros do discurso, datado de 1979. Essas diferentes abordagens teóricas trazem influências não apenas nas abordagens do conteúdo — em termos metodológicos de como o texto e os gêneros vão ser trabalhados em sala de aula —, mas também nas relações Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento6 estabelecidas entre o professor e o aluno. Dito de outro modo, essas perspec- tivas que se assumem constituem um campo heterogêneo sobre os estudos dos gêneros, e, assim, as práticas de leitura e escrita, além dos temas que essas práticas acabam por gerar, podem ser abordados de forma também diversa na sala de aula. Conforme discute Mendonça (2008), letramento não é um método ou um conteúdo, mas uma noção que está relacionada às práticas sociais de leitura e escrita que ocorrem situadas historicamente. Além disso, essas atividades implicam no uso de habilidades e envolvem relações de poder. Dentre algumas práticas de letramento, citamos leitura de manchetes, receitas, capas de revista, mensagens instantâneas, e a escrita de artigos de opinião, e-mail, lista de compras, comentário em redes sociais, entre muitas outras. O letramento não ocorre apenas nos espaços promovidos pela escola, mas também em espaços não escolares, como as práticas de leitura e escrita que se dão na esfera do cotidiano e do trabalho, as que são promovidas pelas redes sociais, de leitura de frases de caminhão, de ditos populares, etc. Um sujeito analfabeto — que assim o é por não ter tido oportunidade de acesso a condições sociais e econômicas satisfatórias que o levassem a ingressar em ambientes educativos escolarizados — que vive em um meio social marcado por práticas sociais de leitura e escrita é letrado, pois está envolvido nessas práticas. Ou seja, mesmo que ele não saiba ler ou escrever, já participa de atividades sociais e comunicativas da sua comunidade, isto é, ouve e participa da roda de leitura de livros, escuta histórias e notícias de jornal que são lidas para ele, dita a relação de alimentos a serem comprados numa feira para alguém anotar, faz uso mental de equações matemáticas simples, etc. Por fim, atente ainda nessa discussão para a noção de relações de poder: conhecer como ocorrem tais relações, tais como quais participantes se inter-relacionam em determinadas práticas e não em outras, é urgente para a compreensão crítica das práticas de letramento, uma vez que há atividades com uma maior valorização social do que outras (LETRAMENTOS..., 2020). 2 Gêneros, esferas discursivas e ensino Os gêneros, como práticas sociais, culturais e discursivas dinâmicas, porque em constante mudança, quando trabalhados em sala de aula — a partir das suas funcionalidades comunicativas, dos seus modos de produção, recepção e circulação, suas construções estruturais e linguísticas em textos, dos valores sociais que produzem e das relações interpessoais que promovem — oferecem 7Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento uma outra possibilidade de se pensar as habilidades ou os eixos de oralidade, leitura e escrita, por exemplo, uma vez que dão condições para o aluno se apropriar das diversas formas de pensar e comunicar com o mundo e, também, no mundo. Desse modo, é importante pensar o que coloca Mendonça (2008, p. 14): Assim, acreditamos que o trabalho didático centrado apenas nos tipos textuais (narração, argumentação, descrição, exposição) não contribui para que o aluno se familiarize com os diferentes gêneros que circulam na sociedade. Ou seja, pedir que eles escrevam uma dissertação (ou narração, ou descrição) e expor sobre características gerais desses tipos textuais não é suficiente para que os estudantes, fora da escola, saibam lidar com a diversidade textual com a qual se deparam. Portanto, é preciso que a gente passe a pensar os processos de ensino- -aprendizagem em um universo mais amplo, que englobe também as práticas discursivas do aluno. É por meio da discussão sobre como os gêneros se organizam e se relacionam nas diversas esferas da atividade humana que os sujeitos passam a ter mais “propriedade” sobre as suas relações comunicativas, e, também, passam a se engajar em relações mais críticas com as produções textuais escritas, orais, visuais e mistas que se dão no mundo. Contudo, trazer muitos e diferentes gêneros para a sala de aula não cumpre esse papel. Dito de outro modo, não basta levantar e expor os alunos à variedade atual de gêneros. A abordagem em sala de aula deve considerar, primeiramente, que os gêneros, quando trazidos para o ambiente escolar, são modificados, pois passam a ser abordados conforme os objetivos das escolas, conforme discute Mendonça (2008). Além disso, tal abordagemdeve considerar: como se realizam e se constituem os gêneros para entender as razões de eles funcionarem de jeitos específicos e não de outros; os conhecimentos prévios sobre os gêneros, incluindo os partilhados pelos alunos; a produção textual como um processo contínuo de construção do texto que passa pelos eixos da oralidade, leitura e da análise linguística. É interessante que o professor possa contemplar em sua abordagem, a partir do que discute Mendonça (2008) sobre o planejamento didático dos gêneros e a elaboração de sequências didáticas: gêneros de esferas diversas relevantes para a formação dos alunos; Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento8 textos heterogêneos, seja no tocante à sua produção, seja quanto à sua circulação, seja no que diz respeito aos diversos sistemas simbólicos que o texto manifesta, tais como, a imagem, a escrita, o hyperlink (quanto ao campo da multimodalidade); nível de complexidade do gênero em relação à série e turma com a qual vai ser trabalhado. A notícia escrita para os jornais impressos/digitais de circulação diária é, como se sabe, um dos gêneros de ampla circulação da esfera midiática. A exemplo desse gênero, o seu trabalho dentro da esfera escolar deve ir para além da sua mera exposição ao aluno, mesmo que o gênero esteja sendo transposto a uma outra esfera discursiva. Dito de outro modo, é interessante pensar em um planejamento didático que envolva a leitura e a escrita crítica desse gênero tomando em consideração o seu contexto social-histórico, os objetivos que guiam a sua produção-recepção e circulação, as estruturas linguísticas usadas, entre outros fatores que devem ser vistos em interação com as relações de poder (e com os valores) que representa. A notícia jornalística, quando escrita para um jornal de circulação diária, faz comu- mente uso de um esquema chamado pirâmide invertida, cujo um dos objetivos é narrar e descrever os principais elementos relacionados ao acontecimento noticioso. Desse modo, nos dois primeiros parágrafos do texto noticioso, informações que respondem a perguntas como o quê?, quem?, quando?, como?, por quê?, são repre- sentadas com o objetivo de representar o “máximo” de informação possível sobre o acontecimento para o leitor — o qual está sempre apressado para chegar ao trabalho e dispõe de pouco tempo para ler todo o texto (CORDEIRO, 2011). Podemos notar, então, que tal esquema guia o modo de produção textual da notícia e o modo de recepção dela pelo leitor, além da sua circulação (por um breve período). Observe, ainda, que a funcionalidade comunicativa do gênero está relacionada à sua produção estrutural linguística e aos valores sociais e ideológicos representados no texto (dado também pelo destaque feito a certos elementos do acontecimento e pelo ocultamento de outros) (CORDEIRO, 2011). Ensino de língua portuguesa a partir da noção de gêneros textuais/discursivos Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000) apresentam o gênero textual/discursivo como a unidade básica que organiza o ensino da língua portuguesa, seja em termos de progressão curricular (partindo de gêneros 9Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento considerados “menos complexos” para aqueles tidos como de “maior com- plexidade”), seja em termos de diversidade, ao propor o trabalho com uma variedade de gêneros ao longo dos anos no ensino do português (do Ensino Fundamental ao Ensino Médio). Nesse sentido, como afi rma Silva (2006), esses parâmetros, guiados pela perspectiva bakhtiniana sobre os gêneros (BAKHTIN, 2003), assumem uma concepção de linguagem que é discursiva. Esses guias também valorizam a diversidade textual, conforme apontado, porque a ideia básica é propor um ensino-aprendizagem que inclua a produção textual de gêneros os mais diversos. Ora, quanto maior o acesso e quanto mais didaticamente planejado o estudo dessas práticas sociais — considerando os variados contextos educacionais, as experiências comunicativas dos alunos, os interesses das turmas etc. —, mais os alunos terão a possibilidade de ler criticamente o conhecimento e a informação, de compreender como as rela- ções ideológicas e comunicativas são produzidas, veiculadas e recebidas, e de produzir e dominar as produções textuais proporcionadas pelos diferentes gêneros que circulam no nosso cotidiano. Desse modo, compartilhamos o ponto de vista de que o ensino da língua portuguesa, a partir da perspectiva do estudo dos gêneros, e considerando a funcionalidade social, é um avanço na educação no nosso país. Com o deslocamento da ênfase do ensino da gramática pela gramática para a diversidade textual (mesmo que esse deslocamento ainda não tenha se efetivado completamente nas escolas no Brasil uma vez que ainda se nota abordagens normativas e prescritivas do ensino da língua pela via da gramática em alguns espaços), a produção textual escrita passou a ser tomada como uma habilidade que varia conforme o propósito comunicativo e o contexto social em que se insere. Ora, é só pensarmos que um e-mail que escrevemos para o nosso vizinho não vai apresentar a mesma composição textual do e-mail que escrevemos para o nosso chefe de trabalho. Não só a produção textual do gênero será diferente conforme os papéis que cada participante assume no contexto social (vizinho e chefe), mas também variará de acordo com o objetivo que leva a escrita de cada e-mail. Além disso, a noção de diversidade textual remete não só à diversificação de situações de práticas de leitura e escrita na escola, mas de trabalhar com os textos de uso “real”. Dentro desse contexto, é importante lembrar que o professor não deve se limitar ao trabalho de apresentar uma coletânea ou listagem de textos ao seu aluno como se esta fosse uma atividade que, por si só, abarcaria a noção de diversidade textual. A leitura e a escrita são distintas práticas sociais e dis- cursivas, embora articuladas, que necessitam de um trabalho teórico-didático a ser planejado com a turma, conforme o ano/ciclo em que ela se insere, e Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento10 os interesses que eles manifestam — lembre-se de que o planejamento é um trabalho contínuo, reflexivo e aberto a mudanças. Desse modo, essas práticas precisam ser trabalhadas tendo em vista as funções sociocomunicativas que os gêneros realizam fora do ambiente escolar (no mundo), e os propósitos que eles adquirem ao serem transpostos para o cotidiano da sala de aula (o propósito aqui será diferente daquele que o gênero tem nas situações comunicativas diárias). Conforme discute Santos (2007, p. 19): “[…] ao entrar no processo de ensino, as situações de produção textual, embora remetendo às situações nas quais tais textos são utilizados nas práticas de linguagem na sociedade, apresentam características peculiares à situação de ensino nas quais estão inseridas.” Logo, é importante que essa “transposição” também seja explicitada para o aluno para que o processo de ensino-aprendizagem não caia na formalização e abstração dos textos, como já ocorreu no passado. A noção de esfera discursiva ou esfera da atividade humana é trabalhada pelo pensador russo Mikhail Bakhtin (1895–1975) em relação à noção dos gêneros do discurso. Para esse teórico, os gêneros do discurso são “tipos relativamente estáveis de enunciados” que refletem as condições específicas de cada esfera da atividade humana. O enunciado se liga a uma determinada esfera não só pelo seu conteúdo (tema), mas pelo estilo e pela construção composicional (pela seleção dos recursos empegados na língua). Em outras palavras, a função de um dado enunciado e as suas condições de produção produzem um certo tipo de enunciado, o qual funciona de forma “relativamente estável” quanto ao tema, à composição e ao estilo, uma vez que se insere e faz parte de uma esfera (ou mais esferas) da atividade humana. Bakhtin (2003) aponta, ainda, que existem numerosas esferas decomunicação entre os homens; sendo assim, a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas — o que deve ser considerado nos estudos dos gêneros. Para mais informações sobre a noção de esfera da atividade humana e a sua relação com os gêneros levantada por Bakhtin, confira o ensaio intitulado “Os gêneros do discurso”, o qual faz parte da obra Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003). 11Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento 3 Gêneros textuais/discursivos no campo das línguas Conforme Bakhtin discute (2003), as relações que se estabelecem entre lingua- gem e sociedade se materializam em enunciados ou discursos ou, ainda, se realizam em gêneros do discurso. Desse modo, não seria desnecessário dizer que a abordagem teórica e metodológica do ensino a partir dessas práticas sociais, situadas em seus devidos contextos e funcionalidades, seja nos espaços formais ou informais de educação, se confi gura como fundamental no ensino de uma língua em uma dada comunidade discursiva? A partir da abertura das fronteiras, desde a época da globalização, e do uso crescente das tecnologias ligadas à internet, as relações internacionais têm se tornado mais fluidas e presentes em nossas vidas. Nesse contexto, podemos encontrar em Cristovão e Beato-Canato (2016) posições interessantes sobre o ensino de línguas para finalidades diversas considerando um trabalho educa- cional que envolve a noção dos gêneros. Baseando-se na noção interacionista sociodiscursiva, esses autores defendem que os processos de ensino de línguas para fins específicos precisam considerar o contexto de ampliação de uso das línguas, seja para o campo dos negócios, seja para o campo acadêmico, seja para o campo das relações interpessoais, etc. Desse modo, os professores que se voltam para o ensino-aprendizagem de línguas para fins específicos, deveriam basear a sua formação docente dentro desse panorama contextual. Celani et al. (1988, apud CRISTOVÃO; BEATO-CANATO, 2016), afirmam que no nosso país o início do projeto de línguas para fins específicos se deu a partir da demanda de cursos instrumentais de línguas nas universidades; aliado a isso, surgiu a necessidade de formar esses professores e elaborar materiais de ensino que os auxiliassem nesse processo. Esse projeto, que ocorreu entre os anos de 1977 e 1980 e se estendeu até 1986, priorizou as estratégias de leitura (em especial na língua inglesa) tendo em vista que a demanda se dava majo- ritariamente em torno desse eixo (e dessa língua). Posteriormente, pesquisas, projetos e trabalhos foram sendo realizados e publicados com o objetivo de compreender quais os gêneros estavam entre os mais lidos pelos estudantes e quais eram avaliados como importantes para serem estudados considerando a área de estudo em que o aluno se filiava. Dentre os resultados, notou-se que os currículos das disciplinas de línguas para fins específicos deveriam ser reformulados e incluírem gêneros com relevância para a área, e não textos gerais. No Brasil, é importante apontar que o uso dos gêneros não se inseriu no trabalho com línguas para fins específicos, como apontam os autores. Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento12 Ramos (2004, apud CRISTOVÃO; BEATO-CANATO, 2016) não só defende como propõe o uso de gêneros no contexto do ensino das línguas, cujos benefí- cios são inúmeros para o professor — tais como, a observação sobre a situação de produção do gênero, sobre o funcionamento da linguagem empregada nele, as suas características linguísticas, sociais e culturais, dentre outros — e para o aluno — tais como, a compreensão sobre o propósito comunicativo do gênero, as suas características sociais e contextuais, as suas estruturações textuais e linguísticas, dentre outros. De forma mais específica, no tocante ao ensino-aprendizagem de inglês para fins específicos, Vian Junior (2004, apud CRISTOVÃO; BEATO-CANATO, 2016) também faz uso da proposta de gêneros tendo em vista os diferentes espaços de atuação da língua inglesa, espaços esses que também fazem uso de práticas linguísticas diversas. Em resumo, podemos dizer que Cristovão e Beato-Canato (2016) defendem uma formação docente no tocante ao ensino da língua para fins específicos, pois para se promover uma mudança no cenário de ensino das línguas é pre- ciso que os professores considerem os diferentes espaços em que os sujeitos constituem e usam determinada língua (espaços profissionais, técnicos etc.), espaços que, por sua vez, também apresentam diversas funções sociais, e se inserem em contextos culturais diversos também. É também necessário que os professores tomem a língua como um espaço de interação social e o texto como prática social e discursiva, para que não reduzam o gênero à sua forma e não fiquem apenas na leitura de textos gerais. Além disso, esse mesmo professor deve estar aberto ao diálogo contínuo com a turma com a qual trabalha, um diálogo que considere os seus conhecimentos prévios, interesses e necessidades. As ideias levantadas neste tópico, referidas em Cristovão e Beato-Canato (2016), têm um alcance ainda maior, sendo muito significativas quando refletimos sobre o cenário do ensino de maneira geral: por exemplo, para um estudante de química, o gênero relatório científico pode ter maior relevância e importância do que o gênero reportagem jornalística, tendo em vista que aquele será mais utilizado pelo profissional no seu dia a dia de trabalho. O mesmo pode se dar para um estudante de engenharia cujo mercado de trabalho exige que ele apresente um domínio maior sobre as condições de uso, produção e circulação de gêneros como projetos, atas e ofícios, os quais são presentes nesse meio e cumprem com funções específicas para as engenharias. 13Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento Ensino das línguas para fins específicos a partir dos estudos dos gêneros Os estudos que tomam os gêneros como ações, eventos e práticas sociais e discursivas constituídas por enunciados que se ligam a determinadas esferas da atividade humana, contribuem sobremaneira para um ensino-aprendizagem das línguas, tendo em vista que as atividades comunicativas se realizam, a partir das várias situações, em gêneros orais, escritos, multimodais. Desse modo, o professor que bebe dessas abordagens tem uma compreensão de ensino e “apreensão” da língua como uma atividade em processo, de maneira corrente, a qual passa inevitavelmente pelo preparo didático contextual de uso dos gêneros em sala de aula. Esse preparo pode ser feito por meio de sequências didáticas, caracterizadas por Cristovão e Beato-Canato (2016, p. 62) como “[…] conjunto de atividades em torno de gêneros textuais”. Nessa perspectiva, as práticas de leitura e produção textual são atividades sociais (ativas e responsivas), cujos sentidos são construídos na interação social entre o sujeito, o texto e o contexto. Na abordagem teórica do Interacionismo socio-discursivo, a qual se baseiam Cristovão e Beato-Canato (2016, p. 64), os gêneros são tomados como “[…] instrumentos de ensino-aprendizagem a fim de desenvolver as capacidades de linguagem dos alunos”, ou seja, que os permitam adaptar sua produção linguageira aos elementos contextuais de sua produção (ambiente representado, papel social dos sujeitos envolvidos na atividade comunicativa, o espaço da interação), organizar e significar o seu discurso (seja ele oral, escrito, mul- timodal), agir socialmente. Para a produção textual escrita, recomenda-se uma sequência didática que inclua uma produção textual inicial que tenha por objetivo saber os conhecimentos que o aluno já dispõe sobre a língua e a situação comunicativa em que o gênero se manifesta. Lembre-se de que essa mesma produção pode ser retomada ao longo do tempo, uma vez que ela não é um produto fechado, final ou acabado; ela se insere em uma cadeia produtiva de sentidos produzidos previamente, cujos significados podem ser reelaborados e novamenterepresentados por meio de novos trabalhos de escrita. Além disso, para o trabalho de compreensão dos textos trabalhados, esses podem ser abordados a partir das próprias dificuldades dos alunos quanto ao gênero em questão, ou seja, pode-se desenvolver essa reflexão a partir dos conhecimentos prévios dos alunos, das suas expectativas e dificuldades. E, em termos de trabalho com a leitura, é importante considerar sequências didáticas que levem os estudantes a entender os contextos de produção, uso e circulação dos gêneros, e as relações entre as situações comunicativas geradas Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento14 e a produção de valores e sentidos, sem esquecer-se de abordar as relações entre as estruturações linguísticas e organizações discursivas tecidas no texto e que são influencias pelo contexto e pelas suas funções sociais. Por fim, um realce se faz necessário após essa apresentação: embora te- nhamos comentado sobre a produção, a compreensão e a leitura de forma “separada”, essas três práticas devem ser trabalhadas de forma associada, pois são atividades de interação social que são produtoras de sentidos, as quais se realizam de forma complementar. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais — ensino médio. Brasília: MEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais. pdf. Acesso em: 04 mar. 2020. BUNZEN, C. O ensino de “gêneros” em três tradições: implicações para o ensino-apren- dizagem de língua maternal. In: COVRE, A. et al. (org.). Quimera e a peculiar atividade de formalizar a mistura do nosso café com o revigorante chá de Bakhtin. São Carlos: Grupos de Estudos dos Gêneros do Discurso, 2004. CAVALCANTI, J. R. et al. Gêneros de discurso, escrita e ensino. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 58, n. 3, p. 996–1003, set. 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ tla/v58n3/0103-1813-tla-58-03-0996.pdf. Acesso em: 04 mar. 2020. CELANI, M. A. A. et al. The Brazilian ESP Project: an evaluation. São Paulo: EDUC, 1988. CORDEIRO, R. Q. F. A construção discursiva dos eventos pela mídia: o processo de no- minação e a representação do discurso outro. 2011. 199 p. Dissertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/7147/1/ DISSERTA%c3%87%c3%83O%20Rafaela%20Queiroz%20Ferreira%20Cordeiro.pdf. Acesso em: 11 fev. 2020. CRISTOVÃO, V. L. L.; BEATO-CANATO, A. P. M. A formação de professores de línguas para fins específicos com base em gêneros textuais. DELTA, v. 32, n. 1, p. 45–74, abr. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/delta/v32n1/0102-4450-delta-32-01-00045. pdf. Acesso em: 05 mar. 2020. GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997. HYON, S. Genre in three traditions: implications for ESL. Tesol Quarterly, v. 30, n. 4, p. 693–722, 1996. 15Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento LETRAMENTOS em espaços educativos não escolares: os jovens, a leitura e a escrita. Dis- ponível em: http://www.plataformadoletramento.org.br/acervo-para-aprofundar/911/ letramentos-em-espacos-educativos-nao-escolares-os-jovens-a-leitura-e-a-escrita. html. Acesso em: 04 mar. 2020. MENDONÇA, M. (coord.). Diversidade textual: propostas para a sala de aula. Recife: MEC/CEEL, 2008. MOTTA-ROTH, D. Análise crítica de gêneros: contribuições para o ensino e a pesquisa de linguagem. DELTA, v. 24, n. 2, p. 341–383, 2008. Disponível em: http://www.scielo. br/pdf/delta/v24n2/v24n2a07.pdf. Acesso em: 04 mar. 2020. RAMOS, R. C. G. Gêneros textuais: uma proposta de aplicação em cursos de inglês para fins específicos. The Especialist, v. 25, n. 2, p. 107–129, 2004. Disponível em: https:// revistas.pucsp.br/esp/article/download/9371/6944. Acesso em: 05 mar. 2020. SANTOS, C. F. O ensino da língua escrita na escola: dos tipos aos gêneros textuais. In: SANTOS, C. F.; MENDONÇA, M.; CAVALCANTE, M. C. B. (org.). Diversidade textual: os gêneros na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. SILVA, R. G. R. O gênero discursivo no ensino de língua portuguesa. Estudo de caso: texto de opinião. 2006. Monografia (Aperfeiçoamento/Especialização em Língua Portuguesa: Teoria e Ensino) — Centro Universitário de Várzea Grande, Instituto Educacional Ma- togrossense, Mato Grosso, 2006. VIAN JUNIOR, O. O ensino de inglês instrumental para negócios, a linguística sistêmico- -funcional e a teoria de gênero/registro. The Especialist, v. 24, n.1, p. 1–16, 2004. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/esp/article/download/9411/6981. Acesso em: 05 mar. 2020. Leitura recomendada BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento16 DICA DO PROFESSOR Os gêneros textuais/discursivos são atividades sociais, eventos discursivos, eventos históricos e culturais em que se manifestam os discursos. Segundo Bakhtin (2003), os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados que se ligam a várias esferas discursivas (tais como a esfera do cotidiano, a esfera midiática, a esfera religiosa, etc.). Nesta Dica do Professor, você vai conhecer um pouco mais sobre o conceito de gêneros do discurso a partir das reflexões de Bakhtin, uma vez que essa teorização tem influenciado boa parte dos processos de ensino-aprendizagem a partir dos gêneros textuais/discursivos no contexto brasileiro. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Nos últimos anos, as práticas de ensino-aprendizagem das várias disciplinas escolares têm passado por mudanças significativas no contexto brasileiro. É possível dizer que, na atualidade, tais práticas, no tocante à língua portuguesa, são guiadas: A) pelo acúmulo de conhecimento. B) pelo ensino de língua pela gramática. C) pela valorização de livros clássicos. D) pela memorização de informação. E) pela noção de língua como interação. 2) Entre as décadas de 1970 e 1980, surge um movimento de questionamento das bases de ensino no Brasil: a partir da influência dos estudos da linguística da enunciação, a língua passa a ser vista como uma ação social interativa. É possível afirmar que neste panorama contextual: A) as práticas de leitura e escrita passam a ser apresentadas por meio de textos genéricos. B) as práticas de leitura e escrita passam a ser apresentadas por meio de textos estanques. C) as práticas de leitura e escrita passam a ser apresentadas por meio de gêneros textuais/discursivos diversos. D) as práticas de leitura e escrita passam a ser apresentadas por meio de estruturas textuais. E) as práticas de leitura e escrita passam a ser apresentadas por meio de processos de codificação. 3) Os estudos dos gêneros textuais/discursivos ganham cada vez mais destaque no campo do ensino-aprendizagem. A esse respeito, é possível afirmar que: A) os gêneros textuais/discursivos constituem um campo homogêneo de abordagens teóricas que influenciam o ensino. B) os gêneros textuais/discursivos constituem um reforço do ensino da gramática em sala de aula. C) os gêneros textuais/discursivos constituem práticas de uso da linguagem como expressão do pensamento. D) os gêneros textuais/discursivos constituem práticas de uso da linguagem como instrumento de comunicação. E) os gêneros textuais/discursivos constituem um campo heterogêneo de abordagens teóricas que influenciamo ensino. 4) Os gêneros textuais/discursivos, como práticas sociais, culturais e discursivas flexíveis, construídas por uma coletividade, atendem a diferentes propósitos de ensino. Quando trazidos para o ambiente escolar, os gêneros textuais/discursivos devem ser abordados pelos professores, principalmente, tendo em vista em primeiro plano: A) as materialidades linguísticas. B) os tipos textuais. C) as condições estruturais. D) as relações contextuais. E) os enunciados textuais. 5) Em virtude da significativa influência dos estudos dos gêneros textuais/discursivos sobre as práticas de ensino-aprendizagem de língua em sala de aula, operou-se um deslocamento da ênfase no ensino, antes dada à gramática pela gramática, para a diversidade textual. Sobre a noção diversidade textual, marque a alternativa correta. A) Diversidade textual diz respeito à exposição de uma coletânea de textos listados e dados como importantes ao aluno. B) Diversidade textual diz respeito à formalização e à abstração de textos a serem abordados em sala de aula. C) Diversidade textual diz respeito a um trabalho teórico-didático planejado, considerando os interesses do aluno. D) Diversidade textual diz respeito a um trabalho de planejamento fixo elaborado pelo professor antes de entrar em sala de aula. E) Diversidade textual diz respeito a uma atividade de ensino que se efetiva no uso de todos os gêneros em sala de aula. NA PRÁTICA Por muito tempo, os processos de ensino-aprendizagem foram baseados em concepções de língua e linguagem como expressão de pensamento e como comunicação. Tais concepções, contudo, deram lugar para a valorização do ensino da gramática e do que era considerado, a partir da imitação do modelo dos clássicos, “o bom português” em sala de aula. Contudo, tais paradigmas de pensamento não auxiliavam o aluno a compreender como funcionam as ações sociais e comunicativas, as quais se constituem por meio dos gêneros textuais/discursivos. Neste Na Prática, você vai conferir como a professora de língua portuguesa Fátima trabalha o gênero textual/discursivo infográfico, pertencente frequentemente à esfera discursiva jornalística ou midiática, com os seus alunos do 7 ano. Você vai poder notar que a professora, além de explicar sobre a funcion'alidade do gênero textual/discursivo e levantar as suas características gerais, motiva os seus alunos a fazerem uma leitura crítica das informações visuais e verbais que são articuladas e representadas no gênero infográfico. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: O trabalho com o gênero textual história em quadrinhos com alunos que possuem deficiência intelectual Leia este relato de pesquisa, no qual os autores fazem uma reflexão sobre como as pessoas com dita deficiência intelectual se apropriam dos conceitos científicos que estão presentes nas histórias em quadrinhos, gênero textual/discursivo escolhido em virtude da sua ampla circulação social. Tal pesquisa é feita com o objetivo de ampliar as possibilidades críticas de leitura do gênero história em quadrinhos pelo grupo mencionado. Confira. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! A palavra é retextualizar: um trabalho com gêneros textuais na escola Neste artigo, os autores apresentam uma proposta de ensino das práticas de leitura e escrita em sala de aula a partir do trabalho didático com os gêneros textuais/discursivos. Esses são retomados a partir da perspectiva da retextualização, ou seja, da reescrita de um texto (seja ele oral ou escrito) em condições de produção diversas. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! A escrita como uma atividade socialmente relevante: amostras de atividades da sala de aula de língua inglesa em uma abordagem baseada em gêneros O artigo a seguir apresenta a discussão de conceitos relacionados ao ensino de línguas a partir da visão da linguística funcional do estudo dos gêneros textuais/discursivos. Tal trabalho defende a análise da língua como uma tarefa socialmente relevante e sustenta o seu ponto de vista por meio da pedagogia baseada em gêneros textuais/discursivos. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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