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REUMATOLOGIA JULYA PAVÃO LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO · “Cara” da doença autoimune. · A lesão mais clássica da doença é o rash malar (lesão em asa de borboleta). · Conceitualmente, o lupus eritematoso sistêmico é uma doença autoimune, inflamatória, caracterizada por manifestações clínicas multissistêmicas e associada a produção de anticorpos antinucleares (autoanticorpos). · Histórico: · 1833: Biett – usou pela primeira vez o nome Lupus; · 1872: Kaposi – associa ao Lupus, aspectos de pele, febre e pneumonia; · 1923 – E. Libman e B. Sacks – relacionou a endocardite estéril à doença; · 1948: Hargraves – descreveu as células LE, polimorfonucleares, com núcleo na periferia; · 1958: G. Friou – descreveu o anticorpo antinuclear. · Epidemiologia: · É uma doença mais frequente em mulheres, 10M/1H (habitualmente em mulheres em idade fértil). · A raça negra é mais acometida e há estudos que afirmam que nesses indivíduos a doença é mais severa. · Prevalência de 14 a 50/100 mil (1/2.000 indivíduos). · Incidência de 3,7 a 5,5/100 mil. Pico entre 15 e 40 anos. No Brasil, a estimativa de incidência é de 8,7/100 mil habitantes. · Agregação familiar (histórico, genética). · Etiopatogenia (ainda controversa e complexa): · Etiologia multifatorial; · Anormalidade imune determinada geneticamente que pode ser iniciada com atuação de “gatilhos” endógenos e exógenos; · Produção de autoanticorpos. · Determinantes da susceptibilidade: · Polimorfismo de genes de Classe II; · Alterações na resposta do HLA DR2 e DR3; · Deficiência de C4a; · Deficiência de C1q, C1r/s e C2. · Problemas na Imunidade Celular: · Hiper-reatividade de linfócito B (evento mais importante no LES), gerando hiperglobulinemia, aumento de células produtoras de anticorpos e aumento da resposta a antígenos; · Alteração de linfócitos T e B, levando a anormalidade da tolerância imunológica. · Quadro clínico: · Lesões mucocutâneas: lúpus discoide; lupus eritematoso cutâneo subagudo; exantema malar (lesão aguda clássica); paniculite lúpica (acomete o tecido celular subcutâneo, deixando cicatrizes), lesões de mucosas, alopecia (universal – reversível ou areata – irreversível), vasculite cutânea. · Lesões cutâneas agudas: fotossensibilidade, rash malar (lesão mais típica, que poupa o nariz e o sulco nasogeniano), lupus bolhoso (mais difícil). · Lesões cutâneas subagudas: psoriasiformes, anulares (forte associação com anti-Ro). · Lesões cutâneas crônicas: discoide, lupus profundo (paniculite lúpica). · Manifestações musculoesqueléticas: · Artralgias e artrites (sobretudo artrites); · Artrite (oligo ou poliarticular) simétrica não erosiva (mais benigna que a artrite reumatoide); · Artropatia de Jaccoud (frouxidão e instabilidade ligamentar migratória e redutível); · Osteonecrose – principalmente da cabeça femoral (vasculite de pequenos vasos? uso crônico de corticoide?); · Mialgia (às vezes tem fibromialgia associada) e miosite. · Manifestações renais: · Presente entre metade e 2/3 dos pacientes, sendo um dos principais indicadores de mau prognóstico no LES; · Síndrome nefrótica, HAS, cronicidade, classe funcional IV (muito processo inflamatório associado), anemia e hipocomplementemia pioram o prognóstico renal; · 10% evoluem para insuficiência renal terminal em 5 anos. · Classificação da Nefrite Lúpica (ISN/RPS) (baseada em biópsia): · Classe I: nefrite lúpica mesangial mínima; · Classe II: nefrite lúpica proliferativa mesangial (50% do mesângio comprometido); · Classe III: nefrite lúpica focal – (A) proliferativa focal ativa; (A/C) lesões ativas e crônicas; (C) lesões crônicas inativas com cicatrizes. · Classe IV: nefrite lúpica difusa – S (A) proliferativa segmentar difusa ativa; G (A) proliferativa global difusa ativa; S (A/C) lesões ativas e crônicas; G (A/C) lesões ativas e crônicas; S (C) lesões crônicas inativas com cicatrizes; G (C) lesões crônicas inativas com cicatrizes. · Classe V: nefrite lúpica membranosa. · Classe VI: nefrite lúpica esclerótica avançada. · Obs.: S = segmentar, G = global, A = ativa e C = crônica. · Correlação clínico-laboratorial: · Hipertensão arterial: classe II (ausente), classe III (rara), classe IV (frequente), classe V (rara); · Proteinúria: classe II (<1), classe III (<2), classe IV (1-20), classe V (3,5-20); · Hematúria: classe II (5-15), classe III (5-15), classe IV (>15), classe V (ausente); · Leucocitúria: classe II (5-15), classe III (5-15), classe IV (>15), classe V (ausente); · Creatinina: classe II (normal), classe III (normal ou aumentada), classe IV (frequentemente aumentada), classe V (normal); · Taxa de filtração glomerular: classe II (normal), classe III (60-80), classe IV (<60), classe V (normal); · CH50: classe II (diminuído), classe III (diminuído), classe IV (muito diminuído), classe V (normal); · C3: classe II (diminuído), classe III (diminuído), classe IV (muito diminuído), classe V (normal); · Anti-dsDNA: classe II (aumentado), classe III (aumentado), classe IV (muito aumentado), classe V (normal). · Manifestações neuropsiquiátricas: · Ansiedade/Depressão; · Psicose (psicose lúpica); · Convulsão, · Cefaleia, · “Esclerose lupoide”; · Coreia; · Neuropatia periférica; · Mielite transversa. · Manifestações cardiovasculares: · Pericardite (6 a 45%); · Miocardite (<10%); · Insuficiência aórtica (degeneração fibrinoide, fibrose, valvulite); · Endocardite de Libman-Sacks; · Aterosclerose: IAM 10 vezes maior em LES; · Vasculite (Raynaud em 20 a 40%). · Manifestações pleuropulmonares: · Pleurite (30% dos LES) (> pericardite); · Pneumonite (Pneumonite Lúpica Aguda) – padrão de vidro-fosco; · Hemorragia pulmonar; · Hipertensão pulmonar. · Manifestações do sistema digestivo: · Peritonite; · Vasculite mesentérica/pancreatite (menos frequentes); · Hepatomegalia (10 a 30%) (hepatite é rara); · Esplenomegalia (20%). · Outras manifestações: · Envolvimento ocular: exsudatos algodonosos na retina (isquemia focal), conjuntivite (10%), uveíte (2%), vasculite retiniana (9%). · Linfonodos: 40% dos LES em atividade (ter cuidado com linfoma). · Diagnóstico: · História clínica; · Critérios diagnósticos do ACR/SLICC/ACR-EULAR; · Avaliação laboratorial. · Critérios diagnósticos do ACR para LES: · Rash malar; · Rash discoide; · Fotossensibilidade; · Úlcera oral; · Artrite; · Serosite; · Comprometimento renal; · Comprometimento neurológico; · Comprometimento hematológico; · Alteração imunológica; · Anticorpo antinuclear. · Paciente com LES deve apresentar 4 ou mais dos 11 critérios. · Critério SLICC: separa os critérios clínicos dos critérios imunológicos. · Critérios clínicos: lupus cutâneo agudo, lupus cutâneo crônico, úlcera nasal ou oral, alopecia não areata, artrite, serosite, afecções renais, afecções neurológicas, anemia hemolítica, leucopenia, trombocitopenia (<100.000). · Critérios imunológicos: ANA, anti-DNA, anti-Sm, antifosfolipideo Ab positivo, diminuição dos complementos (C3, C4, CH50), teste de Coombs direto (não conta na presença de anemia hemolítica). · Paciente com LES deve apresentar 4 ou mais dos 17 critérios ou biópsia renal com ANA ou Anti-DNA positivos associada a 1 critério clínico. · Critério ACR-EULAR: FAN como critério de entrada associado a pontuação maior ou igual a 10. · Manifestações hematológicas: Febre de origem indeterminada (2 pontos), leucopenia (3 pontos), trombocitopenia (4 pontos), anemia hemolítica (4 pontos). (conta apenas maior pontuação do grupo, e não a soma). · Manifestações neuropsiquiátricas: AVC (5 pontos), psicose (3 pontos), delirium (3 pontos). · Manifestações mucocutâneas: lupus eritematoso agudo (6 pontos). · Manifestações de serosas: pericardite aguda, derrame pericárdico. · FAN +, biópsia renal classe III ou classe IV (10 pontos), proteinúria >500 (4 pontos). · Anticorpos fosfolípides (3 pontos), complemento (3 pontos) e anticorpos específicos (6 pontos). · Classificação x diagnóstico: · A ferramenta não substitui a experiência e o bom discernimento clínico. · Anormalidades sorológicas: · FAN em célula Hep II (célula do câncer de laringe humana):> 95%. Alta sensibilidade e baixa especificidade. Feito com imunofluorescência. · Anti DNA nativo: 40 a 60%. Associa-se com nefrite e atividade da doença. Feito com ELISA. Indica a gravidade da doença. Quanto mais alto, mais grave. · Anti SM: 30%. Alta especificidade. Feito com ELISA. · Anti RNP: 30 a 40%. Associado a Raynaud e sintomas musculoesqueléticos. Feito com ELISA. · Anti P Ribossomal: 10%. Forte associação com o SNC e com a psicose. · Anti Ro (40%) e Anti La (15%): associado a boca seca e olho seco, LECS (lupus cutâneo subagudo), LES neonatal (situação bem complexa – pode tentar fazer procedimentos intrauterinos), fotossensibilidade. · Anticorpo antifosfolípide: 30%. Associado a eventos trombóticos e perda fetal. · Fator reumatoide: 25 a 30% (pode ter anti-CCP positivo também). · Padrões do FAN: · Homogêneo: anti histona (LES, AR, ES, SJ; · Periférico: anti DNA (LES); · Pontilhado (mais específico para lupus): grosso – anti-Sm, anti-RNP; fino – anti-La, anti-Ro, anti-Scl-70. · Quando solicitar biópsia renal? · Importante para avaliar índices de atividade e cronicidade histologicamente. · Atividade (dá pra reverter!): · Anormalidades glomerulares: hipercelularidade endocapilar, infiltrado leucocitário, necrose/cariorrexe, crescentes celulares, depósitos hialinos. · Anormalidades tubulointersticiais: infiltrado intersticial. · Cronicidade: esclerose glomerular, crescentes fibrosas, fibrose intersticial, atrofia tubular. · Obs.: se o índice de cronicidade for bem maior que o de atividade significa que a doença é antiga. · Diagnóstico diferencial: · Outras doenças do tecido conjuntivo (ex.: vasculites); · Doenças infecciosas (ex.: tuberculose, AIDS, mononucleose); · Doenças linfoproliferativas (linfoma, síndromes leucêmicas). · Condições especiais em LES: · LES e gravidez (altas chances de a doença entrar em atividade durante a gravidez – pode acontecer aborto, sobretudo porque a prioridade é salvar a mãe); · Lupus neonatal (principalmente quando a mãe é anti-Ro positiva, pois ele passa para o feto); · Lupus induzido por drogas (anti TNF, alguns anestésicos); · SAF. · Tratamento: · Medidas de suporte: educação (explicar o paciente e a família sobre a doença), dieta, evitar tabagismo (grande impacto), proteção solar, exercícios (principalmente os aeróbios). · Drogas mais utilizadas no manejo do LES: · AINH; · Antimaláricos: Hidroxicloroquina 400 mg (5mg/Kg); · Corticoesteroide: oral x pulsoterapia; · Ciclofosfamida (risco de teratogenicidade e diminuição de fertilidade): pulsoterapia 750 mg/m²; · Azatipina (imunossupressora) (normalmente droga de manutenção): 100 a 200 mg/dia; · Micofenolato de Mofetil (muito usado nos transplantes) 500 mg – 1 a 3 g/dia (droga mais importante atualmente, porém precisa entrar na justiça para conseguir); · Inibidores de calcineurina: Ciclosporina 3-4 mg/kg/dia, Tacrolimus 2-3 mg/dia, Voclosporina (2021). · Novas terapias: · Depleção de células B: Rituximabe 375 mg/m² (primeira droga específica para Lupus); · Inibidor da sobrevida da célula B: Belimumab (anti BlyS – fator de sobrevivência do linfócito B): 10 mg/kg nos dias 0, 14 e 28 dias, e seguidamente a cada intervalo de 4 semanas; · Inibidor da Co-estimulação; · Anti citocina (TNF α, IL-10, IL-6, IFN α). (O interferon é o mais importante para o Lupus). · Anifrolumab (anti interferon- α) 300 mg a cada 4 semanas. · Atacicept: 75 mg, 150 mg/SC/semanal (Blys). · SLEDAI (Índice de atividade da doença): · 0-5: leve; · 6-12: moderada; · >12: severa. · Prognóstico: · Sobrevida de 90% em 5 anos e 80% em 10 anos (depende também da quantidade de visitas ao médico); · Causas de óbito: infecções, atividade renal e neurológica (principalmente SNC).
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