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Table of Contents Folha de Rosto Créditos Dedicatória Agradecimentos Prefácio Sumário Introdução - Sete Pregadores e um Segredo Capítulo 1 - Houve um Homem Enviado de Deus Capítulo 2 - The Voice Capítulo 3 - Pregação Politicamente Incorreta Capítulo 4 - Pregador Cristocêntrico Capítulo 5 - Dois Batistas Capítulo 6 - Por que Não um dos Doze Apóstolos? Capítulo 7 - Acabou a Carreira, Perdeu a Cabeça, Guardou a Fé Bibliografia Todos os direitos reservados. Copyright © 2018 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina. Preparação dos originais: Miquéias Nascimento Capa e projeto gráfico: Elisangela Santos Editoração: Elisangela Santos Produção de ePub: Cumbuca Studio CDD: 250 – Congregações cristãs, práticas e teologia pastoral ISBN: 978-85-263-1550-1 ISBN digital: 978-85-263-1627-0 As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995 da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário. Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: http://www.cpad.com.br. SAC — Serviço de Atendimento ao Cliente: 0800-021-7373 Casa Publicadora das Assembleias de Deus Av. Brasil, 34.401 – Bangu – Rio de Janeiro – RJ CEP 21.852-002 1ª edição/2018 http://www.cumbucastudio.com/ Ao pastor Hércules Carvalho Denobi e sua esposa, irmã Eliane. Vocês têm mostrado à nossa geração o que significa ser sal da terra e luz do mundo. AGRADECIMENTOS A primeira pessoa a quem apresentei o projeto de escrever um livro na década de 1990 e que acreditou em sua viabilidade foi a minha amada esposa Luciana. Ela tem estado ao meu lado nesses quase 30 anos de lutas e vitórias. Estendo minha gratidão à nossa princesa, Júlia, fruto da nossa indissolúvel união no Senhor. Ambas participaram ativamente deste projeto sugerindo temas e revisando algumas partes do texto na medida em que o produzia. Amo muitíssimo vocês! Minha dívida de gratidão com os meus pais é impagável. Renato (in memoriam) e Célia Zibordi ensinaram-me as sagradas letras desde muito cedo, fazendo valer o que está escrito em Provérbios 22.6: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e, até quando envelhecer, não se desviará dele”. Tenho certeza de que grande será o seu galardão. Ronaldo Rodrigues de Souza, para mim, não é somente o diretor executivo da CPAD. Além de líder-empreendedor e homem de marketing, esse servo de Deus com grande visão do Reino é um amigo diretamente envolvido em cada livro que escrevo. Ele incentiva, desafia, faz críticas, sugestões, etc. Que Deus derrame toda sorte de bênçãos sobre a vida do irmão Ronaldo e de sua querida esposa, irmã Carla! José Wellington Costa Júnior é o homem que Deus levantou para presidir a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), o qual, por muitos anos, foi também presidente do Conselho Administrativo da nossa Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD). Quero, aqui, ao dirigir-lhe estas singelas palavras, estender minha gratidão a todos os funcionários da CPAD, não somente da Diretoria, mas também dos departamentos de Publicações, Arte, Produção, Marketing, Vendas, etc. Que Deus abençoe ricamente o pastor Wellington Júnior e sua amada esposa, irmã Lídia! Antonio Gilberto é um mestre, teólogo e escritor que me inspira desde os meus primeiros anos de fé. Tive o privilégio de estar bem próximo dele durante um tempo da minha vida e apreendi lições preciosíssimas. De uns tempos para cá, não temos conversado com muita frequência; porém, sua contribuição para meu crescimento teológico por meio de suas obras (artigos, comentários de Escola Bíblica Dominical, etc.) continua a mesma. Pastor Gilberto e irmã Iolanda, meus pais, jamais me esquecerei de vocês! Que o Senhor Jesus lhes dê, ainda, bênçãos surpreendentes, muito além das que estão esperando. Hércules Carvalho Denobi e sua esposa não têm medido esforços para expandir o Reino de Deus na face da terra. Para mim, tem sido muito gratificante desfrutar de sua amizade e ajudá-los a levar a sã doutrina a todas as regiões do Brasil e, também, a alguns países. Que Deus os abençoe, como nunca antes, em tudo, queridos amigos, pastor Hércules e irmã Eliane! Há, ainda, vários pastores que posso ousar chamar de amigos; homens que têm contribuído para meu desenvolvimento ministerial. Paulo Lopes, meu pastor em Niterói, Rio de Janeiro, na Assembleia de Deus da Ilha da Conceição. Jecer Goes, meu grande amigo cearense, um verdadeiro pai, amoroso e disciplinador. Daniel Acioli, outro pai e conselheiro desde Apucarana, Paraná. Gedeão Grangeiro, o irmão mais novo que não tive. Sou grato, finalmente, ao pastor Carter Conlon, líder da Times Square Church, cujas mensagens muito me edificam, semanalmente, pela Internet; e aos inesquecíveis evangelistas Valdir Bícego e David Wilkerson, homens que estão na glória e presentes em meus pensamentos; ambos continuam influenciando profundamente a minha vida como pregador do evangelho e ensinador da sã doutrina. Acima de tudo, estou muito agradecido por outro ano de oportunidade para servir ao meu maior Amigo, o Senhor Jesus Cristo. PREFÁCIO Escrever é um grande desafio na pós-modernidade, e cativar leitores na era digital é uma missão quase impossível. É o que dizem os profissionais de diversas áreas, que reclamam da falta de foco das pessoas. Há alguns anos, quem trabalhava com rádio podia fazer vídeos de cinco minutos para agências de publicidade. Hoje, é preciso limitá-los a, no máximo, um minuto e meio, para que se consiga prender a atenção de uma pessoa que geralmente está ansiosa para checar suas mensagens. Esse mesmo problema ocorre no campo da leitura. Até mesmo um professor universitário reconheceu que, atualmente, não consegue “ler mais de duas páginas por vez. Sinto a necessidade incontrolável de entrar na internet e ver se recebi novos e-mails . Acho que estou perdendo a minha capacidade de manter a concentração em qualquer coisa séria” (GOLEMAN, p. 15). Não há como negar; vivemos num tempo em que ler um único capítulo da Bíblia por dia tornou-se uma tarefa maçante, enfadonha, quase impossível, ante tantas distrações que chegam a nós pelo smartphone. Alguns cientistas acreditam que a Internet está moldando nosso cérebro, fazendo com que não apreciemos mais a leitura de livros. “Para algumas pessoas, a ideia mesma de ler um livro tornou-se antiquada, até um pouco tola — como costurar as próprias roupas ou escrever com lapiseira. ‘Não leio livros’, diz Joe O’Shea, que foi o presidente do grêmio estudantil da Universidade Estadual da Flórida e que recebeu em 2008 uma bolsa Rhodes. ‘Vou ao Google e posso absorver a informação relevante rapidamente’. [...] Em uma palestra durante um recente encontro da Phi Beta Kappa, a professora da Universidade de Duke, Katherine Hayles, confessou: ‘Não consigo mais fazer com que meus alunos leiam livros inteiros’” (CARR, p. 21,22). Não por acaso, aceitei o desafio de prepararesta série de livros, a quarta da minha carreira. Uma das mais importantes missões que tenho como escritor é fazer pessoas apreciarem a leitura. E, por isso, gosto muito de produzir séries de leitura rápida, visto que os livros que as compõem, além de não serem muito densos, permitem um tipo de abordagem leve, não muito acadêmica. A primeira série que escrevi destina-se ao aconselhamento do público juvenil: Perguntas Intrigantes que os Jovens Costumam Fazer (2003) e Adolescentes S/A: coisas que rapazes e moças precisam saber (2004). E a segunda visa a orientar os obreiros do Senhor que lidam com a Palavra e com o louvor: Erros que os Pregadores Devem Evitar (2005), Mais Erros que os Pregadores Devem Evitar (2007), Erros que os Adoradores Devem Evitar (2010) e Erros Escatológicos que os Pregadores Devem Evitar (2012). Iniciei, em 2006, uma terceira série sobre a pregação e o pregador com base na vida do apóstolo Paulo. No primeiro livro, Evangelhos que Paulo Jamais Pregaria, a ênfase recai sobre a pregação. No segundo, Procuram-se Pregadores como Paulo (2015), sobre o caráter do expoente das Escrituras. Na presente série, Pregadores da Bíblia, meu objetivo é fazer uma análise da pregação contemporânea, dando destaque para os acertos do pregador bem-sucedido, isto é, aquele que tem compromisso com a Palavra de Deus e com o Deus da Palavra. Nesse caso, visando a uma abordagem positiva, selecionei sete pregadores neotestamentários aprovados por Deus, a fim de discorrer sobre as suas principais características. Gosto de títulos compridos. Daí, João Batista: o Pregador Politicamente Incorreto. Mas o que procuro mesmo em cada novo trabalho literário é produzir um texto de leitura rápida, bem-humorada e estimulante, que incentive o leitor a continuar lendo. Isso, no entanto, não significa que este livro, o qual abre a presente série, não contenha exegeses de passagens, bem como abordagens teológicas. Tudo isso está presente aqui, de alguma forma, “tudo junto e misturado” (risos). Confesso que uma das minhas maiores alegrias como escritor tem sido ouvir o testemunho de alguns leitores que não gostavam de ler: “Seu livro foi o primeiro que li e, desde então, me interessei pela leitura”. Este, aliás, é um dos meus principais propósitos ao escrever: despertar o interesse pela leitura num tempo em que, segundo especialistas, as pessoas têm perdido cada vez mais o poder de concentração. No caso desta série, reitero que minha abordagem baseia-se nas marcas de sete personagens neotestamentários — inicialmente —, os quais tinham um mesmo segredo: João Batista, Jesus Cristo, Pedro, Estêvão, Filipe, Barnabé e Paulo. Apesar de todos estes — apresentados em ordem cronológica, aqui neste prefácio — terem inúmeras qualidades, uma delas está presente na vida de cada um, o que os torna membros de um seleto grupo de pregadores do Novo Testamento. Qual é o segredo desses pregadores? Espero que o leitor se mantenha atento, a fim de descobri-lo. Ciro Sanches Zibordi Niterói, RJ, Primavera de 2017 SUMÁRIO Dedicatória Agradecimentos Prefácio Introdução - Sete Pregadores e um Segredo Capítulo 1 - Houve um Homem Enviado de Deus Capítulo 2 - The Voice Capítulo 3 - Pregação Politicamente Incorreta Capítulo 4 - Pregador Cristocêntrico Capítulo 5 - Dois Batistas Capítulo 6 - Por que Não um dos Doze Apóstolos? Capítulo 7 - Acabou a Carreira, Perdeu a Cabeça, Guardou a Fé Bibliografia Introdução SETE PREGADORES E UM SEGREDO Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio. Atos 6.3 O número sete (hb. sheba ou shibah) aparece quase 260 vezes no Antigo Testamento, mas também é mencionado de modo indireto. O Criador, por exemplo, quando submeteu a Criação a seu próprio teste de qualidade, viu “que era bom” a cada ato criativo (Gn 1.4,10,12,18,21,25). E, ao concluir toda a sua obra, “viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (v. 31). Ao todo, Ele viu que sua Criação era boa por sete vezes! Ainda em Gênesis, vemos que o Senhor fez sete promessas a Abraão: “far-te-ei uma grande nação”, “abençoar-te-ei”, “engrandecerei o teu nome”, “tu serás uma bênção”, “abençoarei os que te abençoarem”, “amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”, “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (12.1-3). Por que sete, e não seis ou oito? Em Josué 6.4-15, vemos que sete sacerdotes, levando sete buzinas diante do Senhor, rodearam a cidade de Jericó durante sete dias, sendo que, no sétimo, a circundaram por mais sete vezes (cf. Hb 11.30). Nos dias do profeta Elias, havia 7 mil homens que não se prostraram diante de Baal (1 Rs 19.18; cf. Rm 11.4). Certo salmista — até hoje desconhecido — disse ao Senhor: “Sete vezes no dia te louvo pelos juízos da tua justiça” (Sl 119.164). E, em Provérbios 24.16, lemos: “sete vezes cairá o justo e se levantará; mas os ímpios tropeçarão no mal”. Finalmente, em Isaías 11.2, está escrito que sete Espíritos (na verdade, sete manifestações do mesmo Espírito de Deus) repousam sobre o Messias (cf. 61.1,2). No Novo Testamento, o número sete (gr. hepta) aparece mais de 60 vezes. Num dos milagres de multiplicação de alimento, Jesus precisou de sete pães para alimentar uma grande multidão; e, em seguida, foram recolhidos sete cestos cheios de pedaços (Mt 15.34-37). O Mestre também disse a Pedro que ele deveria perdoar seu irmão não apenas sete vezes, e sim setenta vezes sete (18.22). Já no Evangelho Segundo João, o Senhor empregou a frase “Eu sou”, acompanhada de um qualificativo, por sete vezes. Ele disse: “Eu sou o pão da vida” (6.35); “Eu sou a luz do mundo” (8.12); “Eu sou a porta” (10.9); “Eu sou o bom Pastor” (v. 11); “Eu sou a ressurreição e a vida” (11.25); “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida” (14.6); e “Eu sou a videira verdadeira” (15.1). Por que o Senhor, quando na cruz, proferiu sete frases que formam a famosa mensagem evangelística: As Sete Palavras da Cruz? Por que, de acordo com Atos 6.1-5, foram escolhidos sete diáconos para atender a igreja em Jerusalém? E por que, finalmente, em Apocalipse são mencionados sete castiçais, que aludem a sete igrejas (1.4-12); sete estrelas e sete anjos, que representam sete pastores (vv. 16-20; 2.1); sete Espíritos de Deus, isto é, sete manifestações do mesmo Espírito (3.1; cf. Is 11.2); sete selos (Ap 5.1-6; 6.1); sete anjos com sete trombetas (8.6); sete trovões (10.4); sete anjos com sete taças (15.1-8), sete pragas (21.9), etc.? Coincidência? Não! Nas Escrituras, o número sete raramente aparece sem um propósito definido e pode denotar perfeição, plenitude ou totalidade. A razão pela qual escolhi, pelo menos a princípio, sete personagens neotestamentários — João Batista, Jesus Cristo, Pedro, Estêvão, Filipe, Barnabé e Paulo — para dar ênfase às qualidades ou marcas indispensáveis aos pregadores bem-sucedidos é a existência de um elo que os liga. E este, como veremos,é o segredo do pregador aprovado por Deus. Neste primeiro livro, João Batista: o Pregador Politicamente Incorreto, discorro sobre esse enviado de Deus e suas importantes qualidades. Pregadores malsucedidos valem-se de “milagres” ou “sinais” para alcançar fama e dinheiro, porém ignoram o testemunho que Jesus deu de seu precursor: “Em verdade vos digo que, entre os que de mulher têm nascido, não apareceu alguém maior do que João Batista” (Mt 11.11). Este, apesar de não ter feito sinal algum, disse toda a verdade acerca do Senhor (Jo 10.41), além de não pregar o que os fariseus e as turbas desejavam ouvir, e sim o que precisavam escutar. Jesus Cristo é o nosso paradigma ou modelo, a quem devemos imitar e seguir os passos (Jo 13.15; 1 Pe 2.20,21). Ele, sem dúvida, foi o maior pregador que já andou na terra. E, entre todas as suas características, uma tem maior destaque. Ele realizou toda a vontade do Pai, podendo dizer-lhe, depois de cumprir sua missão: “Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer” (Jo 17.4; cf. 19.30). Quantos pregadores estão dispostos a fazer isso hoje? Pedro é um personagem que pode ser visto a partir de vários ângulos. Mas, como a minha intenção é apresentá-lo como um exemplo para os pregadores, darei destaque para o fato de ter sido ele o primeiro pregador pentecostal. Isso mesmo! Logo após o derramamento inaugural do poder dinâmico do Espírito Santo no dia de Pentecostes, Pedro toma a palavra e transmite uma autêntica mensagem pentecostal. Não é por acaso que boa parte dos pregadores da atualidade tem priorizado a Teologia da Prosperidade, a pregação coaching e outras efemeridades, como contar piadas. À luz do Novo Testamento, podemos dizer que o pregador que verbera contra o pecado pode vir a ser decapitado, crucificado, apedrejado, etc. Os principais arautos do arrependimento mencionados nas páginas neotestamentárias — e que fazem parte do grupo dos sete pregadores constantes desta série — morreram de modo trágico por causa de sua pregação irritante e politicamente incorreta. Um deles foi Estêvão, o homem que viu Jesus em pé, à direita de Deus, enquanto pregava! Filipe foi um pregador inteiramente guiado por Deus, um homem que priorizou sua chamada, e não o título de evangelista. Isso não aparece de modo direto no texto sagrado, mas depreende-se do fato de que ele, como um dos sete diáconos da Igreja Primitiva, já fazia a obra de um pregador do evangelho. Somente em Atos 21, muitos anos depois da eleição dos diáconos, quando Paulo voltava da sua terceira viagem missionária, é que Lucas refere-se a Filipe como “o evangelista, que era um dos sete” (v. 8). Por esse motivo, ele é chamado por alguns escritores, inclusive este, de diácono-evangelista. Não é muito comum chamar Barnabé de pregador, em razão de seu trabalho como auxiliar ao lado de Paulo. O ministério deste, cuja chamada foi muito mais abrangente (cf. 1 Tm 2.7), tem ofuscado, de certa forma, o importante trabalho daquele “filho do encorajamento”. Todavia, Barnabé, como veremos, tem uma qualidade muito marcante como mensageiro do Senhor: ele cumpriu cabalmente a Grande Comissão, a qual abarca evangelização (Mc 16.15), discipulado e ensino teológico (Mt 28.19,20). Ao chamar Paulo para pregar o evangelho, Jesus disse o seguinte a seu respeito: “este é para mim um vaso escolhido para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel” (At 9.15). Se o predecessor de Cristo, João Batista, foi a voz do que clamou no deserto, seu sucessor — como pregador da Palavra —, o apóstolo Paulo, foi a voz que clamou nas sinagogas, na ágora, no Areópago, nas casas, dentro de navios e em todos os lugares onde ele podia anunciar o evangelho e ensinar a sã doutrina “a tempo e fora de tempo” (2 Tm 4.2). De todas as suas qualidades, a que mais se destaca é exatamente a mencionada por ele mesmo em 1 Coríntios 11.1: “Sede meus imitadores, como também eu, de Cristo”. Bem, chegou a hora de começarmos, efetivamente, a discorrer sobre os Pregadores da Bíblia. Os nomes deles — pelo menos, os dos sete primeiros — já foram revelados. Mas, e o segredo, isto é, a marca que todos os homens de Deus retratados nesta série possuem, a qual é indispensável a todo pregador bem-sucedido? Não se apresse! Continue lendo. Temos muito a conversar sobre João Batista — o pregador politicamente incorreto —, e o segredo será revelado a qualquer momento... Capítulo 1 HOUVE UM HOMEM ENVIADO DE DEUS E, naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judeia e dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus. Mateus 3.1,2 — Olá, senhor. Tudo bem? — Sim, graças a Deus. — Somos sacerdotes e levitas e gostaríamos de fazer-lhe algumas perguntas. — Sinceramente, estou um tanto ocupado, senhores — responde-lhes João Batista, afastando-se do grupo. Ele parece estar se preparando para pregar mais um sermão sobre o arrependimento, e as pessoas já começam a ficar aglomeradas. — Fomos enviados pelos fariseus e... — Fariseus?! Não, não posso atendê-los agora, pois preciso falar a toda essa gente dentro de alguns instantes. Muitos aqui vieram de muito longe. — Por favor... Estamos a serviço do Sinédrio. Não vamos tomar muito do seu tempo. Andamos sete quilômetros para falar com o senhor. E, a rigor, só precisamos de uma ou, no máximo, duas respostas. — Tudo bem, tudo bem... Mas nossa conversa precisa ser realmente muito rápida, pois tenho pouco tempo — diz João, percebendo que a delegação não desistiria facilmente de interrogá-lo. — Sim, claro. Não vamos demorar. E, se o senhor quiser, basta apenas confirmar ou negar, dizendo “sim” ou “não”. — Certo. Prossigam. — Em primeiro lugar, como devemos chamá-lo? — Meu nome é João. — Sabemos disso. Mas devemos chamá-lo de profeta, pregador... — Apenas João, mesmo — diz o Batista, querendo ir logo direto ao assunto. — Bem, senhor João, estão dizendo do outro lado do rio Jordão, em toda a Judeia, que o senhor é o Cristo que haveria de vir... — Não, eu não sou o Cristo. E também não pretendo criar uma nova seita. Se essa é a preocupação do Sinédrio ou dos fariseus, podem tranquilizá-los. — Mas... — Só mais uma pergunta, certo? — Sim; porém, sua resposta nos surpreendeu; esperávamos que o senhor admitisse que é o Cristo, pois milhares de pessoas estão acreditando que o senhor possa sê-lo. — O povo diz muitas coisas, não é? Mas o mais importante é o que Deus diz de nós. — No entanto, se o senhor afirma de modo peremptório que não é o Messias, admite, então, que é o Elias que havia de vir? — Mil vezes não! — responde o Batista de modo ainda mais enfático. — O senhor, talvez por modéstia, não queira admitir. Porém, como esse profeta foi elevado às alturas sem passar pela morte, estão dizendo também — inclusive, aqui em Betânia, os rumores são muito fortes — que o senhor seria o profeta Elias. O senhor não acredita nessa possibilidade? — Bem, vocês vão insistir com essas perguntas até que eu confirme alguma das suposições que andam dizendo a meu respeito, nãoé? — Não, senhor João. Não pense isso. Queremos apenas a verdade. — Se querem somente a verdade, já lhes disse que não sou Elias. Aliás, ele continua no mesmíssimo lugar — diz o Batista, apontando para o céu e esboçando um sorriso. — Bom saber que o senhor tem senso de humor. Mas, veja vem, há quatro séculos, nenhum homem levantou-se em Israel com tanta autoridade... — Senhores, me desculpem. Há muitos que vieram de longe para receber o batismo de arrependimento. Preciso me despedir de vocês agora. — O senhor pode, pelo menos, confirmar se é ou não um profeta? — Sim. — O senhor é um profeta?!! — Não! Eu apenas disse que posso confirmar se sou ou não. E lhes digo com todas as letras: Eu não sou um profeta! Aliás, olhem para mim. Por acaso, eu me pareço com um profeta? Que tipo de profeta seria como eu? — responde-lhes João, apontando para sua roupa. — Achamos que o senhor se parece com Elias. — Mas de novo essa conversa? — risos. — Se eu fosse Elias, jamais iria querer sair do céu para viver neste deserto. — Mas os profetas disseram que o Elias vem antes do Messias e... — Sim, eu sei disso, senhores, eu sei disso. Mas acredito que o mensageiro mencionado pelos profetas será um homem com um ministério parecido com o de Elias, e não ele em pessoa. — O senhor está querendo dizer que não é o profeta Elias, mas, sim, alguém com um ministério similar ao dele e que, por isso, tem esse estilo de vida excêntrico e prega no deserto? — Eu não disse nada! Vocês que estão supondo isso. Neste momento, alguém do meio da multidão grita: — Que hora vai começar o batismo?! Eu vim de Nazaré para ouvir a Palavra de Deus! — Senhor João, vamos terminar logo com isso. Precisamos levar uma resposta aos fariseus. — O que querem que eu diga a eles, afinal? — O senhor apareceu pregando de modo contundente no deserto, vestindo-se como os profetas do passado, comendo gafanhotos com mel, verberando ousadamente contra grupos religiosos e já tem até uma legião de discípulos. Apesar disso, não se considera sequer um profeta? Como deveríamos chamá-lo então? — Bem, voltamos para o começo. Que tal me chamarem de Batista? É o apelido que o povo me deu — risos. — Sim, é natural que o chamem assim, pois o senhor é um batizador. Isso é óbvio. Mas, geralmente, quem batiza pessoas tem uma missão especial da parte do Eterno. — Sei que os senhores se preocupam muito com títulos... O que me interessa é dizer toda a verdade acerca do grande Homem que vem após mim. Mas, se vocês querem mesmo uma resposta sobre quem eu sou, vamos finalizar logo nossa conversa. Anotem aí: “Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor”. — Nós conhecemos essa profecia de Isaías. O que o Senhor quer dizer com isso? Trata-se de algum enigma? — Não. Eu quero dizer que sou apenas uma voz. Não preciso de títulos para pregar o arrependimento neste deserto. Quero apenas cumprir a minha missão, que é preparar o caminho de quem vem após mim. — Então, para finalizar, se o senhor não é o Messias, nem Elias, tampouco um profeta, por que batiza pessoas? Isso não seria uma conduta de quem pretende criar uma nova seita? — Eu batizo com água aqueles que se arrependem de seus pecados. E eles permanecem me seguindo por livre e espontânea vontade. No entanto, entre vocês, está quem é muito maior do que eu... — O que o senhor quer dizer com isso? Nossos superiores estão em Jerusalém. Somos apenas seus emissários. Quem, entre nós, é maior que o senhor? — Vocês ainda não o conhecem. Ele, que se manifestará depois de mim, já existia antes de todos nós. — O senhor agora está falando como os filósofos gregos... — Ele é tão grande, tão grande, que não sou digno de, abaixando-me, desatar as correias das suas sandálias. O Batista, então, começa a afastar-se da comitiva rapidamente, em razão dos gritos da multidão, que deseja ouvir sua pregação. Os emissários do Sinédrio, no entanto, não se convencem de quem João Batista é, de fato, e continuam por perto, observando tudo: seu comportamento, a maneira como prega, etc., até que, no dia seguinte, o Homem de quem João falava vem ao seu encontro. Todos estranham a atitude do pregador do deserto: ele para de pregar de repente e fica olhando fixamente para o meio da multidão. Todos estão na expectativa do que ele poderá dizer. — Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! — exclama João. — É dEle que estou falando. Esse que vem depois de mim, ainda que tenha existido antes, na eternidade, com seu Pai, eu não o conhecia, mas sabia que deveria ser seu precursor, preparando o caminho para a sua pregação e batizando os pecadores arrependidos. — Mas de quem ele está falando? — conversam entre si os sacerdotes e levitas. — Eu vi o Espírito de Deus descer do céu como se fosse uma pomba, a qual pousou exatamente sobre Ele — continua João. E parece haver um brilho diferente em seus olhos. — Quem é Ele, afinal? — perguntam-lhe pessoas que estão mais próximas. — Eu não o conhecia — diz João Batista, olhando para o céu. — Mas quem me mandou batizar em água os que se arrependessem me disse: “Sobre aquele que vires descer o Espírito e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo”. Por isso, tenho certeza de que Ele é o Filho de Deus! — Do que o senhor está falando? Como assim Ele é o Filho de Deus? — pergunta-lhe um emissário dos fariseus. — Exatamente. Ele é o Cordeiro, o Messias, o Filho de Deus! — Mas que absurdo! Quer dizer, então, que o Messias já está entre nós? Herodes precisa saber disso — comentam os herodianos com os fariseus, sabendo que o tetrarca teria, a partir de agora, um bom motivo para aprisionar João Batista, aquele que o repreendera por causa de sua relação adúltera com Herodias, mulher de seu irmão Filipe. — E digo-lhes mais: Ele é o Cristo e “vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. Ele tem a pá na sua mão, e limpará a sua eira, e ajuntará o trigo no seu celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se apaga” — conclui João Batista, gerando grande alvoroço. Essa entrevista — em parte ficcional — e o testemunho posterior de João Batista relacionam-se com as seguintes passagens neotestamentárias: João 1.19-36, Lucas 3.15-20 e João 3.23-30. Estas, na ordem citada, apresentam as mensagens de João Batista a grupos de sacerdotes e levitas a serviço de fariseus (ao que tudo indica, membros do Sinédrio) antes e depois do seu encontro com o Senhor em Betânia e Enom. Ali, ele, momentos antes de ser preso por Herodes, salientou: “É necessário que ele cresça e que eu diminua”. João Batista Histórico Desde o Iluminismo (séc. XVIII), a historicidade de alguns personagens neotestamentários, como Jesus Cristo e João Batista, vem sendo posta à prova. Alguns críticos das Escrituras têm dito que é impossível harmonizar os dados constantes dos Evangelhos, já que estes apresentariam muitas contradições entre si. Entretanto, ainda que os quatro evangelistas não tenham sido historiadores — e, por isso mesmo, não tenham se preocupado com origor cronológico —, nota-se perfeita sincronia entre eles, sendo possível reconstruir a sequência de todos os eventos alusivos aos dois personagens históricos mencionados. O termo “Jesus histórico” foi criado no século XVIII por acadêmicos que queriam reconstruir, por meio de uma análise crítica, levando-se em consideração os Evangelhos e seu contexto histórico-cultural, a figura de Jesus como ser humano. Depois de muitos estudos, não há mais nenhuma dúvida quanto a sua existência. O que ainda resta, especialmente por parte dos racionalistas, é a pergunta: Quem foi Ele? O mesmo aplica-se a João Batista. É impossível negar que ele tenha realmente andado na terra há mais de 2 mil anos. Mas, quem foi ele? Alguns teólogos ainda dizem que é plausível duvidar da existência desse enviado de Deus, em razão de as fontes históricas do primeiro século serem raras, apresentarem lacunas e serem problemáticas. “A literatura hebraica desse tempo, apesar de abundante, apresenta com muita frequência dificuldades intransponíveis de datação e de interpretação. Geralmente de inspiração farisaica, ela elimina de seus horizontes tudo o que não é desse partido. Nós não saberíamos quase nada dos essênios se os manuscritos do Mar Morto não tivessem sido descobertos em 1947, e nada de Iéshoua [Jesus] se a Igreja fundada por ele não tivesse recolhido e transmitido o Novo Testamento” (CHOURAQUI, p. 22). Quem é o João Batista histórico? As fontes de informações em primeira mão concernentes à sua vida estão limitadas ao Novo Testamento e ao famoso historiador judeu Flávio Josefo (37–100 d.C.). Em Antiguidades Judaicas, ele afirma que um dos exércitos do tetrarca Herodes — não confunda com Herodes Magno — foi destruído em 36 d.C. e que muitos judeus voltaram-se para o Senhor depois disso e reconheceram que esse infortúnio ocorrera por causa do que Herodes fizera a João Batista. Isso confirma a narrativa neotestamentária da prisão e morte do precursor de Cristo (Lc 3.18-20; Mt 14.1-12). De acordo com o mencionado historiador, muitos “judeus julgaram que aquela derrota do exército de Herodes era um castigo de Deus, por causa de João, cognominado Batista. Era um homem de grande piedade, que exortava os judeus a abraçar a virtude, a praticar a justiça e a receber o batismo, depois de se terem tornado agradáveis a Deus, não se contentando em não cometer pecados, mas unindo a pureza do corpo à da alma. Assim como uma grande multidão de povo o seguia para ouvir a sua doutrina, Herodes, temendo que o poder que ele tinha sobre eles não viesse a suscitar alguma rebelião, porque eles estavam sempre prontos a fazer o que lhes ordenasse, julgou dever prevenir o mal para não ter motivo de se arrepender por ter esperado muito para remediá-lo. Por esse motivo mandou prendê-lo numa fortaleza de Maquera, e os judeus atribuíram essa derrota de seu exército a um castigo de Deus, por um ato tão injusto” (JOSEFO, p. 205). Precursor de Cristo nos Evangelhos Nos Evangelhos, a vida desse enviado de Deus é mencionada do nascimento até a morte, mas há também fragmentos, especialmente sobre o “batismo de João”, em Atos dos Apóstolos (1.5,22; 10.37; 11.16; 13.24,25; 18.25; 19.3,4). “Comparado com outras fontes históricas, o cenário dos Evangelhos é — quanto à linguagem, à história, à política, à geografia e à religião — o da Palestina antes de 70 d.C. As instituições e doutrinas da Igreja primitiva, que tomaram forma definida pelo ano 50 d.C., não aparecem nos Evangelhos. Tomando em seu conjunto, este argumento é de impressionante evidência; seu valor atenua-se, se impelido até demonstrar que todo particular possui igual valor histórico” (MCKENZIE, p. 323). Ainda que haja fatos harmoniosos nos sinóticos, também existem ênfases especiais sobre o Batista em cada um deles. Em Mateus, destaca-se o testemunho de Jesus quanto ao sublime ministério profético desse enviado do Senhor (11.11). Em Marcos, ele entra em cena logo no segundo versículo (1.2-9); esse Evangelho também pormenoriza a sua morte pela mão de Herodes Antipas, “um dos filhos de Herodes Magno, que regia toda a Palestina quando Cristo nasceu. Morrendo o pai, tornou-se soberano da Galileia e da Pereia. É chamado tetrarca (de uma palavra que significa ‘quatro’) porque o reino original era dividido em quatro partes” (PEARLMAN, 1996, p. 109). O Evangelho Segundo Mateus tem como característica principal citar o Antigo Testamento para mostrar a Israel o cumprimento do plano salvífico de Deus: “este é o referido por intermédio do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” (3.3, ARA). No segundo Evangelho, alude-se, também, a esse profeta, mas com uma pequena diferença: “Como está escrito no profeta Isaías: Eis que eu envio o meu anjo ante a tua face, o qual preparará o teu caminho diante de ti” (Mc 1.2). O termo “anjo” (gr. aggelos), aqui, não significa “ser angelical”, e sim “mensageiro” ou “embaixador”. Marcos — que mencionou apenas o nome do profeta Isaías em razão de ser este o mais famoso — combina duas profecias, a de Isaías 40.3 com a de Malaquias 3.1, a fim de afirmar que João é um mensageiro ou embaixador (hb. malak), enviado para preparar o caminho do Senhor (cf. Ag 1.13; Ml 2.7). Ele veio com a missão de tirar os obstáculos (cf. Is 57.14; 62.10), como um representante enviado à frente de um monarca para avisar de sua chegada, o que era um antigo costume oriental (cf. 30.4). Em Lucas, enfatiza-se que João Batista era dominado pelo Espírito; aliás, o único servo de Deus, em toda a Bíblia, descrito como “cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe” (1.15). O quarto Evangelho, por sua vez, conhecido como suplementar, dá destaque para os seus testemunhos acerca de Jesus. Além disso, é em João que o precursor de Cristo recebe status de apóstolo (gr. apostellō), um predecessor também dos doze que o Senhor ainda convocaria: “Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João. Este veio para testemunho para que testificasse da luz, para que todos cressem por ele” (1.6,7). Em João, vemos que o “ministério de João Batista mexeu com a antiga esperança dos judeus sobre o aparecimento do Messias e o próprio João foi confundido com o advento do Rei (1.19-28). No batismo de Jesus, Deus mostra a João que seu primo é verdadeiramente o Filho de Deus (vv. 29-34). O primeiro contato de Jesus com algumas pessoas que mais tarde viriam a ser seus discípulos acontece quando João declara ser Jesus o Cordeiro de Deus” (RICHARDS, p. 679). Ademais, o Batista foi alguém que, conquanto não tenha feito sinais, disse toda a verdade acerca de Jesus: “E muitos iam ter com ele e diziam: Na verdade, João não fez sinal algum, mas tudo quanto João disse deste [Jesus] era verdade” (10.41). Os Pais de João Batista Passados mais de 2 mil anos desde o nascimento desse mensageiro do Senhor (7 ou 6 a.C.), ainda se especula sob quais influências ele viveudurante os anos de sua formação. A Palestina do seu tempo tinha de 50 a 100 quilômetros de largura e 200 quilômetros de comprimento. Seu clima era seco no verão e chovia entre os meses equivalentes a outubro e abril. No oeste, estendiam-se planícies férteis, e o Vale do Jordão, com margens bem escarpadas e abaixo do nível do mar, era quase desértico. Em ambos os lados do rio, erguiam-se cadeias de montanhas de seiscentos a mais de mil metros de altitude. Havia ali, à época, várias províncias: Idumeia, Judeia, Samaria, Galileia, Pereia, Decápolis (conjunto de dez cidades de populações não judaicas, subordinadas ao procônsul romano da Síria) e as quatro conquistadas por Herodes Magno: Itureia, Gaulanítide, Bataneia e Traconítide. Os pais de João Batista, Zacarias e Isabel, viviam na Judeia e eram irrepreensíveis e tementes a Deus (Lc 1.5,6). Ambos, muito idosos, descendiam de família sacerdotal: Isabel tinha ascendência araônica, e Zacarias exercia o sacerdócio no turno de Abias. Ela certamente experimentou grande êxtase quando recebeu a notícia de que seria mãe. Além de idosa, era estéril, assim como as mulheres dos principais patriarcas — Sara, Rebeca e Raquel —, a mãe do juiz Sansão e também Ana, mãe do profeta, sacerdote e juiz Samuel (Lc 1.7,36; cf. Gn 11.30; 25.21; 29.31; Jz 13.2,3; 1 Sm 1.5). Mulheres nessa condição sentiam-se inferiores a outras e sofriam preconceito da sociedade. Não ter filhos era motivo de tristeza para uma família judaica, pois, “além do amor natural às crianças, havia sempre a esperança de que um dos filhos fosse o libertador do seu povo” (PEARLMAN, 1995, p. 8). Por isso, ao longo da História de Israel, vemos o Senhor intervindo para abrir a madre de estéreis, a fim de trazer ao mundo homens ligados ao plano salvífico de Deus (Sl 113.9; Is 49.21; 54.1). O anúncio do nascimento de João Batista ocorreu quando Zacarias estava junto ao altar de ouro (ou do incenso) no Templo e ficou face a face com o anjo Gabriel. Sacerdotes e levitas de várias localidades vinham a Jerusalém e dividiam-se em 24 turnos (plantões) que duravam duas semanas. Para distribuírem-se os deveres, tiravam-se sortes, e a um cabia cuidar do fogo do altar, a outro, do candelabro, etc. Oferecer incenso no altar de ouro, que ficava no lugar santo, era, talvez, a honra maior, já que o sacerdote, ali, apresentava a Deus as petições do seu povo. Tão grande era esse privilégio que um sacerdote só podia usufruir dele uma única vez. Durante a oração no Templo, Zacarias aproximou-se do altar de ouro, a fim de colocar brasas vivas na grelha, juntamente com um punhado de incenso, quando foi surpreendido por Gabriel. Este, então, lhe deu a notícia de que seria pai pela primeira vez. E mais: seu filho prepararia o caminho do Messias, além de contribuir, com a sua pregação, para o retorno de muitos israelitas a Deus (Lc 1.11-17). É possível que a vida de Isabel, até então, transcorresse numa rotina bastante desgastada. E o que era apenas um desvanecido sonho transforma-se em estimulante realidade: ela daria à luz um filho — o precursor de Cristo! —, pois o Senhor dera a ela um presente que não mais esperava em sua idade. Nasce o Precursor de Cristo Que surpresa maravilhosa! Dois idosos, sem filhos, escolhidos por Deus para serem os pais do “Elias que havia de vir”, o primeiro pregador chamado, textualmente, de cheio do Espírito Santo no Novo Testamento! O Senhor, de fato, está no controle de todas as coisas! Observe, porém, que os pais de João Batista eram um casal de oração: “Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho, a quem darás o nome de João” (Lc 1.13, ARA). Jamais devemos deixar de confiar no Senhor. É necessário esperar sua providência, pois foi em meio a condições muito desfavoráveis que o anjo Gabriel apareceu a Zacarias dentro do Templo e, evocando profecias veterotestamentárias, prometeu-lhe o nascimento de um filho (Lc 1.14-17). A despeito da compreensível incredulidade de Zacarias — que resultou em seu emudecimento até que João nascesse —, Isabel concebeu, e ambos alegraram-se muito no Senhor quando ela deu à luz (Lc 1.18-25; 67-80). O Senhor orientou Zacarias a chamar seu filho de João (gr. Iōannēs, “O SENHOR dá graça” ou “O SENHOR é gracioso”), “nome mui apropriado devido à avançada idade de seus pais” (GUNDRY, p. 130). Esse nome, aliás, aparece pela primeira vez no Novo Testamento exatamente em relação ao Batista: “E, naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judeia e dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus” (Mt 3.1,2). Como o batismo, um meio de confissão pública, caracterizou seu trabalho, isso lhe rendeu o título “Batista”, isto é, “batizador”. Essa linda história faz com que reflitamos sobre os imprevisíveis caminhos do Senhor. Dizem que Ele escreve certo por linhas tortas; na verdade, seu caráter nunca é inconsistente, a despeito de sua audácia e habilidade em surpreender-nos e deixar-nos boquiabertos. O Senhor está no controle de todas as coisas. Acima de quaisquer esforços ou planejamento apressados de nossa parte está a soberana vontade do Senhor, boa, perfeita e agradável (Rm 12.1,2). Ele costuma confundir a sabedoria convencional ao realizar seus propósitos. Deus escolhe pessoas incomuns, desconsidera tradições e costumes criados pelos homens e desafia a lógica humana. Capítulo 2 THE VOICE Disseram-lhe, pois: Quem és, para que demos resposta àqueles que nos enviaram? Que dizes de ti mesmo? Disse: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías. João 1.22,23 U ma das predições mais famosas do profeta Isaías diz respeito à chegada do monarca Ciro, chamado pelo próprio nome 150 anos, aproximadamente, antes de seu nascimento: “Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela sua mão direita, para abater as nações diante de sua face; eu soltarei os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas não se fecharão” (Is 45.1; cf. 44.28). Todavia, há um feito desse profeta — ou melhor, do Espírito de Deus — ainda mais surpreendente. Isaías, que começou seu ministério em 740 a.C., no ano em que morreu o rei Uzias (6.1), descreveu com riqueza de detalhes, como se estivesse vendo, a primeira aparição pública do último profeta do período veterotestamentário em 26 ou 29 d.C. Ou seja, ele profetizou acerca da “voz do que clama no deserto” (40.3), cerca de oito séculos antes de isso acontecer! Embaixador de Deus “Deus é sábio: nunca faz qualquer coisa importante sem primeiro preparar o caminho” (PEARLMAN, 1995, p. 7). Ele enviou seu Filho Unigênito ao mundo na plenitude dos tempos (Jo 3.16; Gl 4.4), no momento que determinou, fazendo com que houvesse plenas condições para a propagação do evangelho. No primeiro século, havia estradas pavimentadas; os meios de transporte marítimo e terrestre estavam em franca evolução; a paz literalmente imperava, já que fora imposta por Roma; e umdialeto era falado em todo o mundo conhecido, o grego koiné. Quando o tempo chegou, Deus enviou o seu Filho. No entanto, antes de Ele começar a cumprir a agenda do plano salvífico estabelecido por seu Pai (cf. Jo 17.4,5; 19.30), teve o caminho preparado por um precursor, um embaixador de Deus, o qual iniciou seu ministério no deserto da Judeia com um discurso muito simples, porém verdadeiro. Evocando Isaías 40.3, ele disse: “Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus. Porque este é o anunciado pelo profeta Isaías, que disse: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” (Mt 3.2,3). Essa mensagem tinha peso na boca de João Batista, já que fora antes corroborada pelo anjo Gabriel, no Templo, quando citou a seu pai, Zacarias, outra profecia a seu respeito (Ml 4.5,6; cf. Lc 1.11-17). O ministério que Deus outorgou a João não era multifacetado como o de Jesus Cristo, que percorria “toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas, e pregando o evangelho do Reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo” (Mt 4.23). O Batista tinha a convicção de que tão somente deveria preparar o caminho do Messias, não sendo ele a luz do mundo, porém testificando dela aos pecadores (Jo 1.6-8; 8.12). Preparar o caminho do Senhor significava não apenas pregar a mensagem do arrependimento por antecipação (Mt 4.17), mas também implicava batizar em água, não somente os pecadores, como também o Homem perfeito (que jamais pecou), para que se cumprisse toda justiça (3.6,15); profetizar sobre o derramamento do Espírito (Lc 3.15,16); e apresentar Jesus ao mundo — e não apenas a Israel — como o Cordeiro de Deus (Jo 1.29). Chamada Confirmada no Deserto Geograficamente falando, “a antiga terra de Israel é notável. Ao contrário de seus vizinhos, cujos territórios são predominantemente compostos de áridos desertos, Israel é uma faixa de terra estreita e fértil, que se beneficia da chuva que vem do Mediterrâneo. [...] Porém, isso só é verdadeiro na região ocidental” (WALKER, p. 51-52). No interior da Palestina, há “algumas zonas semiáridas e desabitadas que também são chamadas de ‘desertos’ na Bíblia. Entretanto, apenas uma parte do deserto das imediatas proximidades da Palestina apresenta o aspecto desolado de areia e pedras que o nome ‘deserto’ geralmente evoca” (MCKENZIE, p. 229). João cresceu nesses desertos (Lc 1.80) da Judeia (Mt 3.1), um lugar extremamente quente durante o dia e gélido à noite, belo e silencioso, próprio para experimentar-se a solidão e ouvir a voz do Senhor (cf. Lc 4.1). Ali, ele teve a confirmação da chamada divina para seu ministério profético — a qual recebera desde o ventre de sua mãe (1.15-17), à semelhança de Sansão (Jz 13.3-5), Isaías (49.1,2), Jeremias (1.1-5) e o apóstolo Paulo (Gl 1.15,16) —, já que “veio no deserto a palavra de Deus a João, filho de Zacarias. E percorreu toda a terra ao redor do Jordão, pregando o batismo de arrependimento, para perdão dos pecados” (Lc 3.2,3). De modo geral, a aprendizagem escolar dos meninos judeus começava aos seis anos de idade. Como, à época, não existiam muitas escolas em Judá, os pais de João ensinaram-no a ler e a escrever, além de ter dado atividades regulares a ele. Aos 14 anos, após estudar a Lei do Senhor nas escolas da sinagoga, ele teria iniciado um novo ciclo em sua educação, junto ao mar Morto, em En-Gedi (próximo a Qumram), visto que fora chamado por Deus para exercer o nazireado (cf. Lc 1.15; Is 40.3-5). O nazireu (hb. nezîr, “separado”) isolava-se de todos, a fim de consagrar-se a Deus, pois tinha um voto que o proibia de passar navalha no cabelo e na barba, consumir bebida alcoólica, comer alimento impuro, etc. (cf. Jz 13.5-7; 16.17; Am 2.11,12). “O israelita desejoso por consagrar-se ao Senhor de modo especial fazia o voto de nazireu. Enquanto durasse o voto, tinha de abster-se do vinho, deixar os cabelos crescerem e evitar qualquer contato com cadáveres (Nm 6)” (PEARLMAN, 1995, p. 9). Homem de Oração Nos primeiros meses após minha conversão, um dos livros que marcou a minha vida foi O Homem que Orava, que conta a história de João Hyde, servo de Deus que ganhou 100 mil indianos para Cristo! Em um trecho dessa obra, lemos o seguinte: “Coloquemo-nos, pois, ao lado do quarto de oração de João Hyde, onde nos é permitido ouvir os suspiros, sentir os gemidos e contemplar o querido rosto, banhado, repetidamente, de lágrimas! É aí que podemos mirar o corpo enfraquecido depois dos dias que passara sem comer e as noites sem dormir. É aí que, entre soluços, o ouvimos implorar com insistência: ‘Ó Deus, dá-me almas ou morrerei!’” (MCGAW, p. 13). Em Lucas 11.1, está escrito: “aconteceu que, estando ele [Jesus] a orar num certo lugar, quando acabou, lhe disse um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos”. O Batista não somente orava e jejuava, como também ensinava seus discípulos a fazer isso (cf. Mt 9.14; Mc 2.18). A quem interessaria, hoje, aprender a orar? Pense num cartaz para um evento, em uma igreja, com os seguintes dizeres: “Curso intensivo de oração. Aprenda a orar e a dizer as palavras certas para obter a sua reposta”. O Senhor Jesus jamais ensinou alguém a pregar ou a cantar. Ele nunca disse a seus discípulos: “vós pregareis assim” ou “vós cantareis assim”, porém afirmou: “vós orareis assim” (Mt 6.9). O que é mais fácil: pregar, cantar ou orar? Por incrível que pareça, pregar e cantar é mais fácil que orar! Quantas vezes pregamos durante vários minutos, ficamos animados e queremos continuar falando e falando... O mesmo ocorre quando cantamos. Mas, como é difícil orar por apenas cinco minutos! Se quisermos ser como João Batista, que cumpriu seu chamado à risca e jamais será esquecido por causa disso, precisamos aprender a orar. João Batista Era um Essênio? No século II a.C., membros de uma seita estabeleceram-se num monastério, no deserto, às margens do mar Morto. “Eles tinham se desiludido com a hierarquia do Templo de Jerusalém e acreditavam que tinham sido chamados para criar uma comunidade alternativa. [...] Localizados no deserto, devotados ao estudo estrito das Escrituras e especialmente dos livros proféticos, viam a si mesmos, por meio da imagem de Isaías, como um tipo de vanguarda — uma ‘tropa’ avançada preparando a era do cumprimento do Senhor” (WALKER, p. 46). Esse grupo ficou conhecido como os essênios, uma das principais seitas que havia entre os judeus naqueles dias. “Existiam três seitas entre os judeus, a primeira das quais era a dos fariseus [com mais de seis mil membros na época], a segunda a dos saduceus e a terceira, a dos essênios, que é a mais perfeita de todas” (JOSEFO, p. 214). O Novo Testamento, porém, menciona apenas a primeira e a segunda, com destaque para a seita farisaica (Mt 3.7; 16.6; Mc 12.13,18; At 4.1; 23.6-8, etc.), o que contribui para o surgimento de especulações sobre aseita essênia. Alguns eruditos afirmam que João associou-se aos essênios no deserto de Qumram, o que é apenas uma especulação, pois “a verdade é que João parece ter sido um profeta isolado, tipo eremita, e não membro de algum agrupamento monástico” (GUNDRY, p. 133). O mais importante é que ele, durante o tempo em que esteve no deserto, obteve uma experiência espiritual tamanha, que se lançou à especial tarefa de “preparar ao Senhor um povo bem disposto” (Lc 1.17). The Voice of the Wilderness Apesar de sua beleza austera, o deserto da Judeia é um lugar de silêncio assustador, onde qualquer ser humano percebe sua fragilidade e dependência plena de água para sobreviver. “Mesmo nos tempos bíblicos, era um local em que as pessoas iam para desfrutar da solidão, da vastidão do espaço e para ouvir a voz de Deus, que se elevava sobre a cacofonia de outros sons e vozes. João Batista começou ali seu ministério: ‘uma voz clamando no deserto’ (Is 40.3). Esse também foi o lugar que Jesus naturalmente buscou para forjar seu próprio ministério, nas palavras de Deus” (WALKER, p. 52). The voice, “a voz”. Assim era chamado o cantor Francis Albert “Frank” Sinatra (1915–1998), especialmente depois de lançar seu primeiro álbum, The Voice of Frank Sinatra , em 1946. Theme from New York, New York, Strangers in the night, The girl from Ipanema (composta pelo célebre compositor brasileiro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim), Fly me to the moon e My way são algumas das canções mais conhecidas gravadas por esse astro norte-americano, descendente de italianos. Outros famosos cantores, inclusive do meio gospel, também receberam da crítica, e especialmente de seus admiradores, o título the voice. Entretanto, muito tempo antes, o profeta João Batista já o havia recebido — e do próprio Deus: “this is the one referred to by Isaiah the prophet when said, ‘The voice of one crying in the wilderness, make ready the way of the Lord, make his paths straight!’” (Mt 3.3, NASB). Quando essa voz começou a ecoar no deserto da Judeia? A primeira aparição pública de João Batista foi cuidadosamente datada nos Evangelhos: “E, no ano quinze do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia, e Herodes, tetrarca da Galileia, e seu irmão Filipe, tetrarca da Itureia e da província de Traconites, e Lisânias, tetrarca de Abilene, sendo Anás e Caifás sumos sacerdotes, veio no deserto a palavra de Deus a João” (Lc 3.1,2). Esse décimo quinto ano de Tibério César tem sido entendido como uma alusão a 26 d.C. — pouco tempo antes de o Senhor Jesus começar a pregar o evangelho —, embora alguns estudiosos acreditem que seja uma referência ao ano 29. Note que Lucas emprega um modo veterotestamentário para mostrar como João Batista recebe a mensagem do Senhor. Isso ocorre porque ele é um profeta que surge nos tempos neotestamentários, mas que ainda vive segundo os padrões do Antigo Pacto. Somente dele, no Novo Testamento, diz-se que “veio [...] a palavra de Deus” (Lc 3.2), à semelhança do que acontecera a Abraão (Gn 15.1), Samuel (1 Sm 15.10), Natã (2 Sm 7.4; 1 Cr 17.3), Davi (1 Cr 22.8), Salomão (1 Rs 6.11), Semaías (2 Cr 11.2), Jeú (1 Rs 16.1,7), Elias (17.8; 18.1; 19.9; 21.17,28), Isaías (2 Rs 20.4; Is 2.1; 38.4), Jeremias (1.2-13; 2.1 etc.), Ezequiel (1.3; 3.16, etc.), Jonas (1.1; 3.1), Ageu (1.1; 2.1-20) e Zacarias (1.7; 6.9, etc.). De onde Veio esse Pregador? O estilo de vida de João, muito parecido com o dos profetas anteriores ao período intertestamentário, “que, segundo as melhores informações históricas hodiernamente aceitas, durou mais ou menos quatrocentos anos” (TOGNINI, p. 12), despertava a curiosidade das pessoas. Talvez, a pergunta mais frequente delas fosse esta: De onde veio este homem? Para muitos, é essencial saber a origem de um pregador. Veja como, hoje, os conferencistas norte-americanos e europeus são prestigiados na América do Sul e na África! Assim como Atenas era o centro da filosofia naquela época — Sócrates e Platão nasceram ali, e Aristóteles mudou-se para lá aos 17 anos —, um profeta que merecesse respeito deveria, necessariamente, ter começado seu ministério em Jerusalém. Lembra-se da pergunta de Natanael a Filipe, quando este lhe falou de Jesus? “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” (Jo 1.46). Supunha-se, então, erroneamente, que nenhum profeta surgira na província da Galileia (7.52), ignorando-se a referência do Antigo Testamento a Jonas (2 Rs 14.25), “natural de Gate-Hefer, pequena aldeia de Zebulom, na Galileia, hoje chamada de el-Meshad” (BUCKLAND, p. 241). Ainda que os profetas tenham dito que o Messias seria chamado de Nazareno (Mt 2.23), Ele, ao que tudo indica, começou a ser nomeado assim de modo pejorativo e irônico (cf. Mc 14.67; Jo 18.5; 19.19), e o mesmo parece ser aplicado ao adjetivo “galileu” (cf. Mc 14.70; Lc 22.59). Não obstante, muito mais importante que a origem de um pregador, geograficamente falando, é o fato de ele ser um enviado de Deus (Jo 1.6). Por isso, Mateus afirma que, “naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto” (3.1). Ele entra em cena sem nenhuma explicação anterior do autor sagrado, assim como Elias. Sem aviso, surge pregando! “Veio-lhe a palavra do Senhor” (1 Rs 17.2, ARA). Entretanto, “nem Jesus nem o Batista surgiram ‘do nada’, mas, ao contrário, vieram em cumprimento do plano de redenção elaborado por Deus” (HURTADO, p. 24). Profeta do Deserto Elias concluiu seu ministério depois de passar pelo rio Jordão (1 Rs 19; 2 Rs 2.6-11). João, portador da “virtude de Elias” (Lc 1.17), começou seu ministério dentro do rio Jordão (Mc 1.4-9). Assim como Elias, o Batista foi um profeta do deserto, onde, desde a infância, cresceu e fortaleceu-se, “até ao dia em que havia de mostrar-se a Israel” (Lc 1.80). Quem escolheria o deserto para iniciar seu ministério, se não fosse verdadeiramente um enviado de Deus? Qualquer pregador não chamado pelo Senhor teria escolhido um lugar melhor para pregar; talvez, onde tivesse maior visibilidade e pudesse contar com um público numeroso e nada hostil. No entanto, um enviado do Senhor “não é um crente que resolveu pregar. Não é ele quem decide fazer tal coisa; ele nem mesmo decide abraçar a pregação como uma chamada” (LLOYD-JONES, p. 100). Sempre disposto a obedecer à direção do Espírito, ele é capaz de deixar uma grande multidão, a fim de pregar a uma única pessoa (cf. At 8.26-40; 16.9-14). E, no caso de João Batista, contrariando a toda e qualquer lógica, um grande número de pessoas vindas da Judeia ou de regiões próximas reunia-se no deserto para ouvir sua contundente mensagem, confessando seus pecados a Deus e recebendo o batismo do arrependimento. Para um profeta ou pregador chamado por Deus, deserto também simboliza provações, lutas ou perseguições. Trata-se de um lugar que é, ao mesmo tempo, “uma realidade geográfica e um símbolo importantíssimo na religião de Israel e no cristianismo dos primeiros séculos.[...] O deserto alimentará uma experiência espiritual importante, na linhagem do profeta Elias (ver 1 Rs 19,4) e, depois, dos eremitas cristãos. Na Idade Média, esses eremitas (do grego érêmos, ‘deserto’), santos homens vivendo em lugares retirados e selvagens, no mais das vezes em florestas, tornam-se os [...] campeões da luta contra o diabo” (FOUILLOUX, p. 77). Deus Está conosco no Deserto! Lembro-me da bela história do saudoso evangelista David Wilkerson (1931–2011), que começou a ganhar notoriedade ao pregar o evangelho a gangues no coração de Nova York, Estados Unidos. Em 1958, ele servia a Deus em uma pequena igreja, na pacífica Philipsburg, Pensilvânia, uma cidadezinha no meio do “nada”, a mais de 500 quilômetros de Nova York. Ao folhear a revista Life, Wilkerson leu uma reportagem sobre o assassinato de membros de gangues nessa cidade. Até aquele momento, só pensara em visitá-la para conhecer a Estátua da Liberdade, mas ouviu uma voz falar ao seu coração: “Vá para Nova York e ajude esses jovens”. Ele, então, foi para aquele “deserto” e pôs sua vida em risco durante muitos anos, até inaugurar a Times Square Church em 1987. Turistas que visitam essa linda igreja, pastoreada pelo fervoroso Carter Conlon, em Manhattan, não imaginam o quanto David Wilkerson sofreu no “deserto” antes de estabelecê-la. Quando chegou ali, drogas e prostituição imperavam, e, ao evangelizar líderes de gangues, especialmente Nicky Cruz, foi agredido, humilhado e ameaçado de morte. Sua voz, contudo, não se calou, e onde o pecado sobejava, “superabundou a graça” (Rm 5.20). Jesus salvou aquele jovem rebelde, que jamais se esqueceu do semblante e, sobretudo, da voz do franzino pregador da Pensilvânia, tornando-se, também, um mensageiro do evangelho. A dramática conversão de Nicky Cruz foi retratada no livro The Cross and the Switchblade (A Cruz e o Punhal) de 1962 e no filme de mesmo nome (com Pat Boone e Erick Estrada) de 1970. Quando estudamos sobre João Batista, aprendemos que a mensagem de um pregador transcende a ele próprio. Mesmo que ele morra, sua voz continuará ecoando. Uma frase marcante de David Wilkerson ao então cruel jovem Nicky revela o que significa ser apenas “uma voz no deserto”: “Você poderia me cortar em milhares de pedaços e espalhá-los pela rua, e cada pedaço amaria você” (WILKERSON, 1977, p. 95). Ainda que esse pregador tivesse morrido naquele momento, sua mensagem jamais seria esquecida. Pregador do Arrependimento João Batista ganhou fama como pregador do arrependimento, um título que muitos hoje não apreciariam. “Eu, hein! Esse rótulo não é nada bom para o marketing pessoal. Quero ser conhecido como pregador coach, que ajuda as pessoas a serem felizes”. Às vezes nos cansamos mesmo de ser chamados disto ou daquilo; e somos tentados a mudar a nossa forma de pregar ou até o conteúdo da mensagem bíblica, a fim de obter maior aceitação por parte do público. Entretanto, assim como o precursor de Cristo não se importava com o que pensavam ou diziam dele, já que fora escolhido pelo Senhor desde o ventre de sua mãe (Lc 1.15), todo pregador enviado de Deus deve orgulhar-se — no bom sentido — de sua chamada. Quando the voice apareceu pregando no deserto, ele não falava o que o povo queria ouvir, e sim a dura palavra que lhe veio da parte do Senhor. Sem preocupar-se com vantagens e comodidade, ele começou seu ministério falando de arrependimento, e não de dez passos para enriquecer. Quantos hoje apreciam a vida e a obra desse homem? Seria ele um modelo para nós? Quantos livros evangélicos sobre João Batista já foram escritos? Na verdade, a despeito de ele ser o precursor de Cristo, temos a tendência de vê-lo como alguém que fracassou, visto que foi preso e assassinado por causa de sua fidelidade ao Senhor. Ignorando o exemplo desse enviado de Deus, muitos pregadores da atualidade priorizam a fama e o dinheiro, fazendo da pregação um negócio (2 Co 2.17, ARA). Eles não querem ser tidos como “polêmicos”, antipáticos e provocadores. Por isso, prezam novidades como, por exemplo, o coaching, termo emprestado do mundo empresarial que significa “treinamento”. O pregador coach evita palavras “negativas” como “pecado” e “arrependimento”, já que é um motivador e explora as potencialidades humanas, valendo-se da neurolinguística, “mas sem abrir mão das Escrituras”. Na verdade, ainda que não admitam, os adeptos da pregação coaching têm dado nova roupagem à Teologia da Prosperidade, além de nova vida à Confissão Positiva. Para alguns desses pregadores emergentes, a mensagem da cruz não faz mais sentido. Eles “acreditam que vivemos em uma cultura pós-moderna e, portanto, devemos construir igrejas pós-modernas. [...] E pós-modernismo aceita o pluralismo, acata o empírico, deleita-se com o místico, e sente-se à vontade diante da narrativa, do que é fluido, global, comunitário/tribal, e assim por diante. [...] Termos bíblicos como ‘evangelho’ e ‘Armagedom’ precisam ser ‘desconstruídos e redefinidos’. A mensagem bíblica é comunicada por meio de um misto de palavras, artes visuais, silêncio, testemunhos e história. O pregador é um motivador que encoraja as pessoas a aprenderem das Escrituras” (CARSON, p. 32-44). ‘Joões Batistas’ do nosso Tempo Pensemos, agora, em alguns pregadores do nosso tempo que, assim como João Batista, foram fiéis à sua chamada até o fim. David Wilkerson, já mencionado, notabilizou-se como “o profeta do juízo de Deus”. Oswald Smith (1889–1986) converteu-se aos 16 anos, em 1906, em Toronto, Canadá, ao ouvir uma pregação do célebre evangelista R. A. Torrey (1856–1928). Aos 18 anos, Smith começou a pregar, vindo a ser pastor, escritor, poeta, compositor, jornalista, etc. Entretanto, não escapou dos rótulos condizentes com a sua chamada: “ganhador de almas” e “senhor missões”. O que dizer de Billy Graham (1918–2018)*, que ficou conhecido como “o maior evangelista do século XX” em razão de sempre ter sido fiel à sua chamada de levar o evangelho com simplicidade às nações e aos povos? Ele “é prova de que a fama não precisa corromper e a humildade genuína pode existir em um homem que é admirado por milhões de pessoas. Seu compromisso com a centralidade do evangelho é modelo para todos nós” (LUTZER, 2005, p. 108). Diante do exposto, o Senhor quer que sejamos apenas a “voz que clama no deserto”. Se formos bem tratados por causa da pregação do evangelho, louvado seja Deus. Mas, se formos perseguidos pelo mesmo motivo, glória ao Senhor também. Nenhum pregador enviado de Deus tem o direito de abrir mão de sua chamada para tornar-se um pregador coach ou animador de plateia. Fomos chamados para pregar a Palavra de Deus em um tempo em que não se suporta mais a sã doutrina, e não para massagear o ego das pessoas ou lhes oferecer autoajuda (2 Tm 4.1-5; Tt 2.1). * N. do E.: Billy Graham morreu no dia 21 de fevereiro de 2018 aos 99 anos. Há muito tempo, ele sofria de câncer, pneumonia e outras doenças. Billy Graham completaria100 anos em novembro de 2018. Capítulo 3 PREGAÇÃO POLITICAMENTE INCORRETA Dizia, pois, João à multidão que saía para ser batizada por ele: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Lucas 3.7 A mensagem de João Batista não era simpática aos religiosos do seu tempo, especialmente os fariseus e saduceus. Para ele, não havia verdades que não podiam ser ditas, o que o transformava — como diríamos hoje — em um pregador contrário à ditadura do politicamente correto, que é a “tentativa de reformar o pensamento tornando algumas coisas indizíveis; também é a obscena, para não dizer intimidadora, demonstração de virtude (concebida como a adesão pública às visões ‘corretas’, isto é, ‘progressistas’) por meio de um vocabulário purificado e de sentimentos, ou não usar tal vocabulário, é colocar-se fora do grupo de homens civilizados (ou deveria eu dizer ‘pessoas’?)” (PONDÉ, p. 11). Ditadura do Politicamente Correto Essa ditadura — uma marca da sociedade pós-cristã — é injusta porque não atende a todos os grupos sociais, e sim a quem obedece à agenda progressista, contrária à cosmovisão judaico-cristã. Quando ocorrem, por exemplo, atentados terroristas perpetrados por muçulmanos, a grande mídia avisa logo: “Cuidado com a islamofobia”. Há uma preocupação maior com a discriminação que os grupos islâmicos poderão sofrer do que com as famílias que efetivamente perderam seus entes queridos de maneira cruel. Se um pensador cristão simplesmente usar o termo “homossexualismo” em vez de “homossexualidade” nas suas mídias sociais será tachado imediatamente de preconceituoso. E, se disser que, biblicamente, a conjunção carnal entre pessoas do mesmo sexo é pecaminosa, será duramente criticado e chamado de homofóbico. Não é mais possível “falar em família, tradição, normalidade, moral, ética sem correr risco de ser moralmente atacado pelo ‘politicamente correto’, que é uma estratégia maquiavélica [...] para amordaçar o contraditório. A ordem é perverter todo e qualquer sentido natural de toda a história da natureza humana” (LOBO, p. 11). O objetivo da ditadura do politicamente correto é, supostamente, neutralizar o discurso de ódio, racista, xenofóbico, sexista, patriarcal ou homofóbico dos fundamentalistas religiosos, fanáticos e preconceituosos. Nesse caso, paradoxalmente, quem obedece à “ditadura da hipocrisia imbecil do politicamente correto” (GARCIA, 2013) é um cidadão modelo, que respeita a diversidade do mundo pós-moderno. Mundo Politicamente Correto No mundo politicamente correto, o cristão deve tolerar a heresia para demonstrar que ama o próximo. “A antiga suposição de que existe verdade objetiva deve ser substituída pela noção de que, na realidade, não há ‘verdade’ — se por verdade quisermos dizer valores aplicáveis a todas as culturas e em todas as épocas. [...] Teoricamente, o pós-modernismo diz que não há padrão independente de certo ou errado. [...] Se alguém pensa que tem a ‘verdade’, a cortesia exige que ele mantenha seus pensamentos consigo. [...] Você pode dizer que Jesus mudou sua vida, mas é inadmissível declarar que Ele é o único caminho para Deus” (LUTZER, 2005, p. 10-22). Falar de Jesus Cristo em um programa de televisão ou dizer um simples “Feliz Natal” no mês de dezembro pode ser uma conduta politicamente incorreta e ofensiva aos não cristãos, especialmente os ateus. Mesmo nos Estados Unidos, país cristão em sua origem, a ditadura do politicamente correto ganhou muita força nos últimos anos, especialmente durante os dois mandatos de Barack Obama, um presidente que se pautava pela agenda progressista, a qual se opõe frontalmente à cosmovisão cristã. Obama sequer pronunciava a consagrada frase Merry Christmas (“Feliz Natal”) no fim do ano, preferindo a genérica e politicamente correta Happy Holidays, equivalente ao nosso “Boas Festas”. Entretanto, seu sucessor, o politicamente incorreto Donald Trump, assim que eleito em 2016, fez questão de enfatizar: “Vamos voltar a dizer Feliz Natal”. O pastor e escritor David Jeremiah, indignado com o desrespeito ao cristianismo por parte de comediantes ateus nos Estados Unidos, o que, de modo injusto, não é considerado politicamente incorreto, escreveu o seguinte: “Os ateus costumavam ser relativamente passivos, mas agora temos uma avalanche de não crentes valentões que estão indignados e são proativos, decididos a intimidar os crentes em Deus. [...] Na América atual, Ele [Jesus Cristo] passou da figura central da História mundial para uma fonte de material para comediantes [...] que não se atrevem a tratar a outros líderes religiosos com a mesma falta de respeito” (JEREMIAH, 2012, p. 15-16). Papa Politicamente Correto Em 2013, o papa Francisco veio ao Brasil e encantou a muitos, inclusive alguns pastores evangélicos, com a sua aparente humildade. Ele, porém, tem outra característica muito valorizada na pós-modernidade, que poucos notaram: ele é politicamente correto. Sua última entrevista, antes de chegar a Roma, foi concedida aos jornalistas brasileiros que o acompanharam no avião. E, apesar de estar visivelmente cansado, ele, com boa vontade, deixou sua primeira classe e cumpriu uma promessa que fizera no voo de ida ao Brasil: conceder uma entrevista a bordo da aeronave. Um dos repórteres questionou o papa sobre a mala preta que ele faz questão de carregar. Com muito bom humor, Francisco respondeu: “Não tinha a chave da bomba atômica. Eu sempre fiz isso. Quando viajo, levo minhas coisas. E dentro o que tem? Um barbeador, um breviário [livro de liturgia], uma agenda, tinha um livro para ler, sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre levei eu mesmo minha maleta. É normal. Nós temos que ser normais” (CHADE, 2013). Sem dúvida, é exemplar o fato de o papa carregar a própria bagagem de mão. Mas, por outro lado, não é estranho que o líder do catolicismo — admirado até mesmo por evangélicos — não leve consigo um exemplar da Bíblia Sagrada? Aliás, fiquei pensando: “Que exemplo — melhor até do que carregar a própria mala — o papa teria dado a todos os cristãos brasileiros se ele os tivesse incentivado a ler a Bíblia! Imagine o que aconteceria se ele, em suas homilias, tivesse dito aos milhões de peregrinos e telespectadores que o assistiam: ‘Abramos as nossas Bíblias e leiamos a Palavra de Deus’! Não é a Bíblia, ao lado da tradição, a fonte de todas as encíclicas, homilias e discursos papais?”. Acredito que, se o papa Francisco, nesses tempos em que a Bíblia é tida como um livro “altamente preconceituoso” e “fomentador de ódio”, portasse um exemplar das Escrituras, ele não seria tão admirado pela grande imprensa. Aliás, por que esta, que tanto criticava Bento XVI, agora endeusa Francisco? Justamente porque ele tem se mostrado um pontífice flexível, disposto a dialogar, um gentleman, um líder religioso politicamente correto, que evita tocar em assuntos polêmicos. Nas Escrituras, temos a melhor defesa dos conceitos de família, valores éticos e
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