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Objetivos 1. Revisar a anatomia e histologia do fígado 2. Identificar a etiologia e os fatores de risco da cirrose 3. Compreender a fisiopatologia da cirrose 4. Entender qual a relação do alcoolismo com a hipertensão portal 5. Destacar as manifestações clinicas e complicações da cirrose, destacando sua evolução para hepatocarcinoma celular 6. Relatar o diagnostico e as conduta terapêutica da cirrose 7. Discorrer sobre os impactos do alcoolismo no ambiente familiar Anatomia e Histologia O fígado, além de receber sangue arterial através da artéria hepática, recebe cerca de 70% a 80% do seu sangue através da veia porta hepática, de modo que quase todo o sangue oriundo do sistema digestório e do baço drena para o fígado. Ambos os vasos sanguíneos alcançam o fígado através do hilo, também conhecido como porta hepatis, com origem na qual se ramificam profusamente até que o sangue arterial e venoso se misture na ampla rede capilar hepática dos lóbulos, constituída pelos sinusóides hepáticos. Dos sinusoides, o sangue drena para a veia central e desta para as veias hepáticas, as quais drenam para a veia cava inferior. Uma vez nos sinusoides, o sangue entra em íntimo contato com a principal célula parenquimatosa do lóbulo hepático, o hepatócito, relacionado com a maioria das funções já citadas. a principal excreção exócrina do fígado é a bile, a qual é transportada para a vesícula biliar, pelos ductos biliares ou hepáticos, direito e esquerdo, os quais se unem para formar o ducto hepático comum. Os ductos biliares deixam o fígado por via do hilo e seus ramos menores intra-hepáticos são observados associados aos ramos da veia porta e da artéria hepática. O fígado recebe aproximadamente 25% do débito cardíaco total, o que lhe permite realizar numerosas funções vitais, essenciais à manutenção da homeostasia corporal. • Metabolismo, conjugação e excreção de diversos compostos (endógenos como sais biliares, bilirrubinas, hormônios e exógenos como drogas e toxinas) • Sintetiza proteínas (albumina, transportadores de hormônios, fatores de coagulação e fibrinolíticos, fibrinogênio, diversos fatores de crescimento, globulinas, lipoproteínas, aminoácidos não essenciais como a glutationa...) Cirrose Cirrose hepática • Metabolismo dos carboidratos (glicogenólise e gliconeogênese) • Metabolismo dos lipídios (captação e metabolização dos quilomicrons, sintetiza e secreta VLDL, sintetiza colesterol, conversão de colesterol em sais biliares) • Metabolismo proteico (degradação da amônia em ureia) Armazenamento de substâncias (vitaminas D, E, K e A, vitamina B12, ferro, ácido fólico...) • Função endócrina (hidroxilação inicial da vitamina D, transformação de T4 em T3 e síntese de GF-1, além da degradação de diversos hormônios) • Função imunológica (células de Kupffer) Introducao Por definição, cirrose hepática significa um processo irreversível e difuso de fibrose e formação de nódulos, acompanhando-se frequentemente de necrose hepatocelular. Durante o processo de fibrose do órgão, há uma grande deposição de colágeno no tecido hepático, levando à disfunção progressiva do órgão, através da destruição de sua citoarquitetura. Geralmente, a cirrose consiste em uma fase terminal de um processo inflamatório, que leva à lesão, fibrose e, por fim, necrose do órgão. A cirrose é tida como o estágio final da evolução de diversas doenças hepáticas crônicas, sendo resultado da inter-relação entre diversos fatores etiológicos, morte e regeneração celular, degradação e formação anormal da matriz extracelular. Trata-se de um processo de por fibrose difusa e formação de micro e macronódulos, com hipertrofia hepática inicial seguida de atrofia progressiva. (1) fibrose hepática “em ponte”, com formação de shunts vasculares no interior dessas traves fibróticas (2) rearranjo da arquitetura lobular nos chamados nódulos de regeneração, desprovidos de comunicação com uma veia centrolobular. É a resposta comum do parênquima hepático a qualquer estímulo lesivo persistente, representado geralmente por inflamação e necrose hepatocitária. A cirrose pode ser subdividida em 5 estágios. Quanto maior o estágio, maior a mortalidade: • Estágio 1: sem varizes de esôfago, sem ascite; • Estágio 2: varizes de esôfago, sem ascite; • Estágio 3: ascite, com ou sem varizes de esôfago; • Estágio 4: hemorragia digestiva alta, com ou sem ascite; • Estágio 5: insuficiência renal aguda ou infecções, como peritonite bacteriana espontânea. Etiologia Podemos agrupar as principais causas de cirrose hepática em 8 grandes grupos: • Vírus Hepatotrópicos; • Álcool; • Drogas; • Hepatopatias Autoimunes; • Doenças Metabólicas; • Hepatopatias Colestáticas; • Doenças da Infância; • Cirrose Criptogênica (Idiopática). Segundo dados nacionais de prevalência, cerca de 43% dos casos relatados de cirrose hepática estão associados à hepatite crônica C, de maneira isolada ou em conjunto com hepatite crônica B ou doença hepática alcoólica. Além disso, 37% dos pacientes possui história de etilismo, com ou sem associação às hepatites crônicas virais. Com base nestes dados, estima-se que a hepatite C crônica e a doença hepática alcoólica sejam responsáveis por cerca de 80% dos casos de cirrose no Brasil. 1. Infecciosa: A perpetuação, durante alguns anos, de lesão celular imunomediada mostra- se responsável pela instalação de hepatite crônica e cirrose em portadores dos vírus da Hepatites B, D e C. 2. Hepatite autoimune: inflamação do fígado de causa desconhecida, que se caracteriza por hepatite periporta (necrose periférica), proeminente infiltrado inflamatório e inflamação dos espaços portais por plasmócitos. Toda essa evolução se relaciona com citotoxicidade imunecelular, mediada por anticorpos, que se dirigem contra proteínas normais de membranas hepatocíticas, onde autoantígenos específicos encontram-se hiperexpressos, sendo de risco maior a essa evolução pacientes HLA Dr3 e Dr4 positivos. Destes, mesmo tratados com imunossupressores (corticosteroides e azatioprina) cerca de 36% evoluirão para cirrose dentro de 6 anos a partir do diagnóstico. 3. Alcoólica: mecanismos patogenéticos de agressão hepatocelular em pacientes com ingesta alcoólica excessiva (>80g de etanol/dia) relacionam-se com predisposição genética, estado hipermetabólico de hepatócitos centrolobulares, em que se acumula mais acetoaldeído, além da maior produção de colágeno pelas células de Ito. Fazem parte desse processo radicais livres de oxigênio, peroxidação lipídica, reduzidas defesas antioxidantes e deformação de glutationa, e agressão exercida por citocinas, com ação mediada pelas célular de Kupffer. Os doentes evoluem com lesões necróticas focais dos hepatócitos, inflamação, acúmulo de proteínas celulares, esteatose, fibrose e regeneração micro e, menos frequentemente, macronodular, com instalação de cirrose e risco de evolução para CHC ao fim de 20 anos ou mais. 4. Obstrução biliar: colangite biliar primária, colangite esclerosante primaria, atresia das vias biliares, fibrose cística e sarcoidose 5. Fármacos: diferentes fármacos e seus metabólitos podem produzir hepatite crônica ativa e cirrose, sobretudo a alfa-metildopa, isoniazida, nitrofurantoína, dantrolone, diclofenaco, tamoxifeno, nimesulida, ibuprofeno, amiodarona, bloqueadores de canal de cálcio e outros. 6. Metabólica a) Doença de Wilson :erro inato do metabolismo onde há defeito ne excreção biliar de cobre, com consequente acúmulo do metal no fígado, cérebro e córnea. São acometidos pacientes jovens, que envoluem com deterioração intelectual, tremor, disartria, distonia, anemia hemolítica, hematúria e amenorreia. b) Hemocromatose Hereditária: níveis séricos elevados de ferritina e de saturação de transferrina, devendo ser tratados porflebotomias periódicas. O acúmulo de ferro nos hepatócitos pode gerar fibrose e cirrose hepática. c) Deficiência de alfa1-antitripsina: a enzima alfa1-antitripsina é produzida pelo fígado e tem a função de inibir a ação da elastase neutrofílica, enzima produzida por certas células que têm a capacidade de destruir a estrutura pulmonar, causando enfisema pulmonar e doença hepática. d) Galactosemia: deficiências celulares de 3 enzimas: galactose-1- fosfato uridiltransferase (UDP), galactoquinase e uridina difosfato (UDP) galactose-4- epimerase. A galactose que não foi clivada se transforma em galactitol e galactonato, produtos muito tóxicos que desencadeiam lesões nos tecidos e podem levar a doença hepática progressiva. 7. Esteato-hepatite não alcoólica: Responsável por 60 a 80% dos casos de níveis séricos elevados de aminotransferases e é mais observada em obesos, sobretudo naqueles com HAS, hiperglicemia e hipertrigliceridemia. 8. Vascular: Síndrome de Budd-Chiari – instala-se em consequência de obstáculo ao livre fluxo sanguíneo secundário a trombose de veias hepáticas ou veia cava inferior supra- hepática. Mais comum em situações de hipercoagulabilidade, em mulheres em uso de ACO, durante ou após a gestação e na presença de anticorpos anticardiolipina (Sd. antifosfolípide). Classificacao anatomica Baseia-se, praticamente, no diâmetro dos nódulos de regeneração e espessura dos septos fibrosos. a. Micronodular: Nódulos pequenos de até 3mm de diâmetro com septos finos de até 2mm. b. Macronodular: Nódulos entre 3 e 30mm, multilobulares, com deformação grosseira do fígado e septos de tamanhos variados c. Mista: Evolução da cirrose micronodular, uma vez que se perpetua a ação lesiva exercida pelo agente etiológico (coexistência de micro e macronódulos) Patologia Os sinusoides conduzem o sangue das circulações porta e sistêmica (ramos da veia porta e artéria hepática presentes nos espaços porta) para a veia centrolobular (pertencente ao sistema cava). Durante esta passagem, substâncias provenientes do sangue são captadas pelos hepatócitos para serem metabolizadas. É válido ressaltar que este último fato depende de duas características fundamentais dos sinusoides hepáticos, que os distinguem dos demais capilares do corpo – (1) eles são altamente fenestrados (fenestra = “janela”, isto é, contêm verdadeiros “buracos” em sua parede) e (2) são desprovidos de membrana basal (facilitando a saída de macromoléculas para fora do vaso). Assim, todas as substâncias presentes no sangue podem atravessar livremente as fenestras sinusoidais e alcançar o espaço de Disse, que fica entre o sinusoide e o hepatócito. Tal espaço representa o interstício lobular, e contém as células mais importantes para a gênese da cirrose hepática – as células estreladas ou células de Ito. As células estreladas normalmente são “quiescentes” (isto é, apresentam pouca atividade metabólica) e têm a função primordial de armazenar vitamina A. Entretanto, na presença de certos estímulos (ex.: atividade necroinflamatória crônica no parênquima) podem se transformar em células altamente capazes de sintetizar matriz extracelular (em particular colágeno tipo I e III). Essa transformação é induzida por efeitos parácrinos de citocinas pró-inflamatórias, secretadas pelas células de Kupffer (macrófago do fígado) ativadas e outras células do sistema imunológico. A deposição de fibras colágenas no espaço de Disse leva ao fenômeno de capilarização dos sinusoides, onde uma camada de colágeno, pouco permeável, oblitera as fenestras e impede o contato entre os hepatócitos e as substâncias oriundas do sangue, inclusive fazendo desaparecer as microvilosidades na membrana hepatocitária (o que reflete a diminuição na captação celular). Com isso, a capacidade de metabolização hepática – bem como a secreção, no sangue, de macromoléculas produzidas pelos hepatócitos – vai se tornando progressivamente comprometida. A capilarização dos sinusoides também diminui seu calibre, o que aumenta a resistência vascular intra-hepática (fator crucial na gênese da hipertensão porta). E as próprias células estreladas, em seu processo de transformação patogênica, acabam por adquirir capacidade contrátil (tornando-se miofibroblastos), o que reduz ainda mais o diâmetro sinusoidal. O processo de deposição de fibras colágenas e consequente capilarização dos sinusoides, em meio a segmentos de necrose hepatocitária, nada mais é do que a famosa fibrose em ponte (porta-centro)... O sangue passa a circular por dentro dessas traves fibróticas sem entrar em contato com as placas de hepatócitos, numa espécie de shunt intra-hepático, indo diretamente dos espaços-porta para as veias centrolobulares. E como existe uma doença hepática crônica, com atividade necroinflamatória persistente, os ciclos de necrose, fibrose e regeneração celular continuam se alternando, até que a regeneração hepatocitária fique restrita aos espaços formados entre diversas traves fibróticas interligadas. Temos então os chamados “nódulos de regeneração”. Ao contrário dos lóbulos hepáticos normais, onde as placas de hepatócitos e a rede de sinusoides são rigorosamente coordenados, de modo a fazer o sangue fluir em direção à veia centrolobular (sistema cava), os nódulos de regeneração são constituídos por uma massa de hepatócitos desprovida de funcionalidade, uma vez que tais nódulos não possuem relação com uma veia centrolobular. Assim, os nódulos de regeneração representam uma tentativa (frustrada) do fígado em reestabelecer sua citoarquitetura funcional em meio à fibrose intensa e disseminada secundária ao processo necroinflamatório crônico. Manifestacoes clinicas Os achados clínicos refletem, basicamente, o desenvolvimento de dois problemas distintos, porém inter-relacionados: hipertensão porta e insuficiência hepatocelular. Atenção: os achados clínicos da cirrose hepática não são específicos de nenhuma etiologia, exceção feita aos seguintes sinais, que são sugestivos de etiologia alcoólica: • Intumescimento de parótidas • Contratura de Dupuytren • Neuropatia • Pancreatite crônica associada No início da doença, alguns pacientes são assintomáticos. O fígado com cirrose em estágio avançado também é diferente, à macroscopia, do fígado normal. Por exemplo: quando o cirurgião opera o abdome de um cirrótico, pode-se notar um aspecto macro ou micronodular na superfície do órgão. O tamanho do fígado depende do grau de cirrose: nos casos mais avançados, a tendência é sua redução e atrofia como um todo! Por outro lado, um dado semiológico patognomônico de cirrose é o encontro de redução do lobo hepático direito (< 7 cm) à hepatimetria de percussão, associado a um lobo esquerdo aumentado, palpável abaixo do gradil costal, de superfície nodular e consistência endurecida. 1. Cirrose Hepática Compensada: Muitas vezes pobre em sinais e sintomas, suspeitando- se da doença pela identificação de alterações física, como hepatoesplenomegalia e hipertransaminasemia, detectadas durante exames de rotina. Nesses pacientes, mostra-se comum a existência de história pregressa de hepatite sem etiologia definida, uso crônico de álcool ou sintomatologia vaga como astenia, epistaxe, edema, emagrecimento, dentre outros. Essa fase pode manter-se pelo resto da vida ou evoluir. 2. Cirrose Hepática Descompensada: Não raramente, essa fase o paciente é levado ao médico por apresentar complicações da cirrose hepática, tais como ascite, encefalopatia e hemorragia digestiva alta. Em geral, apresenta fraqueza progressiva, perda ponderal, com evidentes sinais de comprometimento de seu estado nutricional e diminuição da massa muscular. Comumente, as doenças exibem hálito hepático e icterícia, do tipo hepatocelular ou por hiperhemólise. Ao exame, identificam-se hiperpigmentação da pele (hemocromatosehereditária), dedo hipocrático com unhas esbranquiçadas, telangiectasias aracniformes (face e tronco), eritema palmar, alteração na distribuição dos pelos pubianos (adquirem forma ginecoide no homem e, na mulher, tendem a desaparecer), ginecomastia, atrofia testicular, petéquias e equimoses, tremos de extremidades ou flapping. No abdome, detectam-se ascite e sinais de circulação colateral. O fígado pode estar aumentado de volume, endurecido ou diminuído e não palpável. Esplenomegalia pode ser evidenciada pela ocupação do espaço de Traube, ou palpação do órgão abaixo do rebordo costal esquerdo. Complicações O termo “insuficiência hepática crônica” é utilizado para descrever as complicações sistêmicas decorrentes de uma queda lenta e gradual na função dos hepatócitos, tal como acontece na cirrose. O termo “insuficiência hepática aguda” para os casos de lesão hepatocelular fulminante, em que a função dos hepatócitos é abruptamente perdida. A perda progressiva de hepatócitos funcionais leva a uma série de alterações que se instalam de maneira insidiosa. Distúrbios endócrinos e hemodinâmicos predominam nas fases iniciais da hepatopatia, enquanto problemas como encefalopatia hepática, hipoalbuminemia e coagulopatia aparecem nas fases mais avançadas. Os distúrbios endócrinos são caracterizados pelo hiperestrogenismo e hipoandrogenismo, explicando (pelo menos em parte) vários achados semiológicos da cirrose, como o eritema palmar, as telangiectasias, a ginecomastia, a rarefação de pelos e a atrofia testicular. As alterações hemodinâmicas da cirrose são complexas: ao lado de um estado hiperdinâmico de alto débito cardíaco e retenção hidrossalina, observa-se uma “hipovolemia relativa”, na qual o volume circulante efetivo, e, portanto, o fluxo sanguíneo para os órgãos, está reduzido. Achados perifericos Sinais de hiperestrogenismo + hipoandrogenismo: Por mecanismos pouco compreendidos, a cirrose hepática altera a homeostase dos hormônios sexuais. Podemos dizer que o achado característico da cirrose hepática é a associação de hiperestrogenismo com hipoandrogenismo. Nas fases iniciais, pode-se detectar um aumento dos níveis séricos de estrona, devido à maior conversão periférica de androgênios em estrogênios no tecido adiposo. O aumento da SHBG (globulina ligadora de hormônio sexual) também é característico da cirrose e pode contribuir para a detecção de níveis altos de estrógenos nesses pacientes. Com o avançar da hepatopatia, caem os níveis séricos de testosterona pela diminuição da síntese deste hormônio nas gônadas. O hiperestrogenismo é o responsável pelas alterações vasculares cutâneas da cirrose, representadas pelo eritema palmar e pelas telangiectasias do tipo “aranha vascular”. Sabe-se que altos níveis de estrogênio causam proliferação e dilatação de vasos cutâneos, especialmente na porção superior do corpo. As telangiectasias do tipo “aranha vascular” (ou spider angioma) são caracterizadas por uma dilatação arteriolar central ligando-se a capilares dilatados com disposição radial. O enchimento após a compressão da lesão ocorre do centro para periferia, sendo específico desse tipo de telangiectasia. São encontradas no pescoço, na porção superior do tronco e dos membros superiores. O eritema palmar é decorrente da vasodilatação cutânea restrita à região palmar, principalmente nas regiões tenar e hipotenar. O fluxo sanguíneo para essa região pode aumentar em até seis vezes. Não era de se estranhar o aparecimento dessas lesões cutâneas do hiperestrogenismo. Durante a gestação, uma condição fisiológica de hiperestrogenismo, observamos o aparecimento de telangiectasias do tipo “aranha vascular” e eritema palmar em até 70% dos casos. Essas lesões costumam desaparecer, em média, três meses após o parto. Na doença hepática aguda e, eventualmente, em pessoas normais, tais lesões também podem ser encontradas. O hipoandrogenismo é responsável pela queda da libido, impotência masculina, atrofia testicular, redução importante da massa muscular (evidenciada pela atrofia dos músculos interósseos das mãos) e rarefação de pelos (cuja distribuição passa a respeitar o padrão feminino). Baqueteamento (ou hipocrastismo) digital A ponta dos dedos torna-se “abaulada” na base da unha, dando ao dedo um aspecto de “baqueta de tambor”. O que ocorre é um aumento volumétrico do tecido subcutâneo vascularizado da extremidade digital, por mecanismos ainda desconhecidos. Distúrbios hemodinâmicos Embora os distúrbios hemodinâmicos da cirrose hepática sejam altamente dependentes da hipertensão portal, a disfunção hepatocelular também pode contribuir para sua gênese, uma vez que um distúrbio semelhante é identificado nos pacientes com insuficiência hepática fulminante (quando não há hipertensão portal). Uma teoria clássica, chamada “Teoria do Underfilling”, diz o seguinte: a hipertensão portal da cirrose provoca o extravasamento de líquido intravascular para a cavidade peritoneal, através dos sinusoides hepáticos. Essa pequena queda da volemia estimula os barorreceptores a ativar o sistema reninaangiotensina-aldosterona, o sistema nervoso simpático e a liberação de ADH (Hormônio Antidiurético). A ativação desses sistemas, por sua vez, promove a retenção de líquido pelos rins, na tentativa de restaurar a volemia. Porém todo o líquido retido volta a extravasar para a cavidade peritoneal e, assim, forma-se um ciclo vicioso no qual “quanto mais líquido extravasa, maior a tendência hipovolêmica” e “quanto maior a tendência hipovolêmica, maior a retenção hidrossalina renal” e “quanto maior a retenção hidrossalina renal, mais líquido extravasa para o peritônio”. Com isso, o paciente vai formando a sua ascite e mantém-se sempre com uma tendência hipovolêmica. Entretanto, essa teoria simplória pode explicar a ascite relacionada à cirrose, mas não explica uma série de outras alterações hemodinâmicas encontradas nesses pacientes. Entre elas, podemos destacar a vasodilatação sistêmica (queda da resistência arterial periférica), o aumento do débito cardíaco e o aumento real da volemia total (volume sanguíneo presente em toda a circulação: venosa + arterial). Para explicar todas essas alterações, surgiu uma nova teoria: a “Teoria da Vasodilatação”. Esta é a mais aceita atualmente. 1º Passo: uma das primeiras alterações hemodinâmicas que surgem na cirrose hepática é a vasodilatação arteriolar esplâncnica (hiperemia mesentérica). O mecanismo dessa vasodilatação provavelmente é o aumento da síntese local de Óxido Nítrico (NO) pelo endotélio vascular, um potente vasodilatador endógeno. A hipertensão portal contribui para a gênese desse fenômeno – ao desviar o sangue mesentérico para a circulação cava, sem passar pelo fígado, perde-se o “filtro hepático” contra as bactérias Gram-negativas provenientes da translocação intestinal. A endotoxina das bactérias Gram-negativas (LPS) estimula a síntese endotelial de NO. 2º Passo: a vasodilatação esplâncnica desloca uma parte da volemia para este território vascular, reduzindo, por conseguinte, o volume sanguíneo que perfunde os outros órgãos e tecidos – chamado “volume arterial efetivo”. A queda desse volume estimula os barorreceptores renais e carotídeos, tendo como resultado a ativação do sistema reninaangiotensina-aldosterona, sistema nervoso simpático e liberação de ADH. Estes sistemas neuro-hormonais estimulam os rins a reterem sal e água, na tentativa de restaurar o “volume arterial efetivo”. 3º Passo: a retenção hidrossalina, na verdade, aumenta a volemia total, porém esse volume sanguíneo adicional está quase todo “sequestrado” nos vasos esplâncnicos dilatados e, portanto, não corrige o deficit de “volume arterial efetivo”. O processo então se perpetua. A retenção hidrossalina continua e progride, e o paciente começa a formar ascite, pois o excesso de líquido presente no territóriomesentérico começa a transudar diretamente para a cavidade peritoneal em consequência ao aumento de permeabilidade que acompanha a vasodilatação, fenômeno potencializado pela hipoalbuminemia (queda na pressão coloidosmótica do plasma) que tipicamente está presente neste momento. Conclusão: no final das contas, o paciente apresenta: (1) redução do “volume arterial efetivo”, comportando-se como um paciente hipovolêmico, inclusive com tendência à hipotensão arterial e azotemia pré-renal; (2) aumento da volemia total, só que distribuída basicamente no território esplâncnico e portal; (3) aumento do sódio e da água corporal total, que se distribui principalmente no peritônio (ascite) e no interstício (edema); (4) redução da resistência vascular periférica, pela intensa vasodilatação; (5) aumento do débito cardíaco, já que o coração está bombeando contra uma baixa resistência – um fenômeno semelhante ao que ocorre na sepse. Hipertensão pulmonar Outra entidade em pacientes cirróticos é a hipertensão portopulmonar, uma síndrome semelhante à hipertensão pulmonar primária, só que associada à hipertensão porta. Pelo acúmulo de substâncias endotélio-tóxicas não depuradas pelo fígado, as artérias pulmonares periféricas sofrem remodelamento, com vasoconstricção, hiperplasia da média, espessamento da íntima e formação de trombos in situ. Existe a hipótese (não comprovada) de que pequenas embolias pulmonares de repetição, com pequenos trombos provenientes do sistema porta submetido à estase, possam contribuir para a hipertensão arterial pulmonar destes pacientes. O quadro clínico é marcado por dispneia progressiva aos esforços e sinais de sobrecarga de VD no exame clínico, além de hiperfonese do componente P2 da segunda bulha. Pode haver síncope e dor torácica. A radiografia de tórax pode mostrar um abaulamento do segundo arco da silhueta cardíaca esquerda (correspondente ao tronco da artéria pulmonar) e um aumento da área cardíaca à custa de VD. Diagnostico O encontro desse “panorama histopatológico” (fibrose em ponte + nódulos) tem o poder de confirmar o diagnóstico de cirrose hepática (logo, método “padrão-ouro” = biópsia). Mas é válido ressaltar que, apesar de ser o exame “padrão-ouro”, na maioria das vezes a biópsia não é necessária para o diagnóstico de cirrose, bastando uma análise conjunta do quadro clínico, laboratorial e radiológico. A biópsia seria reservada aos casos de dúvida diagnóstica persistente, assim como em situações específicas, por exemplo: no acompanhamento das hepatites virais crônicas, para avaliar a indicação de tratamento em alguns pacientes, e estimar o prognóstico. Anamnese e exame físico Os portadores de cirrose hepática podem se apresentar de variadas maneiras: • Hemorragia digestiva alta ou baixa • Ascite • Hepatomegalia e/ou esplenomegalia. • Detecção de estigmas periféricos de insuficiência hepatocelular crônica • Assintomático, sendo o diagnóstico aventado a partir do achado acidental de anormalidades laboratoriais ou radiológicas sugestivas da doença • Sinais incipientes ou manifestos de encefalopatia hepática • Sinais e sintomas sugestivos de Carcinoma Hepatocelular (CHC) Exames laboratoriais Embora as alterações laboratoriais possam variar de acordo com a etiologia da cirrose hepática, existem certas anormalidades que sugerem a presença desta condição, independentemente da causa subjacente: • Aminotransferases: Na cirrose inativa (ou seja, sem atividade inflamatória), as aminotransferases podem estar completamente normais. Logo, é importante compreender que as aminotransferases não possuem acurácia suficiente para estimar a gravidade da doença hepática. Quando aumentadas, sugerem atividade inflamatória no parênquima. A grande “pista diagnóstica” que as aminotransferases nos fornecem é a seguinte: numa hepatopatia sem cirrose, os níveis de ALT (TGP) costumam ser maiores que os de AST (TGO), dando uma relação ALT/AST > 1. A partir do momento em que a cirrose se instala, é típica uma inversão desse padrão, com o paciente apresentando ALT/AST < 1. Exceção deve ser feita aos casos de doença hepática alcoólica – neste contexto, a relação ALT/AST costuma ser < 1 mesmo nas fases pré-cirróticas. Hepatopatia sem cirrose: TGP > TGO Cirrose inativa: TGO e TGP normais Cirrose ativa: TGO > TGP Exceção: doença hepática alcóolica – TGO > TGP • Fosfatase Alcalina e gama-Glutamil Transpeptidase (gama-GT): Elevam-se de maneira mais significativa nas hepatopatias colestáticas, apresentando elevações menos pronunciadas nas lesões predominantemente hepatocelulares. Logo, diante da suspeita de cirrose hepática, o encontro de elevados níveis de FAL e GGT sugere etiologias como cirrose biliar primária e colangite esclerosante. Numa hepatite crônica ativa sem cirrose, geralmente temos ALT (TGP) > AST (TGO), enquanto que na cirrose, temos o oposto: AST (TGO) > ALT (TGP). Exceção à regra é a doença hepática alcoólica, onde AST (TGO) > ALT (TGP) desde o início do quadro, isto é, ainda na fase de esteato-hepatite/pré-cirrótica/ • Bilirrubinas: a hiperbilirrubinemia é um fator de mau prognóstico na cirrose hepática, ocorrendo principalmente à custa da fração direta. Na cirrose biliar primária, por exemplo, bilirrubina total superior a 10 mg/dl indica a necessidade de transplante ortotópico de fígado. • Hipoalbuminemia: Denota insuficiência crônica de síntese hepatocelular. O déficit de síntese costuma se associar à desnutrição proteicocalórica, comum no paciente cirrótico, o que piora ainda mais a hipoalbuminemia. Isto é particularmente frequente nos etilistas crônicos portadores de cirrose alcoólica. • Alargamento do tempo de protrombina e diminuição da atividade de protrombina: considerando que o fígado é a principal sede da síntese de fatores de coagulação, incluindo a síntese dos fatores vitamina K-dependentes (II, VII, IX e X), fica fácil entender que uma redução significativa da função hepática resulta em coagulopatia (tendência hemorrágica) • Hipergamaglobulinemia: o cirrótico apresenta tendência aumentada à ocorrência do fenômeno de translocação intestinal bacteriana (bacteremia espontânea a partir do trato gastrointestinal). O menor clearance hepático de bactérias presentes no sangue portal, bem como a “fuga” dessas bactérias pelos shunts portossistêmicos, explicam tal fato. Assim, o braço humoral do sistema imunológico (linfócitos B) sofre um certo grau de hiperestimulação constante na cirrose hepática, o que pode resultar em hipergamaglobulinemia policlonal quando da presença de cirrose hepática avançada e hipertensão porta grave. • Sódio sérico: a hiponatremia é um marcador de péssimo prognóstico na cirrose avançada com ascite. Seu mecanismo é a incapacidade de excretar água livre, decorrente do excesso de Hormônio Antidiurético (ADH). Este excesso, por sua vez, é estimulado pela redução do volume circulante efetivo (secreção “não osmótica” de ADH). • Pancitopenia: na cirrose avançada complicada por hipertensão portal há esplenomegalia e hiperesplenismo, com consequente redução do número de plaquetas circulantes (sinal mais precoce), mas também da hematimetria e da contagem de leucócitos (sinais mais tardios). A anemia do paciente cirrótico, na verdade, costuma ser multifatorial (ex.: desnutrição, sangramento digestivo crônico, supressão medular pelo álcool ou por vírus), sendo muito comum, ainda, a ocorrência de anemia de doença crônica, secundária à doença de base. Na hepatite C, a plaquetopenia pode surgir mesmo na ausência de hiperesplenismo. • Marcadores séricos diretos e indiretos de fibrose avançada/cirrose: grandes progressos têm sido feitos no sentido de criar métodos não invasivos para diagnóstico, quantificação e acompanhamento da fibrose hepática. Todavia, até o momento, nenhum desses exames suplantou a acurácia da biópsia, e nãoexiste nenhuma recomendação oficial para o seu uso na prática clínica diária. A maioria vem sendo aplicada em centros de pesquisa. Marcadores séricos diretos de fibrose hepática, como laminina, colágeno tipo I e tipo IV, peptídeo pró-colágeno tipo I e tipo III, ácido hialurônico e a molécula que está sendo chamada de “condrex” (YKL-40), podem vir a ter algum papel na avaliação não invasiva da cirrose hepática, no futuro. Alguns índices multivariados – que se propõem a avaliar indiretamente a existência de fibrose hepática – também vêm sendo estudados. Por exemplo: o Fibroindex, que gera um escore a partir dos valores de AST, plaquetas e gamaglobulinas; o Hepascore, que combina idade, sexo, GGT, bilirrubina, ácido hialurônico sérico e níveis de alfa-2-macroglobulina; o índice PGA, que avalia o tempo de protrombina, a GGT e os níveis séricos de apolipoproteína A1, e demonstrou ter acurácia de 66 a 72% para detecção de cirrose no contexto da doença hepática alcoólica. Exames de imagem O papel da radiologia na avaliação da cirrose hepática inclui: 1. avaliar as alterações morfológicas da doença; 2. avaliar a vascularização hepática e extrahepática; 3. detectar e estimar os efeitos da hipertensão portal; 4. identificar tumores hepáticos, diferenciando o Carcinoma Hepatocelular (CHC) de outros tipos de tumor. Tendo estes objetivos em mente, várias técnicas de imagem podem ser utilizadas: 1. Ultrassonografia convencional do abdome (USG) 2. Ultrassonografia do abdome com Doppler (USGD) 3. Tomografia computadorizada do abdome (TC) 4. Ressonância Magnética (RM) 5. Angiorressonância Magnética (ARM) 6. Arteriografia com ou sem lipiodol (AG) Nas fases iniciais da cirrose hepática, todos esses exames podem ser normais. Por outro lado, nas fases mais avançadas, a USG, TC e a RM costumam detectar alterações sugestivas da doença. Desse modo, podemos dizer que o papel da radiologia na avaliação do hepatopata crônico é corroborar uma forte suspeita clínica de cirrose. Quando a suspeita é de cirrose em fases iniciais, mesmo os métodos radiológicos mais modernos (ex.: RM) não tem resolução suficiente para detectar graus menores de fibrose. Observe as alterações mais encontradas na cirrose hepática bem estabelecida: • Nodularidade da superfície hepática • Heterogeneidade do parênquima hepático • Alargamento da porta hepatis e da fissura interlobar • Redução volumétrica do lobo hepático direito e do segmento médio do lobo hepático esquerdo • Aumento volumétrico do lobo caudado e do segmento lateral do lobo hepático esquerdo • Identificação de nódulos regenerativos. Neste caso, a RM constitui método superior aos demais. • Aumento da ecogenicidade (fibrose ou associação com esteatose) • Textura heterogênea • Contorno irregular • Ascite • Aumento do lobo causado e esquerdo • Redução do lobo direito • Parênquima heterogêneo Além disso, o carcinoma hepatocelular pode ser identificado pelos exames de imagem, algumas vezes de maneira tão precoce que permita sua ressecção curativa ou transplante hepático. Nesse sentido, a USG (e com menor frequência, a TC) é utilizada no rastreamento semestral de CHC em pacientes sabidamente cirróticos, juntamente com a dosagem sérica da alfafetoproteína. Em caso de dúvida diagnóstica, a AG com lipiodol pode ser empregada, dada sua alta especificidade para o diagnóstico de CHC. Este último método torna-se particularmente útil na presença de um nódulo parenquimatoso com características intermediárias entre CHC e nódulo regenerativo. A AG, o US com Doppler e a ARM também podem ser usadas para o estudo do sistema porta e identificação de possíveis shunts porto-sistêmicos secundários à hipertensão portal. AngioRM: tem indicação nas mensurações volumétricas do fígado e baço e distribuição da vascularização portal; definição sobre terapêutica cirúrgica visando o tratamento da hipertensão portal. Endoscopia Digestiva Alta: tem importância na definição da presença de varizes esofágicas, gástricas e gastropatia hipertensiva portal. Identifica-se a sede das lesões hemorrágicas, podendo-se atuar terapeuticamente na interrupção do sangramento adotando-se medidas como escleroterapia e ligadura de varizes rotas, ou injeção de cola biológica no interior das varizes gástricas. Arteriografia com Lipiodol: o lipiodol (ésteres etílicos dos ácidos graxos do óleo de papoula iodado) é um contraste oleoso, com características peculiares que lhe conferem especificidade para o hepatocarcinoma. A permeabilidade alterada dos vasos do tumor e a ausência de tecido endotelial no seu interior permite que o lipiodol permaneça durante algum tempo no hepatocarcinoma e desapareça do restante do parênquima. Isto permitirá determinar a extensão e caracterizar o tumor. É realizada uma arteriografia hepática (radiografia com contraste EV através de cateter femoral) do tronco celíaco e artéria mesentérica superior para detectar anormalidades anatômicas na estrutura vascular. Biópsia Hepática: o padrão--ouro para o diagnóstico de cirrose hepática é a histopatologia, com base no achado de espessos e completos septos fibrosos porta-centro e porta-porta, os quais delimitam nódulos, resultando em uma completa desorganização da arquitetura lobular e vascular. Quando os dados clínicos, laboratoriais e radiológicos são extremamente sugestivos de cirrose avançada (ex.: ascite, esplenomegalia, hipoalbuminemia, INR alargado, fígado atrofiado, heterogêneo e nodular) a biópsia geralmente é desnecessária (e até arriscada). A biópsia hepática, além de confirmar o diagnóstico de cirrose, também pode fornecer pistas quanto a sua etiologia (ex.: através de métodos imunohistoquímicos). Vale lembrar que a biópsia hepática percutânea não deve ser realizada em pacientes com atividade de protrombina < 50% ou INR > 1,30 ou plaquetas < 80.000/mm³. Caso a biópsia seja estritamente necessária nestes indivíduos, devemos corrigir previamente os distúrbios da coagulação, com transfusão de plasma e/ou plaquetas, podendo-se obter também pela coleta de tecido pela via transjugular. Elastografia Hepática Transitória (Fibroscan): é o método não invasivo gold standard para a medição da fibrose hepática. A elastografia hepática é um método diagnóstico da fibrose hepática através da medida da velocidade de propagação de ondas ultrassonográficas que atravessam o fígado. Quanto mais enrijecido o fígado em função da evolução da fibrose, maior será a velocidade de propagação das ondas. Assim, através de uma correlação entre a velocidade de propagação e o escore METAVIR, é possível diagnosticar o estágio da fibrose no fígado. O dispositivo é baseado na elastografia transitória unidimensional, técnica que utiliza ondas elásticas (50Hz) e ultrassons de baixa frequência. Classificação funcional: embora a presença individual de complicações da cirrose hepática – hipertensão portal, ascite, encefalopatia etc. – não seja capaz de predizer acuradamente a sobrevida de um paciente cirrótico, vários autores têm proposto classificações funcionais e índices preditivos de sobrevida baseados em múltiplas variáveis clínicas e laboratoriais. A clasificação funcional de ChildTurcotte, modificada por Pugh, é a mais largamente utilizada. Tratamento A cirrose hepática é considerada uma condição irreversível. Assim, seu tratamento seria primariamente baseado no manejo de suas complicações – encefalopatia hepática, hipertensão portal, ascite etc. Entretanto, a eficaz abordagem dos pacientes cirróticos, realizada com o intuito de aumentar a sobrevida e melhorar sua qualidade de vida, vai além do tratamento dessas complicações, englobando outras estratégias complementares. Sendo assim, o tratamento da cirrose hepática pode ser didaticamente dividido em cinco pontos: • Terapia antifibrótica • Terapia nutricional • Tratamento específicoda causa • Tratamento das complicações da cirrose • Transplante hepático Uma vez que a fibrose constitui a base fisiopatogênica das complicações da cirrose hepática, inúmeras estratégias terapêuticas têm sido estudadas no sentido de tentar retardá-la e, até mesmo, revertê-la. Como exemplos, temos a colchicina, o propiltiouracil, o interferon, a lecitina poli-insaturada e o S-adenosil-metionina (SAME), entre outros. Desses, a colchicina foi uma das mais usadas, notadamente na cirrose alcoólica e na cirrose biliar primária. Alguns estudos mostraram que a colchicina pode melhorar a bioquímica hepática desses pacientes, mas não existem evidências consistentes de que ela seja capaz de reduzir a fibrose, aumentar a sobrevida ou reduzir a necessidade de transplante hepático. Os cirróticos tendem a ser hipercatabólicos e desnutridos, sendo que a desnutrição agrava a intensidade de disfunção hepática. A melhor abordagem nutricional e a seleção de pacientes para a terapia a longo prazo permanecem controversas. Suplementos nutricionais padrão podem ser tão efetivos quanto as formulações especiais, tais como aquelas que contêm aminoácidos de cadeia ramificada, sendo também de menor custo. É importante salientar que não existe indicação de restrição proteica. Da mesma forma, não há necessidade de reduzir a ingestão de gorduras, mesmo nos pacientes colestáticos. Nestes, pode ser útil o uso de triglicérides de cadeia média. Recomendações comportamentais são medidas simples que podem ter grande valia na melhora nutricional em alguns pacientes. Assim, refeições frequentes devem ser encorajadas (como por exemplo, um lanche noturno), o que ajuda a manter um balanço nitrogenado adequado. São recomendações dietéticas do Colégio Americano de Gastroenterologia: • Conteúdo proteico diário: 1,0 a 1,5 g/kg de peso • Conteúdo calórico diário: mínimo de 30 kcal/kg de peso, sendo: - 50 a 55% como carboidratos (preferencialmente, carboidratos complexos); - 30 a 35% como lipídios (preferir lipídios insaturados com quantidades adequadas de ácidos graxos essenciais) A correção da deficiência de vitaminas (complexo B, A, D, E, K) é particularmente importante em pacientes com cirrose alcoólica e nas cirroses com significativo componente colestático. Lembrar que pacientes portadores de cirrose hepática por hemocromatose não devem receber sais de ferro ou vitamina C, já que estas substâncias podem agravar o dano hepático ao incrementar o acúmulo orgânico de ferro. Pacientes usuários de diuréticos podem necessitar de reposição de oligoelementos, como no caso daqueles que desenvolvem cãibras em membros inferiores, causadas por deficiência de magnésio. Outro dado importante é que pacientes cirróticos devem evitar a ingestão de frutos do mar em virtude do risco potencial de sepse grave e morte através da infecção com Vibrio vulnificus e Yersinia sp. Também é preciso tomar medidas específicas para evitar novos insultos hepáticos potencialmente preveníveis. Assim é mandatório avaliar o status sorológico do paciente em relação aos vírus da hepatite A e B, e caso o paciente seja suscetível (isto é, anti-HAV IgG negativo e/ou anti-HBs negativo) ele deve ser vacinado. REFERENCIAS 1. BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo - Patologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Gen, Guanabara Koogan, 2016. 2. Porth CM, Matfin G. Fisiopatologia. 9ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2015. 3. REIS, J. et al. Abordagem clínica da cirrose hepática: protocolos de atuação. Abordagem clínicada cirrose hepática: protocolos de atuação, p. 1-51, 2018. 4. NUNES, Pedro Pimentel; MOREIRA, Adelino Leite. Fisiologia hepática. Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, p. 2- 26, 2007. 5. DANI, Renato. Gastroenterologia essencial. In: Gastroenterologia essencial. 2006. p. x, 1203-x, 1203. 6. GOLDBERG, Eric; CHOPRA, Sanjiv. Cirrhosis in adults: Etiologies, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate, Waltham, MA.(Accessed on March 19, 2017), 2015. 7. GOLDBERG, Eric; CHOPRA, Sanjiy. Cirrhosis in adults: Overview of complications, general management, and prognosis. U: UpToDate, Runyon BA ur., Robson KM ur. UpToDate [Internet], 2017.
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