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Currículos e Programas Solange Estanislau dos Santos 2 SUMÁRIO 1. HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DO CURRÍCULO ........................................................................................... 3 2. TEORIAS DE CURRÍCULO: TEORIAS TRADICIONAIS, CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS ............................... 11 3. EDUCAÇÃO E CULTURA: O PAPEL DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO .................. 18 4. CONSTRUÇÕES CURRICULARES NO BRASIL ..................................................................................... 31 5. CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL: CONCEPÇÕES E POLÍTICAS .................................. 40 6. CURRÍCULO INTEGRADO E A INTERDISCIPLINARIDADE .................................................................. 52 3 1 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DO CURRÍCULO Nesta disciplina, caminharemos juntos pelos estudos relacionados ao currículo e aos programas. Mas você já parou para pensar a respeito da trajetória histórica desse tema e sobre as concepções de currículo? Neste primeiro bloco, iniciaremos as nossas discussões estudando sobre a história e as concepções de currículo, destacando-se ainda as questões relacionadas com ideologia e do currículo escolar como elemento homogeneizador de uma cultura. Considerando que há sempre concepções sustentando as práticas docentes, discutir essas questões propostas neste bloco é importante para que você possa pensar sobre as concepções que orientam seu trabalho como profissional da área ou como alguém que pretende se inserir nessa área. Vamos lá? Bons estudos! 1.1 História do termo currículo Na Antiguidade, já havia certa preocupação com a organização das disciplinas. Platão, por exemplo, defendia um plano de estudos de acordo com a faixa de idade dos educandos. No entanto, a educação não era vista como algo para todos/as, mas para alguns privilegiados das camadas mais ricas da população, sendo as mulheres excluídas dessa formação. Em Roma, o foco estava no ensino da leitura e da escrita, da música e das técnicas militares. Em Atenas, o foco estava na preocupação com o corpo, com a música, a poesia, a filosofia e a matemática. Da Idade Média até o século XVI, havia uma instrução que estava sob o monopólio da Igreja Católica que determinava o que deveria ser ensinado. Aqui o currículo estava centrado na formação religiosa, no ensino de técnicas, na aprendizagem da leitura e da escrita do latim, da fala e da argumentação, sendo a aritmética, a gramática, a dialética, o latim, a lógica, a música a e astronomia alguns de seus componentes. Os professores seriam os transmissores dos conteúdos encontrados nos clássicos da 4 cultura ocidental em disciplinas já consagradas pela tradição e o propósito era preparar os membros da aristocracia social para “liderança ou posições de nobreza”. Existiam também as sete artes liberais, divididas em: Trivium composta pelos conteúdos de gramática, retórica e filosofia. O Quadrivium era as quatro ramificações do saber - aritmética; geometria; astronomia e música. Neste tempo, o saber era considerado como algo fixo, universal e inquestionável e os estudos clássicos eram compostos de exercícios que visavam a disciplina mental e a disseminação dos valores cristãos. No caso das crianças, a partir das ideias de São Tomás de Aquino, considerava-se que elas deveriam ser educadas com base na reforma da igreja e na disciplina severa imposta pelos pais. Os séculos XVII e XVIII foram marcados pelo Iluminismo e as descobertas e ideias de Galileu, Newton, Bacon, Descartes, Locke, Rousseau e Comenius, dentre outros. Dentre as contribuições das ideias desses sujeitos, estava a defesa da comprovação científica dos fatos, o desenvolvimento das ações e pensamentos pela razão, o estudo das relações entre as pessoas e o Estado e o desenvolvimento das ciências exatas. Nos séculos XIX e XX, a partir das pressões exercidas pela necessidade de força de trabalho pelos Estados Unidos, as mudanças sociais que emergiram com o advento da sociedade industrial-urbana da época e a revolução da ciência, ganha força o currículo tecnicista (Bobbit, 1918), com foco na instrumentalização dos sujeitos para o mercado de trabalho. Foi exatamente com a publicação do livro de Bobbit The curriculum que surge o campo de estudos sobre currículo. Nos anos de 1920, surge a educação progressiva de John Dewey, com a ideia de educar a criança considerando a totalidade da pessoa e o seu crescimento (físico, intelectual e emocional). Para ele, os conteúdos ensinados deveriam estar associados às atividades práticas para que os educandos pudessem construir conhecimento. 5 Saiba mais Para saber mais sobre o que discutimos até o momento, sugiro a leitura das obras abaixo: GESSER, Verônica. A evolução histórica do currículo: dos primórdios à atualidade. Contrapontos, Itajaí, n. 4, p. 69-81, jan./abr. 2002. Disponível em: <https://goo.gl/A3TkQ9>. Acesso em: 29 nov. 2018. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 1.2 A invenção do currículo escolar Já discutimos um pouco sobre a trajetória histórica do currículo da Antiguidade aos dias de hoje e, também, sobre as concepções de currículo a complexidade do conceito. Agora, passaremos a tratar um pouco sobre a invenção do currículo escolar. O currículo é aquele que articula e organiza as experiências escolares e não é algo linear, neutro e ou estático, mas envolve aspectos histórico-sociais, políticos, filosóficos e epistemológicos. Dialogar sobre currículo escolar envolve considerar que essa discussão abarca aspectos diversos, dentre os quais, as relações sociais, os conhecimentos escolares, os procedimentos pedagógicos e os valores de uma cultura escolar. O currículo escolar surge exatamente para dar institucionalidade à escola moderna. Ele é considerado o coração da escola. E trouxe junto com ele a discussão sobre disciplina, classe e escolarização, formatando e universalizando essa instituição. Está presente nas escolas uma pluralidade de concepções curriculares. A gênese da Pedagogia se fundamenta na própria discussão de currículo que traz com ele o debate sobre didática e avaliação. Tendo a escolarização como materialização dessa Pedagogia e do currículo. A escola se constitui como atividade humana, socialmente construída, que produz e reproduz linguagens e relações de poder, tornando-se, portanto, um lócus privilegiado para formação de identidades e espaço para reprodução das desigualdades ou 6 emancipação. É a ideia da escola como aparelho ideológico do Estado, como veremos a seguir, que envolve dominação cultural e econômica e foi objeto de muitos estudos. Saiba mais Quem quiser saber mais sobre o assunto que discutimos até o momento, além das outras obras já mencionadas, sugere-se ainda: MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Rev. Bras. Educ. [online]. n. 23, p. 156-168, 2003. Disponível em: <https://goo.gl/wdnBLQ>. Acesso em: 29 nov. 2018. PALMA FILHO, J.C. Os fundamentos da construção do currículo escolar e seus paradigmas. In: __________; LEITE, Y.U.F.; ARENA, D.B. (orgs.). Pedagogia Cidadã: cadernos de formação: Gestão Curricular e Avaliação. São Paulo: UNESP, Pró-Reitoria de Graduação, 2005, p. 5-19. 1.3 Concepções de currículo Nesta parte, vamos conhecer algumas concepções de currículo e entender a complexidade do conceito. Sacristán (2000) explica que o currículo em todas as formas e funções que ele adota é algo extremamente complexo. Resumidamente, pode-se afirmar que os currículos refletem um “esquema socializador, formativo e cultural que a instituição escolar tem” (p. 17). O currículo contextualiza e é contextualizadopela prática. O currículo como modelo de uma proposta educativa, revela uma opção cultural determinada e seu significado é dado pelos próprios contextos em que está inserido: histórico, político, de aula, pessoal e social (p. 22). O currículo possui quatro funções: social, política, pedagógica e cultural, ou seja, ele envolve seleção e toda seleção envolve exclusão. O que foi escolhido ser incluído é resultado de opções políticas, epistemológicas, filosóficas, concepções e valores sociais, modos educativos e também dimensões psicológicas. Trata-se, portanto, de formação humana, formação de identidade e “A cada um desses ‘modelos’ de ser 7 humano corresponderá um tipo de conhecimento, um tipo de currículo” (SILVA, 1999, p. 15). O currículo pode ser um plano, um projeto, experiência, identidade. Pode ser também formal, informal e oculto. Abordaremos essas questões nos próximos blocos. A ideia do currículo como experiência envolve: aquilo que o aluno obtém na escola, que a escola deve oferecer de modo voluntário, consciente e intencional, atividades planejadas e dirigidas, experiências que a escola procura promover com vistas ao alcance de determinados objetivos específicos. Há ainda, outras definições de currículo como: i) definição de conteúdos; ii) planos ou propostas; iii) especificação de objetivos, iv) herança cultural; v) mudança de conduta; vi) programa da escola; vii) soma de aprendizagem e resultados e ix) todas as experiências que a criança pode obter (Sacristán, 2000). Mas o que é o currículo, afinal? Para Grundy (1987, p. 5 apud Sacristán, 2000, p. 14), o “currículo não é um conceito, mas uma construção cultural [...] É, antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas”. O currículo pode ser: clássico, progressista, tecnicista, crítico e/ou pós-moderno. E tais perspectivas podem coexistir, já que não estamos falando de algo estático. Essas definições serão aprofundadas nos próximos blocos. Saiba mais Quem quiser saber mais sobre o assunto que discutimos até o momento, além das outras obras já mencionadas, sugere-se ainda: SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2000. 1.4 O currículo escolar x ideologia Althusser foi o responsável por definir a escola como aparelho ideológico do Estado ao defender que através do currículo oficial o Estado dissemina o poder de classe. Isto significa dizer que a escola carrega certa ideologia ao reproduzir a cultura dominante e 8 manter sua hegemonia. O que por sua vez garante a manutenção do status quo e a dominação das camadas populares. Para Apple a educação está profundamente ligada à política da cultura, ou como afirma Sacristan (2000, p. 34) “o currículo é uma opção cultural” e “O sistema educativo serve a certos interesses concretos e eles se refletem no currículo” (p. 17). Esse debate será aprofundado na aula sobre teoria crítica. Neste cenário, Michael Apple nos alerta para o fato de que nas escolas é necessário fazermos, na condição de educadores, reflexões curriculares, pedagógicas, éticas e políticas. Por exemplo, o modo como eu organizo o espaço da sala de aula pode influenciar nas relações estabelecidas naquele contexto e estas escolhas estão influenciadas por concepções que carregamos e situadas em um contexto de uma instituição de determinado período histórico. Saiba mais Leia a obra a seguir para aprofundar seus conhecimentos: APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. 3. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2006. 1.5 O currículo como instrumento homogeneizador de uma cultura Podemos dizer que um currículo homogeneizador é aquele que procura determinar um único tipo de cultura que deve ser disseminada nas escolas, independente do contexto cultural. É, portanto, um currículo que parte da ideia de uma cultura ideal. Mas como fica essa questão diante de um país com uma dimensão cultural e territorial tão grande como o Brasil, que possui uma multiplicidade de crianças e infâncias, de escolas e de professores e professoras? Nossa entrevista Elina Elias de Macedo, Doutora em Educação pela Unicamp, trouxe importantes contribuições para pensar essa temática. A escola, como espaço de encontros, deve considerar e valorizar a diversidade e as diferenças de modo que as crianças e adultos se sintam acolhidos e respeitados em suas singularidades. Esta é uma questão fundamental para a construção de uma 9 sociedade mais justa, humana e solidária e menos racista, misógina, homofóbica e excludente. Saiba mais Leia a obra a seguir para aprofundar seus conhecimentos: Dossiê: “Educação Infantil e Base Nacional Comum Curricular: questões para o debate”. Revista Debates em Educação, Maceió, v. 8, n. 16, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/b3qoWK>. Acesso em: 30 nov. 2018. Conclusão Neste bloco, tratamos a respeito da trajetória histórica e sobre as concepções de currículo. Iniciamos as nossas discussões estudando brevemente o percurso histórico do currículo que define como marco de surgimento do campo a publicação do livro do Bobbit em 1918, embora Platão já tivesse certa preocupação com a organização dos estudos e os seus objetivos, assim como outros estudiosos. Vimos também algumas definições de currículo e sua complexidade, já que além de questões pedagógicas envolve também dimensões sociais, políticas e econômicas. O que o torna um campo dinâmico e de disputas, coexistindo várias perspectivas e concepções. Iremos aprofundar tais concepções nos próximos blocos. Tendo em vista que é um campo complexo, abordamos também a relação currículo escolar e ideologia, deixando claro que a escola é um aparelho ideológico do Estado, como defendido por Althusser. Portanto, é na escola que ocorre a reprodução da cultura dominante e sua hegemonia é ratificada. Tal análise aponta para o currículo escolar como disseminador do controle e submissão ao Estado por parte das classes populares, mas também um lugar de resistência e conflitos, como veremos adiante. Para finalizar, abordamos o currículo como elemento homogeneizador de uma cultura, o que tem garantido a universalização de uma única cultura, a cultura dominante. Tal perspectiva desconsidera a diversidade cultural e contribui para consolidar a escolar como um espaço excludente. 10 REFERÊNCIAS APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. 3. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2006. DOSSIÊ: Educação Infantil e Base Nacional Comum Curricular: questões para o debate. Revista Debates em Educação, Maceió, v. 8, n. 16, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/2gnI4y>. Acesso em: 30 nov. 2018. GESSER, Verônica. A evolução histórica do currículo: dos primórdios à atualidade. Contrapontos, Itajaí, ano 2, n. 4, p. 69-81, jan./abr. 2002. Disponível em: <https://goo.gl/A3TkQ9>. Acesso em: 5 nov. 2018. MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Rev. Bras. Educ. [online]. n.23, p.156-168, 2003. Disponível em: <https://goo.gl/wdnBLQ>. Acesso em: 30 nov. 2018. PALMA FILHO, J.C. Os fundamentos da construção do currículo escolar e seus paradigmas. In: __________.; LEITE, Y.U.F.; ARENA,D.B. (orgs.). Pedagogia Cidadã: cadernos de formação: Gestão Curricular e Avaliação. São Paulo: UNESP, Pró-Reitoria de Graduação, 2005, p. 5-19. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2000. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 11 2 TEORIAS DO CURRÍCULO: TRADICIONAIS, CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS Continuamos o caminho pelos estudos relacionados ao currículo e aos programas. No bloco 1, iniciamos com o estudo sobre a história e as concepções de currículo, destacando-se asquestões relacionadas com a ideologia e do currículo escolar como elemento homogeneizador de uma cultura. Partindo ainda do princípio de que as práticas docentes são sempre sustentadas por concepções, estudar sobre as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas é importante para que possamos fazer nossas escolhas de modo consciente e intencional no sentido da construção de práticas docentes que tenham sentido e significado para nossos alunos. Sigamos! Bons estudos! 2.1 Teorias tradicionais De modo geral, as teorias tradicionais se constituem como adaptações de técnicas relacionadas ao mundo dos negócios e do trabalho para fins educacionais e, portanto, com forte preocupação com a eficiência, já que estão atreladas ao aspecto econômico. Além disso, parte do princípio da neutralidade científica na escolha dos conteúdos escolares, algo que é questionável, pois o conhecimento científico é permeado por concepções e relações que estabelecemos com a sociedade. É considerado o grande marco dessa teoria a publicação em 1908 do livro The Curriculum de Bobbit. Para tal teoria o currículo é simplesmente uma mecânica, a escola é uma fábrica e o aluno é um produto fabril. A maior preocupação era com o funcionamento dessa máquina, de como garantir melhores resultados com menos custos e menos tempo ocioso, por isso a preocupação com a organização e o método, isto quer dizer que “o currículo é visto como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e medidos”(SILVA, 1999, p. 12). Como o objetivo era formar mão de obra eficiente “o currículo se resume a uma questão de desenvolvimento, a uma questão técnica” (SILVA, 1999, p. 24) “é um processo de moldagem”, sendo necessário o “estabelecimento de padrões”. 12 Essas ideias foram muito difundidas nas escolas brasileiras na década de 1970, especialmente a partir da distribuição de guias curriculares. Para saber mais sobre essas teorias tradicionais, sugerimos que realize uma pesquisa sobre John Franklin Bobbit, Frederick Winslow Taylor e Ralph Tyler. Leitura Leia a obra a seguir para aprofundar seus conhecimentos: SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 2.2 Teorias críticas As teorias críticas são aquelas que se contrapõem a um modelo considerado técnico e tradicional e que buscam questionar a estrutura social em que vivemos e que contribuem para manter algo exatamente como é ou está (status quo). Por exemplo, poderíamos nos perguntar: que motivos levam a existência das desigualdades sociais? Neste contexto, o foco não está no “como” ensinar e sim com o “por que” deve ensinar determinados conteúdos. Além disso, os conteúdos não são os únicos elementos constitutivos da proposta: o cotidiano, a prática escolar, o currículo oculto, a organização dos espaços e dos tempos escolares são igualmente importantes. Ela questiona a propagada neutralidade da teoria tradicional, afirmando que tudo está relacionado ao poder e que a escola é o aparelho ideológico do Estado (Althusser), por isso não dá para analisar o currículo sem entender as questões ideológicas. Analisa como ocorre a reprodução cultural e social através do currículo e da escola e como essas questões estão permeadas pelas relações sociais de produção e pelas regras impostas pelo capitalismo, mas que sempre houve resistências. Analisa também os processos de conscientização, emancipação e libertação. Para saber mais sobre as teorias críticas, você pode realizar uma pesquisa sobre cada uma de suas abordagens, a saber: inspiração marxista (Althusser, Bourdieu, Passeron, Bowles, Gintis, Apple, Giroux e Bernstein), fenomenologia (Paulo Freire e outros), hermenêutica (Gadamer e outros), autobiografia (William Pinar e outros). 13 Sugerimos ainda que assista ao vídeo com trecho do filme “Tempos Modernos”, com Charles Chaplin (https://www.youtube.com/watch?v=XFXg7nEa7vQ), cujo personagem luta pela sobrevivência em uma sociedade industrializada. O filme nos ajuda a entender questões relacionadas ao capitalismo, ao stalinismo, ao nazifascismo, ao imperialismo e às relações de trabalho. Também sugerimos que ouça/assista o vídeo “Pink Floyd - AnotherBrick In The Wall” (https://www.youtube.com/watch?v=YR5ApYxkU-U), cuja letra nos ajuda a refletir sobre a rigidez das escolas e suas implicações para a formação dos estudantes. 2.3 Teorias pós-críticas As teorias pós-críticas são aquelas que procuram questionar alguns dos pressupostos das teorias críticas. Dentre as questões problematizadas estão aquelas relacionadas com o currículo multiculturalista, as relações de gênero e a pedagogia feminista, as dimensões étnico-raciais, a teoria queer, o pós-modernismo, o pós-colonialismo, os estudos culturais a pedagogia como cultura e a cultura como pedagogia. Essas teorias apontam para discussões em torno de questões que envolvem: identidade, alteridade, diferença; subjetividade; significação e discurso; saber-poder; representação; cultura; gênero, raça, etnia, sexualidade; multiculturalismo. Passa-se então a entender o currículo como espaço de questionamentos, transformações, resistências contra preconceitos disseminados no currículo tradicional, assim como valorização das culturas dos grupos minoritários e historicamente excluídos. Também concebe o conhecimento como algo que não é único e estático. O currículo multiculturalista, por exemplo, traz em si as demandas dos grupos considerados como dominados em detrimento daquilo que é valorizado como cultura dominante, ou seja, aquela que procura unificar e homogeneizar aquilo que se considera os pensamentos de uma nação e que, por isso, acaba silenciando as diferenças. Neste contexto, as pautas dos movimentos indígenas e quilombolas, das mulheres e das crianças, dentre outros grupos, por exemplo, representam um https://www.youtube.com/watch?v=XFXg7nEa7vQ https://www.youtube.com/watch?v=YR5ApYxkU-U 14 importante instrumento de luta, pois contribui para problematizar as desigualdades sociais e econômicas, além de considerar a pluralidade de culturas e diferenças. Considerando o curto tempo que temos para discutir todas essas questões na disciplina, é importante que você faça uma pesquisa sobre estes termos como maiores detalhes, no entanto, tentaremos trazer aqui algumas ideias para ajuda-los(as) nesse percurso. Leitura Para saber mais sobre o assunto, sugere-se a seguinte leitura: LOPES, Alice Casimiro. Teorias pós-críticas, política e currículo. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 39, p. 7-23, 2013. Disponível em: <https://goo.gl/o3qsJo>. Acesso em: 29 nov. 2018. 2.4 Currículo, identidade e cultura Moreira e Candau (2007) afirmam que o currículo é espaço de questionamento de nossas representações a respeito dos outros, de reconhecimento daquilo que constitui nossas identidades culturais e de críticas culturais. Partindo, portanto, do princípio de que a identidade se constrói nas interações sociais, a partir das ideias, crenças e valores de um determinado grupo, a construção da personalidade não é algo individual e acabado, mas coletivo e em construção. Silva (1999) afirma que o currículo é, ao mesmo tempo: lugar, espaço, território, relação de poder, percurso e documento de identidade, isto quer dizer que a escola é também responsável pela formação da identidade dos sujeitos sociais. Para isso é preciso considerar que a identidade não é algo fixo, não é uma essência, dado, estável, centrada, unificada, homogênea, definitiva. Ao contrário, ela é exatamente o inverso: instável, contraditória, fragmentada, inconsistente e inacabada. Ela é “uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo” (SILVA, 2000). 15 Em tempo deglobalização as identidades se reafirmam, se contestam e novos padrões identitários emergem. Inclusive as discussões sobre identidades nacionais. A produção de identidades está diretamente ligada a cultura, por isso torna-se importante discutir o próprio conceito de cultura. O que podemos afirmar é que não existe uma única cultura, como imposta pelo currículo tradicional. Existem culturas e elas são dinâmicas, flexíveis e históricas. São práticas simbólicas e reais de um determinado grupo, ou como afirma Morin, é o capital cognitivo, técnico e mitológico não inato. Que envolve tradição, concepção, crenças, do modo de se perceber ou de perceber o mundo, domínio e poder. A identidade cultural dos alunos está presente nas escolas e ela pode ser legitimada e silenciada pelo currículo. Há, portanto, pluralidade e diversidade, uma dimensão multicultural que traz diferentes culturas para dentro da escola contemporânea. Os estudos sobre currículo e educação têm apontado algumas direções para analisar essas questões. Em linhas gerais, podemos dizer que essas análises apontam o hibridismo, que traz a constatação que somos feitos de várias misturas e culturas diferentes; o multiculturalismo que afirma que é possível a coexistência de várias culturas, mas cada uma no seu espaço, e tem criado um movimento para reivindicar esses espaços; e a interculturalidade que propõe a interação entre as culturas. Neste contexto, currículo e cultura possuem estreita relação, e dependendo da concepção que tem de ambos, isso pode levar a discriminação e a exclusão escolar e social ou a inclusão escolar e social: “como temos considerado, no currículo, essa pluralidade, esse caráter multicultural de nossa sociedade? Como articular currículo e multiculturalismo? Que estratégias pedagógicas podem ser selecionadas” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 29). É nessa relação escola-currículo-aluno que se forjam as identidades, permeadas pelo contexto social, cultural e histórico. Portanto, é importante que ocorra a contextualização e compreensão do processo de construção das diferenças e das desigualdades para seja possível resistências, críticas, para a formulação e a promoção de novas situações pedagógicas e novas relações sociais. 16 Trata-se de conceber o currículo como espaço de questionamento de nossas representações sobre os “outros”, como espaço de reconhecimento de nossas identidades culturais, como um espaço de crítica cultural (MOREIRA; CANDAU, 2007). Saiba mais Para saber mais, recomenda-se a leitura das seguintes obras: MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/SvvFer>. Acesso em: 6 nov. 2018. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 2.5 Currículo e poder: currículo prescrito, oculto e em ação O conceito de currículo é complexo, dinâmico e histórico, passando por transformações e sofrendo influências do contexto histórico, cultural, econômico, político, social e pedagógico. Assim, todas essas dimensões são importantes de serem consideradas na discussão sobre currículo. Currículo também envolve escolhas e, portanto, envolve exclusões e relações de poder. Alguns estudiosos sobre currículo classificam-nos a partir das seguintes dimensões: currículo prescrito, oculto e em ação. O currículo prescrito está relacionado com aquilo que o Estado considera como currículo oficial e explícito, apresentado na forma de conteúdos a serem ensinados e incorporados pelos materiais didáticos. O currículo oculto se refere àquelas dimensões que, na dinâmica do cotidiano escolar, contribuem de modo implícito para aprendizagens sociais significativas aos estudantes. Dentre os exemplos, podemos citar determinadas atitudes e valores que são vivenciados no contexto escolar e que podem ser levados para a vida, tal como, por 17 exemplo, a escuta, a participação e o respeito às diferenças. Tais questões, não são vividas em formato de aulas, mas experimentadas ou não no cotidiano das instituições. O currículo em ação se refere à materialização do planejamento do/a professor/a, a partir daquilo que efetivamente acontece e das respostas que a comunidade dá à proposta do/a professor/a. Conclusão Neste bloco tratamos a respeito da importância de estudarmos sobre as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas de currículo como algo importante para que possamos fazer nossas escolhas de modo consciente e intencional para a construção de práticas docentes que tenham sentido e significado para nossos alunos. As questões trazidas aqui apontam para a necessidade de entender a estreita relação da escola com a sociedade e por isso a relevância dos estudos sociológicos para entender as teorias do currículo. Currículo não é neutro! Toda escolha envolve uma opção e uma exclusão! Isso é poder! Isso é ideologia! Currículo forja identidades! Currículo legitima ou silencia culturas! Como dissemos em outros momentos, o assunto é complexo e, portanto, é fundamental que você busque outras leituras sobre o tema e que faça uma pesquisa sobre os assuntos aqui discutidos. Iniciar pela leitura dos textos que citamos nas referências, pode ser um bom início de aprofundamento. Sigamos! REFERÊNCIAS LOPES, Alice Casimiro. Teorias pós-críticas, política e currículo. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n.39,p.7-23, 2013. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/SvvFer>. Acesso em: 6 nov. 2018. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 18 3 EDUCAÇÃO E CULTURA: O PAPEL DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO Neste terceiro bloco discutiremos a relação da educação com a sociedade e a função do currículo no processo de humanização. Para isso, o primeiro debate está em torno da escola como espaço de formação e humanização, para em seguida problematizar qual o papel do currículo para garantir a aprendizagem para todos e todas. Traremos também a discussão sobre as relações e possibilidades democráticas do currículo como mediador da relação da escola com a comunidade, o que nos leva a problematizar as polêmicas questões sobre currículo e diversidade, na intersecção entre classes sociais, raça, gênero e sexualidade. Para finalizar apontaremos alguns entraves na abordagem dos temas: trabalho, cidadania e sustentabilidade no currículo escolar. 3.1 A escola como espaço de formação e humanização Essa entrevista contou com a participação do Professor Doutor Cleriston Izidro dos Anjos, professor da Universidade Federal de Alagoas. Iniciamos a conversa querendo saber como que suas pesquisas sobre infância, tecnologia e, mais recentemente, as questões de moradia e luta das crianças e de suas famílias o faz enxergar a escola como espaço de formação e humanização. Também gostaríamos de saber se diante da atuação como professor, militante e pesquisador é possível construir de forma democrática um currículo que enfatize o diálogo e o respeito no processo de formação dos estudantes. Outra questão levantada foi sobre se apesar da presença dos ideais capitalistas no currículo escolar como a competitividade, o individualismo e a eficiência, é possível no cotidiano da escola ter espaço para a formação humana que priorize a coletividade. Perguntamos se atualmente, embora se debata sobre bullying, indisciplina e violência, se ele acredita que os currículos escolares prescrito e real contribuem para esses problemas.3 19 Para concluir, questionamos qual é o papel do/a nosso/a aluno/a na construção de um currículo que equilibra a formação escolar e profissional com a formação humana capaz de transformar a sociedade. Saiba mais Para saber mais sobre o que discutimos até o momento, sugiro a leitura do capítulo da obra abaixo: LIMA, Elvira Souza. Currículo e desenvolvimento humano. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. 3.2 O currículo e a aprendizagem para todos Para iniciar gostaria de levantar a seguinte questão: É possível garantir que todos/as os/as alunos/as aprendam? Para falarmos sobre isso, é preciso reafirmar que o currículo envolve sempre uma escolha e com isso, exclusões. Podemos dizer que a escola é uma instituição que tem uma finalidade, ou seja, seu principal fim é a escolarização da população. Agora sim, de toda população, já que nos seus primórdios ela era apenas para poucos. Embora saibamos que esse objetivo abarca questões políticas, sociais, econômicas e não apenas pedagógicas, ou seja, ensinar e aprender os conhecimentos escolares envolve pensar na sociedade de forma ampla, afinal, está sendo formada ali uma geração de seres humanos, de cidadãos. A democratização da escola não garantiu aprendizagem para todos/as. As desigualdades de qualidade e oportunidades continuam presentes nos diferentes contextos sociais e culturais. O currículo escolar ainda reproduz uma única cultura e estimula práticas excludentes com provas e exames em nome da profissionalização e do mercado de trabalho. Como você pode ver, aprender não abrange apenas aspectos psicológicos que determinam se a criança está pronta ou não para entender determinado conteúdo. 20 Assim como ensinar não se reduz apenas a técnica e metodologia, nem tampouco a recursos tecnológicos. O processo educativo envolve pessoas, sujeitos históricos e culturais que agem na sociedade e lutam por reconhecimento. Isso significa dizer que só ocorre aprendizagem quando esse sujeito é reconhecido, quando sua cultura está presente no currículo e sua participação é valorizada. Mas você deve estar se perguntando: Então não é possível garantir que todos aprendam? Não é possível garantir que todos/as aprenderam no mesmo tempo, ritmo e profundidade desejada, pois a forma que cada um/a assimila e produz conhecimento é particular, mas é possível elaborar um currículo que garanta a possibilidade para que todos/as aprendam, ou seja, a aprendizagem significativa deve estar ao alcance de todos e para isso é necessário um currículo inclusivo baseado nas especificidades de cada sujeito, da sua cultura e do seu contexto social. Que priorize a igualdade de oportunidades, com acesso e qualidade para todos/as. Saiba mais Quem quiser saber mais sobre o assunto que discutimos até o momento, além das outras obras já mencionadas, sugere-se ainda: ARROYO, Miguel. Educandos e educadores: seus direitos e o currículo. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. 3.3 Currículo, escola e comunidade: relações e possibilidades No terceiro tópico desse bloco queremos debater como o currículo pode contribuir na mediação da relação entre a escola e a comunidade. Para isso se faz necessário pensar num currículo flexível, baseado numa gestão democrática, fundamentada no diálogo e na participação da comunidade e de todos os agentes da escola, ou seja, equipe gestora, equipe técnica, professores/as, funcionários/as, alunos/as e famílias. 21 A escola ao mesmo tempo em que deve estar discutindo e aplicando as determinações e diretrizes mais amplas prescritas nas normatizações curriculares, também deve estar preocupada com as necessidades locais e com as questões sociais. Tais questões sociais envolvem a vulnerabilidade das crianças e de suas famílias, a questão da exclusão social e, consequentemente, da evasão escolar. A escola deve estar atenta às causas e os efeitos dessas questões sociais no cotidiano e elaborar um currículo que dê conta desses problemas da comunidade. A relação das escolas com a comunidade tem sido conflituosas, preconceituosas, baseadas na hierarquia, o que leva ao sentimento de não pertencimento de ambas. Isto significa dizer que a escola não está atenta e nem aberta à sua comunidade, o que tem gerado vários conflitos e impasses, prejudicando a qualidade do processo educativo. Com isso podemos pensar que as possibilidades dessa relação ser mais profícua está no diálogo, respeito e participação por parte da equipe escolar, da família e dos/as próprios/as alunos/as. Saiba mais Quem quiser saber mais sobre o assunto que discutimos até o momento, além das outras obras já mencionadas, sugere-se ainda: VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção coletiva. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 14. ed. São Paulo: Papirus, 2002. 3.4 Currículo e diversidade: classes sociais, raça, gênero e sexualidade Para iniciar esse debate é preciso refletir e discutir sobre os significados dos termos “diversidade” e “diferença”. Estamos aqui tomando a diversidade como um fenômeno que atravessa o tempo e o espaço, como uma construção histórica, cultural e social das diferenças. Trata-se de um processo de socialização, de humanização e desumanização que está “presente na produção de práticas, saberes, valores, linguagens, técnicas 22 artísticas, científicas, representações do mundo, experiências de sociabilidade e de aprendizagem” (GOMES, 2007). Diante disso é possível pensar as diferenças como “construídas pelos sujeitos sociais ao longo do processo histórico e cultural, nos processos de adaptação do homem e da mulher ao meio social e no contexto das relações de poder” (ibidem). Essas relações de poder e dominação são marcadas por processos de tensão, conflitos, tratada de maneira desigual e naturalizada. Sendo assim, podemos pensar o currículo como experiências e práticas concretas, construídas por sujeitos concretos, imersos em relações de poder. O currículo pode “aprofundar os processos de exclusão e silenciar a pluralidade existente na realidade social”; mas também “pode ser um vetor de mudança e de problematização dos processos de exclusão existentes”, para isso é preciso "ver a diversidade nos processos de produção e de seleção do conhecimento escolar" (GOMES, 2007, p. 4). Temos visto no Brasil, como efeito das lutas sociais, um avanço nas políticas sociais e educacionais, como a produção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), mais especificamente, o tema transversal “pluralidade cultural”, assim como também a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) em 2004. Até então essas políticas traziam o silenciamento das diferenças no campo da educação, assim como, a construção da heteronormatividade como norma e normalidade e a estética branca como modelo. A utilização indiscriminada das palavras diferença e diversidade leva a um esvaziamento político e social, e consequentemente ao apaziguamento das relações sociais. De maneira que esta espécie de outro onde foram colocados e excluídos os diferentes, os racializados, colocados no lugar da doença e/ou desvio e tratados como inexistentes, incivilizados, bárbaros, estranhos são de alguma maneira recapturados por uma rede denominada diversidade, e incorporados, ou melhor, incluídos, de forma que a diferença que anunciam não faça nenhuma diferença (ABRAMOWICZ; RODRIGUES;CRUZ, 2011, p. 93 grifos meus). Pensar na relação do currículo com a diversidade é discutir as diferenças de gênero, sexualidade, raça, etnia e classes sociais como inter-relacionadas ou interseccionadas. 23 [...] essa sociedade é construída em contextos históricos, socioeconômicos e políticos tensos, marcados por processos de colonização e dominação. Estamos, portanto, no terreno das desigualdades, das identidades e das diferenças (GOMES, 2007, p.22 grifos meus). Para isso se faz necessário nos indagar quais histórias das narrativas do currículo tem sido contadas sobre as relações raciais, os movimentos do campo, o movimento indígena, o movimento das pessoas com deficiência, a luta dos povos da floresta, as trajetórias dos jovens da periferia, as vivências da infância (principalmente a popular) e a luta das mulheres (GOMES, 2007). São noções estereotipadas ou interpretação emancipatória dessas lutas e grupos sociais? É importante perguntar “que grupos sociais têm o poder de se representar e quais podem apenas ser representados nos currículos? Que grupos sociais e étnico-raciais têm sido historicamente representados de forma estereotipada e distorcida?” (GOMES, 2007). A questão racial permeia toda a história social, cultural e política brasileira e afeta a todos/as nós, independentemente do nosso pertencimento étnico-racial. Mas isso nem sempre esteve nas pautas de discussão da educação brasileira, foi preciso que o movimento negro reivindicasse seu espaço, e essa luta tem gerado algumas iniciativas do Estado, como a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); a Coordenadoria de Diversidade e Inclusão Educacional (SECAD); a lei 10639/03 (que determina o ensino da história e da cultura afro-brasileira nos currículos); a inclusão no calendário escolar do Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro e a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira. É preciso enfatizar que falar sobre diversidade e diferença implica posicionar-se contra o processo de colonização e dominação, portanto, a “inserção da diversidade nos currículos implica compreender as causas políticas, econômicas e sociais de fenômenos como etnocentrismo, racismo, sexismo, homofobia e xenofobia”. (GOMES, 2007, p.25). E entender o impacto subjetivo destes processos na vida dos sujeitos sociais e no cotidiano da escola. Assim como “incorporar no currículo, nos livros didáticos, no plano de aula, nos projetos pedagógicos das escolas os saberes produzidos pelas diversas 24 áreas e ciências articulados com os saberes produzidos pelos movimentos sociais e pela comunidade” (GOMES, 2007, p. 25). É preciso pensar que “a diversidade é uma dimensão constitutiva do currículo, do planejamento das ações, das relações estabelecidas na escola”. Como também é importante enfatizar que a discussão da diversidade no campo do currículo é resultado das lutas dos movimentos sociais e culturais. Gomes (2007) nos alerta que para percebermos o caráter indagador da diversidade no currículo é preciso analisar as propostas e documentos oficiais que estão presentes no nosso cotidiano, haja vista que as questões sociais, culturais, regionais e políticas ocupam lugar provisório transversal e, por vezes, marginal no currículo. Isto é “o lugar não hegemônico ocupado pelas questões sociais, culturais, regionais e políticas que compõem a “parte diversificada” dos currículos pode ser visto, ao mesmo tempo, como vulnerabilidade e liberdade”. (GOMES, 2007, p.29). E por último afirmamos que a diversidade indaga os currículos e a escolas a repensar seu ordenamento temporal como exigência da garantia do direito de todos e todas a educação. Pois, “conviver com a diferença (e com os diferentes) é construir relações que se pautem no respeito, na igualdade social, na igualdade de oportunidades e no exercício de uma prática e postura democráticas (GOMES, 2007, p. 30). Saiba mais Quem quiser saber mais sobre o assunto que discutimos até o momento, além das outras obras já mencionadas, sugere-se ainda: ABRAMOWICZ, Anete; RODRIGUES, Tatiane Consentino; CRUZ, Ana Cristina. A diferença e a diversidade na educação. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, v. 2, n. 2, p. 85-97, 2011. Disponível em: <https://goo.gl/tFVHhC>. Acesso em: 30 nov. 2018. ARROYO, Miguel G. Os Movimentos Sociais e a construção de outros currículos. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 55, p. 47-68, jan./mar. 2015. Disponível em: <https://goo.gl/nDVCVH>. Acesso em: 30 nov. 2018. 25 GOMES, Nilma Lino. Diversidade e Currículo. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica: 2007. OLIVEIRA, Amurabi Pereira de. Gênero, sexualidade e diversidade no currículo escolar: a experiência do papo sério em Santa Catarina. Práxis Educacional. Vitória da Conquista v. 11, n. 18 p. 131-151 jan./abr. 2015. Disponível em: <https://goo.gl/BWKUB8>. Acesso em: 30 nov. 2018. 3.5 Currículo: trabalho, cidadania e sustentabilidade Iniciamos essa discussão com uma problematização de Arroyo (2007, p. 29): “avançamos vendo os alunos como cidadãos, porém, ainda os vemos como mercadoria a ser qualificada para o mercado”. Isto quer dizer que ainda há uma tendência nas escolas de ver os alunos como mercadoria e como empregáveis. O autor nos chama a atenção para o fato de que a própria organização da escola obedece a lógica do mercado e ratifica essa visão mercantilizada que temos dos educandos, como por exemplo, através do ordenamento dos conteúdos por níveis, disciplinas, assim como pela lógica do mérito e do sucesso. As reorientações curriculares ainda estão motivadas “pelas novas exigências que o mundo do mercado impõe para os jovens que nele ingressarão”. As demandas do mercado, da sociedade, da ciência, das tecnologias e competências, ou a sociedade da informática ainda são os referenciais para o que ensinar e aprender. (ARROYO, 2007, p. 24). Diante disso “reduzimos o currículo e o ensino a uma sequenciação do domínio de competências e a uma concepção pragmatista, utilitarista, cientificista e positivista de conhecimento e de ciência” (ARROYO, 2007, p. 26). Ao submeter o currículo e a escola à lógica do mercado, “renunciamos a possibilidade de ter outro projeto de sociedade, de formação humana, de educação”. [...] é sensato e profissional relativizar o papel das demandas do mercado na hora de indagar e reorientar currículos. É urgente recuperar o conhecimento como núcleo fundante do currículo e o direito ao conhecimento como ponto de partida para indagar os currículos. (ARROYO, 2007, p. 26). 26 Podemos considerar como ponto de partida para indagar os currículos, a relação entre o direito ao trabalho e os saberes sobre o trabalho. Na medida em que os/as profissionais e os/as trabalhadores/as “vem exigindo o direito à formação, ao conhecimento, a se apropriar dos conhecimentos das tecnologias, das ciências, para controle do trabalho e para a sua autonomia política” é o momento de pensar o currículo que “não reduza os saberes sobre o trabalho ou domínio de um elenco de habilidades e competências pragmáticas, mas que garanta o direito de aprender a utilizar os instrumentos e tecnologias da produção para seu controle”. (Ibidem) Tendo em vista que “há muito conhecimento acumulado sobre os mundos do trabalho, sobre os processos de produção, sobre as relações sociais de produção. Porque não abrir um debate sobre esses saberes e como os incorporar nos currículos?” Podemos incluir na escola a discussão sobre a exploração no trabalho, sobre o trabalho infantil, sobreo trabalho pela sobrevivência, falta de horizonte de trabalho para os jovens e a sua inserção na economia informal. Assim como também refletir sobre as formas de trabalho na produção camponesa, na agricultura familiar, a resistência dos povos do campo, a destruição dessas formas de produção e trabalho, a resistência a perder seus saberes sobre essas formas de trabalho (Ibidem). Assim como a relação com o trabalho, a relação da humanidade com a natureza é também baseada no modelo consumista e capitalista de produção, ou seja, uma relação predatória que reverbera também no estilo de vida e tem causado muitos desastres ambientais. A sustentabilidade é um grande desafio político, ético e econômico, o que torna necessária a construção da consciência crítica, isto é, "o educador precisa romper com as propostas educacionais articuladas aos interesses do grande capital e assumir uma perspectiva revolucionária de homem e de mundo" (TOZONI-REIS, 2011). Para isso é preciso pensar no currículo escolar que englobe a educação ambiental para a sustentabilidade como um "processo que articula teoria e prática para transformação das relações das sociedades com o ambiente" (Ibidem). Para tanto, torna-se necessário "o exercício de pensar e agir de modo integrado, a ação transformadora da consciência e da realidade, sem dicotomizar sociedade e natureza" (TOZONI-REIS, 2011). 27 Diante disso, cabe entender a cidadania como a prática social, lugar de luta, assim como sua relação com o poder, a política e a comunidade. [...] é um termo que é utilizado na concepção de uma prática histórica socialmente reconstruída por cada geração e cujo significado só tem sentido se corresponder às experiências e práticas sociais vividas pelos sujeitos que constituem as diversas fases da vida pública (GIROUX apud PACHECO, 2000, p. 4). "A educação para a cidadania é um espaço que não pode ser secundarizado nas propostas pedagógicas" (PACHECO, 2000, p. 9). Isso exige da escola uma postura ética, que entenda a democracia como uma luta para defender os direitos civis e melhorar a qualidade da vida humana. Trata-se, portanto, de conceber o currículo e sua relação com a democracia e a participação dos alunos e de sua família na vida pública com responsabilidade, autonomia e solidariedade. Como é possível visualizar no vídeo, a relação do currículo com a sustentabilidade, o trabalho e a cidadania ocorre quando há respeito aos saberes locais, diálogo e participação dos/as envolvidos/as no processo educativo. Saiba mais Quem quiser saber mais sobre o assunto que discutimos até o momento, além das outras obras já mencionadas, sugere-se ainda: ARROYO, Miguel. Educandos e educadores: seus direitos e o currículo. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. PACHECO, José. A educação para a cidadania: o espaço curricularmente adiado. Revista Teias. Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, 2000. TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação e sustentabilidade: relações possíveis. Olhar de professor, Ponta Grossa, v. 14, n. 2, p. 293-308, 2011. Disponível em: <https://goo.gl/J9CGNa>. Acesso em: 30 nov. 2018. 28 Conclusão Neste bloco discutimos alguns aspectos relacionados à relação do currículo com a sociedade e o papel do currículo no processo de humanização. Para isso, questionamos um entrevistado sobre as possibilidades da escola ser um espaço de formação e humanização, a fim de garantir que haja a transformação da sociedade. Dando continuidade a essa discussão, conversamos sobre o currículo e a aprendizagem para todos e de como essa reflexão é importante para uma prática profissional que defenda uma educação democrática e igualitária. Assim como a luta pela autonomia da escola na elaboração do currículo para que seja possível a todos/as aprenderem. Vimos também como as relações entre currículo, escola e comunidade são hierarquizadas, preconceituosas e conflituosas, tendo em vista que há um distanciamento entre ambos. Mas existem possibilidades de aproximação, desde que haja diálogo, respeito e participação de todos/as. Essa participação também está condicionada a questão da diversidade e da reflexão sobre gênero, sexualidade, raça e classes sociais, o que implica pensar um currículo e uma escola que seja um espaço de luta contra processos de dominação e colonização, assim como de combate a preconceitos, ao racismo e a homofobia. Para finalizar, refletimos sobre os impasses que envolvem o currículo, trabalho, cidadania e sustentabilidade numa sociedade capitalista que prega a competitividade, o individualismo e o pragmatismo, que dificulta práticas de cidadania e sustentabilidade na medida em que essas estão voltadas para lutas sociais e busca de qualidade de vida para todos/as. 29 REFERÊNCIAS ABRAMOWICZ, Anete; RODRIGUES, Tatiane Consentino; CRUZ, Ana Cristina. A diferença e a diversidade na educação. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, v. 2, n. 2, p. 85-97, 2011. Disponível em: <https://goo.gl/tFVHhC>. Acesso em: 30 nov. 2018. ACOSTA, Javier Marrero. O currículo interpretado: o que as escolas, os professores e as professoras ensinam? In: SACRISTÁN, José Gimeno (org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Trad.: Alexandre Salvaterra. São Paulo: Penso, 2013, p. 188-208. APPLE, Michael W. Currículo oculto e a natureza do conflito. In: APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. Trad.: Vinicius Figueira. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 124-159. ARROYO, Miguel G. Educandos e educadores: seus direitos e o currículo. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. ARROYO, Miguel G. Os Movimentos Sociais e a construção de outros currículos. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 55, p. 47-68, jan./mar. 2015. GOMES, Nilma Lino. Diversidade e Currículo. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica: 2007. LIMA, Elvira Souza. Currículo e desenvolvimento humano. In: BEAUCHAMP, Janete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do. Indagações sobre currículo: currículo e desenvolvimento humano. 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SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo em ação: os resultados como legitimação do currículo. In: SACRISTÁN, José Gimeno (org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Trad.: Alexandre Salvaterra. São Paulo: Penso, 2013, p. 262-280. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016. TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação e sustentabilidade: relações possíveis. Olhar de professor, Ponta Grossa, v. 14, n. 2, p. 293-308, 2011. Disponível em: <https://goo.gl/J9CGNa>. Acesso em: 30 nov. 2018. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção coletiva. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 14. ed. São Paulo: Papirus, 2002. 31 4 CONSTRUÇÕES CURRICULARES NO BRASIL Continuamos o caminho pelos estudos relacionados ao currículo e aos programas. No bloco 1, iniciamos com o estudo sobre a história e as concepções de currículo, destacando-se as questões relacionadas com ideologia e do currículo escolar como elemento homogeneizador de uma cultura. No bloco 2, estudamos sobre as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas e refletimos sobre a importância de conhecermos mais sobre o currículo para que possamos fazer nossas escolhas de modo consciente e intencional no sentido da construção de práticas docentes que tenham sentido e significado para nossos alunos. No bloco 3, refletimos sobre o papel do currículo no processo de humanização. Neste bloco que agora iniciamos, refletiremos um pouco sobre as construções curriculares no Brasil. Bons estudos! 4.1. Currículo: documentos normativos, orientadores e organizativos Iniciaremos nossa conversa falando um pouco sobre o currículo e seus documentos normativos, orientadores e organizativos. No Brasil, nas últimas décadas, temos produzidos alguns documentos orientadores, tais como: a Política Nacional de Formação de Professores, a Política Nacional de Materiais e Tecnologias Educacionais, a Política Nacional de Infraestrutura Escolar, a Política Nacional de Avaliação da Educação Básica e o Plano Nacional de Educação, dentre outros. Esses documentos têm servido como orientação para elaboração de currículos nas escolas. Existem, ainda, aqueles documentos que são considerados como normativos, e por isso, fundamentais para a elaboração de propostas curriculares. São eles: a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº9394 (BRASIL, 1996); a Política Curricular Nacional (BRASIL, 2005), as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2009) e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), denominamos também como currículo prescrito. 32 A ideia é a de que, após consultar esses documentos, a escola possa elaborar a sua proposta curricular e seus documentos organizativos, que são: os projetos político- pedagógicos, os planos de curso, os programas das disciplinas, os planos de aula, ou seja, a proposta do currículo em ação ou do currículo real. Todo esse processo deve ser parte de uma gestão democrática e resultado de construções coletivas. Saiba mais Para saber mais sobre o que discutimos até o momento, sugiro a leitura das obras abaixo: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010. Disponível em: <https://goo.gl/UsTErZ>. Acesso em: 30 nov. 2018. 4.2 Os Parâmetros Curriculares Nacionais Nesse segundo tópico falaremos sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Os PCN estão organizados em 12 volumes: introdução, língua portuguesa, matemática, ciências naturais, história e geografia (volumes 1 e 2), arte, educação física, temas transversais - apresentação, temas transversais - ética, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural e orientação sexual. Durante muito tempo, "os PCN serviram de guia para concepção e o desenvolvimento da maioria das propostas curriculares brasileiras" (GALIAN, 2014, p. 651). Galian (2014) deixa claro que "o processo de definição de uma proposta curricular é sempre marcado por contradições, resistências e disputas movidas por interesses diversos" (ibidem). Os PCN, embora não obrigatórios, trazem em sua proposta a ideia de currículo único que, para Cury (1996), "podem significar mais do que uma listagem mínima em geral de disciplinas obrigatórias para o todo país". Ele esclarece que parâmetro "pode dar, até mesmo pela sua origem etimológica, uma ideia de uma "medida" ou de uma "linha" geométrica constante e variável". Trata-se, portanto, de uma proposta de currículo nacional que tem a ver com a função social do Estado de "atender a um direito do cidadão que busca na educação escolar uma via de cidadania 33 compartilhada com seus concidadãos". Estamos, portanto, falando da relação entre direito e dever. "Logo uma discussão sobre parâmetros curriculares nacionais deve desaguar na obediência à Constituição através de um conhecimento profundo dessas diferenças no interior da escola pública e através do caminho próprio defendido pelos grandes nomes da educação: o diálogo". Para Cury (1996), é preciso fazer uma radiografia das escolas realmente existentes e de suas peculiaridades, de modo que isso possa contribuir para pensar num método criativo em que "a unidade nacional pretendida seja a unidade, não uniformidade, na medida em que essa unidade passa pelo enfrentamento da diversidade". Apesar de toda a sua ampla divulgação e utilização por muitos anos nas escolas brasileiras, os PCN também sofreram críticas, tais como pelo "seu potencial para fomentar a formação de identidades muito marcadas pela perspectiva neoliberal", pelo "viés psicologizante assumido na fundamentação teórica das escolhas curriculares, em detrimento dos aspectos sociológicos e políticos do debate", pelo "excessivo detalhamento das orientações", pela "insuficiência dos temas transversais para o tratamento e a promoção da crítica em relação aos debates em torno da diversidade e da pluralidade cultural" (GALIAN, 2014), dentre outras críticas. Diante disso, é importante perguntar: "é possível uma proposta curricular, em qualquer nível administrativo, em que a legitimidade da proposta não passe pela subjetividade dos profissionais da educação?" (CURY, 1996, p. 6). Para finalizar, deixamos a problematização proposta por Cury (1996, p. 6): Desafio permanente para qualquer democracia é a natureza e o grau de participação que deve pautar a relação entre "dirigentes e dirigidos". Desafio permanente para todos é o grau de flexibilidade dos dispositivos normativos para que não impeçam a crítica e a criatividade. A seguir, daremos continuidade a nossa reflexão, com a discussão sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica. 34 Saiba mais Para saber mais sobre o que discutimos até o momento, sugiro a leitura das obras abaixo: BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacional. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: <https://goo.gl/fE2aE>. Acesso em: 30 nov. 2018. 4.3 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica foram pensadas e criadas para orientar e normatizar a educação brasileira com o propósito de garantir a equidade de aprendizagem dos conteúdos mínimos em todas as escolas do sistema de ensino. As Diretrizes (BRASIL, 2013) foram construídas, com os seguintes objetivos: I – sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica presentes nos dispositivos legais de modo a traduzi-los em orientações que assegurem a formação básica comum nacional, tendo como foco os agentes da educação; II – estimular críticas e reflexões que possam contribuir para a formular, executar e avaliar os projetos pedagógicos das escolas; III – orientar os cursos de formação inicial e continuada de profissionais da Educação Básica,os sistemas educativos e suas escolas, independentemente da rede a que pertençam. Também é importante destacar que as Diretrizes para a Educação Básica também é objeto de algumas críticas. Dentre elas, estão as problematizações que procuram tecer diálogos entre a realidade dos diversos contextos, as questões de acesso e permanência e os projetos de educação e de sociedade que estão em disputa. 35 Saiba mais Para saber mais sobre o que discutimos até o momento, sugiro a leitura da obra abaixo: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010. Disponível em: <https://goo.gl/UsTErZ>. Acesso em: 30 nov. 2018. 4.4 Proposições curriculares Neste tópico, trazemos alguns apontamentos sobre proposições curriculares ou, mais especificamente, quais são os elementos indispensáveis para pensar em proposições curriculares para a educação infantil e para o ensino fundamental, que se constituem como campos de atuação docente dos/as pedagogos/as. Antes de tudo, é importante pensar na continuidade e na transição entre essas etapas da Educação Básica, ou seja, ter uma visão de currículo integrado e levar em consideração os princípios éticos, políticos e estéticos propostos nas diretrizes curriculares, assim como projetos pedagógicos participativos e consistentes. Para pensar em propostas curriculares na educação infantil, temos que levar em consideração os seguintes elementos: • na primeira etapa da Educação Básica, não são conteúdos escolares no sentido estrito do termo e sim diferentes linguagens e campos de experiências; • educar e cuidar são processos indissociáveis; • os eixos estruturantes da proposta devem ser as brincadeiras e as interações; • os tempos e os espaços devem ser pensados para as crianças viverem as suas infâncias; • a parceria respeitosa com a família é fundamental; • a inclusão deve estar presente em todo processo; 36 • todas as propostas devem incluir a valorização da diversidade cultural. Já as propostas do Ensino Fundamental ainda são centradas nas áreas de conhecimento, embora baseadas pela interdisciplinaridade. As propostas devem levar em consideração também os objetivos de aprendizagem e de desenvolvimento em cada etapa, assim como as tecnologias de aprendizagem. Também se torna necessária uma parceria respeitosa com a família, a presença de projetos de inclusão em todo processo e a valorização da diversidade cultural. Nas séries iniciais, ainda se torna necessário pensar os processos de letramento que considerem os conhecimentos trazidos pelas crianças, sua autonomias, criatividade e capacidade de produzir culturas infantis. Como exemplo de proposições curriculares para essa etapa, podemos destacar: aprendizagem baseada em problemas; trabalho por projetos; temas geradores e problematização; módulos de aprendizagem; educação online e os ciclos de formação. Faça uma pesquisa sobre cada uma delas! Saiba mais Para saber mais sobre o que discutimos até o momento, sugiro a leitura da obra abaixo: BRASIL. Projeto de Cooperação Técnica MEC / Universidade Federal do Rio Grande do Sul para Construção de Orientações Curriculares para a Educação Infantil. Práticas cotidianas na Educação Infantil: bases para reflexão sobre as Orientações Curriculares. Brasília, MEC/Secretaria de Educação Básica/UFRGS, 2009. Disponível em: <https://goo.gl/ThD7H>. Acesso em: 30 nov. 2018. 4.5 Currículo por competências: risco tecnicista e psicologizante, possibilidades críticas Neste tópico a discussão é sobre Currículo por competências: risco tecnicista e psicologizante; possibilidades críticas. Tal debate exige pensarmos se o currículo 37 escolar deve ter como foco o mundo do trabalho. Para isso, é preciso reafirmar que o currículo é uma construção social e histórica, que envolve uma complexidade de elementos. Assim como o próprio conceito de competências é complexo e abarca questões políticas, sociais e econômicas. Podemos dizer que a ideia de competências surge aliada a preocupação com uma formação escolar voltada para o mercado de trabalho. Para formar trabalhadores/as aptos precisaria de um currículo baseado nas habilidades necessárias para preencher as lacunas da mão de obra barata. Trata-se de uma busca para que a escola dê conta das exigências de competitividade, produtividade e de inovação do sistema produtivo. Passa-se assim, a priorizar um saber-fazer para uma suposta qualificação universal que possa garantir certa empregabilidade a uma parcela da população escolarizada. O currículo, neste cenário, está diante de um impasse entre a formação geral e a formação profissional. A ênfase dada apenas na formação profissional pode tornar a escola refém de uma instrumentalização por parte do mercado de trabalho, o que pode acarretar numa formação restrita, falha e alienada. Além disso, retoma a ideia piscologizante de padrões de comportamento e controle das atitudes em nome do progresso e da produtividade. Em contrapartida, ignorar a formação profissional no currículo também pode levar ao desinteresse e à evasão por parte dos/as estudantes, que não enxergam na escola a possibilidade de um futuro emprego e ascensão social pelo fato de não reconhecerem, no currículo, elementos que interessem a uma vida profissional e social. O que está em jogo é: como pensar um currículo por competências que não seja voltado exclusivamente para uma formação profissional? É o que as reformas de ensino vêm tentando fazer, mas para cada avanço existem vários retrocessos. E essa discussão sempre está em pauta. No Brasil, ampliamos o conceito de competências e destinamos o ensino médio para uma formação mais profissional, a escolha do/a estudante. Embora, encontramos tais preocupações desde a educação infantil, quando se tem práticas pedagógicas voltadas para uma escolarização precoce e instrumental ancorada na urgência de formação técnica que garanta um futuro sucesso profissional, este não é o foco da educação das crianças pequenas, mas a formação integral da criança e seu direito à infância. 38 Como possibilidades críticas, podemos apontar as concepções de currículo que procuram considerar a articulação entre teoria e prática e a concepção de formação integral, isto é, a junção de competências, valores, habilidades, experiências, descobertas, criação, inovação, autonomia que trazem a perspectiva política de transformação social. Saiba mais Para saber mais sobre o que discutimos até o momento, sugiro a leitura da obra abaixo: COSTA, Thais Almeida. A noção de competência enquanto princípio de organização curricular. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 29, p. 52-62, ago. 2005. Disponível em: <https://goo.gl/4Uqvw6>. Acesso em: 30 nov. 2018. Conclusão Neste bloco, procuramos refletir sobre as construções curriculares no Brasil e os documentos e propostas que contribuem para esta reflexão. O assunto é extenso e está constantemente em pauta e, por isso, é importante que a gente procure se manter atualizado sobre o assunto. Faça uma pesquisa sobre os documentos que embasam o currículo da Educação Básica no site do Ministério da Educação. Procure ler artigos científicos disponíveis sobre o assunto, para tomar conhecimento de críticas e possibilidades sobre o tema. Sigamos! REFERÊNCIAS BRASIL. Projeto de Cooperação Técnica MEC / Universidade Federal do Rio Grande do Sul para Construção de Orientações Curriculares para a Educação Infantil. Práticas cotidianas na Educação Infantil: bases para reflexão sobre as Orientações Curriculares. Brasília, MEC/Secretaria de Educação Básica/UFRGS, 2009. Disponível em: <https://goo.gl/ThD7H>. Acesso em: 30 nov. 2018. 39 BRASIL. Ministério daEducação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010. Disponível em: <https://goo.gl/dWqEjM>. Acesso em: 30 nov. 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010. Disponível em: <https://goo.gl/UsTErZ>. Acesso em: 30 nov. 2018. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacional. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: <https://goo.gl/fE2aE>. Acesso em: 30 nov. 2018. COSTA, Thais Almeida. A noção de competência enquanto princípio de organização curricular. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 29, p. 52-62, ago. 2005. Disponível em: <https://goo.gl/4Uqvw6>. Acesso em: 30 nov. 2018. CURY, Carlos Roberto Jamil. Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 2, p. 4-17, ago. 1996. Disponível em: <https://goo.gl/sqHHkf>. Acesso em: 30 nov. 2018. OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. O currículo na Educação Infantil: o que propõem as Novas Diretrizes Nacionais? Anais do I Seminário Nacional: Currículo em Movimento – Perspectivas Atuais. Belo Horizonte, novembro de 2010. Disponível em: <https://goo.gl/rMpLZQ>. Acesso em: 30 nov. 2018. GALIAN, Cláudia Valentina Assumpção. Os PCN e a elaboração de propostas curriculares no Brasil. Cadernos de Pesquisa [online]. vol. 44, n. 153, p. 648-669, jul./set. 2014. Disponível em: <https://goo.gl/TnSnZD>. Acesso em: 30 nov. 2018. 40 5 CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL: CONCEPÇÕES E POLÍTICAS Continuamos o caminho pelos estudos relacionados ao currículo e aos programas. No bloco 1, iniciamos com o estudo sobre a história e as concepções de currículo, destacando-se as questões relacionadas com ideologia e do currículo escolar como elemento homogeneizador de uma cultura. No bloco 2, estudamos sobre as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas e refletimos sobre a importância de conhecermos mais sobre o currículo para que possamos fazer nossas de modo consciente e intencional no sentido da construção de práticas docentes que tenham sentido e significado para nossos alunos.No bloco 3, refletimos sobre o papel do currículo no processo de humanização. No bloco 4, refletimos sobre as construções curriculares no Brasil. Neste bloco, nos debruçaremos sobre concepções e políticas relacionadas ao currículo da Educação Básica no Brasil. Bons estudos! 5.1 A política curricular e a organização do currículo na Educação Infantil Neste tópico vamos apresentar a política curricular para educação infantil, explorando e refletindo sobre a organização do currículo nessa etapa da Educação Básica. É importante ressaltar que essas políticas, antes da década de 1980, tinham como pressuposto a separação entre educar e cuidar, a visão de assistencialismo como compensação e uma concepção de rotina engessada e fragmentada. A partir da homologação da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que define a educação infantil como dever do Estado, e da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – (BRASIL, 1990), começam a surgir iniciativas governamentais para pensar esta etapa da Educação. Uma dessas iniciativas foi a criação da Coordenação Geral de Educação Infantil na Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (COEDI/MEC). Inicia-se, então, a produção de vários materiais e documentos para organizar o funcionamento e as práticas da Educação Infantil, dentre eles podemos citar: 41 • Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 1994); • Por uma política de Formação do Profissional de Educação Infantil (BRASIL, 1994a); • Critérios para um atendimento em creches que respeitem os direitos fundamentais das crianças (BRASIL, 1995); • Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil (BRASIL, 1996) • “Critérios para um atendimento em creches que respeitem os direitos fundamentais das crianças” (BRASIL, 1995) • Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil” (BRASIL, 1996) Estes documentos estão disponíveis na internet e é importante que você faça uma pesquisa sobre eles e os conheça. Feita esta consideração, daremos continuidade a nossa reflexão sobre a Educação Infantil. No início da década de 1990, a Política Nacional de Educação Infantil trazia como objetivo proporcionar condições adequadas de desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social da criança e promover a ampliação de suas experiências e conhecimentos, estimulando seu interesse pelo processo de transformação da natureza e pela convivência em sociedade (BRASIL, 1994, p. 15). A Lei 9394/1996 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional) traz, no artigo 29, que a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica. Trata-se de um marco primordial para ampliação do acesso e da qualidade da educação oferecida às crianças pequenas. Em 1998, são criados os Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (RCN) que, embora tenham servido de orientação para as práticas realizadas nas creches e pré-escolas brasileiras, foi alvo de muitas críticas por parte de pesquisadores e especialistas da área. Dentre essas críticas estão: o modo de organizar o currículo através de eixos de conhecimento que traz uma perspectiva escolarizante; o fato de ignorar a criança como sujeito que produz cultura, ainda, o fato de que o material não dá a devida relevância à brincadeira. No mesmo ano também é elaborado o material “Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de educação infantil” (BRASIL, 1998) com o objetivo de 42 garantir a autonomia das instituições na elaboração de suas propostas e dar ênfase nos aspectos do desenvolvimento e do treinamento. Esse documento começa a trazer algumas tensões e dilemas do campo, como: a ausência das linguagens verbais, dramáticas e plásticas; a participação da criança reconhecida como interlocutor inteligente que constrói significados em situações estimulantes; ambientes educativos que possibilitem a exploração do lúdico e engajamento das crianças em atividades culturais, a valorização das experiências cotidianas através de diálogos e trocas afetivas e o combate a uma pedagogia centrada no professor. Em 1999, é lançada a primeira versão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 1999) que já traz a criança como foco do processo educativo. Essas Diretrizes são atualizadas em 2009. Esses documentos, produzidos no final da década de 1990, já sofrem as tensões e os debates que constituem a área até os dias atuais. Como é possível visualizar no trecho sobre os espaços físicos: [...] possibilita superar qualquer resquício escolarizante (centrado na professora,alfabetizante, seriado, com matérias/disciplinas, etc.), assistencialista (não confundir com o direito de todos à assistência) e também adultocêntrico, higienista, maternal, discriminatório, preconceituoso, reforçando o objetivo principal da educação das crianças de 0 a 6 anos que é o cuidado/educação (sem confundir com assistência/escola) (FARIA, 1998, p. 98 apud BRASIL, 1998) No ano de 2005, ocorre a inclusão da Educação Infantil no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Inicia-se, aí, um programa organizado pelo Ministério da Educação intitulado “Currículo em Movimento” que, além de debates, seminários e relatórios; teve como frutos a elaboração de novas políticas nacionais e também a publicação da segunda edição das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, em 2009. Foi com a atualização das Diretrizes (DCNEI) que começa um novo processo para incluir nas discussões