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Kernicterus / Encefalopatia bilirrubínica / Icterícia nuclear Introdu oçã É uma complicação rara da hiperbilirrubinemia indireta e pode ser prevenida. OBS.: Lembrando que a hiperbilirrubinemia pode ou não provocar danos, dependendo da causa e do grau de elevação. Trata-se de uma síndrome neurológica decorrente da deposição de bilirrubina indireta nos núcleos da base e nos núcleos do tronco encefálico. Encefalopatia aguda pode ser seguida por uma variedade de deficiências neurológicas, incluindo paralisia cerebral e déficits senso-motores; a cognição geralmente é poupada. Em uma pesquisa com uma grande amostra, o kernicterus ocorreu apenas em RNs com bilirrubina acima de 20 mg/dL. Porém, o nível exato de bilirrubina indireta ou de bilirrubina livre a partir do qual passa ser tóxica para cada recém-nascido é imprevisível. Quanto mais imaturo o recém-nascido, maior será a suscetibilidade ao kernicterus. Epidemiologia Pelos critérios patológicos, o kernicterus se desenvolve em 30% dos recém-nascidos (de todas as idades gestacionais) com doença hemolítica não tratada e níveis de bilirrubina superiores a 25-30 mg/dL. A incidência de recém-nascidos prematuros hiperbilirrubinêmicos na autópsia é de 2%-16% e está relacionada à presença de fatores de risco. Sinais neurológicos manifestos têm prognóstico muito grave; mais de 75% dos recém-nascidos morrem e 80% dos sobreviventes afetados têm coreoatetose bilateral com espasmos musculares involuntários. Retardo mental, surdez e tetraplegia espástica são comuns. Fisiopatologia da encefalopatia bilirrub nicaí Sua patogênese é multifatorial e envolve a interação entre níveis de bilirrubina indireta, ligação à albumina e níveis de bilirrubina livre, passagem através da barreira hematoencefálica e suscetibilidade neuronal à lesão. Normalmente, a bilirrubina ligada à albumina do soro permanece no espaço intravascular. Entretanto, a bilirrubina pode atravessar a barreira hemoencefálica em algumas situações. OBS.: A ruptura da barreira hematoencefálica por doença, asfixia e outros fatores, e as alterações de maturação na barreira hematoencefálica aumentam o risco. Manifesta es cl nicas do çõ í kernicterus Os sinais e sintomas do kernicterus geralmente aparecem 2-5 dias depois do nascimento em RNs a termo e até no sétimo dia em prematuros, mas a hiperbilirrubinemia pode levar à encefalopatia em qualquer momento durante o período neonatal. Os sinais iniciais comuns são: - letargia, - recusa alimentar - perda do reflexo de Moro OBS.: Esses primeiros sinais podem ser sutis e indistinguíveis dos sinais de sepse, asfixia, hipoglicemia, hemorragia intracraniana e outras doenças sistêmicas agudas dos RNs. Subsequentemente, o recém-nascido pode parecer gravemente doente e prostrado, com hipoatividade dos reflexos tendíneos e desconforto respiratório. Podem ocorrer opistótono com fontanela abaulada, contrações da face ou das extremidades e choro estridente. Nos casos avançados, ocorrem convulsões e espasmos, sendo que os recém-nascidos afetados mantêm os membros superiores estendidos em rotação para dentro, com os punhos cerrados A rigidez é rara nesse estágio tardio. Muitos recém-nascidos que evoluem com sinais neurológicos graves morrem; os sobreviventes geralmente ficam gravemente lesados, mas podem parecer se recuperar e, durante 2-3 meses, mostram poucas anormalidades. Mais tarde, no primeiro ano de vida, há tendência à recorrência de opistótono, rigidez muscular, movimentos irregulares e convulsões. No segundo ano de vida, o opistótono e as convulsões diminuem, mas os movimentos involuntários, a rigidez muscular ou, em alguns lactentes, a hipotonia aumentam constantemente. Aos 3 anos de idade, a síndrome neurológica completa é frequentemente aparente e consiste em coreoatetose bilateral com espasmos musculares involuntários, sinais extrapiramidais, crises convulsivas, deficiência mental, fala disártrica, perda auditiva para frequências altas, estrabismo e defeito dos movimentos oculares para cima. Ocorrem sinais piramidais, hipotonia e ataxia em alguns recém-nascidos. Nos recém-nascidos levemente afetados, a síndrome pode ser caracterizada apenas por incoordenação neuromuscular leve ou moderada, surdez parcial ou “disfunção cerebral mínima”, que ocorrem isoladamente ou de forma combinada e podem permanecer ocultos até que a criança entre na escola. Legenda: A imagem encontra-se no Anexo 01. Preven o da encefalopatia çã bilirrub nicaí Alguns especialistas, mas não todos, recomendam a triagem universal para hiperbilirrubinemia nas primeiras 24-48 horas de vida para detectar aqueles com risco alto de icterícia grave e de disfunção neurológica induzida pela bilirrubina. Uma prevenção eficaz exige vigilância constante e abordagem prática, baseada em sistemas, a fim de distinguir os RNs com icterícia benigna dos que possam ter evolução menos previsível e potencialmente prejudicial. O uso de protocolos do nomograma da bilirrubina específica para cada hora, exame físico e fatores de risco clínicos têm obtido sucesso na identificação de pacientes com risco de hiperbilirrubinemia e de candidatos a uma conduta direcionada. Legenda: A imagem encontra-se no Anexo 02. A American Academy of Pediatrics (AAP) identificou causas potencialmente preveníveis de kernicterus, a seguir: - alta precoce (< 48 h) sem acompanhamento (nas 48 h após a alta); OBS.: Esse problema é particularmente importante em RNs de quase termo (35-37 semanas de gestação). - falha no controle do nível de bilirrubina em RNs com icterícia observada nas primeiras 24 horas; - falha no reconhecimento dos fatores de risco existentes para hiperbilirrubinemia; - subestimativa da intensidade da icterícia na avaliação clínica (visual); - falta de preocupação em relação à presença de icterícia; - demora para medir o nível sérico de bilirrubina, apesar de haver icterícia acentuada ou demora para iniciar a fototerapia na presença de níveis elevados de bilirrubina; - falha em responder às preocupações (valorizar) dos pais referentes à icterícia, à má aceitação alimentar ou à letargia. Além disso, recomenda-se que todos os RNs sejam submetidos, antes da alta, à procura de fatores de risco. A seguinte abordagem também é recomendada: - qualquer recém-nascido que apresente icterícia nas primeiras 24 horas de vida precisa de dosagem do nível sérico de bilirrubina e, se estiver elevado, o recém-nascido deve ser avaliado quanto a uma possível doença hemolítica; - deve ser feito um controle dentro de 2-3 dias depois da alta para todos os RNs que receberam alta com menos de 48 horas de vida. OBS.: O controle precoce é particularmente importante para recém-nascidos com menos de 38 semanas de gestação. Em alguns casos, é necessário fazer o controle em até 24 horas. Deve haver comunicação precoce e frequente com os pais em relação às suas preocupações com a cor da pele do recém-nascido e com as atividades comportamentais, incluindo orientações sobre os riscos potenciais e a neurotoxicidade. Tratamento da hiperbilirrubinemia indireta Independentemente da causa, o objetivo do tratamento é prevenir a neurotoxicidade relacionada à bilirrubina indireta sem causar danos desnecessários. A fototerapia e, se houver insucesso, a exsanguineotransfusão continuam a ser as modalidades primárias de tratamento usadas para manter a bilirrubina sérica total máxima abaixo dos níveis patológicos Quando são identificadas, as causas clínicas subjacentes à elevação da bilirrubina e os fatores fisiológicos que contribuem para a suscetibilidade neuronal devem ser tratados com antibióticos para sepse e correção da acidose Legenda: A imagem encontra-se no Anexo 03. a. Fototerapia A icterícia clínica e a hiperbilirrubinemia indireta são reduzidas pela exposição à luz de alta intensidade do espectro visível, já que a bilirrubina absorve a luz branca e a da faixa do azul(420-470 nm), sendo que esta de forma máxima. A partir da absorção da energia luminosa pela bilirrubina na pele absorve, ocorrem várias reações fotoquímicas. Um produto importante da fototerapia é resultado de uma reação reversível de fotoisomerização, convertendo a bilirrubina 4Z, 15Z nativa não conjugada e tóxica em um isômero de configuração não conjugada, a bilirrubina 4Z, 15E, que pode ser excretada pela bile sem conjugação. O outro produto importante da fototerapia é a lumirrubina, um isômero estrutural irreversível produzido a partir da bilirrubina nativa que pode ser excretado pelos rins em estado não conjugado. O efeito terapêutico da fototerapia depende do comprimento de onda da energia luminosa emitida, da distância entre as luzes e o recém-nascido e da superfície de pele exposta, bem como da taxa de hemólise do metabolismo e da excreção in vivo da bilirrubina. As unidades de fototerapia comercializadas variam consideravelmente em espectro de saída e intensidade da radiância emitida; portanto, a quantidade de watts (potência) só pode ser medida precisamente na superfície da pele do paciente. A pele escura não reduz a eficácia da fototerapia. Essa terapia inclui o uso de tubos fluorescentes “azul especial”, posicionando a lâmpadas a 15-20 cm do RN e colocando um cobertor de fibra óptica para fototerapia sob as costas do recém-nascido para aumentar a área de superfície exposta. A fototerapia agressiva pode melhorar o resultado do desenvolvimento neural em RN nascidos com peso menor que 1.000 g. Além disso, o uso de fototerapia tem diminuído a necessidade de exsanguineotransfusão em RNs a termo e pré-termo com icterícia hemolítica e não hemolítica. OBS.: Quando há indicação para exsanguineotransfusão, a fototerapia não deve ser usada como tratamento substitutivo; entretanto, a fototerapia pode reduzir a necessidade de exsanguineotransfusões repetidas em RNs com hemólise. Não há consenso sobre o nível exato de bilirrubina que deve indicar o início da fototerapia. Como a fototerapia requer 6-12 horas para ter efeito mensurável, deve ser iniciada com níveis de bilirrubina abaixo dos indicados para a exsanguineotransfusão. Legenda: A imagem encontra-se no Anexo 04. A fototerapia convencional é aplicada continuamente, e a posição do recém-nascido deve ser mudada com frequência para que haja exposição máxima da superfície da pele. A fototerapia deve ser descontinuada assim que a concentração de bilirrubina indireta estiver reduzida a níveis considerados seguros em relação à idade e às condições do recém-nascido. Os níveis séricos de bilirrubina e de hematócrito devem ser monitorados a cada 4-8 horas nos RNs com doença hemolítica ou naqueles que apresentem níveis de bilirrubina próximos da faixa tóxica para aquela criança em particular. Os outros, particularmente os lactentes com mais idade, podem ser monitorados menos frequentemente. O monitoramento da bilirrubina sérica deve ser mantido durante pelo menos 24 horas depois que a fototerapia é suspensa nos pacientes com doença hemolítica, pois podem ocorrer elevações inesperadas de bilirrubina, com necessidade de mais tratamento. OBS.: Não se pode confiar na cor da pele para avaliar a eficácia da fototerapia; a pele de recém-nascidos expostos à luz pode aparentar quase nenhuma icterícia mesmo na presença de hiperbilirrubinemia acentuada. A suplementação intravenosa de líquidos acrescentada à alimentação oral é benéfica em pacientes desidratados ou naqueles com níveis de bilirrubina próximos dos níveis de exsanguineotransfusão, embora não seja necessária para todos os recém-nascidos afetados. As complicações associadas à fototerapia incluem fezes com menor consistência, erupção macular eritematosa, exantema (rash) purpúrico associado a porfirinemia transitória, excesso de calor, desidratação (aumento da perda insensível de água, diarreia), hipotermia por exposição ao frio e uma afecção benigna chamada síndrome do bebê brônzeo (que ocorre na presença de hiperbilirrubinemia direta). OBS.: A fototerapia é contraindicada na presença de porfiria. #Bônus Síndrome do bebê brônzeo– Refere-se a um distúrbio da coloração da pele observado algumas vezes em RNs submetidos à fototerapia; a pele fica escura, castanho-acinzentada. Quase todos os recém-nascidos com essa síndrome têm elevação significativa da bilirrubina direta e outras evidências de hepatopatia obstrutiva. O distúrbio de coloração pode ser causado por modificação fotoinduzida de porfirinas, que costuma estar presente durante icterícia colestática e pode durar muitos meses. OBS.: Porfirinas são subprodutos oxidados, originados durante o processo de biossíntese do heme, uma molécula essencial na atividade de muitas proteínas, devido à capacidade de complexação do ferro. Apesar da síndrome do bebê brônzeo, a fototerapia pode ser continuada, se for necessário. Antes de iniciar a fototerapia, os olhos do recém- nascido devem ser fechados e cobertos adequadamente para impedir exposição à luz e lesão da córnea. A temperatura corporal deve ser monitorada, e os RNs devem ser protegidos da quebra de lâmpadas com um anteparo. A irradiância deve ser medida diretamente. Nos recém-nascidos com doença hemolítica, é preciso monitorar o desenvolvimento de anemia, que pode exigir transfusão. Pode haver desenvolvimento de anemia, apesar da redução dos níveis de bilirrubina. A experiência clínica sugere que os efeitos biológicos adversos e de longo prazo da fototerapia são ausentes ou mínimos, ou mesmo passam despercebidos. b. Imunoglobulina Intravenosa A administração de imunoglobulina intravenosa é um tratamento complementar para a hiperbilirrubinemia causada por doença hemolítica isoimune. Seu uso é recomendado quando a bilirrubina sérica está se aproximando dos níveis de exsanguineotransfusão, apesar da aplicação de intervenções máximas, inclusive fototerapia. A imunoglobulina intravenosa (0,5-1,0 g/kg/dose; repetir em 12 h) tem demonstrado reduzir a necessidade de exsanguineotransfusão na doença hemolítica por incompatibilidade ABO e Rh, presumivelmente por reduzir a hemólise. c. Metaloporfirinas O uso de metaloporfirinas como metaloporfirina Sn-– mesoporfirina (SnMP) para a hiperbilirrubinemia é – uma terapia alternativa potencialmente importante. O mecanismo de ação proposto seria a inibição enzimática por competição da velocidade limitante da conversão da proteína do heme à biliverdina (um metabólito intermediário na produção de bilirrubina indireta) pela heme-oxigenase. Uma única dose por via intramuscular no primeiro dia de vida pode reduzir a necessidade de fototerapia subsequente reduzindo também o tempo de – internação. Tal terapia pode ser benéfica quando há previsão de icterícia, particularmente em pacientes com incompatibilidade ABO ou deficiência de G6PD, ou quando os hemoderivados não são aceitos, como em pacientes testemunhas de Jeová. As complicações das metaloporfirinas incluem eritema transitório em RNs que recebem fototerapia. A administração de SnMP pode reduzir os níveis de bilirrubina, diminuir a necessidade de fototerapia e o tempo de hospitalização: entretanto, ainda não se sabe se o tratamento da hiperbilirrubinemia indireta com metaloporfirinas altera o risco de kernicterus ou de comprometimento do desenvolvimento neurológico de longo prazo. Os dados sobre eficácia, toxicidade e benefícios de longo prazo se altera o risco de kernicterus e/ou – de comprometimento do desenvolvimento neurológico estão sendo avaliados atualmente. – d. Exsanguineotransfusão Realiza-se exsanguineotransfusão com volume duplo se houver falha da fototerapia intensiva para reduzir os níveis de bilirrubina a uma faixa segura e se o risco de kernicterus for maior que o risco do procedimento. As complicações em potencial da exsanguineotransfusão não são triviais e incluem acidose metabólica, anormalidadeseletrolíticas, hipoglicemia, hipocalcemia, trombocitopenia, sobrecarga de volume, arritmias, enterocolite necrosante, infecção, doença enxerto-hospedeiro e morte. Esse tratamento, que é amplamente aceito, pode ser repetido, se necessário, para manter os níveis de bilirrubina indireta dentro de uma faixa segura. O aparecimento de sinais clínicos sugerindo kernicterus é uma indicação para a exsanguineotransfusão com qualquer nível de bilirrubina sérica. Legenda: A imagem encontra-se no Anexo 05. Referências bibliográficas: Nelson, tratado de pediatria / Robert M. Kliegman... [et al.]; [tradução de Silvia Mariângela Spada]. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. Anexos Anexo 01 Anexo 02 Anexo 03 Anexo 04 Anexo 05
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