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Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO: O acidente vascular encefálico (AVE), que se divide em isquêmico, mais prevalente, ou hemorrágico, de maior gravidade, é a causa mais comum de morte no Brasil, sendo também responsável por elevada morbidade (“sequelas”). Como síndrome, o AVE é marcado por algumas características fundamentais, a saber: Início súbito dos sintomas; Déficits focais do sistema nervoso central (refletidos pelo quadro clínico); Ausência de resolução rápida (distingue em relação ao ataque isquêmico transitório); Origem vascular para os sintomas. Dentre os fatores de risco associados a esses eventos, destacam-se a hipertensão arterial sistêmica e a fibrilação atrial, para manifestações isquêmicas, e HAS, traumas, angiopatias, malformações vasculares e o uso de drogas ilícitas para aquelas hemorrágicas. Principais fatores de risco para o acidente vascular encefálico AVE ISQUÊMICO: O AVE isquêmico cursa com déficit neurológico focal e persistente, de início súbito, motivado pela isquemia do parênquima de qualquer parte do encéfalo. Caso a privação de oxigênio continue, ocorre o infarto local, com necrose irreversível dos neurônios. Após a consolidação do infarto, ocorrem o edema citotóxico (aumento do volume neuronal) e o edema vasogênico, por elevação da permeabilidade hematoencefálica, apresentando pico em 3 a 4 dias. As primeiras 48h marcadas por intensa migração leucocitária, sendo que, após 10 a 21 dias há necrose de liquefação no local, que precede a retração final da área. Esse acometimento é secundário à oclusão aguda de artérias de médio ou pequeno calibre, frequentemente de tipo embólico, com trombos formados na circulação sistêmica. Dentro desse grupo, destacam- se: AVE cardioembólico: tem o coração como sítio de formação dos trombos, seja por fibrilação atrial, por IAM de parede anterior ou por cardiomiopatias dilatadas AVE ateroembólico: ocorre principalmente em hipertensos, nos quais o trombo é formado por placas ateroscleróticas instáveis nas artérias carótida ou vertebral. Existe também a penumbra isquêmica, vista na ressonância magnética como uma área com baixo fluxo sanguíneo, mas ainda viável. Seu tamanho irá depender da circulação colateral individual Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA O acidente vascular encefálico trombótico (cujo trombo se forma já na artéria a ser afetada) mais comum é o AVE lacunar, marcado por isquemias < 2 cm associadas às artérias perfurantes. Além daqueles citados acima, alguns fatores predisponentes menos comuns para esse quadro são: Tabagismo; Uso de anticoncepcionais; Síndrome do anticorpo antifosfolipídicos; Disfunções no fator V de Leiden; Meningite (bacteriana ou por tuberculose); Neurossífilis; Vasculites; LES. VASCULARIZAÇÃO ENCEFÁLICA E SÍNDROMES ISQUÊMICAS: Para compreender melhor as manifestações clínicas no AVE, é necessário lembrar que sua irrigação é feita por dois sistemas arteriais: Sistema carotídeo (ou anterior): se inicia na carótida interna, que tem como ramos mais importantes as artérias cerebrais média (ACM) e anterior (ACA), bem como a artéria coroide anterior. Mapeamento cortical da irrigação do sistema carotídeo A ACM é a principal artéria do cérebro, e também a mais acometida no AVE isquêmico, seja em seus ramos lentículo-estriados (perfurantes), ou no segmento superior (quase toda e extensão dos lobos frontal e parietal, e a parte superior do lobo temporal). Territórios de irrigação das principais artérias cerebrais Sistema vertebrobasilar (ou posterior): tem início na artéria vertebral, que irá dar origem à artéria basilar, responsável pela irrigação da ponte e pela emissão de artérias cerebelares. Na junção entre a ponte e o mesencéfalo surge a artéria cerebral posterior, que Caso o ecocardiograma e o doppler arterial não revelem quadros predisponentes, o AVE é denominado criptogênico, sem localização exata para a formação do material oclusivo Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA projeta ramos perfurantes à estruturas como o tálamo, seguindo, posteriormente, para o lobo occipital. Interação entre os sistemas arteriais do encéfalo SINDROMES DA ARTÉRIA CEREBRAL MÉDIA: O comprometimento desse segmento arterial geralmente se dá por AVE embólico ou lacunar, apresentando diversas possíveis manifestações, a saber: Oclusão na origem da A. cerebral média: Nesse caso, são acometidos todos os lobos irrigados por esse vaso, ocasionando hemiparesia/plegia contralateral desproporcionada (acomete duas áreas do corpo, nesse caso facial e braquial) e disartria com desvio da língua para o lado paralisado. Há também desvio do olhar conjugado contrário à lesão nos primeiros 3 dias, bem como apraxia contralateral braquial e estereognosia. Normalmente o infarto é grande, podendo levar a edemas com desvio de linha média e hipertensão intracraniana, que evolui com possível rebaixamento da consciência ou herniação cerebral. Oclusão nos ramos perfurantes: Descreve o AVE lacunar, que cursa apenas com hemiparesia ou hemiplegia contralateral, graças ao acometimento da cápsula interna. Oclusão do ramo superior: Representa o tipo mais comum de AVE isquêmico, com comprometimentos no lobo frontal e na porção anterior do lobo parietal. Os principais sintomas são hemiparesia/plegia contralateral de predomínio braquiofacial, disartria com desvio da língua para o lado parético, apraxia e hipoanestesia contralateral, além de estereognosia (não reconhecimento da hemiplegia). Somente a afasia de Broca é observada em lesões no hemisfério esquerdo. Oclusão do ramo inferior: Os lobos afetados são o parietal e a porção superior do temporal, portanto não há hemiplegia ou hemianestesia. Em lesões de hemisfério dominante, ocorre afasia de Wernicke, além da já citada síndrome de Gerstmann. Ao contrário, no hemisfério direito, ocorre heminegligência, apraxia e amusia. Se o evento for no hemisfério esquerdo, ocorre afasia global (Wernicke e Broca), além de síndrome de Gerstmann (gnosia digital, agrafia, acalculia e confusão direita- esquerda). Caso o hemisfério acometido seja o não dominante, pode haver heminegligência (não reconhecer o lado esquerdo) Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Territórios vasculares encefálicos num corte tomográfico SÍNDROMES DA CEREBRAL POSTERIOR: Casos de oclusão em alguma porção da artéria cerebral posterior podem estar associados principalmente a AVE embólicos ou lacunares. A oclusão de segmentos proximais, afetando áreas de mesencéfalo e tálamo podem gerar múltiplas apresentações, cujos sintomas de maior destaque são hemiplegia faciobraquial, tremores cerebelares e paralisias no III par de nervos cranianos. Caso o evento ocorra de forma bilateral, ainda na porção proximal, todo o mesencéfalo é acometido, havendo infarto extenso com pupilas não reagentes, coma e tetraparesia. Oclusões distais unilaterais, por sua vez, levam a sintomas do lobo occipital, como hemianopsia homônima contralateral, podendo haver agnosia visual quando no hemisfério esquerdo. No lado direito do cérebro, por sua vez, ocorre a síndrome de Balint, com simultanagnosia (dificuldade de “unificar” o campo de visão), apraxia e ataxia óptica. SÍNDROMES DA BASILAR: A presença de sintomas basilares sugere um AVE pontino ou cerebelar, geralmente de cunho trombótico ou lacunar. De modo geral, ocorrem nistagmo e alterações sensitivas na face, além de vertigem rotatória e ataxia cerebelar ipsilateral. O enclausuramento(síndrome locked-in) é uma manifestação típica de trombose da basilar, na qual o paciente está lúcido, porém tetraplégico, com disfonia e disfagia grave. SÍNDROMES DA VERTEBRAL: O AVE bulbar pode gerar uma grande variedade de alterações sensitivas (principalmente em nervos cranianos), porém sem alterações motoras, seja por meio trombótico ou de forma lacunar: DIAGNÓSTICO: A suspeita clínica de AVC deve ser considerada sempre que houver um déficit neurológico súbito, com duração > 20 minutos, especialmente aqueles localizados, como fraqueza muscular, incoordenação, alterações sensitivas ou distúrbios na fala. A síndrome de Anton pode ocorrer frente a oclusões distais bilaterais, sendo marcada por cegueira cortical, porém sem que o indivíduo reconheça essa condição Algumas manifestações podem sugerir a localização do AVE isquêmico: Território carotídeo: afasia e síndromes cerebrais clássicas Território vertebrobasilar: hemianopsia, agnosia visual, diplopia (tronco), vertigem e nistagmo (ponte ou cerebelo), ou ataxia cerebelar (cerebelo, mesencéfalo ou tálamo) Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Fluxograma de encaminhamento ideal (azul) e possíveis atrasos (cinza) na abordagem longitudinal ao AVC Assim, no processo de triagem desses pacientes, múltiplas escalas podem ser utilizadas, como: Escala pré-hospitalar de Cincinnati: considera a presença de assimetria facial (desvio da comissura lábia), perda de força em MMSS e dificuldade para falar. É bastante sensível (80%) e simples de aplicar, porém não é capaz de identificar AVC de circulação posterior. Itens avaliados na escala de Cincinnati Escala de coma de Glasgow (ECG): bastante difundida como forma complementar de investigação, analisa respostas oculares, verbais, motoras e pupilares a estímulos, com resultado que varia entre 1 (maior comprometimento) e 15 pontos (indivíduo “saudável”). Essa escala foi projetada para o trauma e, portanto, pode avaliar incorretamente pacientes com plegia, mas que respondam a comandos. Pontuação por critério avaliado na ECG NIH Stroke Scale (NIHSS): é a escala mais difundida globalmente, utilizando 11 itens do exame neurológico, podendo detectar de forma dinâmica múltiplos déficits. Os parâmetros avaliados nessa escala são: nível de consciência (1a), resposta a perguntas (1b), obediência a comandos (1c), olhar conjugado (2). Campo visual (3), nervo facial (4), força muscular MMSS (5 a/b), força muscular MMII (6 a/b), ataxia dos membros (7), sensibilidade (8), linguagem (9), disartria (10) e negligência (11) É atualmente o padrão-ouro na avaliação do AVC, apresentando elevado valor prognóstico. No entanto, a análise deve ser baseada no que o paciente faz, não no que o profissional espera que ele faça. Observa-se também uma predisposição para pontuar eventos que acometam o hemisfério esquerdo do cérebro (5 pontos para linguagem), e uma menor acurácia em caso de lesão na circulação posterior. Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Parâmetros e interpretações da escala NIHSS Os métodos de imagem, no entanto, são imprescindíveis para a diferenciação entre o AVE isquêmico e o hemorrágico, destacando-se para esse papel a tomografia computadorizada, a ser realizada em, no máximo, 25 minutos. Metas de tempo para avaliação e diagnóstico do AVE isquêmico Ressalta-se que esse exame não vê a isquemia em sua real extensão nas primeiras 12 a 24 horas, sendo usado apenas para afastar hemorragias. Evolução da representação da isquemia após o AVE O escore ASPECTS foi desenvolvido como forma de simplificar a avaliação da tomografia de crânio, detectando precocemente alterações sugestivas de isquemia, sendo limitado, porém, à artéria cerebral média.São avaliadas 10 áreas em 2 cortes axiais, sendo cada uma delas equivalente a um ponto (alterações subtraem 1 ponto do total). Áreas e regiões contempladas pelo escore ASPECTS A ressonância nuclear magnética se insere como um exame de maior acurácia para o diagnóstico do AVE isquêmico, podendo ser utilizadas as técnicas PWI (perfusão – detecta áreas ainda viáveis) e DWI (difusão – aponta infarto irreversível). Há especial aplicabilidade para detectar isquemias no tronco cerebral e cerebelo, além de infartos pequenos. AVE isquêmico em ressonância magnética por sequência T2 e estudo de difusão (DWI) TRATAMENTO AGUDO: O diagnóstico etiológico tem como exames mais importantes o eletrocardiograma (detecção de arritmias), o ecocardiograma e o Doppler de carótidas Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA A fase aguda de um AVE isquêmico contempla os primeiros 3 dias do evento, quando ainda é possível impedir a progressão do infarto cerebral (“salvar” a área de penumbra). Algumas medidas de suporte devem ser ofertadas ao paciente de forma a potencializar a recuperação neurológica e impedir complicações, a saber: Decúbito nas primeiras 24 horas, com a cabeceira em, no máximo 30º (isquemia extensa); Dieta precoce, via oral ou enteral; Hidratação com cerca de 1-1,5L de ringer lactato com KCl; Realização de exames complementares “inespecíficos” (ECG, hemograma, eletrólitos, ureia/creatinina, coagulograma, gasometria arterial e marcadores de necrose miocárdica). Observa-se, no entanto, que a diminuição da PA não é recomendada no primeiro dia (hipertensão permissiva), de forma a não comprometer a circulação colateral que nutre a área de penumbra isquêmica. Ressalta-se que isso não é válido para quadros com PA > 220/120 mmHg, que deve ser manejada com nitroprussiato de sódio (se PAD > 140 mmHg) ou labetalol. Alternativa no manejo da hipertensão no AVE isquêmico Em pacientes previamente hipertensos, o tratamento pode ser retomado após 24 horas, porém, em caso de estenose vascular intra ou extracraniana, esse período se estende para 7 a 10 dias, com uma redução mais lenta da PA. A hipoglicemia (< 60 mg/dl deve ser corrigida prontamente, para evitar maiores lesões aos neurônios, podendo também simular o próprio AVC. A hiperglicemia (> 180 mg/dl), por sua vez, deve ser tratada com insulina de forma a manter níveis entre 140 e 180 mg/dl. No que se refere ao tratamento específico para o AVE isquêmico, realizado em unidades hospitalares capacitadas, destacam-se as seguintes estratégias: Antiagregantes plaquetários: A aspirina (dose de 160 a 300 mg) deve ser iniciada nas primeiras 48 horas do AVE isquêmico, contribuindo para redução na mortalidade do quadro. O uso de clopidogrel ou outros antiplaquetários na fase aguda do AVE não é justificado pela literatura, porém pode ser uma opção frente a contraindicações ao AAS. O abcximabe (inibidor da glicoproteína IIb/IIIa) não é recomendado como terapia de anticoagulação, pois favorece o desenvolvimento de hemorragia intracraniana. Heparina: Deve ser administrada somente em dose profilática, com intuito de prevenir o Pacientes pós-AVE devem ter a natremia monitorizada diariamente, bem como serem submetidos à avaliação da glicemia capilar a cada 6 horas, e aferição da temperatura a cada 4h (deve ser < 38ºC) Tais procedimentos podem ser empregados tanto em unidades básicas de saúde (aguardando transporte) quanto em hospitais de maior complexidade Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA desenvolvimento de TVP/TEP, seja com heparina não-fracionada (5.000 UI a cada 8-12h) ou com heparina de baixo peso molecular (40 mg SC 1 vez ao dia). A heparinização plena não é indicada, pois pode levar à um aumento na transformação hemorrágica do AVE. Em eventos de origem cardioembólica,a anticoagulação só pode ser realizada após o terceiro (infartos pequenos) ou sétimo dia (lesões extensas), tomando como referência os resultados da TC de controle. Caso ocorra a degeneração hemorrágica, esse tratamento deve ser implementado depois de 30 dias. Estatinas: As estatinas de alta potência, como a atorvastatina, são empregadas para prevenção primária e secundária do AVE isquêmico, mesmo em pacientes que não apresentem colesterol LDL elevado. Assim, é recomendado o início da terapia ainda na fase aguda, mantendo a administração por tempo indeterminado. Trombolítico: O uso do rtPA (ativador de plasminogênio tecidual recombinante) apresenta importante papel na redução de sequelas associadas ao AVE isquêmico, desde que aplicado nas primeiras 4,5 horas do quadro. No entanto, em caso de Wake-up stroke, (eventos cujos sintomas se iniciaram ao acordar), ou AVE isquêmico há mais de 4,5 horas, a trombólise pode ser indicada se houver mismatch entre imagens em DWI e PWI (penumbra isquêmica). Comparação entre as áreas de infarto definitivo, captadas em vermelho, e a área de penumbra viável, que, quando subtraídas, formam o mismatch O medicamento de escolha é a alteplase, uma forma de rtPA com maior especificidade para fibrina, que pode ser substituída, sem prejuízo, pela tenecteplase. A estreptoquinase não é indicada para a trombólise no AVE, pois é pouco específica e pode aumentar o risco de efeitos adversos. Os principais critérios de inclusão para essa terapia são: o AVE isquêmico em qualquer território vascular; o Possibilidade de iniciar a infusão da alteplase dentro de 4,5 horas do início dos sintomas; o Ausência de hemorragia evidenciada em tomografia ou ressonância magnética do crânio; o Idade > 18 anos; o Presença de acompanhantes aptos a assinar o termo de consentimento. No entanto, também se observam alguns critérios de exclusão, a saber: o Uso de anticoagulantes orais com tempo de protrombina > 15 segundos (ou RNI>1,7); Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA o Uso de heparina nas últimas 48 horas e TTPa elevado; o AVC isquêmico ou traumatismo cranioencefálico grave nos últimos 3 meses; o Histórico de hemorragias intracranianas ou malformações vasculares; o Tomografia com hipodensidade precoce ≥ 1/3 do território da artéria cerebral média; o PA maior que 185 mmHg (PAS) OU 110 mmHg (PAD) em 3 medições; o Melhora rápida dos sintomas; o Déficits neurológicos leves isolados ou não debilitantes; o Cirurgia de grande porte ou procedimento invasivo nas últimas 2 semanas; o Hemorragia geniturinária ou gastrointestinal nas últimas 3 semanas; o Punção arterial não compressível na última semana; o Coagulopatia com TP prolongado, TTPa elevado, ou plaquetas < 100.000/mm³; o Glicemia < 50 mg/dl OU > 400 mg/dl; o Crise convulsiva antes do AVE; o IAM ou outra cardiopatia recente; o Gravidez ou lactação; o Abuso de álcool e substâncias. O protocolo de trombólise conta com administração de 0,9 mg/kg de alteplase (0,6 mg/kg se há alto risco de sangramento), com 10% do volume em bolus, e o restante, em bomba de infusão, por até 1 hora. Esse “escalonamento” é feito de forma a “compensar” a meia-vida curta dessa substância. Após a infusão do medicamento, a PA deve ser controlada rigorosamente nas primeiras 24 horas, mantendo-se abaixo de 180/105 mmHg. Além disso, nenhuma intervenção que aumente o risco de sangramento (punção de artérias ou uso de antitrombóticos) deve ser realizada durante esse período. É possível o desenvolvimento de complicações hemorrágicas (“transformação do AVE”) no primeiro dia de terapia. Exemplo de transformação hemorrágica no AVE Frente a sangramentos significativos, algumas medidas devem ser tomadas: o Interrupção imediata da infusão de alteplase; o Garantir infusão de fluidos em dois acessos periféricos; o Avaliar hematócrito, fibrinogênio, TTPa e tempo de protrombina; o Confirmar o sangramento (pode ser feita uma nova TC); o Administrar 5 unidades de crioprecipitado; o Infusão de uma unidade de plaquetas ou 2 a 3 unidades de plasma (se a hemorragia continuar); o Administrar concentrado de hemácias para estabilizar o hematócrito; o Avaliar possibilidade de neurocirurgia. Os únicos exames que podem atrasar o início da trombólise (necessidade de aguardar o resultado) são a glicemia e a tomografia de crânio Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Principais indícios clínicos de uma transformação hemorrágica Terapia endovascular: A trombectomia mecânica por cateterismo intrarterial pode ser usada como forma de recuperar a patência vascular, com janela máxima de 6 a 8 horas após o início dos sintomas. Nota-se, no entanto, que esse método é direcionado apenas a oclusões de grandes vasos cerebrais, sobre os quais a alteplase tem menor efeito, ou em caso de falha na trombólise. Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Algoritmo de manejo agudo do AVE isquêmico Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA COMPLICAÇÕES: Além de uma letalidade geral de 10 a 20%, o AVE isquêmico pode gerar uma série de complicações, em sua maioria relacionadas à imobilização no leito. É comum o desenvolvimento de contraturas musculares, além de broncoaspiração (possivelmente pneumonia), infecções urinárias, desnutrição, úlceras de pressão e TVP/TEP. Uma possível piora cognitiva ou do estado de consciência, por sua vez, pode ser associada a diversos fatores, como: Edema citotóxico pós-isquemia: pode ser manejado com restrição hídrica e manitol intravenoso, ao passo que quadros graves necessitam de intervenção invasiva; Transformação hemorrágica (12 a 48 horas); Distúrbios metabólicos (Ex.: alterações glicêmicas); Pneumonia e infecções sistêmicas; Crises convulsivas. AVE HEMORRÁGICO INTRAPARENQUIMATOSO: O AVE hemorrágico intraparenquimatoso corresponde a cerca de 10% dos casos, sendo a apresentação hipertensiva, por lesão crônica de artérias perfurantes, a mais comum. Essas agressões repetidas levam ao enfraquecimento endotelial, que promove a formação de aneurismas, passíveis de rompimento durante o pico hipertensivo. As regiões mais acometidas são o putâmen, o tálamo, o cerebelo e a ponte. Em idosos, no entanto, há um predomínio de hemorragia lobar, acometendo a substância branca paracortical. A principal causa desses últimos eventos é a angiopatia amiloide, que ocorre principalmente em portadores de Alzheimer. O edema vasogênico decorrente do acúmulo local de sangue provoca a hipertensão intracraniana (HIC), que é diretamente proporcional ao tamanho do hematoma, e tende a aumentar de tamanho nas primeiras 12-36 horas, agravando o déficit neurológico. QUADRO CLÍNICO: Os sintomas gerais associados à hemorragia intraparenquimatosa são cefaleia súbita e intensa, associada a déficit neurológico focal e rebaixamento no nível de consciência, desenvolvidos ao longo de horas. De acordo com o foco do sangramento, algumas manifestações específicas se destacam, como: Hemorragia do putâmen: marcada por hemiplegia faciobraquial contralateral (compressão da cápsula interna), podendo haver desvio do olhar conjugado contrário à lesão (comprometimento de fibras frontais); Hemorragia talâmica: além da hemiplegia anterior, ocorre hemianestesia para todas as sensibilidades. Acometimentos dos olhos e pupilas (miose, anisocoria, desvio do olhar para a lesão) são frequentes se a hemorragia se desvia para o hipotálamo e teto do mesencéfalo. A afasia talâmica (mutismo – diminuição da inciativa da fala) é observada quando A mortalidadedesse quadro chega a 50%, sendo o óbito causado pela hipertensão intracraniana, que pode causar herniação cerebral Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA a hemorragia acomete o tálamo esquerdo, sendo também possível uma invasão do terceiro ventrículo. Hemorragia do cerebelo: apresenta o mesmo quadro do infarto cerebelar, com vertigem, náuseas, vômitos e ataxia cerebelar aguda (uni ou bilateral). Há grande risco de expansão da lesão, que pode levar ao óbito por apneia súbita; Hemorragia da ponte: apresenta sintomas característicos, como quadriplegia súbita, coma e pupilas puntiformes e fotorreagentes, com perda dos reflexos oculocefálico e oculovestibular. Teste do reflexo oculovestibular (manutenção do olhar para frente com a movimentação passiva da cabeça) DIAGNÓSTICO: Além dos parâmetros usados para o AVE isquêmico, a investigação de quadros hemorrágicos também conta com a Intracerebral Hemorrage Scale (ICH), que avalia a ECG, o volume do sangramento, a presença ou não de hemorragias intraventriculares ou infratentoriais, e a idade do pacente. Essa escala é um importante preditor de mortalidade para pacientes com eventos hemorrágicos. Aspectos avaliados no escore ICH O diagnóstico definitivo é feito por meio da tomografia de crânio sem contraste ou pela ressonância magnética, que evidenciam segmentos hiperdensos (hematoma), associados a áreas hipodensas adjacentes (edema). Normalmente há desvio de linha média, porém, quando este é > 3 mm, há maior chance de coma. Hiperdensidade focal em paciente com hemorragia intraparenquimatosa TRATAMENTO: Para o AVE por hemorragia intraparenquimatosa, o tratamento gira em torno de medidas de suporte e monitorização. As principais intervenções realizadas são intubação e ventilação mecânica (se ECG < 8), instalação de cateter de PAM invasiva e monitoramento de pressão intracraniana. Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Na presença de sinais de HIC, é indicada terapia com hiperventilação, mantenho a PaCO2 entre 25 e 30 mmHg por períodos breves, além do uso de manitol (1 g/kg como ataque, e manutenção de 0,25 a 0,5 g/kg 6/6h) e da elevação da cabeceira. Caso o quadro não seja revertido, pode ser implementado o coma barbitúrico. O manejo da pressão arterial é indicado em caso de PAS entre 150 e 220 mmHg, sendo recomendado o uso de medicamentos não vasodilatadores (ex.: esmolol ou nicardipina) para manter PAS <140 mmHg, evitando a expansão do foco hemorrágico. A drenagem cirúrgica do hematoma pode ser indicada na presença de comprometimento > 3 cm OU entre 1 e 3 cm, com comprometimento neurológico, além de hemorragia lobar ou putaminal volumosos. HEMORRAGIA SUBARACNOIDE: A hemorragia subaracnoide (HSA), em sua forma espontânea, pode ser causada pelo rompimento tanto de um aneurisma sacular congênito, como de uma malformação arteriovenosa. Essa primeira apresentação é mais comum entre os 35 e 55 anos, ao passo que a última acomete principalmente jovens, de 15 a 30 anos. Esses aneurismas frequentemente se situam no polígono de Willis, inundando a cisterna de base e, consequentemente, invadindo o espaço subaracnoide. Hiperdensidade mesencefálica, sugerindo sangue nas cisternas de base (seta) A hemorragia local induz a formação de edema cerebral e meningite química, sendo que, após 4 dias, costuma ocorrer vasoespasmo, principal causador das sequelas neurológicas associadas à HSA. Por irritar a ACM, por exemplo, pode ocorrer o desenvolvimento de hemiplegia contralateral ou afasia. QUADRO CLÍNICO: A sintomatologia é bastante conhecida, iniciada com cefaleia holocraniana súbita e intensa (“pior cefaleia da vida”), podendo evoluir com síncope. Posteriormente, ocorre rigidez nucal (reflete irritação meníngea). Um importante déficit focal desse período é a compressão do nervo oculomotor, que causa nistagmo divergente, anisocoria (lado lesionado com midríase) e diplopia. As metas terapêuticas são a manutenção da PIC < 20 cmH2O e pressão de perfusão cerebral (gradiente entre PAM e PIC) > 60 mmHg, mantendo fluxo sanguíneo adequado Os locais mais frequentes dessas alterações são a parte terminal da carótida interna, a bifurcação da ACM e o topo da artéria basilar, porém as rupturas afetam mais a artéria comunicante anterior. Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Nistagmo divergente binocular As principais complicações decorrentes da HSA são: Ressangramento (principalmente nas primeiras 24 horas); Vasoespasmo (entre 4 e 14 das): é confirmado por meio de Doppler transcraniano, com presença de aumento na velocidade do fluxo sistólico; Hidrocefalia: pode ser aguda, devida à HIC, ou crônica, sequela tardia que cursa com demência, apraxia de marcha e descontrole de esfíncteres; Hiponatremia (primeiros 14 dias): normalmente está associada à cerebropatia perdedora de sal, na qual o paciente está hipovolêmico. DIAGNÓSTICO: A principal suspeita diagnóstica frente a um quadro de cefaleia súbita e de alta intensidade é sempre de AVE hemorrágico. Na presença da tríade cefaleia, síncope e rigidez de nuca, a HSA se torna mais provável. Normalmente, o diagnóstico é confirmado por tomografia de crânio sem contraste, mas pode ser feito exame liquórico (sangue ou líquido amarelado) em caso de resultado duvidoso. Focos de HSA na tomografia sem contraste De acordo com o volume de sangue identificado na TC, é possível estimar o prognóstico de pacientes com HSA, fazendo uso da escala Fisher. Categorias da escala de Fisher Considerando parâmetros clínicos, no entanto, a principal determinante de prognóstico é a escala de Hunt-Hess. Estadiamento clínico conforme a escala de Hunt- Hess Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA TRATAMENTO: Após o diagnóstico de HSA, o paciente deve ser admitido em UTI, sendo intubado, caso ocorra rebaixamento de consciência. A primeira intervenção a ser feita é a arteriografia cerebral de quatro vasos (carótidas e vertebrais), a partir da punção da artéria femoral, de forma a identificar a lesão. Esse procedimento pode favorecer o tratamento endovascular da ruptura, a partir do implante de molas de metal, que estimulam a trombose local (método preferencial de controle). Exemplo da fixação dos coils (molas) num aneurisma Caso essa técnica não esteja disponível, ou se houver falha terapêutica desta, é indicada a clipagem cirúrgica da lesão, estrangulando o colo do ponto dilatado. Ainda que seja eficaz na prevenção de ressangramentos, há maior risco de complicações, pois necessita de retração do parênquima encefálico. Formas de inserção do clipe cirúrgico no controle do aneurisma cerebral Enquanto o tratamento de escolha não for implementado, a PA deve ser mantida com PAS entre 140 e 150 mmHg, preferencialmente em uso de anti- hipertensivos parenterais, como labetalol, esmolos ou nicardipina. Uma PAS elevada amplia o risco de novos sangramentos, porém, após o manejo do aneurisma, o controle da pressão se torna mais permissivo. Uma nova abordagem endovascular pode ser feita em casos de refratariedade, com angioplastia O uso de nimodipina, um bloqueador de canais de cálcio, sempre deve ser indicado dentro dos 4 primeiros dias após a HSA, em dose de 60 mg enteral 4/4h, por 21 dias. A PA deve ser monitorada, devido ao risco de hipotensão. Esse medicamento está associado a neuroproteção, uma vez que evita o influxo de cálcio em áreas isquemiadas, minimizando assim os efeitos do vasoespasmo. A fenitoína, um anticonvulsivante, tem uso profilático (100 mg EV 8/8h) debatido no meioacadêmico (benefício com baixo risco de efeitos adversos), porém, na prática, não é empregada sem histórico sugestivo. Por fim, todo paciente deve ser submetido à profilaxia de TVP/TEP, seja cm compressão pneumática de MMII, ou com o uso de enoxaparina (imediatamente após Na presença de sintomas vasoespasmódicos, a conduta inicial requer a hemodiluição hipervolêmica, empregando ao menos 3L de SF 0,9% associado ao uso ponderado de noradrenalina ou fenilefrina (limite de PAS entre 150 e 200 mmHg) Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA tratamento endovascular ou após alguns dias depois da clipagem). Algoritmo de investigação diagnóstica e abordagem inicial para pacientes com AVC Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA TRATAMENTO CRÔNICO DO AVE E REABILITAÇÃO: Um paciente com AVE crônico é aquele que não apresenta progressão dos déficits neurológicos focais por mais de 30 dias, devendo sempre ser acompanhado por serviços de Atenção Primária. Durante a análise inicial, é solicitado que os pacientes realizem uma série de exames diagnósticos, como ECG em repouso, ecocardiograma, ecodoppler de carótidas e rastreamento laboratorial para diabetes e dislipidemia. As medidas farmacológicas que devem ser implementadas nesse momento são o uso diário de 100 mg de AAS (75 mg de clopidogrel, se houver alergia) e de sinvastatina (40 mg/dia) ou outra estatina. Pacientes pós-AVE devem ser reavaliados por médicos em 7 dias, no 3º mês, no 6º mês e, depois disso, a cada 6 meses. Durante a avaliação prognóstica do paciente pós-AVE, algumas escalas podem ser usadas para direcionar a atenção da equipe multiprofissional no processo de reabilitação, como: Escala modificada de Rankin (mRS): é um conjunto de sete níveis de comprometimento funcional, empregada para mensurar os impactos pós-AVC às atividades diárias, fornecendo orientações quanto ao acompanhamento pós-alta; Classificação individual pela mRS Índice de Barthel: é um importante medidor de autonomia individual, podendo ser usado como forma de mensurar o futuro grau de dependência do paciente. Itens avaliados no índice de Barthel (máximo = 100) A reabilitação da pessoa com AVE deve ser precoce e individualizada, reconhecendo que a recuperação varia em intensidade e velocidade. As estratégias empregadas requerem participação multiprofissional, variando de A anticoagulação plena permanente com cumarínicos orais é indicada em casos de AVE cardioembólico, sendo necessário manter o RNI entre 2 e 3 Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA acordo com o tipo de sequela apresentado, a saber: Disfagia: treino mastigatório, ajustes no volume e consistência dos alimentos; Paralisia facial: massagem indutora (paralisia central), compressas frias (fase flácida), exercícios isométricos ou isotônicos, e calor úmido (contraturas); Fraqueza muscular: exercícios de fortalecimento progressivo com atividades funcionais e eletroestimulação; Alterações visuais: uso de lentes de aumento, exercícios para o moimento dos olhos e uso de estratégias adaptativas ou compensatórias; Limitação de atividades motoras e funcionais: adequação postural, treino para levantar-se, exercícios de mobilidade articular e uso de órteses; Afasia: estimulação auditiva e visual, exercícios de associação de significado e incentivo a comunicação alternativa; Dispraxia de fala: treinamento de articulação de fonemas, uso de prosódia, comunicação alternativa ou emprego de pistas visuais. Também é importante atentar-se para possíveis complicações crônicas desse evento, sendo possível destacar: Espasticidade: podem ser usados medicamentos antiespásticos (clonidina, clorpromazina, diazepam e baclofen), aplicação de toxina botulínica, em casos mais severos, ou estimulação elétrica; Contraturas: a cinesioterapia apresenta bons resultados, podendo também ser associada à imobilização seriada em episódios persistentes, ou a intervenções cirúrgicas. Exemplo de órtese progressiva usada na contratura de cotovelo
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