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Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922 B264l Baronett, Stan. Lógica : uma introdução voltada para as ciências / Stan Baronett ; tradução Anatólio Laschuk. – Porto Alegre : Bookman, 2009. 568 p. : il. ; 25 cm. ISBN 978-85-7780-537-2 1. Lógica. I. Título. CDU 164 Lógica e Verdade visão geral Vivemos na Era da Informação. As estações de televisão a cabo dão notícias locais e mundiais 24 horas por dia. A Internet fornece acesso a milhões de livros, artigos e milhares de jornais de todo o mundo. Os Web sites pes- soais, os Web logs (blogs) e os chat rooms apresentam comentários instantâneos a respeito dos eventos em todo o planeta. Frequentemente, descobrimos que, juntamen- te com a informação, diversas afirmações são apresenta- das. Por exemplo, suponha que leiamos o seguinte: Alguns estúdios cinematográficos e diretores independen- tes de cinema estão lançando seus filmes em DVD, em vez de colocá-los nos cinemas. Em breve, você será capaz de assistir à estreia de um filme em sua casa, pagando uma fração do que custaria caso você fosse a um cinema, com- prasse ou alugasse o filme. De fato, as vendas de ingressos nos cinemas americanos vêm caindo de forma contínua durante os últimos dez anos. Portanto, é de se esperar que os cinemas irão se tornar obsoletos. Esse trecho contém uma inferência. Uma inferência, ou argumento, é um encadeamento de proposições (sentenças que são ou verdadeiras, ou falsas). As primeiras três proposições do trecho são premissas; contêm informações com o objetivo de dar boas razões para se aceitar a conclusão, ou seja, a afirmação de que os cinemas irão se tornar obsoletos. Nesse trecho há duas coisas a considerar: a informação dada é verdadeira? Se a infor- 1.1 CONTEÚDO DE VERDADE E COMPONENTE LÓGICO 1.2 LÓGICA E RELAÇÕES 1.3 ERROS DE CONTEÚDO DE VERDADE, ERROS DE COMPONENTE LÓGICO E A ANÁLISE DE INFERÊNCIAS 1.4 RACIOCÍNIO, JULGAMENTO E ANÁLISE DEDUTIVA 1.5 INFERÊNCIAS DEDUTIVAS E INDUTIVAS 1.6 INCERTEZA E ANÁLISE INDUTIVA 11capítulo 30 Lógica mação for verdadeira, ela oferecerá boas razões para que a conclusão seja aceita? Essas questões oferecem um vislumbre do papel da lógica, que é o estudo do raciocínio. A análise lógica revela a extensão da correção do raciocínio encontrado nas inferências. A lógica fornece as habilidades necessárias para se identificar as inferências dos outros, colocando uma pessoa em uma posição que permite a análise coerente e precisa dessas inferências. O aprendizado das habilidades lógicas irá capacitá-lo a sub- meter as suas próprias inferências a essa mesma análise, de modo que possa antecipar objeções e críticas. Este livro introduz as ferramentas da análise lógica e apresenta aplicações práticas da lógica. 1.1 CONTEÚDO DE VERDADE E COMPONENTE LÓGICO O nosso interesse inicial no estudo da lógica está em dois modos impor- tantes de avaliarmos a informação que recebemos durante a nossa inte- ração consciente com o mundo. Primeiro, o conteúdo de verdade – A informação é verdadeira ou falsa? Segundo, o componente lógico – Se a informação for verdadeira, então que poderá se concluir dela? Por exemplo, se alguém entrar em um quarto e aparentar estar encharcado, podere- mos concluir que está chovendo lá fora. Esse pensamento muito natural e quase instantâneo é na realidade o resultado de dois processos. O pri- meiro é a avaliação da informação visual – a pessoa “aparenta estar mo- lhada”. O segundo processo, embora complexo, ocorre tão rapidamente que pode escapar à atenção. A sua complexidade está no notável processo de se levar uma peça de informação para além de seus limites. A partir de “uma pessoa molhada”, concluímos que “está chovendo”. De uma peça de informação, desenvolvemos, ou inferimos, uma consequência. Damo- nos conta da complexidade apenas quando nos tornamos conscientes do processo. Então, somos confrontados com o processo seguinte de calcular e justificar a nossa inferência. Se fizermos para alguém um comentário de que está chovendo lá fora, essa pessoa poderá nos pedir para explicar por que pensamos isso. Só então ficaremos conscientes da necessidade de analisar e justificar a nossa conclusão. Apontar para a pessoa mo- lhada pode ajudar a justificar a nossa conclusão, mas uma análise mais profunda levanta a possibilidade de que possamos estar enganados, ou seja, de que não esteja chovendo. Há certamente outras razões para uma pessoa estar molhada – ela pode ter sido atingida por balões com água, pode ter se borrifado com água devido ao calor, pode ter passado entre os esguichos de água de um gramado, ou o umedecimento deve-se a suor excessivo etc. De fato, à medida que as explicações para o umedecimento começam a se empilhar, podemos ir ficando menos confiantes de que realmente esteja chovendo. Esse exemplo mostra que devemos conside- rar a nossa interação com o mundo de duas maneiras diferentes: (1) A informação que recebemos é exata, correta ou verdadeira? (2) Se for ver- dadeira, então o que poderemos inferir dela; que conclusões resultarão? Inferência: Um conjunto de pro- posições, nas quais as premissas são apresentadas como fundamentação da conclusão. Proposição: Um enunciado que é ou verdadeiro, ou falso. Premissa: Uma proposição (ou conjunto de propo- sições) que é dada como fundamen- tação para uma conclusão. Conclusão: A parte final de uma infe- rência; a proposição que se pretende obter a partir das premissas. Conteúdo de ver- dade: A verdade ou falsidade efetiva de uma proposição e os métodos de sua determinação. Componente lógi- co: A relação lógica entre as premissas e uma conclusão. C A P Í T U L O 1 • Lógica e Verdade 31 1.2 LÓGICA E RELAÇÕES A determinação do conteúdo de verdade e do componente lógico de uma inferência constituem um processo complexo, de modo que erros podem facilmente ser cometidos. Há duas fontes potenciais de erros – conteúdo de verdade incorreto e componente lógico incorreto. Embora improvável, é possível contudo que, no nosso exemplo anterior, estivés- semos errados em relação à pessoa estar realmente molhada (lembre-se, dissemos que a pessoa “aparentava” estar encharcada). Se for assim, esse seria um caso de conteúdo de verdade incorreto. Por outro lado, a nossa inferência poderia estar errada, pois poderia não estar chovendo. Se for assim, esse seria um caso de componente lógico incorreto. (É possível que estejamos errados nos dois casos – conteúdo de verdade incorreto e componente lógico incorreto.) A primeira fonte de erro, conteúdo de verdade incorreto, é a mais familiar. Muito da nossa educação formal é dedicada ao conteúdo de verdade das informações. Entretanto, a se- gunda fonte de erro, componente lógico incorreto, é mais difícil de ser reconhecida porque diz respeito à relação entre as proposições e não às proposições em si. Para isso ser completamente entendido, é necessário olhar os exemplos que elucidarão as distinções que estamos fazendo. Suponha que você receba duas peças de informação: 1. Vincent van Gogh nasceu em alguma data durante os anos 1800. 2. Marie Curie nasceu em alguma data durante os anos 1800. Primeiro, podemos investigar a verdade das proposições. Observe que a verdade ou falsidade de cada proposição é independente da outra – isto é, ambas podem ser verdadeiras, ambas podem ser falsas ou uma pode ser verdadeira e a outra, falsa. Facilmente poderíamos encontrar evidências a respeito da verdade ou falsidade de cada proposição (con- sultando uma enciclopédia, um livro de história da ciência, pesquisando na Internet etc.). O resultado dessa linha de análise seria conhecermos o conteúdo de verdade; teríamos determinado a verdade ou a falsidade real de cada proposição. Entretanto, antes de investigar o conteúdo de verdade, poderíamos examinar as duas proposições como premissas em potencial. O nosso foco seria então o que poderia ser inferido a partir delas – O que se concluirádelas se forem verdadeiras? Essa linha de análise leva-nos à área do componente lógico, cujo foco é a relação entre o par de duas proposições acima e uma nova proposição, a conclusão, que poderemos obter do par. Uma possível conclusão é a seguinte: 3. Van Gogh nasceu antes de Marie Curie. A nossa atenção agora está focada em perguntas diferentes, tais como “E se as duas primeiras proposições forem verdadeiras?”, “Como a verdade ou falsidade das duas primeiras proposições relacionam-se com a verdade ou falsidade da terceira proposição?”, “As duas primeiras proposições fundamentam a terceira?” e “As duas primeiras proposições 32 Lógica fornecem boas razões para se aceitar a terceira?”. Essas considerações são radicalmente diferentes das nossas preocupações com o conteúdo de ver- dade das duas primeiras proposições. Como agora estamos concentrados na relação entre as três proposições, a nossa análise tem uma forma com- pletamente diferente. Uma analogia poderá ajudá-lo a compreender esse ponto. Quando falamos a respeito da relação entre duas pessoas, podere- mos pensar se ela é “boa”, “forte”, “de apoio mútuo”, “estremecida”, “muito fraca” etc. Isso é similar ao que estamos fazendo agora. Isso poderá ser visto mais claramente se mostrarmos as proposições de modo diferente. Exemplo 1.1 1. Vincent van Gogh nasceu em alguma data durante os anos 1800. 2. Marie Curie nasceu em alguma data durante os anos 1800. 3. Van Gogh nasceu antes de Marie Curie. Essa forma de mostrar a informação indica que o objetivo é as duas pri- meiras proposições serem premissas, ao passo que a proposição abaixo da linha é a conclusão de uma inferência. Queremos analisar a relação lógica {R} entre as premissas e a conclusão. Especificamente, queremos ver se as premissas, quando ambas são verdadeiras, garantem alguma coi- sa a respeito da conclusão. Se aceitarmos que a informação da primeira premissa é verdadeira, então seremos informados de que van Gogh nas- ceu em alguma data entre os anos 1800 e 1899. Se aceitarmos que a in- formação da segunda premissa é verdadeira, então seremos informados de que Marie Curie também nasceu em alguma data entre os anos 1800 e 1899. Neste ponto, é importante fazer uma separação entre o conteúdo de verdade da conclusão e a análise lógica que determina se é possível ou não obtê-la das premissas, ou seja, uma questão de relação. Isso é crucial porque nem sempre estamos em condições de determinar o conteúdo de verdade das proposições. Contudo, podemos desenhar uma linha de tempo para representar os anos 1800. 18991800 Como não determinamos o conteúdo de verdade dessas premissas, é pelo menos logicamente possível situar as datas de nascimento de van Gogh e Curie sobre essa linha de modo tal que a conclusão seja verdadeira. van Gogh Curie 18991800 Relação lógica: A conexão lógica entre premissas e conclusões. C A P Í T U L O 1 • Lógica e Verdade 33 Também é logicamente possível situar as datas de nascimento de Van Gogh e Curie sobre essa linha de modo que a conclusão seja falsa. Curie van Gogh 18991800 Entretanto, a análise do Exemplo 1.1 revelou que, embora a informação das premissas seja verdadeira, é logicamente possível que a conclusão seja tanto verdadeira como falsa. Esse exemplo mostra que podemos de- terminar a relação lógica entre as proposições sem conhecermos a verda- de ou falsidade real das proposições envolvidas. Agora, vamos examinar um par ligeiramente diferente de propo- sições. 1. Marie Curie nasceu em alguma data durante os anos 1800. 2. Nelson Mandela nasceu em alguma data durante os anos 1900. Agora estamos interessados na relação que existe entre esse par de pro- posições e uma nova proposição, uma que podemos derivar como uma consequência desse par. Uma candidata seria esta proposição: 3. Marie Curie nasceu antes de Nelson Mandela. Isso nos dá um novo exemplo de análise lógica. Exemplo 1.2 1. Marie Curie nasceu em alguma data durante os anos 1800. 2. Nelson Mandela nasceu em alguma data durante os anos 1900. 3. Marie Curie nasceu antes de Nelson Mandela. Como antes, para fins de análise lógica, começaremos admitindo que as premissas são verdadeiras. Se assim for, a informação dada é: Premissa 1 – Marie Curie nasceu em alguma data entre 1800 e 1899, e Premissa 2 – Nelson Mandela nasceu em alguma data entre 1900 e 1999. No- vamente podemos desenhar uma linha de tempo para nos ajudar na análise. 1900 Curie Mandela 19991800 34 Lógica A data de nascimento de Marie Curie pode ser colocada em qualquer lugar entre 1800 e 1899. A data de nascimento de Nelson Mandela pode ser colocada em qualquer lugar entre 1900 e 1999. Agora, se as informa- ções das premissas forem verdadeiras, então a relação {R} entre essas três proposições será tal que a conclusão do Exemplo 1.2 também deverá ser verdadeira. Lembre-se de que essa é apenas uma análise lógica – não es- tamos afirmando que qualquer uma das proposições seja realmente ver- dadeira. Mais exatamente, estamos considerando apenas o componente lógico contido na inferência (e se as premissas forem verdadeiras?). A nossa análise revelou algo completamente diferente do Exemplo 1.1. Es- pecificamente, o Exemplo 1.2 mostra que em uma inferência é possível existir uma relação em que as premissas, se verdadeiras, garantem que a conclusão seja verdadeira. Assim, a análise lógica é completamente dife- rente da análise de conteúdo de verdade, que considera apenas qual é o caso (se as proposições são verdadeiras ou falsas). Um exemplo final será considerado aqui. Exemplo 1.3 1. Marie Curie nasceu em alguma data durante os anos 1800. 2. Nelson Mandela nasceu em alguma data durante os anos 1900. 3. Nelson Mandela nasceu antes de Marie Curie. Como antes, para fins de análise lógica, começaremos aceitando que as premissas são verdadeiras. Se for assim, a informação dada é a mesma de antes: Premissa 1 – Marie Curie nasceu em alguma data entre 1800 e 1899. Premissa 2 – Nelson Mandela nasceu em alguma data entre 1900 e 1999. Se as premissas forem aceitas como verdadeiras, então a relação {R} entre essas três proposições será tal que a conclusão deve ser falsa. No que diz respeito à questão da relação, a discussão até aqui revelou que os resultados podem ser diferentes. No Exemplo 1.1, a relação era tal que, mesmo se as premissas fossem ambas verdadeiras, a conclusão pode- ria ser tanto verdadeira ou falsa. No Exemplo 1.3, a relação era tal que, se as premissas fossem ambas verdadeiras, então a conclusão tinha que ser falsa. Mais importante ainda, no Exemplo 1.2 a relação era tal que, se as premis- sas fossem ambas verdadeiras, era garantida a verdade da conclusão. O domínio da análise lógica requer a separação efetiva dos dois ti- pos de avaliação de informação que examinamos. Como as nossas men- tes naturalmente processam a informação segundo os dois modos que discutimos, frequentemente fica confuso quando pela primeira vez ten- tamos conscientemente manter separados os dois modos. Primeiro, a in- formação que estou recebendo é exata, correta ou verdadeira? Segundo, se for verdadeira, então o que eu posso inferir dela – isto é, que conclu- sões podem ser tiradas? De fato, para a maioria das pessoas, o primeiro C A P Í T U L O 1 • Lógica e Verdade 35 tipo de avaliação (o conteúdo de verdade) tem prioridade. Se você não estiver consciente da diferença entre conteúdo de verdade e componente lógico, então surgirá uma confusão. Podemos ilustrar isso realizando um pequeno experimento em que você lê uma frase, compreende o seu sig- nificado, mas não a julga como verdadeira ou falsa. Tente compreender o significado da frase sem decidir a respeito de sua veracidade ou falsidade real. A frase irá se referir ao livro que você está lendo agora. Aqui está a frase: O livro que você está lendo agora pesa 1000 quilogramas. Ao terminar de ler a frase, a maioria das pessoas, se não todas, imediata- mente sabe que é falsa. A “decisão”de que a frase era falsa ocorre tão ra- pidamente que as pessoas não conseguem evitá-la. Isso mostra que uma parte da nossa mente está constantemente analisando a informação em relação à sua verdade ou falsidade. Isso é importante para a nossa discus- são precisamente porque devemos reconhecer que as nossas mentes estão constantemente trabalhando em dois níveis diferentes, e devemos apren- der a manter separados esses níveis. Para avaliarmos a relação (o compo- nente lógico) que existe entre as proposições, devemos desconsiderar o conteúdo de verdade. Temporariamente, devemos ignorar os resultados de verdade ou falsidade reais – não porque não sejam importantes, mas simplesmente porque estamos fazendo algo inteiramente diferente. É possível ter um entendimento claro de como as duas funções dife- rem examinando como nós processamos outros tipos de informação. Os sentidos da visão e do olfato são duas funções distintas. Não esperamos que nossos olhos detectem a fragrância de uma flor, ou que nossos narizes nos digam qual é a cor da flor. Na verdade, quando as pessoas estão cheirando algo, algumas vezes elas fecham os olhos para dar a mais alta prioridade ao sentido de olfato. Bem frequentemente, fechamos os olhos quando quere- mos nos concentrar para ouvir alguma coisa. De forma semelhante, quan- do estamos concentrados no componente lógico, devemos aprender a tem- porariamente “fechar” a nossa capacidade de ver o conteúdo de verdade. CONJUNTO DE EXERCÍCIOS 1.2 ��� Para analisar as relações das inferências seguintes, (1) imagine que todas as pre- missas são verdadeiras, (2) determine se a conclusão de cada inferência é então (a) verdadeira, (b) falsa ou (c) tanto verdadeira como falsa, e (3) explique os seus resultados. (Uma resposta completa para o primeiro exercício em cada con- junto é dada para que você tenha um modelo a ser seguido. Soluções e explicações para os exercícios com asteriscos estão no final do livro.) 1. O livro A tem mais de 200 páginas. O livro B tem mais de 500 páginas. O livro B tem mais páginas do que o livro A. caraujo Retângulo Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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