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Capítulo disciplina "POEB"

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Um estudo comparativo das seis Cons-
tituições brasileiras (as de 1824, 1891, 
1934, 1937, 1946 e 1967), no que toca 
à educação e à cultura, faz saltar aos 
olhos um divisor de águas: a Constitui-
ção da República dos Estados Unidos do 
Brasil, de 16 de junho de 1934. 
62 NOVOS ESTUDOS N.º 14 
 
 
Em que consiste esse corte que a sim-
ples leitura dos textos legais deixa tão 
evidente? 
Não se trata apenas do peso, bem di-
verso, conferido à questão do ensino e à 
sua administração em todo o país. Trata-
se de uma diferença qualitativa. É o pró-
prio teor das preocupações com o ensino 
que muda significativamente no período 
que se segue à Revolução de 1930 e se 
traduz pela fórmula jurídica de 1934. 
Nas duas Constituições que a precede-
ram, a do Império, outorgada por Pedro 
I logo depois de ter dissolvido a nossa 
primeira Assembléia Constituinte, e a da 
República, recém-proclamada, a concep-
ção de Estado, imanente em ambas, tra-
zia o selo do iluminismo burguês. O Es-
tado do século XIX brasileiro restringia-
se a atender, em tudo quanto lhe fosse 
possível, às demandas de segurança das 
oligarquias que o sustentavam, relegando 
a um vasto e obscurecido pano de fundo 
as necessidades e as aspirações de um po-
vo sem terra, sem dinheiro e sem status. 
A linguagem que exprimia essas ten-
dências particularistas aparentava, contu-
do, um ar universalizante. O que, longe 
de ser um paradoxo exclusivamente na-
cional, afinava-se com a retórica liberal 
do Ocidente, onde coexistiam liberalismo 
e violenta exploração do proletariado. 
Quando se abre a Constituição Política 
do Império e se lê, no seu artigo 1.°, 
"O Império do Brasil é a associação 
política de todos os cidadãos brasileiros", 
ressalta um modo de dizer abrangente 
(todos os cidadãos), mas sabe-se que o 
seu referente era o contexto oligárquico 
e escravista, afinal a nossa maneira pe-
culiar de viver o capitalismo naquela al-
tura da divisão internacional da econo-
mia. Os desequilíbrios reais, que se nive-
lavam na abertura do texto mediante pro-
testos de igualdade formal, seriam camu-
flados, no corpo da Carta, pelo processo 
de omissão, toda vez que a Lei deveria 
enfrentar carências mais amplas que os 
interesses da classe privilegiada. 
Não eram a educação e a cultura, em 
princípio, direito de todos os cidadãos 
brasileiros, a crer na perspectiva dos 
ideais patrióticos que se espraiavam na 
caudalosa oratória da época? Sim, claro; 
mas nem a Constituição bragantina nem 
a republicana irão além do mero enun-
ciado daquele mesmo princípio. Em ne-
nhuma delas figura título ou secção es-
pecial para contemplar os deveres do Es-
tado para com a infância e a juventude.
Em ambas, a educação vem tratada de 
forma sumária, em poucos e genéricos 
artigos, misturados com outros, de teor 
estranho ao tema, e subordinados ao 
assunto geral dos "direitos civis e polí-
ticos dos cidadãos brasileiros". 
A Constituição do Império define co-
mo "gratuita" a instrução primária (art. 
179, § 32), mas não estabelece o seu ca-
ráter obrigatório. E apenas prevê, no § 
33, a existência de "Colégios e Univer-
sidades, onde serão ensinados os elemen-
tos das Ciências, Belas-letras e Artes". 
Nada mais. 
Durante a Regência, o Ato Adicional 
de 1834 transfere às Províncias a atri-
buição de legislar sobre o ensino primá-
rio e secundário, ambos, aliás, precarís-
simos no Segundo Reinado¹. 
A Carta da República, na sua "Decla-
ração de Direitos", ainda mais enfática 
ao proclamar a igualdade dos cidadãos 
brasileiros, levou ao extremo a sua par-
cimônia na hora de propor o modus fa-
ciendi pelo qual seria garantido ao povo 
o acesso àqueles mesmos direitos funda-
mentais. Sobre educação, dispõe no ar-
tigo 72: 
"Será leigo o ensino ministrado nos 
estabelecimentos públicos". 
A exigência de laicidade, cuidado úni-
co do legislador, era sinal dos tempos, 
consumando o divórcio de Igreja e Es-
tado, tema dos parágrafos anteriores, que 
disciplinam o casamento civil e os cemi-
térios seculares. 
Listando as atribuições do Congresso 
Nacional, a Lei maior preceituava, no seu 
art. 35: 
§ 2.º — Animar no país o desenvolvi-
mento das Letras, Artes e Ciências ( . . . ) ; 
§ 3.° — Criar instituições de ensino 
superior e secundário nos Estados; 
§ 4.° — Prover a instrução secundária 
no Distrito Federal. 
Leia-se com atenção: o parágrafo 2.º 
é perfeitamente anódino ("animar". . . ) ; 
o 3.º a nada obriga, apenas lembra uma 
eventual iniciativa que os deputados fe-
derais poderiam tomar ou não; só o 4.° 
emprega um termo de compromisso, 
"prover a instrução secundária", mas o 
limita à capital federal, então a cidade do 
Rio de Janeiro. 
O brilho da ausência revela o distan-
ciamento do legislador em relação ao pro-
blema da escolarização maciça do povo 
que cumpriria ao Poder Público agenciar. 
A República Velha funcionava como 
"um clube de fazendeiros", segundo a 
1 Ver Maria de Lourdes Ma-
riotto Haidar, O Ensino Se-
cundário no Império Brasi-
leiro, São Paulo, Grijalbo-
Edusp, 1972. 
 
FEVEREIRO DE 1986 63 
A EDUCAÇÃO E A CULTURA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 
 
feliz expressão de Celso Furtado. Aos la-
tifundiários era, de resto, fácil providen-
ciar bons colégios particulares para seus 
filhos até que entrassem em alguma fa-
culdade do país ou, melhor ainda, da Eu-
ropa. A educação reduzia-se a assunto 
privado, de que a República poderia, na 
prática, desonerar-se. Quanto à popula-
ção de baixa renda (já não falo da massa 
egressa da Abolição), não entrava na li-
nha de conta da Constituinte de 91. Ape-
sar de maioria absoluta, poderia ser tra-
tada como quantité négligeable. 
Tanto é verdade que esse permaneceu 
o espírito da República Velha até o seu 
final, que a reforma da Carta de 91, pro-
posta e aprovada em 1926, em nada al-
terou os artigos então vigentes em ma-
téria de ensino público. 
"Trinta" e a modernização do 
Estado brasileiro 
A crise da "República do Kaphet", 
como a apelidava Lima Barreto, forte-
mente entrançada com a do capitalismo 
internacional em 29, cavaria largas fen-
das na hegemonia oligárquica. A Revo-
lução de 30, o movimento sindical anar-
quista e comunista que a precedeu, o te-
nentismo, o impulso reformista do Go-
verno Provisório liderado por Getúlio 
Vargas, e, do lado oposto, o ideário pro-
gressista de uma fração dissidente da bur-
guesia de São Paulo, constituíam forças 
que, na sua interação, provocaram revi-
sões fundas no quadro institucional do 
país. 
Foi nesse clima de "reconstrução na-
cional" que se deram discussões acalora-
das em torno dos grandes contrastes da 
nossa vida social e política: federalismo/ 
centralismo, agrarismo/industrialização, 
elite/massas. . . 
A Assembléia Constituinte de 1934 foi 
o teatro por excelência desses debates dos 
quais saiu uma Constituição sob vários 
aspectos inovadora, se comparada às do 
Império e da Primeira República. 
A Revolução de 30 e a Carta de 34 
nos aparecem hoje, cada vez mais niti-
damente, como balizas de um processo 
de modernização do Estado pelo qual 
este reconhece as carências de uma nação 
em desenvolvimento, e busca supri-las. 
É sintomático que só em torno de 
Trinta o pólo da responsabilidade social 
comece a mudar os títulos, os artigos e 
os parágrafos do texto constitucional. 
Então, e só então, introduz-se no cor-
po da carta um título substancioso cha-
mado "Da Ordem Econômica e Social", 
no qual se encarregam as indústrias e as 
empresas agrícolas de proporcionar ensi-
no primário gratuito a seus empregados 
analfabetos (art. 139). 
Então, e só então, abre-se um capítulo 
especial para a educação e a cultura, 
incumbindo-se a União de "fixar o Plano 
Nacional de Educação, compreensivo do 
ensino de todos os graus e ramos, comuns 
e especializados; e coordenar e fiscalizar 
a sua execução, em todo o território do 
país" (art. 150, a ) . 
Então, e só então, institui-se como nor-
ma "a tendência à gratuidade do ensino 
ulterior ao primário, a fim de o tornar 
mais acessível" (art.150, § único, b) . 
Então, e só então, prevê-se uma dota-
ção orçamentária para o ensino nas zonas 
rurais, por meio de um percentual fixo 
que durante muitos anos permanecerá o 
mesmo, ou seja, 20% das cotas destina-
das à educação no respectivo orçamento 
anual (art. 156, § único). 
A questão da gratuidade do ensino 
público 
Merece destaque a proposta de "ten-
dência à gratuidade do ensino ulterior ao 
primário". A rigor, antes de 30, só os 
quatro primeiros anos de educação for-
mal eram contemplados com a previsão 
da escola pública generalizada 
A Lei maior de 34, atribuindo à União 
a tarefa progressiva de fundar e manter 
escolas secundárias e superiores gratui-
tas, dava um passo considerável para am-
pliar a esfera da instrução popular. As 
Constituições seguintes não superariam, 
nesse campo, a formulação de 34. 
A Lei do Estado Novo (1937) é inci-
siva apenas no caso do "ensino pré-voca-
cional e profissional destinado às classes 
menos favorecidas", que declara ser "o 
primeiro dever do Estado". Suas dispo-
sições, porém, são vagas quando se re-
fere aos ginásios e às universidades; estas 
ficam diluídas no elenco das "institui-
ções artísticas, científicas e de ensino" 
que o Estado deverá proteger ou criar. 
A Constituição de 46, neoliberal, res-
sentiu-se de uma certa timidez no trato 
da democracia econômica e social. Com-
parem-se as formulações sobre o ensino 
"ulterior ao primário": 
Na Carta de 34 (texto já citado): "ten- 
 
64 NOVOS ESTUDOS N.º 14 
dência à gratuidade do ensino educativo 
ulterior ao primário, a fim de o tornar 
mais acessível" (art. 150, § único, b); 
Na Carta de 46: "o ensino primário 
oficial é gratuito para todos; o ensino 
oficial ulterior ao primário sê-lo-á para 
quantos provarem falta ou insuficiência 
de recursos" (art. 168, item I I ) . 
Limitando a gratuidade das escolas se-
cundárias e superiores públicas tão so-
mente aos alunos que de fato provassem 
míngua de recursos (isto é, aos que tes-
temunhassem, perante a Escola e a Lei, 
a sua pobreza), a Constituição de 46 
abria caminho para uma figura híbrida, o 
ensino público pago. 
A Constituição de 67 e a sua Emenda 
de 69, que até agora nos regem, confun-
dem ainda mais as águas do público e do 
privado que o espírito de 34 tendia a se-
parar. Diz a Carta emersa do golpe de 64: 
"Sempre que possível, o Poder Públi-
co substituirá o regime de gratuidade pe-
lo de concessão de bolsas de estudo, exi-
gido o posterior reembolso no caso de 
ensino de grau superior" (art. 168, § 3.°, 
item III) . 
A redação do mesmo dispositivo na 
Emenda de 69 (promulgada por uma 
Junta Militar) tenta alcançar o inverso 
da proposta socializante de 34: 
"O Poder Público substituirá, gradati-
vamente, o regime de gratuidade no en-
sino médio e no superior pelo sistema de 
concessão de bolsas de estudo, median-
te restituição, que a lei regulará" (art. 
176, § 3.°, item IV). 
A Constituinte de 34 propunha "ten-
dência à gratuidade"; o tecnocrata de 69 
determina que o Executivo substitua a 
gratuidade, já obtida e efetivada, por 
bolsas restituíveis: procedimento que, 
previsto em 67 só para o ensino supe-
rior, aqui é estendido também para o en-
sino médio. 
(Eis um exemplo, entre tantos, que 
ilustra o equívoco — histórico e teórico 
— de certas interpretações abstratas que 
vêem no golpe de 64 um fruto do "es-
pírito de 30". Ao contrário, o movimen-
to político-militar de 64 foi uma revan-
che retardada de generais anticomunistas 
e de rancorosos antigetulistas, insuflados 
pela UDN e pela CIA, contra tudo o que 
de socializante e popular o Estado brasi-
leiro vinha construindo a partir de outu-
bro de 1930. Em 64 imitou-se, em par-
te, e potenciou-se o modelo centralizador 
de 1937, mas agora em função de obje-
tivos burocrático-capitalistas bem preci- 
sos e simetricamente opostos às verten-
tes do trabalhismo e do nacionalismo an-
teriores.) 
A questão da gratuidade do ensino pú-
blico tem sido a pedra de toque das in-
tenções democráticas do legislador bra-
sileiro nestes últimos cinqüenta anos. 
Ela se resolvia, na Carta de 34, em 
termos de "tendência": o que era um 
modo feliz e inteligente de vincular o 
crescimento do sistema escolar oficial às 
possibilidades financeiras do Estado. Este 
oscila, na verdade, entre duas opções 
nascidas de filosofias diferentes: 
a) ou aumenta, sempre que pode, o 
montante dos recursos destinados aos ser- 
viços de educação; 
b) ou contenta-se em administrar "bol- 
sas", concedendo-as, a título de emprés- 
timo, a solicitantes que provarem falta 
de condições econômicas, ao mesmo tem- 
po em que cobra mensalidades aos 
demais. 
A primeira política é de largo espec-
tro. Repensa, de modo coerente, o pro-
blema crônico da má distribuição da ren-
da nacional. Uma sociedade em que mais 
de um terço da população vive em esta-
do de pobreza (e um quarto, de pobreza 
absoluta) não pode fugir à responsabili-
dade de prover os poderes públicos de 
meios bastantes para que tenham acesso 
à escola gratuita, nos três ciclos, os filhos 
de trabalhadores de baixo salário e de 
desempregados. 
A Constituição de 34 foi a primeira a 
determinar, no seu art. 156, que para o 
ensino fossem alocados à União e aos mu-
nicípios nunca menos de 10% do orça-
mento anual; e nunca menos de 20% 
aos Estados e ao Distrito Federal. 
O acerto básico dessa política, inspi-
rada nos ideais de Trinta, está compro-
vado pelas estatísticas. Os índices de ma-
trícula na escola pública foram, a partir 
de 1940, muito mais altos que os índi-
ces de crescimento demográfico2. 
No mesmo espírito, mas acentuando a 
linha descentralizadora, reza a Constitui-
ção de 46: "Anualmente, a União apli-
cará nunca menos de dez por cento, e os 
Estados, o Distrito Federal e os Municí-
pios nunca menos de vinte por cento da 
renda resultante dos impostos na manu-
tenção e desenvolvimento do ensino" 
(art. 169). 
Os percentuais a serem despendidos 
pela União foram majorados para 12% 
em 1961, quando o Presidente João Gou- 
- Sobre o sentido desse "ar -
ranque", em termos de de- 
mocratização do ensino, ver: 
Florestan Fernandes, Educa-
ção e Sociedade no Brasil, 
Dominus-Edusp, 1966; Otaíza 
Romanelli, História da Edu-
cação no Brasil (1930-1973), 
Vozes, 1978; Celso de Rui 
Beisiegel, "Educação e So-
ciedade no Brasil após 1930", 
em História Geral da Civili-
zação Brasileira (dir. Boris 
Fausto), tomo II I , O Brasil 
Republicano; vol. 4.°, Econo- 
mia e Cultura, São Paulo, 
Difel, 1984 
 
FEVEREIRO DE 1986 65 
A EDUCAÇÃO E A CULTURA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 
lart promulgou a Lei n.° 4.042, de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional, ain-
da não integrada, porém, ao corpo da 
Constituição. 
Sintomaticamente, a Carta de 67 dei-
xou de prever dotações orçamentárias 
precisas para o sistema de ensino público. 
Só graças à Emenda Calmon, regula-
mentada em 1985, restabeleceu-se a obri-
gação constitucional de vincular ao en-
sino uma parcela da receita resultante de 
impostos, arbitrando-se em "nunca me-
nos de 13" o seu percentual, no caso da 
União, e "nunca menos de 25", no caso 
dos Estados, dos Municípios e do Dis-
trito Federal. 
Faz parte ainda de uma política de au-
mento das oportunidades educacionais, 
encetada em 30, estender a duração do 
Primeiro Ciclo, que de quatro anos pas-
sou a cinco, e chegou a oito, por força 
da Lei n.° 5.692/71. Esta medida, sem 
dúvida progressista, tomada em plena di-
tadura militar, nos adverte sobre o cará-
ter intermitente, mas poderoso, da ética 
da responsabilidade social do Estado, ca-
paz de atuar nos legisladores sob regimes 
de poder os mais diversos. 
A opção contrária, privatizante e mer-
cantil, conseguiu cortar, em 67, o prin-
cípio das dotações fixas para o ensino 
público, que vinha da Revolução de 30. 
A filosofia "neoliberal", adotada por 
um Estado autoritário, investe fartamente 
na "segurança nacional", mas procura 
desonerar o Poder Público de encargos 
sistemáticos em matéria de educação,apelando para o procedimento aleatório 
de conceder bolsas de empréstimo a cole-
giais e a universitários de instituições ofi-
ciais. 
Deixo de lado aqui o problema, aliás 
nada desprezível, do quantum que atin-
giriam as mensalidades e as restituições 
de bolsas sob um regime inflacionárío. 
A prática de mensalidades-e-bolsas, 
corrente na empresa privada de ensino, 
é discriminatória na escola pública. Se-
para o aluno que pode e o aluno que não 
pode. Alguns, "ricos", ou "remediados", 
ou "auto-suficientes", deverão pagar di-
retamente ao Colégio ou à Faculdade a 
fim de que a administração venha a em-
prestar dinheiro a outros, ditos "pobres" 
ou "dependentes". 
Desaparece, de plano, a mediação uni-
versal que é a figura do estudante de es-
cola pública, cidadão igual aos colegas 
perante a lei. Essa mediação obtém-se, 
numa sociedade democrática, pelo bom 
uso de impostos gerais que todos os ci-
dadãos se devem mutuamente, conforme 
o seu salário e as suas rendas. 
Os tributos devem ser geridos publica- 
mente por um governo representativo, 
o qual aplicará — também publicamente 
— os seus recursos em áreas considera-
das prioritárias para todos os cidadãos. 
Na verdade, a escola dita "gratuita", 
acessível a todos, baseia-se no pressupos-
to de que TODOS JÁ ESTÃO PAGAN-
DO, PROPORCIONALMENTE, VIA 
ESTADO, PARA O BEM DE TODOS 
E DE CADA UM. 
Cada cidadão deve merecer a redistri-
buição constante e sistemática do bem 
público, principalmente em setores vitais 
que empenham a pessoa e a sociedade 
por um tempo longo, como é o ensino de 
2.º e 3o graus. O mesmo raciocínio vale 
para os órgãos responsáveis pela saúde 
pública. 
A quem não tem, ao "menos favoreci-
do", para usar de um velho eufemismo, 
não é o caso de conceder, nem de em-
prestar, mas, sim, de restituir, sob a for-
ma de bens materiais e culturais, o que 
o pobre paga com o seu trabalho, no dia-a-
dia, gerando a renda nacional. O Estado 
democrático, no regime capitalista, não 
pode fazer menos do que corrigir o 
mercado e compensar a erosão que a 
mais-valia produz no salário e na vida do 
trabalhador. 
Só para situar a questão, em tempos 
recentes: 
Em 1980, segundo fontes do então 
Ministério da Educação e Cultura, havia 
cerca de onze milhões de adolescentes, 
entre 15 e 19 anos, que não tiveram 
acesso ao curso colegial. Não podendo 
pagar as mensalidades de uma escola par-
ticular, nem contando com cursos notur-
nos oficiais em sua vizinhança, eles in-
terromperam, talvez para sempre, o seu 
tempo de aprendizado formal. 
A pergunta justa é a seguinte: 
Deveria o Estado ter concedido bolsas, 
sob empréstimo, a essa massa de jovens 
sem recursos, quando sabemos que aper-
turas de ordem econômica têm causado, 
já no primeiro ciclo, uma evasão de alu-
nos que sobe a mais de 50% nas primei-
ras séries? Para estes nem a gratuidade 
basta. 
Os nossos problemas de ensino, na sua 
infra-estrutura, são graves e de longa du-
ração. O grau de empenho e de respon-
sabilidade do Poder Público não pode 
 
66 NOVOS ESTUDOS Nº. 14 
ser equiparado ao tipo de interesse de 
uma escola privada, que é, em geral, uma 
empresa centrada em si e eventualmente 
provisória como qualquer outra firma co-
mercial. As universidades e os colégios 
oficiais, ao contrário, são serviços públi-
cos sustentados permanentemente e por 
toda a nação: eis a diferença. 
Não convém misturar os dois sistemas, 
pelo menos enquanto vigorar o princípio 
do lucro. . . Que a escola particular con-
tinue a existir, e seja até amparada pelo 
Estado com isenção de impostos e me-
diante o salário-educação, talvez repre-
sente um meio salutar de manter o plu-
ralismo democrático. Mas que se garan-
tam à escola pública recursos suficientes 
para que não fiquem ameaçadas nem a 
sua gratuidade nem a sua qualidade. 
Uma palavra sobre cultura e 
Constituição 
Todas as constituições brasileiras fo-
ram lacônicas e genéricas ao tratar das 
relações entre cultura e Estado. 
Não creio que se deva propriamente 
lamentar esse vazio nos textos da Lei 
maior. 
Ao Estado, cumpre realizar uma ta-
refa social de base cujo vetor é sempre 
a melhor distribuição da renda nacional. 
Na esfera dos bens simbólicos esse obje-
tivo se alcança, em primeiro e principal 
lugar, construindo o suporte de um sis-
tema educacional sólido conjugado com 
um programa de apoio à pesquisa igual-
mente coeso e contínuo. 
A maneira mais inteligente de "pro-
mover a cultura" e "animar o desenvol-
vimento das Ciências, das Artes e das 
Letras" (fórmulas que costumam apare-
cer nos textos legais) ainda é munir subs-
tancialmente o ensino e a pesquisa em 
todos os seus ramos, de tal modo que 
docentes, discentes e pesquisadores das 
várias instituições escolares e científicas 
disponham de meios condignos para per-
fazer os seus cursos e projetos. 
Que o mesmo se faça em relação aos 
direitos autorais e aos direitos de paten-
te sobre os quais a Carta deverá mani-
festar-se, ainda que de maneira genérica. 
Afora esses deveres, que prevêem 
ações tópicas do Poder Público (criação 
e manutenção de bibliotecas, editoras, 
museus, arquivos, discotecas, filmotecas, 
teatros, orquestras, circos, casas de cul-
tura, estações de rádio, canais de TV, 
etc.), nada mais o Estado poderá fazer 
"pela cultura". 
A sociedade brasileira não tem uma 
"cultura" já determinada. O Brasil é, ao 
mesmo tempo: um povo mestiço, com 
raízes indígenas, africanas, européias e 
asiáticas; um país onde o ensino médio 
e universitário tem alcançado, em alguns 
setores, níveis internacionais de qualida-
de; e um vasto território cruzado por 
uma rede de comunicações de massa por-
tadora de uma indústria cultural cada vez 
mais presente. 
O que se chama, portanto, de "cultura 
brasileira" nada tem de homogêneo e 
uniforme, e nunca poderá entrar em bi-
tolas jurídicas. A sua forma complexa e 
mutante resulta de interpenetrações da 
cultura erudita, da cultura popular e da 
cultura de massas 3. 
Se algum "valor" deve presidir à ação 
do Poder Público no trato com a "cultu-
ra", este não será outro que o da liber-
dade e o do respeito pelas manifestações 
espirituais mais diversas que se vêm 
gestando no cotidiano do nosso povo. 
Em face dessa corrente de experiên-
cias e de significados tão díspares, a 
nossa Lei maior deveria abster-se de pro-
por normas incisivas, que soariam estra-
nhas, porque exteriores à dialética das 
"culturas" brasileiras. Ao contrário, um 
certo grau de indeterminação no estilo 
dos seus artigos e parágrafos é, aqui, re-
comendável. 
A liberdade de associação, de culto, 
de imprensa, de expressão em geral, re-
presenta a condição a priori de uma po-
lítica democrática a longo prazo. 
Creio que a competência do Estado 
não poderá extrapolar os limites do sus-
tento, parcial ou global, de instituições 
e pessoas que, sem interesses mercantis, 
se proponham a trabalhar na produção e 
na comunicação de bens simbólicos. 
Não cabe à Lei predeterminar ou ajui-
zar os conteúdos da cultura, que se fa-
zem por si no embate das idéias, das ne-
cessidades e suas formas. 
Não há uma diretriz "positiva" a ser 
atribuída pela Carta ao Estado, a não ser 
a de prover os cidadãos de meios con-
cretos para exercerem uma sociabilidade 
livre, cordial e responsável. Esta — é 
nossa esperança — humanizará a cultura 
e, quem sabe, o próprio Estado. 
Novos Estudos CEBRAP, São Paulo 
n.° 14, pp. 62-67, fev. 86 
Alfredo Bosi é professor de Literatura Brasileira da Uni-
versidade de São Paulo. 
 
³ Procurei formular mais ex-
plicitamente o tema no en-
saio "Cultura Brasileira". Em 
Filosofia da Educação Brasi-
leira, org. por D. Trigueiro 
Mendes, Rio de Janeiro, Ci-
vilização Brasileira, 1983, pp. 
135-176. 
 
FEVEREIRO DE 1986 67

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