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Hebreus e Romanos

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ISSN: 1984 -3615 
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE 
I ENCONTRO INTERNACIONAL E II NACIONAL 
DE ESTUDOS SOBRE O MEDITERRÂNEO ANTIGO 
& 
IX JORNADA DE HISTÓRIA ANTIGA 
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ENTRE O SACRO E O PROFANO: YOSSEF BEN MATITIAHU HA-COHEN E A 
PRESENÇA GENTÍLICA NO TEMPLO DE JERUSALÉM. 
Junio Cesar Rodrigues Lima
1
 
A narrativa da ocupação da Judéia em 63 a.C., além ser o marco de início oficial da 
administração romana na região, evidencia interação cultural e religiosa entre romanos e 
judeus. Tal interação fazia parte do contexto sócio-cultural da urbs
2
 onde todos aqueles que 
prestavam serviços cultuais para uma determinada comunidade eram reconhecidos como 
sacerdotes. 
Segundo John Scheid, 
(...) um romano podia cruzar-se e conviver diariamente com os 
responsáveis religiosos de comunidades estrangeiras estabelecidas 
nas margens do Tibre, Egípcios, Hebreus ou Gregos da Síria ou da 
Ásia Menor, comunidades que, por outro lado, iam propagando os 
 
1 Graduação em História pelo Centro Universitário Augusto Motta; Pesquisador do NEA - Núcleo de Estudos 
da Antigüidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Linha de Pesquisa: Discurso, Narrativas e 
Representação; Projeto de Pesquisa Atual: Interações Culturais e Religiosas entre as Sociedades Romana e 
Judaica nos Séculos I a.C. e I d.C.; Orientadora: Profª. Drª. Maria Regina Candido; E-mail: 
revjuniocesar@yahoo.com.br; 
2 Urbs, a cidade - Os romanos freqüentemente usavam esse termo para se referir a Roma, a cidade por 
excelência e por definição. Posteriormente, os romanos se utilizaram desse modelo para urbanizar novas 
cidades nos territórios conquistados e promover integração entre os romanos e os povos conquistados. Assim, 
sempre que a topografia permitisse, “a cidade era ordenada segundo plano perpendicular, em que as ruas se 
entrecruzavam em ângulo reto. A disposição interna dos edifícios urbanos correspondia a uma lógica de 
repetição, reproduzindo a cidade-mãe, Roma, em escala menor” (1997, P.111). Nessas cidades geralmente 
encontramos um fórum; um capitólio, abrigando Júpiter, Juno e Minerva; uma cúria, para as reuniões do 
senado local; uma basílica, para as sessões do tribunal e reuniões públicas. Norbert Roland chama esse 
fenômeno de mimetismo arquitetônico e afirma que ele contribuía para a unidade política das populações 
conquistadas. 
ISSN: 1984 -3615 
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seus princípios espirituais e cujos cultos se tornaram amiúde, de 
acordo com os acontecimentos, parte integrante do patrimônio 
religioso romano (...) (GIARDINA, 1992, p.51). 
 
A afirmação de Sheid indica tolerância religiosa entre aqueles que transitavam pela 
urbs romana, situação que, em certo sentido, poderia ser considerada um prenúncio do 
tratamento romano às questões religiosas da Judéia. 
A documentação que compõe o objeto de análise desse artigo trata-se do Livro XIV 
de Antiguidades Judaicas, onde o autor relata a disputa político-religiosa pela sucessão do 
cargo de sumo-sacerdote entre Hircano II e Aristóbulo II
3
. A disputa entre os dois irmãos 
resultou no domínio romano sobre a região
4
. 
A narrativa relata a entrada de Pompeu no lugar mais secreto do Templo de 
Jerusalém. O Santo dos Santos, também conhecido como Santíssimo Lugar, se tratava de 
uma área do templo separada por um véu em que nem mesmo os sacerdotes podiam entrar, 
sob pena de morte. Apenas o sumo-sacerdote podia fazer isso e, ainda assim, uma vez por 
ano no chamado “dia das expiações” ou yom hakippurim5, quando ele, após oferecer um 
 
3 Hircano e Aristóbulo eram príncipes da dinastia asmonéia (descendentes dos Macabeus), filhos de 
Alexandre Janeu (60 d.C.), da casta sacerdotal. Com a morte de Janeu, os dois desencadearam uma guerra 
civil pela sucessão do cargo de sumo-sacerdote ou grão-sacrificador mor. Desde o domínio Persa que a 
Judéia foi reconhecida como Estado do Templo. Posteriormente, a figura do sumo-sacerdote foi elevada ao 
centro da sociedade judaica. Suas funções eram tanto religiosas quanto políticas, conseqüentemente sua 
posição deve ter sido muito cobiçada. Hircano, por ser o filho mais velho, tinha direito a sucessão. 
Entretanto, Aristóbulo o considerava fraco politicamente e almejava o cargo. Segundo Flávio Josefo os dois 
pleitearam o apoio de Pompeu para a sucessão. Roma acabou apoiando Hircano porque atendia melhor os 
seus interesses. 
4 Uma narrativa paralela pode ser encontrada no Livro I de Guerra dos Judeus. 
5 O detalhamento do ritual pode ser encontrado em Levítico 16. 
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touro em sacrifício por seus pecados e por sua casa, atrás do véu, incensava o propiciatório, 
kapporet, o aspergia com o sangue do touro e, em seguida imolava um bode pelo pecado 
do povo, levando o sangue para trás do véu, onde aspergia o propiciatório, como o tinha 
feito com o sangue do touro (VAUX, 2004, p.543-544). O yom hakippurim era um dia de 
repouso completo, penitência e jejum
6
. 
Segundo os indícios da documentação, Pompeu entrou no templo judaico em um 
yom hakippurim. O fato de a documentação apontar formas grega e romana de contar o 
tempo
7
 – “Olimpíada cento e setenta e nove, sendo cônsules C. Antônio e M. Túlio 
Cícero” dificultaria tal associação se a localização do episódio em um dia de jejum8, a 
entrada no Santo dos Santos, a não interrupção dos sacrifícios e o posterior ritual de 
purificação ordenado por Pompeu não favorecessem tal hipótese. 
Yossef Ben Matitiahu ha-Cohen
9
, fariseu, sacerdote iorosolomita, também 
conhecido como Titus Flavius Josephus identifica a entrada de Pompeu no templo de 
 
6 Segundo Carmine Di Santi, o yom hakippurim ou yom kippur também era chamado de o dia do Grande 
Perdão, Grande Sábado (Shabbat Shabbatot) ou simplesmente O Dia, Yoma da Mishná. Nesse dia o povo se 
sentia purificado por todos os seus pecados quando Javé renovava sua aliança sem considerar as infelicidades 
de seu povo (SANTI, 1989, P.236). 
7 Segundo Eni Orlandi aqui pode ser encontrada uma evidência de polissemia - Apesar de descrever suas 
origens judaicas e evocar valores próprios dessa sociedade, Josephus ao descrever o episódio o associa 
temporalmente a um dia de jejum, na Olimpíada 199, sendo cônsules C. Antônio e M. Túlio Cícero indicando 
formas judaica, grega e romana de contar o tempo. Isto significaria uma evidência de ruptura. 
8 O único dia em que o jejum era ordenado pela lei judaica era o yom hakippurim. 
9 Yossef Ben Matitiahu ha-Cohen se trata do nome de nascimento daquele que posteriormente ficou 
conhecido como Titus Flavius Josephus ou Flávio Josefo. Optei por utilizar o nome hebraico aqui para 
evidenciar que, embora cidadão romano, Josefo nunca perdeu a referência de seu lugar antropológico (LIMA, 
2009, P.41-42). 
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Jerusalém como profanação do território sagrado
10
. Entretanto,o profanador saiu do Santo 
dos Santos vivo, nomeou o novo sumo-sacerdote e ordenou a manutenção do culto judaico, 
demonstrando interação religiosa entre as sociedades romana e judaica. 
As ações de Pompeu jamais poderiam ser toleradas pelos sacerdotes; a entrada dele 
no templo colocou todos os sacerdotes em perigo perante a divindade; mas, ao mesmo 
tempo em que Yossef a caracteriza como profana, a aponta como piedosa e tolerante 
revelando ambigüidade e ambivalência em seu discurso
11
. Tais circunstâncias nos 
 
10 Uma das características da religião semita é que o território sagrado não se trata apenas da localização 
precisa onde se celebra o culto, o altar levantado ou o santuário construído, mas, também, certo espaço ao 
redor do templo ou do altar. O território sagrado podia até compreender uma vasta extensão de terra ou uma 
montanha. No caso de Jerusalém, a cidade ficava edificada sobre um monte sagrado, o Sião. O templo de era 
cercado por um átrio que delimitava o território sagrado e dentro dele também havia demarcações ou níveis 
de santidade. Um gentio deveria permanecer na parte externa do templo (VAUX, 2004, P.312). 
11 Em 1963, A. Jaubert, ao analisar os escritos de Josefo, identificou o historiador hebreu como um “(...) 
caloroso defensor da lei identificado com a religião judaica (...)”, situação que pôde ser inferida do discurso 
que emerge de suas obras, principalmente, sua autobiografia (“Vida de Josefo”). Analisando os mesmos 
discursos, Rocha afirma que “Flávio Josefo representa a corrente moderada dos judeus, aliada aos 
romanos, e descreve os inimigos de Roma como seus inimigos (...)” (Rocha, 2004, p.242). Martin Goodman 
parece concordar com ele ao afirmar que Josefo “tinha orgulho de sua carreira e do sucesso social em Roma 
após 70 que o separava do resto da classe dirigente judaica da qual se originara”. 
Hadas-Lebel afirma que para o judaísmo, Josefo, embora nunca tenha negado a fé judaica, trata-se de um 
filho perdido – “Perdido por ter sido suspeito de traição; perdido, por ter ido viver em Roma, no palácio do 
vencedor; perdido, por ter difundido, ou mesmo escrito, sua obra em grego; perdido, por ter sido 
recuperado pelo cristianismo desde os primórdios da igreja, como um outro judeu, o filósofo Fílon de 
Alexandria” (LEBEL, 1992, p.12). Entretanto, segundo ela, Flávio Josefo “tem direito ao lugar que 
reivindicava para si mesmo com justo orgulho: „o historiador digno de louvores‟, escreve em seu prefácio ao 
relato da guerra, „é aquele que registra os fatos cuja história nunca foi escrita e que faz a crônica de seu 
tempo para as gerações futuras‟” (1992: p.14). 
A história romana reservou para Flávio Josefo o papel de “cronista dos assuntos da Judéia”, visto que para 
abordar os acontecimentos do primeiro século os historiadores romanos sempre deram prioridade a escritores 
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conduzem aos seguintes questionamentos: Por que a presença romana no território sagrado 
foi considerada como uma profanação? O que motivou a entrada de Pompeu no Santo dos 
Santos, curiosidade, demonstração de poder, culto? Por que Josephus faz questão de 
afirmar que ele não tocou nas coisas sagradas? Com que autoridade poderia ordenar a 
purificação do templo, nomear o sumo-sacerdote e restabelecer o culto? Por que Josephus 
parece minimizar a ação de Pompeu? Algum sacerdote judaico adjetivaria tal profanação 
como piedosa? Ao enfatizar a ocupação da Judéia como resultado da disputa político-
religiosa entre Hircano e Aristóbulo, Josephus estaria mais uma vez tentando se redimir 
com seu povo? E por que exaltar tanto o zelo, resistência, riqueza e influência sócio-
político-econômica da Judéia na região? Todas essas questões nos ajudam a desvendar o 
pensamento e objetivos de Flávio Josefo permeados em seu discurso sobre a profanação do 
território sagrado, momento que segundo ele nunca tinha acontecido na história do seu 
povo. 
A historiografia contemporânea, além de firmar a ligação indissolúvel entre 
presente e passado, relativiza a documentação e enfatiza a análise das condições sociais 
para investigar e compreender os fatos, dialogando com outras áreas de conhecimento e 
mantendo “(...) o contato e o debate permanentes com outras ciências sociais, incluindo a 
importação de problemáticas, métodos e técnicas de tais ciências (...)” (CARDOSO, 2007, 
p.42-43). Com isso utilizaremos conceitos próprios da Antropologia direcionando o foco 
para as relações sociais e para a visão de mundo expressa pelos comportamentos, mitos, 
rituais, técnicas, saberes e práticas sociais. 
 
latinos como Tácito e Suetônio, autores que muitas vezes discordavam de Flávio Josefo quanto à ordem e 
valor dos fatos (1992: p.13). 
Luis Eduardo Lobianco afirma que o historiador hebreu trata-se um personagem ambíguo. Lobianco descreve 
quatro ambigüidades que emergem do discurso de Josefo: a) ambigüidade no título da obra; b) ambigüidade 
no conteúdo; c) ambigüidade na origem; d) ambigüidade na estrutura (LOBIANCO, 1999). 
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Segundo Marc Augé, a existência do “eu - individual” só é permitida mediante o 
contato com o outro. A experiência do fato social é aquela de uma sociedade localizada no 
tempo e no espaço, mas também a de um indivíduo qualquer da sociedade. Entretanto tal 
indivíduo, apesar de não passar de uma expressão dessa sociedade, torna-se significativo 
porque com ela se identifica (AUGÉ, 2007, p.25). A pesquisa antropológica, segundo ele, 
(...) tem por objetivo interpretar a interpretação que outros se 
fazem da categoria do outro nos diferentes níveis que situam o 
lugar dele e impõem sua necessidade: a etnia, a tribo, a aldeia, a 
linhagem ou qualquer outro modo de agrupamento até o átomo 
elementar de parentesco, do qual se sabe que submete a identidade 
da filiação à necessidade da aliança (...) (2007: p.27). 
 
Augé ainda afirma que toda etnia deve ser considerada como uma ilha, 
eventualmente ligada a outras, mas diferente de qualquer outra, e que cada ilhéu deve ser 
visto como homólogo do seu vizinho. Assim, além de trabalhar as interações culturais 
entre indivíduos na sociedade, propõe ainda o estudo do contato entre os mais variados 
grupos sociais nos quais os indivíduos estão inseridos. 
Ao abordar a documentação que compõe nosso objeto de análise, Monica Selvatici 
afirma que: 
Ao conquistar territórios na região mediterrânea, os romanos 
necessariamente se viram envolvidos na questão do separatismo judaico e 
do sentimento antijudaico suscitado por ele. Esta situação obrigou-os a 
formular uma política específica para o caso dos judeus dentro de seu 
território. De acordo com E.M. Smallwood, „não havia necessidade de 
supressão da religião judaica, já que como culto ela preenchia os pré-
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requisitos romanos para sua sobrevivência: moralmente ela criava 
objeçõese na diáspora era politicamente inócua12. 
 
Assim, para ela, a narrativa da ocupação da Judéia em 63 a.C. prefiguraria a adoção 
da tolerância religiosa. Tal circunstância poderia ser evidenciada nas medidas de proteção 
aos judeus prescrita na legislação de Cesar em 44 d.C. Selvatici diz que aos judeus era 
permitido recolher imposto para o templo, construir novas sinagogas, celebrar o Shabbat e 
as festividades judaicas, isenção da obrigatoriedade do recrutamento militar e declaração 
da santidade de suas Escrituras. 
Em uma análise similar, porém, mais abrangente, Luiz Eduardo Lobianco vê nesta 
mesma narrativa “um exemplo de resistência passiva judaica face ao domínio romano, 
pois tanto o poder político quanto o cultural de Roma sobre a Judéia eram, por causa do 
Judaísmo diminuídos” (LOBIANCO, 1999, p.56). Lobianco defende que a entrada de 
Pompeu no Santo dos Santos revela o enfraquecimento do judaísmo, entretanto, sua 
consecutiva atitude de reverência no local significava fortalecimento da religião judaica e 
ilustrava a redução da intensidade do domínio romano perante os judeus, assegurando a 
preservação da atividade cultural local (1999: p.56-62). 
Luiz Eduardo Lobianco ainda faz uma releitura de Richard Hingley e afirma que 
para se ajustar as necessidades locais, sobretudo aquelas das elites nativas, os romanos 
precisavam fazer concepções e ou adaptações, o que, segundo ele, Sartre vai chamar de 
“liberdades judaicas”. 
Jorwan Gama da Costa Junior também prefere analisar a documentação sob os 
invariantes históricos da resistência, tolerância e intolerância, ressaltando a dificuldade de 
 
12 SELVATICI, Mônica. Conflitos sociais entre judeus e gentios no Mediterrâneo romano e o cristianismo de 
Paulo de Tarso. Disponível em: Acessado em: 
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se falar em romanização da Judéia entre os séculos I a.C. e II d.C. – “Quando dois povos 
com identidades culturais diferentes encontram-se, reações emergem de ambos os lados, 
como é o caso dos romanos e dos judeus, cujos laços de lealdade e identidade eram 
formados por uma base político-jurídica e outra religiosa, respectivamente. É nesse 
momento que chegamos aos conceitos de resistência, tolerância e intolerância (...)”13. 
Jorwan procura identificar esses invariantes em cada ato narrado na documentação. 
Os conceitos de Augé indicam que Cneu Pompeu não deve ser considerado apenas 
como um general romano que adentrou o lugar mais sagrado de um templo em Jerusalém, 
mas, ainda, como um magistrado romano que entrou em um santuário que, naquele 
momento, estava sem a sua maior representação religiosa – o sumo-sacerdote14, o que de 
certa forma impediria a plena realização do yom hakippurim, trazendo desventuras para a 
cidade, segundo a crença judaica. 
Os romanos concebiam a cidade como o local onde os deuses e os homens 
participavam da vida comunitária
15
. A religião era o meio de concretizar essas relações 
visando o bem comum. Os sacerdotes, então, tinham papel preponderante nessa relação, 
pois “todos os atos do culto dependiam da competência dos magistrados e dos sacerdotes, 
e isso sob todos os aspectos (...)”. Em Roma não se tornava sacerdote quem o desejasse diz 
 
13 Jorwan Gama da Costa Junior. A Judéia à luz de três “invariantes históricos”: resistência, tolerância e 
intolerância. Disponível em: Acessado em: 
14 Nome dado ao chefe do sacerdócio no período pós-exílico. Na época da ocupação, o sumo sacerdote 
poderia acumular tanto o poder religioso, quanto o poder político, pois era o chefe do Sinédrio. Essa figura 
apresenta muitas similaridades com o magistrado romano tanto na investidura quanto no exercício da função. 
15 Jerusalém também considerada uma cidade sagrada. Os judeus acreditavam que Javé morava no templo. 
Muitos deles faziam peregrinações à cidade a fim de dormir as portas templo esperando que Javé falasse com 
eles através de sonhos ou de um oráculo, situação esta que pode ser inferida do Livro dos Salmos. 
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Scheid, o sacerdócio era uma questão de estatuto social
16
 (1992: p.53). Os atos religiosos 
eram celebrados em nome da comunidade e somente os que estavam destinados pelo 
nascimento ou pelo estatuto podiam exercer funções sacerdotais. 
Como todo magistrado, Pompeu também desempenhava funções sacerdotais. Os 
cônsules eram obrigados a celebrar grande parte dos sacrifícios contidos no calendário 
citadino. Em caso de impedimento eram substituídos pelos pretores, mas, todos os 
magistrados dedicavam parte do seu tempo aos ritos sacrificiais públicos: 
 significava fornecer vítimas, formar uma equipe de assistentes 
sacrificiais, pedir ajuda a um colega e eventualmente a um 
sacerdote e, sobretudo. Significava passar uma grande parte do dia 
cívico (desde o nascer do sol até o início da tarde) no local do 
sacrifício: além disso todos os atos dessa liturgia exigiam do 
magistrado atitudes, gestos e palavras de autoridade, desde a 
imolação da vítima até à oferenda das vísceras (exta) aos deuses e 
a divisão das carnes reservadas aos participantes no ritual (...). Por 
ocasião das grandes festas, faziam-se inúmeros sacrifícios, a que se 
seguiam jogos organizados e presididos pelo magistrado celebrante 
(1992: p.54). 
 
Os magistrados oficiavam com o auxílio de outros sacerdotes, mas sempre eram os 
mestres da consulta. Eles ainda tinham o poder de propor o estabelecimento de novas 
divindades públicas e consultar auspícios, além dos votos e as consagrações. Pompeu 
 
16 Em Israel o sacerdócio também não era uma vocação, mas sim uma função. Segundo Vaux, os textos 
nunca falam de um chamado ou de uma escolha divina a respeito do sacerdote, como fazem para o rei e o 
profeta. A nomeação dos sacerdotes se fazia sem a intervenção divina. Diferentemente do sumo-sacerdote, os 
sacerdotes assumiam suas funções sem que um rito religioso os conferisse graças ou poderes especiais. Eles 
eram santificados por suas próprias funções, escolhidos e instalados para o serviço em um santuário. Os 
sacerdotes também eram entregadores de oráculos, instrutores do povo, mediadores e sacrificadores. 
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pertencia ao colégio dos áugures e também podia nomear sacerdotes; e, enquanto general 
romano, no interior de suas legiões, era o primeiro sacerdote, o homem encarregado de 
celebrar os ritos tradicionais e proceder a celebrações excepcionais, função compartilhada 
com o comandante de legião. 
Discorrendo sobre a invenção dos laços de clientela, Norbert Roland descreve a 
importância da função sacerdotal para a sociedade romana ao declarar que: 
O tempo dos deuses bloqueia o tempo dos homens: certos dias 
pertencem a eles exclusivamente (dies festi), sendo portanto 
nefastos (ne-fas = contrários ao direito religioso) para qualquer 
ação humana. Mas os dias deixados ao homem (dies profesti) nem 
sempre são fastos, pois a ação dos deuses pode ainda interferir no 
seu curso.Em certos dias, designados como “religiosos”, são 
vedados o casamento, a realização de assembléias políticas, bem 
como o início de qualquer ação nova. (...) Esses dias são 
agourentos e já deram mostras da sua hostilidade em relação a 
Roma (...). É preciso, portanto, ter o conhecimentos dessas datas, 
privilégio exclusivo dos patrícios; e somente destes é que procede 
a casta dos sacerdotes. Estes últimos fixam aqueles dias no 
calendário romano e os anunciam aos patrícios reunidos nos 
comícios curiais (ROLAND, 1997, p.51-52). 
 
A afirmação de Roland indica que o homem que entrou no Santo dos santos 
também era um patrono em potencial, o que ele mesmo vai chamar de clientelização da 
conquista, afirmando que Pompeu “orgulhava-se de haver depositado 480 milhões de 
sestércios nas burras estatais e elevado os impostos arrecadados por Roma de 200 para 
540 milhões de sestércios”, após a conquista da Judéia (1997: p.246). Entretanto esse é um 
assunto para outra oportunidade. Nesse momento citamos Roland apenas para demonstrar 
que o homem que entrou no Santo do Santos era um general romano, magistrado, que 
exercia funções sacerdotais, consultava auspícios, estava acostumado a fazer uma ponte 
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entre a cidade e os deuses, oferecia sacrifícios, freqüentava templos, trabalhava auxiliado e 
nomeava novos sacerdotes. 
Não se pode esquecer ainda que esse homem estivesse acostumado a conviver com 
sacerdotes de outras religiões na urbs e, conforme o ritual simbólico de fundação de sua 
cidade que, segundo Norbert Roland, permanecia no universo mental dos patrícios, sabia 
exatamente o que era profanar o território sagrado e conhecia os passos para sua 
purificação. Provavelmente, um judeu comum e, até mesmo um sacerdote, jamais 
compreenderia a ação de Pompeu, mas o homem por trás do relato, além de Yossef Ben 
Matitiahu ha-Cohen, é Titus Flavius Josephus, um judeu que também fazia parte do 
universo cultural romano. Como judeu, ele apenas trataria o episódio como a maior 
profanação de todos os tempos, mas, enquanto cidadão romano da casa dos Flavius tentaria 
compreender melhor a ação de Pompeu sob a ótica romana. 
Pompeu tinha plenas condições de construir ali o lugar antropológico
17
 de Marc 
Augé, apesar de se localizar geograficamente fora da urbs. Considerando que se tratava de 
uma ocupação, Jerusalém e a Judéia poderiam ser tratadas como parte de Roma. No 
entanto, duas circunstâncias contrariariam essa hipótese: a) a entrada de um soldado 
armado no templo – situação inadmissível na sociedade romana, visto que um soldado 
jamais poderia entrar na cidade sem deixar fora dela suas armas e passar por um ritual de 
purificação; b) a mácula da morte – a permanência de cadáveres nos limites da cidade 
resultaria em profanação do território sagrado e traria o desfavor dos deuses. Entretanto, 
Jerusalém ainda não era uma urb romana; a cidade não tinha passado pelo rito simbólico 
de fundação; não existia ainda ali o mundus
18
 e os limites do pomoerium
19
 não foram 
 
17 Marc Augé chama de lugar antropológico a construção concreta e simbólica do espaço que é 
simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de inteligibilidade para quem os 
observa. Os lugares antropológicos pretendem ser identitários, relacionais e históricos. O habitante do lugar 
antropológico não faz história, vive a história (AUGÉ: 2007, P.51-53). 
18 Segundo Norbert Roland, mundus se tratava de uma cova, via de comunicação entre o mundo dos mortos, 
o dos vivos e dos deuses subterrâneos. A partir do mundus se delimitava o espaço urbano do homem. No 
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estabelecidos. Assim, a presença romana na cidade não poderia ser considerada por 
Pompeu, na ótica romana, como profanação do território sagrado. Embora, segundo afirma 
Martin Goodman, para alguns judeus, a ação do magistrado romano foi uma grande 
demonstração de brutalidade e desrespeito a religião judaica; situação essa que 
provavelmente foi vingada quando rebeldes judeus no Egito profanaram o túmulo de 
Pompeu em 115 d.C. (GOODMAN, 1994, p.23) 
Considerando que não havia sumo-sacerdote instituído e que a cidade era objeto de 
disputa política, sem a figura de um rei e de um pontífice, a presença do magistrado e seu 
exército se tratava, segundo o imaginário social romano, do restabelecimento da ordem e 
da relação com os deuses, isso sem deixar de considerar que o magistrado romano contava 
com o apoio de parte dos judeus e parte dos sacerdotes judaicos. Pode-se dizer então que 
Pompeu agiu no templo de Jerusalém como um magistrado romano agiria em seu lugar 
antropológico, se identificando com o sumo-sacerdócio e estabelecendo relações
20
 com o 
lugar construído. 
 
ritual simbólico de fundação da cidade, cada homem que chega lança no mundus um punhado de terra que 
recolheu antes de abandonar o seu solo natal para procurar fortuna alhures. Apropria-se então da cidade que 
acaba de ser fundada dizendo: “Onde está a terra dos meus pais, aí será a minha pátria”. No mundus são 
lançados grãos, vinho e gado miúdo. Depois ele é coberto e sobre ele erige-se um altar onde arderá o fogo 
sagrado. Jungem-se os bois, brancos como as vítimas oferecidas a Júpiter. Abrem um sulco na terra, traçando 
um círculo mágico, o pomoerium (1997, P.22). 
19 Círculo mágico em que se delimitava a edificação da cidade, abençoada por Júpiter e protegida por uma 
série de tabus, pelos quais a mácula da morte é repelida para fora dos seus limites. Era proibido sepultar ou 
incinerar um morto no recinto do pomoerium, e o carrasco deveria morar fora da cidade. Nenhum soldado 
armado pode passar as suas portas, pois isso representava a morte, trazida pelo gládio. O sacerdote de Júpiter 
habita no âmbito intrapomerial, jamais poderia presenciar o desfile de uma tropa armada, nem tocar um 
morto, nem aproximar-se de uma sepultura (1997, P.22). 
20 Marc Augé afirma que segundo Michel de Certeau pode-se ver no lugar a ordem segundo a qual elementos 
são distribuídos em relações de coexistência. Cada elemento do lugar está ao lado dos outros, num local 
próprio. Para Certeau, o lugar se trata de uma configuração instantânea de posições, o que para Augé 
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Augé então nos permite dizer que os discursos de Josephus são expressões de 
valores das sociedades judaica e romana, de lugares antropológicos e não-lugares
21
, de 
valores culturais no tempo e no espaço, que não podem ser desprezados pelo pesquisador 
ao se debruçar sobre a documentação. Assim, Flavius Josephus, apesar de pertencer a um 
segmento da sociedade, possibilita através de seu discurso uma identificação polifônica 
oriunda da interação cultural entre as sociedades judaica e romana. 
Outro enfoque desse artigo está ligado à compreensão de que estudos literários e 
historiográficos estão em proximidade.Nesse ponto começamos a nos aproximar da 
lingüística para analisar e compreender o teor da documentação. A Profª. Drª. Zeloí Santos 
parece concordar com este postulado ao dizer que “o discurso literário resulta de uma 
reflexão e se constitui em uma mediação social, tal como o discurso histórico. Daí ser 
possível através das técnicas de expressão literária tais como os modos de narrar e 
construir pontos de vista, poder-se revelar a história” (SANTOS, 2007). Entretanto, as 
formações discursivas devem ser vistas dentro do espaço discursivo. Ao operar um 
documento precisamos ordenar e identificar seus elementos, construindo sua unidade e 
fazendo perguntas pertinentes à pesquisa. 
 Michel Foucault afirma que analisar o discurso seria dar conta das relações 
históricas e práticas que estão vivas nele, explorando ao máximo os materiais, entendendo 
que são produções históricas e políticas, que suas palavras são construções e que a 
 
equivale a dizer que, num mesmo lugar, podem coexistir elementos distintos e singulares, mas sobre os quais 
não se proíbe pensar em relações nem a identidade partilhada que lhes confere a ocupação do lugar comum 
(AUGÉ, 2007, P.52-53). 
21 Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não se possa definir 
assim, segundo Augé, definirá um não-lugar. Os não-lugares são tanto as instalações necessárias à 
circulação acelerada de pessoas e bens quanto os próprios meios de transporte ou grandes centros comerciais, 
ou ainda os campos de trânsito prolongado (2007: p.36). 
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linguagem também é constitutiva de práticas. O discurso, segundo ele, ainda se produz em 
razão de relações de poder e traz consigo inúmeros saberes (FOUCAULT, 1986, p.133). 
Para Eni Orlandi, todo dizer é ideologicamente marcado – “não há discurso sem 
sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia 
e é assim que a língua faz sentido”. É na língua que a ideologia se materializa, por isso, “o 
discurso trata-se de um objeto sócio-histórico em que o lingüístico intervém como 
pressuposto” (ORLANDI, 2003, p.17). Assim, o lugar a partir do qual o sujeito fala é 
constitutivo do que ele diz, pois o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela 
ideologia. 
Orlandi nos permite remeter o dizer de Josefo a toda uma filiação de dizeres, a uma 
memória, a sua historicidade e significância, mostrando seus compromissos políticos e 
ideológicos: 
(...) Os sentidos não estão só nas palavras, nos textos, mas na 
relação com a exterioridade, nas condições em que eles são 
produzidos e que não dependem só das intenções dos sujeitos (...). 
Os dizeres não são, como dissemos, apenas mensagens a serem 
decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em 
condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no 
modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso 
tem de apreender. São pistas que ele aprende a seguir para 
compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer 
com sua exterioridade, suas condições de produção. Esse sentido 
tem a ver com o que é dito ali mas também em outros lugares, 
assim como com o que não é dito, e com o que poderia ser dito e 
não foi. Desse modo as margens do dizer, do texto, também fazem 
parte dele (2003: p.30). 
 
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A partir dessa compreensão, em vez de utilizarmos os métodos focalizados em 
Análise do Conteúdo que enfatizam o teor literal da documentação e se ocupam com o que 
o texto quer dizer, optamos por aplicar Análise do Discurso a fim de compreender o que 
ela significa em sua materialidade considerando o processo de identificação, condições de 
produção, processo discursivo, ilusão referencial e objetividade. 
Assim, os objetivos desse artigo são: a) analisar o discurso de Titus Flavius 
Josephus; b) identificar a relação entre o sacro e o profano no território sagrado do Antigo 
Israel através da interação religiosa entre a sociedade romana e judaica representada na 
presença do general romano no templo; c) desvendar as motivações que o autor teve para 
caracterizar as ações de Pompeu como profanação do território sagrado e, ainda assim, 
adjetivar o magistrado romano como piedoso e virtuoso. 
Nosso sujeito locutor, Flavius Josephus, nasceu em 37 ou 38 d.C. (segundo ele no 
primeiro ano do reinado de Calígula, o imperador Caio César que reinou de 37 a 41 d.C.), 
de rica família da aristocracia sacerdotal (pelo lado paterno) asmonéia (pelo lado materno), 
filho de Matias, de educação sofisticada, fariseu (apesar de ter experimentado a seita dos 
saduceus, dos essênios e de ter seguido Bane, um eremita do seu tempo), governador 
militar da Galiléia, líder da resistência judaica contra os romanos, cidadão romano, adotado 
pela casa dos Flavius, beneficiado com terras na Judéia após a derrota, morador de Roma, 
escreveu a maior parte das suas obras com o patrocínio de Vespasiano, Tito e Domiciano, 
homenageado com uma estátua em Roma (segundo Euzébio de Cezaréia), criticado por 
Justo de Tiberíades e Apion. 
Josephus dirige sua obra Antiguidades Judaicas, onde se encontra nosso objeto de 
análise, a não-judeus de fala grega interessados em conhecer as origens dos judeus, 
principalmente a certo Epafrodito que, segundo ele, se tratava de alguém da alta sociedade 
que era amante da ciência e do saber, caracterizando assim os sujeitos interlocutores. 
O processo de identificação nos permite ainda afirmar que a documentação envolve 
a comunidade judaica do século I, mais precisamente entre 76 e 100 d.C., estabelecidas na 
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Judéia, Galiléia e em Roma, local onde Josephus circulava; além de outras sociedades de 
fala grega integradas ao Império Romano com quem Josephus interagia. O material 
simbólico se trata de circulação de documento escrito e a natureza da linguagem narrativa 
histórico-político-religiosa. Nela Josephus utiliza sua condição de militante e testemunha 
no conflito entre judeus e romanos, seu profundo conhecimento da cultura, teologia e 
história judaica, bem como, sua interação com a cultura greco-romana para interpretar a 
ocupação da Judéia em 63 a.C. e a entrada de Pompeu no Santo dos Santos. Segundo ele, 
os resultados da ocupação foram desencadeados pela disputa de poder entre Hircano e 
Aristóbulo dando início ao domínio romano sobre a Judéia e encerrando definitivamente a 
condição de estado judaico. 
O elemento desencadeador do discurso pode ser identificado sob duas perspectivas. 
No sentido geral, pode-se dizer que Josephus escreve sua obra, ao final do século I (93 
d.C), como complemento de “Guerra dos Judeus” (76-81 d.C.), a fim de retomar temas que 
não teve a oportunidade de trabalhar em sua primeira obra. Flavius Josephus dá 
conhecimento a outros povos sobre as origens do povo judeu e faz apologia a sua 
relevância histórica devido à má-fé de outros historiadoresque, segundo ele, obscureceram 
a verdade concedendo ao seu povo um lugar insignificante na história da humanidade. 
Assim ele se aproveita do interesse de alguns eruditos de fala grega pela história judaica e 
a ausência de obras sobre o assunto nas bibliotecas, para traduzir sua obra para a língua 
grega. 
No sentido específico, pode-se perceber a persistência do questionamento sobre sua 
posição na guerra. A honra de sua de sua família continuava sendo atacada e, para alguns 
segmentos judaicos, Josephus ainda era considerado como traidor culpado pela guerra e 
conseqüente derrota. Sua primeira obra, Guerra dos Judeus, parece não ter sido capaz de 
redimir o historiador judeu perante seus compatriotas. 
O discurso aponta para a disputa política entre a aristocracia judaica; a concepção 
judaica de nobreza; a importância do ofício sacerdotal para a comunidade; o apego dos 
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judeus a Torá e os resultados da não observância de seus preceitos; as riquezas da 
sociedade judaica; a concepção de santidade, purificação e profanação de um lugar 
sagrado; a relevância do templo de Jerusalém para a comunidade; a posição de Roma como 
mediadora entre os povos; a estratégia e preparo militar de Roma; a função e autoridade 
religiosa de um magistrado romano; o tratamento dado aos traidores de Roma e a forma 
como os romanos poderiam se relacionar com suas províncias. 
Interagindo com os sujeitos interlocutores, Josephus utiliza palavras como: 
Jerusalém dividida; partido de Aristóbulo; preparar para guerra; apoderaram-se do templo; 
destruíram ponte que unia a cidade; Pompeu; exército; tropas; cidade e palácio real; 
lugares próximos ao templo; ofereceu condições de paz; fortificou muralhas; atacar o lado 
norte; plataformas; máquinas; grandes pedras; sábado; zelo; observância de nossas leis; 
celebração dos sacrifícios; sacrificadores; altar; três meses de cerco; dia de jejum; 
olimpíada; cônsules; medo da morte; sagradas cerimônias; maior de todos os males; 
abandono dos altares; provar; ler; feitos de Pompeu; Estrabão; Nicolau; Tito Lívio; 
História Romana; todos os lugares juncados; cadáveres; parte dos judeus morta; matavam-
se a si mesmos; precipitavam do alto; incendiavam suas casas; horrível desolação; doze 
mil; perecer; santidade do templo violada; profanos; jamais; posto pé; santuário; viu o que 
não era permitido; mesa; candelabro; taças de ouro; perfumes; tesouro sagrado; piedade; 
impediu; tocar em qualquer coisa; digno de sua virtude; ordenou; purificar o templo; 
oferecer sacrifícios; Hircano; grão-sacrificador; mandou cortar a cabeça; insuflado a 
guerra; recompensas dignas do seu valor; Jerusalém; tributária; tirou-lhe as cidades; 
divergência; males; perder a liberdade; sujeitou-nos; obrigou; entregar; novos senhores; e 
casta sacerdotal. Assim ele objetiva chamar a atenção dos sujeitos interlocutores, enfatizar 
o zelo religioso dos sacerdotes, evidenciar riqueza, extensão e poder da Judéia na região, 
responsabilizar Hircano e Aristóbulo pelos resultados e minimizar sua responsabilidade na 
derrota de 70 d.C. 
Pode-se identificar no discurso a disputa entre três forças: aqueles que saíram 
beneficiados após a guerra, se associando aos romanos, mas preservando valores religiosos 
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judaicos; aqueles que continuavam subjugados na própria província, pagando impostos, 
sem o templo, com poderes fragmentados e insatisfeitos com o desfecho do confronto; e 
aqueles que tinham interesse em conhecer as origens do povo judeu verificando se o que 
outros historiadores disseram a respeito deles era verdade. Josefo afirma que pela sua 
posição social mais elevada, sua condição de militante e testemunha na guerra, seu 
discurso merece mais crédito que os demais relatos. Assim defende seus interesses 
apresentando um “discurso polêmico”. 
A formação imaginária do discurso também pode ser vista sob duas perspectivas. 
No sentido geral, pode-se dizer que das projeções do discurso resultam as seguintes 
imagens: sociedade masculina hierarquicamente organizada, valorização da estrutura 
familiar e dos antepassados, exaltação do ofício sacerdotal e da necessidade de um 
intermediário entre os homens e a divindade, consideração da honra, obediência a Torá e 
da justiça como valores estimáveis na vida pública resultando em sorte para os indivíduos. 
No sentido específico, ainda resultam as seguintes imagens: influência 
administrativa e religiosa de Jerusalém nas outras regiões; a relação diplomática entre 
Jerusalém e os romanos; a disputa familiar pelo ofício de sumo-sacerdote; a disputa 
política entre a aristocracia judaica; a proibição de confronto armado entre judeus pela 
Torá; a crença na providência divina; o reconhecimento de autoridades religiosas fora do 
judaísmo; a importância do templo de Jerusalém para os judeus; o tratamento romano para 
os inimigos e para os aliados; a concepção de boa morte para os judeus; a concepção de 
santidade e profanação do lugar sagrado; a organização e treinamento militar romano. 
O discurso denuncia que os interesses pessoais de Hircano e Aristóbulo foram o 
estopim para que Roma dominasse a Judéia, tomasse posse das riquezas judaicas, alterasse 
sua geografia, implantasse um alto sistema tributário, controlasse sua política e gerasse 
insatisfações que resultaram na guerra e posterior destruição do templo por Tito. 
No discurso de Flavius Josephus sobre a ocupação da Judéia ainda se pode 
identificar sua ilusão e referencial e objetividade. Josephus diz: 
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Todos os lugares ficaram juncados de cadáveres. Parte dos judeus 
foi morta pelos romanos, os outros se matavam entre si ou se 
precipitavam do alto ou incendiavam as próprias casas. A morte 
parecia-lhes mais doce que tão horrível desolação. Doze mil 
judeus vieram a perecer, mas poucos romano. 
 
Nesta perícope pode-se identificar como não-dito o imaginário judaico de que os 
arredores do templo e até mesmo o monte no qual ele estava edificado também eram 
considerados como um lugar sagrado. A própria cidade de Jerusalém era considerada pelos 
judeus como uma cidade santa, lugar de paz entre Javé e a comunidade. Pode-se identificar 
ainda a idéia de que o lar também era uma extensão do território sagrado, visto que 
algumas das festividades religiosas judaicas eram realizadas em casa no seio da família. 
Identifica-se ainda a idéia de que somente um abandono da parte de Javé poderia 
proporcionar tamanha desolação e isso somente aconteceria como resultado da 
desobediência e iniqüidade do povo. Josephus parecia associar o episódio ao que foi 
descrito pelo profeta Jeremias
22
. Josephus também não diz que no imaginário Judeu Javé 
era o governador das nações, levantando reinos sucessivos conforme sua vontade e fazendo 
uso deles para disciplinar o seu povo. 
Josephus silencia quanto ao imaginário judaico em relação ao contato com 
cadáveres, a idéia judaica de morte e desolação por desobediência a lei e, ainda quanto à 
quantidade de romanos mortos, evidenciando que para ele Javé estava ao lado dos 
invasores
23
. 
O historiadorjudeu ainda diz: 
 
22 Livro do Jeremias 7 e 8. 
23 Conforme Livro do Profeta Daniel 4.17 e Livro dos Salmos 22.28. 
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A santidade do Templo foi violada de maneira singular. Até então 
os profanos não somente jamais tinham posto o pé no Santuário, 
como nem mesmo o tinham visto. Pompeu, todavia, entrou nele 
com o seu séquito e viu o que não era permitido, senão aos 
sacerdotes. Lá encontrou a mesa, os candelabros e as taças de 
ouro, grande quantidade de perfumes e, no tesouro sagrado, cerca 
de dois mil talentos. Sua piedade impediu-o de tocar em qualquer 
coisa, e nada ele fez então que não fosse digno de sua virtude. No 
dia seguinte, ordenou aos oficiais do Templo que o purificassem, 
para oferecer sacrifícios a Deus, e deu a Hircano o cargo de sumo 
sacerdote, tanto por causa dos auxílios que dele recebera quanto 
porque impedira os judeus de abraçar o partido de Aristóbulo. 
Mandou em seguida cortar a cabeça aos que haviam insuflado a 
guerra e deu a Fausto e a outros, por terem sido os primeiros a 
subir às muralhas, recompensas dignas de seu valor. 
 
Josephus não diz que para o imaginário judaico a profanação do lugar sagrado 
resultaria em morte para os profanadores com a responsabilidade mútua dos sacerdotes que 
a partir da entrada destes no santuário automaticamente se veriam na condição de impureza 
cerimonial, prestando serviço à divindade de forma indigna, o que também era passível de 
morte. Pode-se identificar ainda a intenção de Josefo de informar aos sujeitos 
interlocutores que seu povo era rico e tinha muitos tesouros; a importância político-
religiosa do cargo de sumo-sacerdote para a comunidade judaica, pois dele dependia a boa 
relação da comunidade com a divindade e, politicamente, com os romanos. Flavius 
Josephus estaria assim exaltando seu povo e respondendo a outros historiadores que 
menosprezavam a cultura judaica e a posição dos judeus na história. 
Josephus silencia quanto à reação dos sacerdotes a profanação do templo; a função 
e posição social de Pompeu na sociedade romana, onde um magistrado tinha o direito de 
indicar nomes para exercer o sacerdócio, consultar auspícios, consagrar santuários e ainda 
desempenhar funções sacerdotais; silencia quanto ao imaginário romano de que o templo 
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era um local de culto público onde os deuses coabitavam com os homens visando o bem 
comum e todos os atos dependiam da competência dos magistrados e dos sacerdotes, 
conforme observamos anteriormente. 
Josephus também não cita a função de cada peça visualizada por Pompeu no templo 
e a localização delas. Seus sujeitos locutores não-judeus as identificariam como meros 
tesouros. Mas, os judeus as entenderiam como indícios da parte exata do templo onde 
Pompeu adentrou. 
Flavius Josephus ainda relata: 
Quanto à cidade de Jerusalém, ele a tornou tributária dos romanos. 
Tirou aos judeus as cidades que haviam conquistado na Baixa 
Síria, determinou que obedecessem aos governadores e fixou, 
assim, em seus primeiros limites, o poder de nossa nação, antes tão 
grande e tão extenso. 
 
Nesta perícope pode-se identificar como não-dito a influência política judaica sobre 
a Baixa Síria e os indícios de um expansionismo judaico em dias passados. Pode-se 
identificar ainda a intenção de Josephus de exaltar o poderio político e econômico da 
Judéia antes da ocupação romana. Entretanto, o historiador silencia quanto ao tipo de 
relação social, econômica e política entre Roma e a Judéia antes da ocupação. 
Josephus ainda afirma: 
Foi assim que a divergência entre Aristóbulo e Hircano causou 
tantos males, fazendo-nos perder a liberdade, sujeitando-nos ao 
Império Romano e nos obrigando a entregar o que havíamos 
conquistado da Síria pelas armas. A isso devemos acrescentar que 
esses novos senhores exigiram de nós, logo depois, mais de dez 
mil talentos e transferiram o reino, que antes sempre pertencera à 
casta sacerdotal, a homens cujos nascimentos nada tinham de 
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ilustre. Falaremos mais particularmente, a seu tempo, de todas 
essas coisas. 
 
Como não-dito pode-se identificar a intenção de Josephus de responsabilizar a 
disputa político-religiosa da aristocracia judaica pela desolação da cidade em 70 d.C. 
Identifica-se ainda a idéia de que a devastação da cidade começou naquele episódio 
trazendo resultados desastrosos para a Judéia. Ele ainda silencia quanto à existência de 
prováveis beneficiados e benefícios adquiridos com a ocupação romana. 
Como se pode observar em seu discurso Flavius Josephus se ocupa de temas como: 
disputa de poder político-religioso entre a elite judaica, ação pacificadora romana no 
Mediterrâneo, poderio defensivo e militar dos judeus, zelo religioso judaico, sacerdócio, 
profanação, queda do templo de Jerusalém, medidas decorrentes da e condição da Judéia 
após a ocupação romana. Ao abordar esses temas em seu discurso, o historiador judeu se 
direciona para os seguintes objetivos: demonstrar que nem todos os membros da 
aristocracia concordavam em guerrear contra os romanos; identificar a situação narrada 
com o início da revolta em 60 d.C.; exaltar a ação pacificadora de Pompeu, insinuando que 
Roma apenas queria ajudar a Judéia; ressaltar o poderio militar judeu, a arquitetura da 
cidade e a força do seu povo, exaltando o zelo político-religioso dos judeus, a capacidade 
de resistência judaica e a classe sacerdotal da Judéia; dar historicidade a narrativa da queda 
do templo de Jerusalém nas culturas judaica, grega e romana; supervalorizar o episódio, 
evidenciando a existência de um grande tesouro judaico; situar o local acessado por 
Pompeu e seu séquito; identificar e reconhecer a profanação do templo, mas, ao mesmo 
tempo, minimizar a ação do magistrado romano ao profanar o templo; evidenciar o 
reconhecimento romano da importância de se preservar o culto judaico; divulgar o 
tratamento diferenciado que Roma dava aos seus inimigos; exaltar o poder político e 
econômico da Judéia antes da ocupação; denunciar as perdas amarguradas pelas disputas 
da classe sacerdotal; responsabilizar a aristocracia pela desventura judaica; minimizar sua 
responsabilidade nos resultados da guerra dos judeus contra os romanos. 
ISSN: 1984 -3615 
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& 
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Retomando o conceito de Orlandi apresentado nesse artigo de que não há sujeito 
sem ideologia, após analisar o discurso de Titus Flavius Josephus, pode-se perceber que ao 
entrar no templo de Jerusalém Pompeu utilizou o papel social de um magistrado romano 
para exercer função própria de um sumo-sacerdote judaico, desconsiderando a 
possibilidade de sua ação ser caracterizada como profanação do território sagrado, situação 
que evidencia a construção de um lugar antropológico. 
Ao resgatar a memória daocupação romana na Judéia, por estar na condição de 
adotado pela casa dos Flavius e, de certa forma, familiarizado com a cultura romana e com 
o papel e função sociais de um magistrado romano, Josephus minimiza o episódio e 
apresenta uma ação que para um judeu seria abominável como sendo paradigma de 
piedade e virtude. Entretanto, ao exaltar seu lugar antropológico, o historiador judeu utiliza 
seu discurso polêmico para se redimir com seus compatriotas por causa de sua postura na 
guerra dos judeus contra os romanos. 
Fica evidente ainda através da documentação a possibilidade de se construir 
comparáveis entre as duas sociedades como é a proposta de Marcel Detienne. Porém, este 
tipo de abordagem teórica se trata de assunto para outra oportunidade. 
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