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10 2 A INDÚSTRIA MUSICAL NO SÉCULO XXI O século XX passou por muitas mudanças nas produções fonográficas, que começaram a ser feitas de forma cada vez mais estratégica, já que mesmo com o forte impacto da indústria musical na sociedade, a chegada de novas plataformas para consumir música desestabilizou o mercado, fazendo com que as produtoras, gravadoras e artistas tivessem que se reinventar com novas estratégias, métodos de análise de mercado e posicionamento digital. O que caracteriza a pós-modernidade na área cultural é a supressão de tudo que esteja de fora da cultura comercial, a absorção de todas as formas de arte, alta e baixa, pelo processo de produção de imagens. Hoje, a imagem é a mercadoria e é por isso que é inútil esperar dela negação da lógica da produção de mercadorias. (JAMESON, 2001, p. 142, apud OLIVEIRA; BRITTOS, 2005). No início do século XXI, a desaceleração na economia direcionada às produções fonográficas se deu, também, pelas mudanças no mercado. A chegada da internet e a crescente de produtos distribuídos sem permissões induzem que o mercado fique instável, e que a necessidade de novas formas de comercialização sejam investigadas, ficando notória a diferença, com o passar dos anos, do posicionamento de produtoras e gravadoras para se adaptar ao mercado e instigar o crescimento, valendo-se dos avanços digitais que ocorreram. Mesmo com todas as oscilações presentes no mercado, é possível ver o crescimento da indústria musical. Segundo estatísticas do Sebrae1 (2015), mais de 90 mil microempreendedores, atuando da indústria musical, se estabeleceram no Brasil, já em 2020, de acordo com o IFPI2, e a receita de músicas gravadas teve seu sexto ano de crescimento, totalizando 7,4% de aumento em relação ao ano anterior, gerando US$ 21,6 bilhões. Na América Latina, por exemplo, cerca de 84,1% da receita é gerada das plataformas de streaming, por meio dos ouvintes e seguidores que reproduzem as músicas. 1 Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/e491dcf107479d1 628190fceb77085f9/$File/5810.pdf. Acesso em: 27 set. 2021. 2 Federação Internacional da Indústria Fonográfica, empresa representante dos interesses da indústria fonográfica mundial. 11 Assim como o aumento de produtos comercializados na indústria musical, devido às transformações no mercado, o consumo mundial da música é intenso. Segundo a IFPI3, em 2018, os consumidores ouviram, em média, 2 horas e 50 minutos de música por dia, reforçando o impacto do som na vida das pessoas. Também não é possível deixar de falar sobre a variável mais impactante em anos, a COVID-194, e, assim como apresentado anteriormente, a presidente-executiva da IFPI, Frances Moore, fortalece o impacto da música no mundo, afirmando: “Enquanto o mundo luta com a pandemia COVID-19, somos lembrados do poder duradouro da música para consolar, curar e elevar nossos espíritos.” (IFPI, 2021, tradução nossa). Dessa forma, a inconstância do mercado ocasiona a necessidade de estudos cada vez mais centrados nas ações socioculturais e em estratégias que visem à percepção do consumidor e ao fortalecimento do posicionamento da marca de interesse. A música, como parte da indústria cultural, deixou de ser apenas um som relaxante ou de apreciação para se tornar persuasiva, como em propagandas publicitárias; força em movimentos sociais, como em período ditatorial; e/ou uma potência que movimenta o mercado econômico, como os grandes artistas pop. Sobre isso, Adorno (2016, p. 100) afirma que “O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem”. A indústria é estratégica e utiliza a comunicação para entender o consumidor e o mercado, isso porque, com as possibilidades que o digital traz, a conversa que ocorre com o consumidor e a oportunidade de acompanhar as novidades e notícias rapidamente faz com que a análise do público seja mais assertiva para a construção de produtos e serviços. Os famosos “assuntos em alta” das plataformas digitais, como o Google Trends5, tem poder de definir qual será o próximo hit ou o próximo filme recorde em venda de bilheteria. Isso ocorre, porque, antes das produções serem iniciadas, é estudado o que o consumidor quer receber e o que ele tem buscado e comentado no meio online, facilitando a pesquisa de mercado para as organizações. Kotler (2017, p. 35), declara que “as empresas precisam encarar a realidade de que para vencer, devem colaborar com grupos externos e até envolver a participação dos clientes.”. 3 Disponível em: https://www.ifpi.org/ifpi-issues-annual-global-music-report-2021/. Acesso em: 11 out. 2021. 4 A COVID-19 é uma doença infecciosa causada pelo SARS-CoV-2, vírus da família coronavírus. 5 Ferramenta do navegador Google que mostra os termos mais populares buscas recentemente. https://www.ifpi.org/ifpi-issues-annual-global-music-report-2021/ 12 Fica claro que a tecnologia e a digitalização das produções trouxeram acessibilidade a todos, o que deixa explícito o impacto no mercado fonográfico. Se nas primeiras civilizações era possível apenas ouvir música nas ruas ou apresentações, no século XXI é possível salvar músicas para ouvir no aparelho celular, fazendo com que tanto a indústria se renove, cresça e tenha ainda mais poder sobre a sociedade, como também dê oportunidade para todos que querem produzir e divulgar seu trabalho, movimentando a economia. 2.1 MUDANÇA DE CENÁRIO: DO OFF PARA O ON Fazendo a análise histórica da música, é perceptível que os métodos de como ela foi consumida e o cenário de cada século tiveram controle sobre os passos que a indústria seguiu. Mesmo com um início pouco valorizado, o mercado tornou-se uma potência, movimentando e possuindo grande impacto para a economia desde o século XX, assim como traz Andrade (2015). Segundo matéria do site Techtudo, os CDs lançados na década de 80 pelas empresas Philips e Sony trouxeram para a indústria musical novas possibilidades6. As gravadoras estavam diante da possibilidade da regravação em casa, onde a pirataria, entendida como uso indevido e apropriação de materiais autorais, era fortemente instigada. Frente a esta situação, os profissionais estavam cercados por novas regras de consumo que instigavam ainda mais mudanças e desenvolvimento na indústria. Poucos anos depois, os avanços tecnológicos que surgiram no início do século XXI trouxeram para a indústria fonográfica divergências com maior intensidade, já que a sociedade passava por uma evolução com a chegada da internet. Segundo o Economia de Serviços7, esse avanço tecnológico trouxe abalo ao mercado, pois o espaço digital proporcionava e facilitava ainda mais a propagação da pirataria, por meio do compartilhamento entre usuários. Isso criou a necessidade dos profissionais traçarem estratégias para se firmarem no mercado, globalizando o consumo do produto e, consequentemente, dando outro sentido à visão sobre a indústria musical. Os passos seguidos até o momento levaram para a saída do meio offline, no qual são produzidos CDs e DVDs e até mesmo shows e festivais, mesmo que em 6 Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2012/10/o-primeiro-cd-completa-30-anos-de- existencia.ghtml. Acesso em: 27 set. 2021. 7 Disponível em: https://economiadeservicos.com/2016/09/06/a-economia-da-musica-o-setor-de- servicos-musicais/ . Acesso em: 27 set. 2021. https://www.techtudo.com.br/noticias/2012/10/o-primeiro-cd-completa-30-anos-de-existencia.ghtml https://www.techtudo.com.br/noticias/2012/10/o-primeiro-cd-completa-30-anos-de-existencia.ghtml13 menor escala de impacto, para usuários que escolhem plataformas online como principal meio de ouvir música, como apresenta o gráfico do Relatório Global da Música de 2019 (IFPI). Figura 1 - Relatório Global da Música de 2019 Fonte: IFPI Global Music Report, 2019. Em 2010, cerca de 27% da receita das músicas gravadas eram referentes à música digital8. Em 2018, 8 anos depois, é possível ver a crescente diferença através do relatório mundial de consumo do IFPI, no qual a média global resultante do consumo das plataformas de streaming é de 86%. Com o aumento do consumo digital, destacando as plataformas de streaming, ocorre também o aumento da pirataria, já que muitos dos serviços oferecidos são pagos, como o Apple Music, Spotify e Deezer. Por conta disso, alguns usuários optam pelo uso de meios gratuitos que possibilitem acesso ao conteúdo, gerando muito impacto nos resultados finais no mercado. No ano de 2018, cerca de 38% dos consumidores que obtinham música eram resultantes da violação de direitos autorais (IFPI, 2019). A ECAD, órgão brasileiro responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais da música para seus autores, tem com objetivo principal monitorar e distribuir o valor arrecadado para os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento do conteúdo produzido, fazendo com que o mercado seja íntegro e ajudando muitos artistas e produtores fonográficos. O impacto dessa distribuição disposta pela ECAD foi 8 Formato de distribuição da música através de meios digitais, como a internet. 14 visto em 2018, que teve um crescimento de 17% nos profissionais beneficiados. Além disso, o órgão ajudou a garantir que a lei fosse cumprida, intervindo na diminuição do percentual atual de crimes de violação contra direitos autorais. Daniel Ek, CEO do Spotify, em entrevista ao IFPI (2010), fala que seu propósito, desde o começo do projeto, em 2006, foi oferecer aos consumidores uma solução para os problemas na tecnologia da época, ou seja, tornar o conteúdo acessível, mas protegendo os direitos autorais dos artistas. Em 2021, a plataforma, a mais popular do mundo, está disponível em 178 mercados, conta com mais de 365 milhões de usuários ativos mensalmente, sendo 165 milhões de assinantes e, desde seu início, pagou mais de 21 bilhões de euros aos detentores de direitos autorais9. Já em um cenário contrário, Jonathan Benassaya, criador e CEO do Deezer, comenta, em entrevista ao IFPI (2010), que tudo começou em uma garagem e, inicialmente, o site operava de forma ilegal. Quando ele e seu parceiro descobriram que deveriam se desconectar das redes, mudaram o site e se transformaram em uma plataforma valiosa para a indústria. Hoje, o Deezer está disponível em 180 países e possui 16 milhões de usuários mensais ativos10. É evidente o poder que as plataformas digitais trouxeram e, mesmo que uma parte do serviço seja premium, ou seja, o usuário necessita pagar pela assinatura para obter alguns benefícios, como a ausência de propagandas entre o intervalo das músicas, a possibilidade de ter um uso legal no smartphone ou computador, além da praticidade de ouvir onde quiser, torna a música mais acessível para quem consome e para quem produz. Isso possibilita aos artistas traçarem estratégias com as informações fornecidas pelos usuários para a plataforma. O Spotify disponibiliza aos criadores uma página de conteúdos direcionados que os ajudam na comunicação dentro e fora da plataforma. Assim, ele acredita que pode ajudar a indústria musical de forma direta com os insights dos usuários e estudar como eles ouvem as músicas e se conectam com os artistas. Na página chamada Spotify for Artists, é possível visualizar métricas, dicas, recursos disponíveis e até encontrar mixers e produtores para as próximas músicas. Dessa forma, a plataforma é uma ferramenta completa para todos os que estão envolvidos no mercado e facilita a 9 Disponível em: https://newsroom.spotify.com/company-info/. Acesso em: 03 out. 2021. 10 Disponível em: https://www.deezer.com/br/company. Acesso em: 03 out. 2021. https://newsroom.spotify.com/company-info/ https://www.deezer.com/br/company 15 introdução de novos nomes na indústria musical, além de impulsionar o mercado e os artistas inseridos nele. Fonte: Spotify. Anitta, por exemplo, em 2019 e 2020, chegou a mais de 1 bilhão de streams na plataforma, com mais de 18 milhões de ouvintes mensais em 2021, alcançando mais de 90 países, e tornando-se uma das artistas mais ouvidas no Brasil. Todos os dados foram disponibilizados pelo Spotify para ajudar os artistas a entenderem o público que o acompanha, assim como ter métricas concretas para a validação do artista na indústria. Figura 3 - Números disponibilizados pelos Spotify, em 2020 Fonte: Spotify. Figura 2 - Página do site Spotify para artistas 16 As gravadoras, produtoras e artistas precisaram se reinventar a cada passo dado até hoje, tendo como principais desafios: a definição de estratégias flexíveis, que prevejam oportunidades e ameaças no mercado; a adequação ao desenvolvimento tecnológico; a investigação das necessidades, anseios e desejos dos consumidores, além das plataformas que mais utilizam e os gêneros musicais que mais ouvem; e, por fim, o estudo do que está acontecendo politicamente e socialmente no mundo. 2.2 O PERFIL DO NOVO CONSUMIDOR A cada dia, os produtos e serviços estão sendo feitos diretamente para seus usuários e são moldados às tendências e aos problemas que os consumidores possuem. Os consumidores são mais exigentes e mais atenciosos no que estão adquirindo, e, dessa forma, o cenário traz a necessidade de estratégias voltadas ao ser humano. Com a chegada da internet, é possível dar voz ao usuário, trazendo o controle para as mãos de quem está nas redes sociais. Com a migração do offline para o online, os usuários estão mais atentos aos acontecimentos da vida contemporânea e a comunicação entre produtor e consumidor é mais rápida e fácil. Entender e analisar o comportamento digital do usuário é a chave para a sua conquista e satisfação, seja para produtos físicos, digitais ou serviços, mas é válido lembrar que o meio offline não pode ser descartado, assim como afirma Kotler: O cenário de mudanças cria um conjunto de paradoxos para os profissionais de marketing enfrentarem, sendo um deles a interação on-line versus a off-line. Ambas devem coexistir e ser complementares, com o objetivo comum de fornecer uma experiência superior ao consumidor. (2020, p. 43) Entender a comunicação entre seus ambientes e torná-los complementares é fundamental para uma estratégia completa, que cria espaço para o diálogo e estabelece uma relação com o consumidor em várias perspectivas. Porém, também é necessário entender as categorias de consumidores que possuem internet, pois, como traz Kotler (2020), existem usuários que estão inativos nas plataformas, como aqueles que apenas consomem o conteúdo ou aqueles que visitam as páginas, adicionam conteúdos a blogs e usam atualizações em tempo real. Além deles, existem os críticos e criadores de conteúdos, que expressam sua opinião em comentários e avaliações. 17 Os consumidores modernos na rede são uma forte influência para o mercado, e saber diferenciar cada um deles faz a diferença no momento de comunicação, porque, no século XXI, as redes sociais têm grande impacto para o relacionamento entre a marca e o cliente. Como afirma Kotler (2020, p. 56), “por ser uma rede de muitos para muitos baseadas em um relacionamento de um para um, uma comunidade na internet costuma crescer exponencialmente, tornando-se uma das formas mais fortes de comunidade”. Além disso, existem os usuários que utilizam a internet para finsnegativos, como os cyberbullies11 e haters12, que fazem comentários críticos de forma ofensiva e disseminam ódio nas redes sociais. Isso ocasiona o surgimento de fãs e seguidores contrários aos haters, que defendem a marca e trazem não só pontos positivos para o espaço digital, como também compartilham suas experiências a fim de transformar esse espaço em um ambiente de troca de vivências e suporte, agregando, portanto, valor à marca. As redes sociais trazem a possibilidade, para a marca, do contato direto com o seu público através dos conteúdos compartilhados pelos fãs. Um destaque é o serviço de streaming Netflix13, que utiliza essa ferramenta para conversar e saber o que o público deseja. Em seu perfil no Twitter14, por exemplo, ela lança as novidades, prepara o público para o que está sendo produzido, debate assuntos em alta e gera aproximação ao conversar com seus seguidores, sempre seguindo um tom de voz informal, engraçado e utilizando memes. Este posicionamento tomado pela Netflix só é possível visto que ela, assim como outros serviços também muito utilizados, disponibiliza dados a serem analisados. Logo, a marca consegue entender quais consumidores estão em seu perfil e como fortalecer a sua relação com eles. 11 Pessoas que utilizam a internet de forma agressiva com outros usuários. 12 Termo utilizado na internet para identificar pessoas que fazem comentários negativos ou de crítica quando não gostam de algo ou alguém. 13 Plataforma de streaming que disponibiliza filmes, séries e documentários mundialmente. 14 Rede social digital que permite compartilhamento de texto, fotos e vídeos entre os usuários. 18 Fonte: Twitter, 2021 15 O mercado fonográfico, como visto, foi impactado por cada fase de desenvolvimento das tecnologias e, em cada uma delas, foi necessário não só saber comunicar e utilizar estratégias de impulsionamento16 e engajamento17 entre artistas e ouvintes, mas também saber lidar com um mercado muito competitivo. Com essas mudanças que o mercado digital proporciona, é necessário que os artistas estejam se reinventando sempre. Desse modo, é possível permanecer presente na memória do consumidor, tendo sempre a sua atenção, um dos fatores que fortalece ainda mais a percepção de valor sobre a marca, e, como afirma Hiller (2019), “É preciso cuidado e atenção aos detalhes. Um segundo é o tempo que você tem aquele impulso e decide escolher uma marca”. O autor também define: A arena online representa uma batalha feroz das marcas por cada segundo da atenção dos consumidores. Esse segundo que representa a preferência das pessoas e o desejo que ele se repita pela maior quantidade e pelo maior prazo possível. Quanto mais relevante este segundo é para um consumidor, mais uma marca se diferencia e pode voltar a se relacionar com ele. (HILLER, 2019, p. 5) 15 Disponível em: https://twitter.com/NetflixBrasil/status/1439288108164567050. Acesso em: 27 set. 2021. 16 Impulsionamento é um recurso para aumentar o alcance de um conteúdo digital, fazendo com que seja exibido para públicos de interesse, que talvez não acompanhem a marca. 17 Engajamento refere-se a toda interação que o usuário possui com a marca. Figura 4 - Imagens retiradas do perfil oficial da Netflix, na plataforma Twitter https://twitter.com/NetflixBrasil/status/1439288108164567050 19 De acordo com esse pensamento, é possível entender que tanto os consumidores como a forma de vender das marcas mudaram, visão que é fortalecida por Hiller: “O consumo aqui como um modulador de nossas identidades. O consumo não de bens, mas o consumo de modos de ser e estilos de vida”. (2019, p. 11). Muitas marcas tiveram que se reinventar para interagir com o público através dessas novas plataformas. Como traz Kotler (2020), a mídia social permite que as pessoas se conectem, independentemente de barreiras geográficas ou sociais, e concede que as marcas inovem por meio da colaboração dos usuários. Isso não difere na indústria musical, pois muitos artistas e suas equipes utilizam as métricas das redes sociais e das plataformas, como Instagram, Twitter e Spotify, para estudar o público, analisar quais gêneros musicais estão movimentando o mercado e como está a performance dos concorrentes, além de se inspirar e analisar o desempenho de suas próprias produções. O surgimento dos novos serviços digitais permitiu que os artistas tivessem mais contato com o público e produzissem muitos materiais complementares para suas carreiras. O Youtube, por exemplo, é uma plataforma de compartilhamento de vídeos muito utilizada pelo mercado da música. Algumas produções de videoclipes alcançam bilhões de visualizações e chegam a ser aclamadas pelo público, visto que trazem produções cinematográficas, não ficando longe do mercado publicitário, em virtude da necessidade de utilizar a criatividade e a comunicação como meio de promoção do que é produzido. Em 2019, Baco Exu Do Blues, cantor e compositor, ganhou o prêmio Grand Prix no Festival Cannes Lions, o evento mais relevante no mercado publicitário, na categoria Entertainment for Music com o clipe Bluesman, sendo o primeiro brasileiro a ganhar um GP nessa categoria. O festival é ideal para exemplificar como as produções musicais estão repletas de referências e trazem para o mercado inovação, assuntos relevantes e criatividade. Essas e outras ferramentas são fundamentais para os artistas se estabelecerem em um mercado tão competitivo. Os profissionais precisam se reinventar e estar dispostos a seguir as estratégias que a indústria demanda para assim garantir permanência e inovação que atenda ao desejo dos consumidores. Dessa maneira, 20 surge um mercado que "fabrica" os novos nomes da música, através de pesquisas e da construção de personagens que agradam o público. Com as mudanças frequentes na sociedade, é visível a necessidade da comunicação em cada segmento do mercado, no qual cada parte da gestão de negócios precisa ser alinhada ao plano de comunicação de forma rápida, sempre apresentando o valor da marca para o consumidor. Os novos consumidores precisam saber o que estão consumindo, e o branding18, diante da sociedade, tem poder fundamental no processo de decisão, uma vez que trabalha a gestão da marca evidenciando os propósitos, a visão e o impacto que gera na comunidade. 2.3 COMUNICAÇÃO E BRANDING A indústria musical é um mercado que precisa de criatividade e estratégia, porque, mesmo quando se é criativo e original, há a necessidade de saber vender sua ideia para atrair de fato a atenção do público para o consumo (OLGIVY, 2011). Por isso, é necessário entender o que é e como é fortalecida uma imagem para o consumidor, e também qual sentimento a marca lhe proporciona, já que muitas vezes a decisão é tomada não pelo produto, mas por quem ou qual marca está produzindo. Essa situação é frequente quando se é falado em ídolo, dado que a construção da persona é pensada para gerar conexão com o seguidor e/ou fã. Dessa forma, muitos clientes são motivados a comprar pelo simples fato do seu ídolo estar por trás da marca ou como garoto propaganda. Logo, é fundamental o estudo de áreas da comunicação que fortaleçam a construção da marca, seja organizacional ou pessoal. Assim, é possível entender que, seguindo o pensamento de Neumeier (2005), branding é a percepção das pessoas sobre o produto ou serviço; é o que as pessoas estão falando da marca, como o autor confirma na citação “Uma marca é a intuição que uma pessoa tem sobre um produto, serviço ou empresa. A marca não é aquilo que você diz que é. É aquilo que eles dizem que é.” (2005, p. 108), sendo, para o público, um relacionamento que proporciona emoção e conexão (GODIN, 2019).Com a mesma percepção Hiller (2019) ratifica: 18 Refere-se à gestão da marca de uma empresa, envolvendo tudo o que a compõe, como slogans e identidade visual. 21 Quando olhamos ao nosso redor, as marcas estão em todos os lugares, tudo tende a virar assunto, tudo vai se transformar em análise, tudo deve ser exemplo deste tempo em que vivemos, marcado pela lógica do consumo, pelo culto às marcas e pela irreversível transversalidade do digital. (HILLER, 2019, p. 8) Também é possível compreender o poder do digital para construir uma marca e gerar aproximação com o consumidor, facilitando a forma como as pessoas enxergam uma empresa e entendendo o pensamento dela, uma vez que a mídia passa a ter um receptor que consegue opinar sobre a mensagem, como certifica Kotler (2020): Conversas espontâneas sobre marcas possuem mais credibilidade do que campanhas publicitárias voltadas para um público específico. Círculos sociais tornaram-se a principal fonte de influência, superando as comunicações de marketing e até as preferências pessoais. Os consumidores tendem a seguir a liderança de seus pares ao decidir qual marca escolher. (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2020, p. 21) As mudanças são necessárias e o risco muitas vezes não pode ser mensurável. “Mudança envolve risco, porque sempre causa certo alvoroço e muita desconfiança. E também, porque muitas vezes queremos que os outros a façam primeiro”, destaca Godin (2019), colocando em relevância a opção de pensar a frente e fazer diferente, seja na construção de um produto, serviço, marca ou música. Marketing é o ato de fazer a mudança acontecer. Criar não basta. Só haverá impacto até que seu trabalho tenha mudado algo no mundo. Seja a cabeça do seu chefe, o sistema escolar ou a demanda pelo seu produto. (GODIN, 2019, p. 229). É fundamental ter estratégias para entender qual a percepção de valor que o consumidor tem sobre a marca e como passar a mensagem de forma clara e objetiva. Dessa forma, uma marca forte no mercado é bastante relevante, porque, além de ser a primeira escolha do consumidor, ela traz credibilidade. Contudo, na 22 era digital, está cada vez mais difícil se posicionar, e possuir um diferencial é um trabalho árduo. Isso acontece, pois, além da exposição que existe no espaço digital, tornando as ameaças menos previsíveis, o mercado é saturado e gera um esgotamento nos consumidores, sendo ainda mais difícil conseguir sua atenção e conquistar um relacionamento constante. Portanto, o posicionamento traz relevância para o mercado e conquista espaço na mente do consumidor. No entanto, para construir essa relevância em um mercado cheio de excessos, é necessário entender que a marca representa tudo a sua volta, desde a sua personalidade, identidade visual e canais de comunicação, até o tom de voz e conteúdo produzido, principalmente quando é colocado para a construção de marcas pessoais, uma vez que todas as suas ações devem refletir o posicionamento e propósito proposto para os fãs (HILLER, 2019). Logo, por muitas vezes, é preciso utilizar estratégias que consolidam seu atual posicionamento. Uma tática muito utilizada, principalmente no meio da música, é a união entre dois artistas, chamada de co-branding, ou seja, a união de duas marcas para agregar mais valor, sendo capaz de proporcionar um destaque no mercado, uma melhora na imagem e no posicionamento ou uma oportunidade para atingir um novo público. As barreiras entre setores também estão sendo derrubadas. A convergência e a integração de dois ou mais setores da economia estão virando tendência. Os setores têm a opção de competir ou atuar em sinergia para alcançar os mesmos consumidores. Na maioria dos casos, eles buscam sinergia (KOTLER, 2020, p. 23) Para exemplificar, é muito comum a parceria de artistas já renomados pelo público com novos nomes no mercado, uma estratégia muito utilizada pelas produtoras para alavancar a carreira dos recém-chegados na indústria musical. Entretanto, as colaborações também acontecem entre artistas e empresas, quando as marcas pessoais se juntam às organizações para, juntas, construírem novas oportunidades, como ocorreu com a cantora Rihanna19 e a Puma20, empresa de equipamentos desportivos. 19 Robyn Rihanna Fenty, mais conhecida como Rihanna, é uma cantora, compositora, atriz e empresária barbadense. Sua carreira artística começou profissionalmente em 2003. 23 Rihanna foi convidada para ser diretora criativa da marca, em 2014, e com isso surgiu a linha Fenty Beauty, em 2015. A proposta surgiu como meio de reformular a marca esportiva para o mercado da moda, e a artista, já com seu posicionamento influente no ramo, foi a escolha perfeita para impulsionar as vendas e remodelar a imagem da Puma no mercado. Como ocorreu com a empresa esportiva, ocasionalmente marcas precisam mudar sua imagem comercialmente, seja para mudança de segmento, gerenciamento de crise ou quando o propósito vigente não condiz mais com a nova visão e valores da empresa. Dessa maneira, é preciso fazer um rebranding, isto é, evidenciar um novo posicionamento para o mercado, que pode ocorrer através da mudança de nome, identidade visual, público-alvo e tudo o que compõe a imagem existente. Os artistas da indústria musical trabalham sua mudança principalmente para explorar novos gêneros musicais, como a cantora Priscilla Alcantara21, que sempre foi vista pelo público como cantora de música gospel. Mesmo não se considerando uma cantora do gênero, ela mudou seu posicionamento para o Pop, começando com a produção de material que identificasse sua nova forma de comunicar e conteúdos informativos postados nas redes sociais, bem como parcerias com artistas que já estão no segmento. Casos como o da Puma e da Priscilla revelam que toda ação gera um retorno para a marca, seja positivo ou negativo. Por isso, construir uma história e revelar a trajetória para o consumidor é essencial na formação de uma imagem no mercado, posto que todas as ações levam à conexão com o fã, influenciando diretamente no sucesso do produto ofertado. As marcas precisam pensar de forma estratégica todas as suas atitudes, para que exista coerência no discurso e para que o propósito seja bem executado e apresente-se nítido para quem as acompanham. 20 PUMA SE é uma empresa alemã de equipamentos desportivos, fundada em 1948 pelo empresário alemão Rudolf Dassler, com sede em Herzogenaurach, Alemanha. 21 Priscilla Alcantara Silva Fonseca é uma cantora, compositora, multi-instrumentista, apresentadora e atriz brasileira. Filha de músicos, ficou conhecida por apresentar o programa Bom Dia & Companhia no Sistema Brasileiro de Televisão.
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