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Saúde Mental no Trabalho José Cavalcante Lacerda Junior PROFESSOR CONTEUDISTA REITOR DO IFAM Antônio Venâncio Castelo Branco PRÓ-REITORA DE ENSINO Lívia de Souza Camurça Lima PRÓ-REITOR DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO José Pinheiro de Queiroz Neto PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO Maria Francisca Morais de Lima PRÓ-REITOR DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL Carlos Tiago Garantizado PRÓ-REITORA DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO Josiane Faraco de Andrade Rocha JOSÉ CAVALCANTE LACERDA JUNIOR Doutor em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia (2018). Mestre em Educação em Ciências na Amazônia (2014). Especialista em Saúde Mental (2019). Graduado em Psicologia (2010), Filosofia (2013) e Pedagogia (2020). Atua como professor no Instituto Federal do Amazonas – Ifam, Campus Manaus Distrito Industrial – CMDI. Pesquisador no: Grupo de Pesquisa Educação Ambiental com Comunidades Urbanas na Amazônia; Grupo de Pesquisa Infância e Educação no Contexto Amazônico – GPIECAM; Grupo de Estudo e Pesquisa em Planejamento, Logística e Administração - GEPPLA. Tem experiência na área de atendimento clínico em Saúde Mental e possui interesse em temas relacionados à infância e adolescência, educação ambiental e cidade. UNIDADE I SAÚDE MENTAL E TRABALHO: DEFINIÇÕES Entre os temas mais urgentes do contexto contemporâneo encontra-se a saúde mental. Durante muito tempo a saúde mental foi tida como uma temática restrita ao espaço clínico. No entanto, sua emergência no contexto hodierno apresenta uma perspectiva de intensas preocupações interdisciplinares. Uma das razões para tanto é o número, cada vez mais expressivo, de pessoas com algum tipo de adoecimento mental, onde as causas possuem fontes diversas. No âmbito mundial, a preocupação tem como foco o aumento do número de pessoas que vivem com a depressão, a qual aumentou 18% entre 2005 e 2015, de acordo com relatório global publicado pela Organização Mundial da Saúde – OMS, Depression and other common mental disorders: global health estimates, em 2017. No Brasil, além da depressão, há uma forte preocupação com os distúrbios vinculado à ansiedade, que afetam 9,3% da população1. Diante desse contexto, a Saúde Mental ganha, ainda mais, relevância à medida que se relaciona com o universo do trabalho. Dessa forma, frente às inúmeras e intensas transformações vivenciadas no mundo do trabalho, a OMS observa a urgência de práticas, estudos e destinação de recursos para mitigar e evitar não somente os custos, mas, sobretudo, as intercorrências sociais em torno dessa temática no campo da saúde e da economia. Conforme se verifica, a interface saúde mental no trabalho em nossa sociedade reveste-se de uma importante temática uma vez que a atenção para a construção psíquica do sujeito se constitui à medida que o trabalho se configura como um determinante social de saúde. Ao se constituir como sujeito em relação com a sociedade, o ser humano constrói, por intermédio de sentido e significados, suas vivências e percepções em torno do trabalho. O trabalho constitui-se, assim, como um processo, onde o ser humano regula sua interação tanto com a natureza quanto com a sociedade, construindo, dessa 1 WORD HEALTH ORGANIZATION. Depression and Other Common Mental Disorders: global health estimates. Printed by the WHO Document Production Services, Geneva, Switzerland, 2017. forma, sua vida.2 O trabalho não é somente mero meio de subsistência, mas de produção da própria vida humana, uma vez que consegue objetivar o mundo e subjetivar-se enquanto pessoa. Como um ser que interage com o seu meio e elabora sentidos e significados, o ser humano produz o universo cultural, o qual é preenchido por seus aspectos materiais e simbólicos dentro de um contexto histórico.3 Destaca-se, também, que a saúde mental no trabalho possui diversas abordagens, que perpassam desde os seus impactos na economia (a saúde mental já é uma das maiores causas de afastamento no trabalho), nos valores culturais-éticos (o valor da vida e o respeito sobre a dignidade da pessoa assentam o ideal constitucional), na subjetividade (intensas cobranças para se inserir no competitivo e exigente mercado de trabalho obriga uma produção maior, melhor e com menos). A compreensão da saúde mental, portanto, é complexa. Visão psicossocial do ser humano O ser humano é, dentre os seres, o que busca a razão do seu existir. Inserido em suas circunstâncias históricas, busca desentranhar seus projetos, suas utopias e seus desejos. Enquanto ser inacabado e em constante construção, o ser humano desvela-se como existência integradora em todas as suas dimensões, isto é, biológicas, psíquicas e socais. O ser humano é um ser biopsicossocial. Esse entendimento configura um entendimento que articula essas unidades numa compreensão holística, a qual destaca: - o termo bio diz respeito à vida; - o termo psico está vinculado as questões da alma; - o termo social associa-se à sociedade. A visão biopsicossocial integra uma compreensão acerca do ser humano sempre pautada na interação dessas características. Elas atuam e interatuam em processos dinâmicos, constantes e continuamente abertas. Essa perspectiva não permite uma compreensão humana em contextos fragmentados, isolados ou 2 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Trad. Régis Barbosa e Flávio R. Kothe. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. 3 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. estanques. O ser humano é, assim, uma unidade dinâmica, que possibilita a interação e a adaptação do ser humano consigo mesmo e com as circunstâncias na qual está inserido. É importante destacar essa visão para compreender o entendimento acerca da saúde, uma vez que essa noção não comporta a simplória definição de ausência de doença. E ainda, a combinação das potencialidades biológicas, psíquicas e sociais pontuam a condição de vida do ser humano como algo processual, que por sua vez supera modelos mecânicos de causa-efeito. De outro modo, a compreensão acerca do que seja saúde não se limita ao reconhecimento de determinada doença, mas deve buscar outras maneiras que possam promover a saúde. Daí, reconhecer que a combinação das potencialidades biológicas, psíquicas e sociais pontua a condição de vida do trabalhador, ajuda-nos a pensar o bem-estar do trabalhador. Essa compreensão do ser humano, em que o indivíduo é o seu corpo, revela condições de vida e marcas das experiências vividas e desejada. Situa-se na mesma proposta conceitual a visão holística do homem, o elo fundamental da qualidade de vida no trabalho4. Saúde, assim, não é ausência de doença e nem pode ser observada em modelos que aglutinam a doença como fator central. Mas, saúde é um processo que integra uma condição de “harmonia” entre o sujeito e suas circunstâncias. 4 LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina; ARRELANO, Eliete Bernal. Qualidade de vida no Trabalho. IN.: LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina, et al. As pessoas na organização. São Paulo: Editora Gente, 2002, p.300. BIO SOCIALPSICO Expressão do corpo físico Características genéticas Heranças hereditárias Questões da "alma" Cognição, afeto e volição Personalidade Interações de um grupo Normas, regras, condutas Aspectos culturais Conceitos de saúde e saúde mental A Organização Mundial de Saúde, em 1948, destaca a saúde como o completo estar-estar físico, psíquico e social e não somente como ausência de doença. Essa definição aglutina a saúde como um direito a cada ser humano e traz para o bojo das discussões a obrigatoriedade do Estado em promover os mecanismos necessários. É evidente, que a [...] amplitude do conceito da OMS[...] acarretou críticas, algumas de natureza técnica (a saúde seria algo ideal, inatingível; a definição não pode ser usada como objetivo pelos serviços de saúde), outras de natureza política, libertária: o conceito permitiria abusos por parte do Estado, que interviria na vida dos cidadãos, sob o pretexto de promover a saúde.5 No entanto, é importante recordar que assim como a saúde é processual, a elaboração e evolução de seu conceito perpassam as condições da história e os elementos que atravessam seus contextos no momento em que são forjados. Dessa maneira, esse entendimento oportuniza, contemporaneamente, assentar saúde como um direito que está em consonância com todas as condições humanas, desde o direito a habitação, um ecossistema saudável e a equidade social. A compreensão de saúde insere-se em uma condição de constante construção no bojo das interações coletivas e subjetivas. APROFUNDANDO: Esta definição traz essencialmente as dimensões subjetivas da produção de saúde, afinando-se com as ideias e concepções atuais que caminham para a interdisciplinaridade na medida em que ampliam o olhar sobre os diversos aspectos do processo saúde-doença. Configura-se então um novo paradigma sanitário: o da produção social da saúde (MENDES, 1996) também denominado paradigma biopsicossocial (BELLOCH; OLABARRIA, 1993; DE MARCO, 2003; SEBASTIANI; MAIA, 2005), alternativo ao paradigma curativista anterior (SANTOS; WESTPHAL, 1999). Segundo Belloch e Olabarria (1993), os princípios do paradigma biopsicossocial são: 1. O corpo humano é um organismo biológico, psicológico e social, ou seja, recebe informações, organiza, armazena, gera, atribui significados e os transmite, os quais produzem, por sua vez, maneiras de se comportar; 2. Saúde e doença são condições que estão em equilíbrio dinâmico; estão codeterminadas por variáveis biológicas, psicológicas e sociais, todas em constante interação; 3. O estudo, diagnóstico, prevenção e tratamento de várias doenças devem considerar as contribuições especiais e diferenciadas dos três conjuntos de variáveis citadas; 5 SCLIAR, Moacyr. PHYSIS: Revista Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1), p. 29-41, 2007, p. 37. 4. A etiologia dos estados de doença é sempre multifatorial. Devem-se considerar os vários níveis etiopatogênicos e que todos eles requerem uma investigação adequada; 5. A melhor maneira de cuidar de pessoas que estão doentes se dá por ações integradas, realizadas por uma equipe de saúde, que deve ser composta por profissionais especializados em cada uma das três áreas; 6. Saúde não é patrimônio ou responsabilidade exclusiva de um grupo ou especialidade profissional. A investigação e o tratamento não podem permanecer exclusivamente nas especialidades médicas. Constata-se, porém, que no cenário atual a aplicação destas concepções no cotidiano dos serviços de saúde está no início de seu processo de efetivação. O modelo biopsicossocial pressupõe ações integradas e interdisciplinares. Porém, necessita de amadurecimento em função da formação dos profissionais de saúde, dos modelos de gestão, de financiamento e funcionamento do sistema de saúde como um todo (SEBASTIANI; MAIA, 2005). Faz-se necessário repensar modelos e práticas atuais (MOTTA; BUSS; NUNES, 2001) e elaborar propostas no sentido de resgatar a participação ativa dos profissionais e dos sujeitos na produção de saúde, construindo assim, práticas cotidianas em relação a uma vida saudável.6 Além dessas considerações, é importante destacar que o Plano Nacional de Saúde, 2020-20237, destaca que o processo saúde-doença perpassa por determinantes e condicionantes. São eles: a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte e o lazer. Todos emergem como fatores que podem, de alguma forma, influenciar esse processo. Percebe-se que se a noção de saúde traz uma dificuldade “lotear” uma definição específica. A dificuldade fica mais saliente quando se pensa o binômio saúde/doença mental. Na busca de apresentar uma compreensão de normalidade no âmbito psíquico vários enfoques foram constituídos, podendo apresentar uma perspectiva que por vezes se aglutina em uma análise utópica, outras vezes em uma média estatística para uma determinada população ou como um processo, por exemplo. Sendo assim, embora a OMS não defina oficialmente um conceito de saúde mental, é possível destacar o seguinte conceito em torno da saúde mental como “o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades, pode fazer face 6 PEREIRA, Thaís Thomé Seni Oliveira; BARROS, Monalisa Nascimento dos Santos; AUGUSTO, Maria Cecília Nobrega de Almeida. O cuidado em saúde: o paradigma biopsicossocial e a subjetividade em foco. Mental, Barbacena, vol. 9, n. 17, p.523-536, dez., 2011, p. 525-526. 7 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Plano Nacional de Saúde – 2020-2023. Brasília/DF, 2020. ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a comunidade em que se insere”8. Saúde mental não é sinônimo de doença mental. Assim como o conceito de saúde transcende a ausência de doenças, a saúde mental possui inúmeras implicações que solapam sua restrição a uma concepção assentada apenas na doença mental. A saúde mental vincula-se a maneira como o ser humano reage diante das demandas da vida cotidiana. Dessa maneira, saúde mental não está no âmbito de uma performance perfeita ou de uma representação que anule as dificuldades, mas na forma como cada ser humano interage. Lembre-se: - Saúde Mental está distante da ideia de não ter dificuldades ou conflitos! - Saúde Mental leva em consideração os transtornos mentais, mas, não se restringe a eles! - Saúde Mental diz respeito a nossa capacidade de manejar as situações, o reconhecimento de si, a capacidade de relacionar, além da sensação de bem-estar, satisfação para com vida, etc. Assim, a saúde mental é um processo global que possui sentido e significado no aspecto pessoal do ser humano. Dessa forma, é importante destacar que a saúde mental é atravessada por inúmeros fatores, entre eles o trabalho. CURIOSIDADADE: A fita verde, símbolo da luta pela conscientização da saúde mental surge na década de 1800, quando o verde era utilizado para representar a pessoas tidas como insanas. No Brasil, nos últimos anos, tem-se utilizado mês de janeiro, Janeiro Branco, como período para discutir a saúde mental. Saúde Mental e o processo de trabalho O ser humano em interação com a natureza e com os outros seres humanos produz o universo cultural, o qual é preenchido por seus aspectos materiais e 8 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. O livro Verde. Bruxelas, 2005, p.04. In.: <http://ec.europa.eu/justice_home/doc_centre/immigration/work/doc/com_2004_811_pt.pdf>. Acessado no dia 29/03/2009. simbólicos dentro de um contexto histórico9. Nessa perspectiva, suas produções abrem espaço para conhecer o seu fazer que se configura como elemento constitutivo do “ser” humano. Imerso nessa conjuntura, o trabalho emerge como elemento fundamental do fazer humano, pois constrói o mundo objetivo e transforma a natureza, assim como também constrói e transforma o próprio ser humano, distinguindo-o dos outros seres e o conduzindo as novas necessidades no meio social. Etimologicamente, o termo trabalho possui uma conotação negativa. Em sua composição, a partir do latim tripaliu, sinaliza a indicação de um instrumento de açoite, isto é, o termo tri, que significa três, juntamente com o termo paliu, traduzido como pau. Conforme se verifica, a palavra trabalhar estaria associada a uma noção de sofrimento e dor. Tal sentido foi de uso comum na Antiguidade, tendo esse significado atravessado a Idade Média. Segundo Hannah Arendt10, com o advento da Era Moderna, o trabalho passa a ser extremamente valorizado, pois o trabalho se configura comouma atividade que está ligada ao aspecto “artificial” da vida humana, pois, produz algo que é diferente do ambiente natural. Arendt faz uma análise do ser humano como um ser de condição, partindo de uma definição daquilo que ela considera as três dimensões da vida ativa: a ação, o labor e o trabalho. O fruto do trabalho se consubstancia em bens de duração, que não se consomem instantaneamente no tempo, adquirindo permanência no mundo. Há ascensão do “homo faber” como fabricante de coisas que se justificam pela sua utilidade, mas também por um caráter imortalizador do seu fazer que justifica a constituição de sua identidade. A súbita e espetacular promoção do labor, da mais humilde e desprezível posição à mais alta categoria, como a mais estimada de todas as atividades humanas, começou quando Locke descobriu que o ‘labour’ é a fonte de toda propriedade; prosseguiu quando Adam Smith afirmou que esse mesmo ‘labour’ era a fonte de toda riqueza; e atingiu o clímax no ‘system of labor’ de Marx, no qual o labor passou a ser a origem de toda produtividade e a expressão da própria humanidade do homem11. 9 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 10 ARENDT, Hannah. A condição Humana. 15. ed. Forense Universitária: São Paulo, 2008. 11Idem, p.113. O trabalho na modernidade conota um ser humano que, ao trabalhar, poderia desenvolver seu intelecto como construtor do mundo, tendo como ideais a permanência, a estabilidade e a durabilidade. O trabalho realizado pelo ser humano demonstra sua utilidade, não somente para si, mas para a sociedade em geral, conferindo ao trabalho sua condição glorificação no meio social. A hegemonia do capitalismo capitaneada desde a Revolução Industrial estabeleceu em nosso tempo o clássico paradigma: “o trabalho dignifica o homem”; onde trabalhar significa exercer aquilo que é próprio do ser humano. No entanto, tal perspectiva volta-se para os interesses da produção de bens de consumo, que possibilita o encadeamento entre riqueza e lucro. Nota-se que o trabalho é o elemento constitutivo da condição humana. No entanto, tal concepção não é tão homogênea dentro do campo teórico, sofrendo críticas como a apresentada por Hannah Arendt12, segundo a qual o trabalho, não é a única forma que o ser humano possui para se constituir. Segundo a mesma, o ser humano se dá através de outros elementos como a linguagem, o ato de pensar e a política. Para além dessa perspectiva, nota-se que devido as condições sociais que circunstanciam o trabalho, preconiza-se, em sua construção teórica, uma perspectiva negativa. Com efeito, “[...] fora do âmbito marxista, o caráter penoso do trabalho não é atribuído ao próprio trabalho, mas às condições sociais nas quais ele se desenrola na sociedade industrial.”13 Conforme se verifica, o trabalho constitui-se como um processo, onde o ser humano regula sua interação com a natureza realizando dessa forma sua vida14. Dessa maneira, consegue objetivar o mundo e subjetivar-se enquanto pessoa. O trabalho não é somente mero meio de subsistência, mas de produção da própria vida humana. As mudanças no campo do trabalho provocam uma constante qualificação profissional e coloca o ser humano na perspectiva de um tempo ideal que se situa muito além do tempo real. Neste sentido, gera-se uma discussão acerca da Saúde Mental do Trabalhador, que tem como foco a necessidade de compreender os 12 ARENDT, Hannah. A condição Humana. 15. ed. Forense Universitária: São Paulo, 2008. 13 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 1149. 14 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Trad. Régis Barbosa e Flávio R. Kothe. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. elementos que compõem o universo do trabalho, na tentativa de diminuir os agentes estressores na dinâmica produtiva cotidiana. APROFUNDANDO: Trabalho formal O trabalho formal, que também é o mais popular, consiste no emprego que garante ao empregado assinatura na carteira de trabalho de acordo com a CLT e benefícios como vale alimentação, transporte, férias, 13º salário e outros. Os trabalhadores formais recebem salário mensal e comprovado por meio de holerites ou contracheques, estão amparados por lei e tem direito a aposentadoria de acordo com as condições previstas na legislação vigente. Trabalho informal Já o trabalho informal é aquele que ocorre quando o empregado não possui registro na carteira de trabalho e, consequentemente, também não recebe os benefícios determinados pela CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), como licenças, férias, aposentadoria, seguro-desemprego, FGTS e outros. Apesar de ser bem popular, o trabalho informal conta com alguns inconvenientes, como dificuldade para acesso a aposentadoria e falta de garantias/benefícios trabalhistas. Existe também uma terceira modalidade que muitas pessoas englobam no trabalho informal, mas que possui suas particularidades, que é o trabalho autônomo. O profissional autônomo, ou liberal, não usufrui de direitos do trabalhador formal, mas possui regulamentação geral e contribuição tributária específicas. Tipos de trabalho Independentemente de ser formal ou informal, há algumas classificações ou tipos, alguns deles são assalariados com registro em carteira, mas outros não. Vejamos alguns exemplos: Autônomo O trabalhador autônomo, por sua vez, é aquele que presta serviços por conta própria e garante a sua renda mesmo sem qualquer tipo de vínculo empregatício (seja ele formal ou informal). O profissional autônomo geralmente é especializado em algum segmento do mercado e atua por conta própria. Muitos autônomos, inclusive, optam por se tornarem MEI – Micro Empreendedores Individuais, já que assim podem recolher tributos simplificados de modo legalizado. O autônomo é remunerado pelo trabalho que presta ou do lucro dos produtos que vende. Voluntário O trabalho voluntário é aquele em que a pessoa presta os seus serviços (em tempo integral ou parcial) livremente, sem receber dinheiro ou outra forma de remuneração em troca. Geralmente esse tipo de trabalho é prestado para instituições sem fins lucrativos, igrejas, ONGs ou organizações que apoiam alguma causa social. Resumidamente, esse tipo de trabalho mobiliza pessoas e não é remunerado. é uma atividade muito grande em vários países e no Brasil tem muito a crescer. Freelancer O trabalho freelancer, consiste na prestação de serviços do profissional para a empresa por um período ou para um projeto temporário. Neste caso considera-se a prestação de serviços para mais de uma empresa o que não configura um vínculo trabalhista. Ele é mais comum em algumas atividades como nas artes, comunicação, tecnologia da informação e outros. O freelancer é remunerado pelo serviço que presta Assalariado É a principal atividade de trabalho no país, onde uma pessoa presta seus serviços a uma empresa ou a outra pessoa, com a finalidade de receber remuneração pelo trabalho prestado. Este tipo de atividade está regulamentada pela CLT que é a Consolidação das Leis Trabalhistas no Brasil. O empregado tem direito ao registro na carteira profissional e a todos os direitos e garantias que a lei estabelece. O assalariado é remunerado pelo salário Empresário / Empreendedor Muito gente pode até achar estranho, mas ser empresário é também uma forma de trabalho, afinal, ele presta seus serviços à sua própria empresa e como tal também é remunerado por isso. No caso do empresário o seu salário é conhecido como pro-labore e funciona como um salário comum, inclusive com recolhimento de INSS para fins de aposentadoria. Além do pro-labore, ele ainda goza dos lucros e dividendos proveniente do desempenho da empresa. O empresário ou empreendedor é remunerado pelo pro-labore e/ou pelo lucro da empresa, também chamado de dividendos. Profissionais liberais Profissionalliberal é parecido com autônomo, mas são diferentes. O autônomo vimos anteriormente e o profissional liberal é aquele que tem nível técnico ou superior e que exerce sua profissão, geralmente regulamentada, como prestador de serviços ou constituindo empresa. Neste grupo estão os médicos, engenheiros, dentistas, advogados, entre outros. Não é uma atividade informal e geralmente sua forma de trabalho está de alguma forma definida pelo conselho da sua profissão, como a OAB para os advogados, CRM para os médicos, CRO para os dentistas e assim por diante. O profissional liberal é remunerado pelo serviço que presta Trabalho doméstico Trabalho doméstico é aquele realizado em casa nas atividades cotidianas no dia-a-dia, seja nas tarefas de limpeza, preparo das refeições, organização da casa, cuidado com os filhos, dentre outras atividades tão comuns e tão necessárias na vida de todas as famílias. Este tipo de trabalho, embora importantíssimo, nem sempre é muito reconhecido, aliás, em muitos cenários ele nem é lembrado. Trabalho forçado / escravo O trabalho forçado é aquele em que o indivíduo é obrigado a fazer algo contra a sua vontade. Esse tipo de trabalho é ilegal e geralmente reflete em tráfego de pessoas, órgãos ou outros modos de ‘escravidão moderna’. Teoricamente não era para ele existir, mas de alguma forma ele existe. Contudo, quando identificado ele é combatido, e os responsáveis podem ser processados por prática de trabalho escravo.15 15 GUIA TRABALHO. Tipos de trabalho formal e informal, voluntário, autônomo e outros. In.: <https://www.guiatrabalho.com.br/tipos-de-trabalho.html>. Acesso no dia 17 de julho de 2020. https://www.guiatrabalho.com.br/tipos-de-trabalho.html PARA REFLEXÃO!!! SAÚDE MENTAL Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico. Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakoviski suicidou-se. Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as ideias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é uma coisa muito perigosa… Não, saúde mental elas não tinham… Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvir falar de político que tivesse depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas. Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente “equipamento duro”, e a outra denomina-se software, “equipamento macio”. Hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. O software é constituído por entidades “espirituais” – símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo “espirituais”, sendo que o programa mais importante é a linguagem. Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos e, somente símbolos, podem entrar dentro dele. Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio: A música que saia de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou… Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, “saúde mental” até o fim dos seus dias. Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música… Brahms, Mahler, Wagner, Bach são especialmente contra-indicados. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Tranquilize-se há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato. Seguindo essa receita você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram.16 SÍNTESE PESSOAL DA APRENDIZAGEM Após ler, assistir e ouvir informações sobre a Saúde Mental e Trabalho, segue abaixo algumas questões, que você pode utilizar para organizar e sistematizar sua aprendizagem pessoalmente. - Caracterize o ser humano na visão biopsicossocial! - Qual é o conceito de saúde propagado pela OMS? - Como podemos caracterizar saúde mental? - Qual conceito de trabalho apresentado por Arendt? - Diferencie trabalho formal e trabalho não formal! BOA SÍNTESE!!! 16 ALVES, Rubem. Saúde Mental. In.:<< https://egov.ufsc.br/portal/conteudo/sa%C3%BAde-mental-por- rubem-alves>>. Acessado no dia 18 de julho de 2020. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ALVES, Rubem. Saúde Mental. In.: <<https://egov.ufsc.br/portal/conteudo/sa%C3%BAde-mental-por-rubem-alves>>. Acessado no dia 18 de julho de 2020. ARENDT, Hannah. A condição Humana. 15.ed. Forense Universitária: São Paulo, 2008. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. O livro Verde. Bruxelas, 2005, p.04. In.: <http://ec.europa.eu/justice_home/doc_centre/immigration/work/doc/com_2004_81 1_pt.pdf>. Acessado no dia 29/03/2009. LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina; ARRELANO, Eliete Bernal. Qualidade de vida no Trabalho. IN.: LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina, et al. As pessoas na organização. São Paulo: Editora Gente, 2002. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Trad. Régis Barbosa e Flávio R. Kothe. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Plano Nacional de Saúde – 2020-2023. Brasília/DF, 2020. PEREIRA, Thaís Thomé Seni Oliveira; BARROS, Monalisa Nascimento dos Santos; AUGUSTO, Maria Cecília Nobrega de Almeida. O cuidado em saúde: o paradigma biopsicossocial e a subjetividade em foco. Mental, Barbacena, vol. 9, n. 17, p.523-536, dez., 2011. SCLIAR, Moacyr. PHYSIS: Revista Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1), p. 29-41, 2007. GUIA TRABALHO. Tipos de trabalho formal e informal, voluntário, autônomo e outros. In.: <https://www.guiatrabalho.com.br/tipos-de-trabalho.html>. Acesso no dia 17 de julho de 2020. WORD HEALTH ORGANIZATION. Depression and Other Common Mental Disorders: global health estimates. Printed by the WHO Document Production Services, Geneva, Switzerland, 2017.
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