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Caderno de Urgência e Emergência Gabriel Bagarolo Petronilho Medicina - FAG TXVIII 2022/1 Gabriel Bagarolo Petronilho Choque Choque é a expressão clínica da hipóxia celular, tecidual e orgânica causada pela incapacidade do sistema circulatório de suprir demandas celulares de oxigênio, devido oferta inadequada de oxigênio (D0₂) e/ou demanda/consumo tecidual (VO2) aumentada . (Medicina de Emergência - Abordagem prática. 14ª ed. Editora Manole, Barueri, 2020). *Hipoperfusão Tecidual* O choque é uma emergência médica e é fundamental o reconhecimento precoce para a correção das disfunção e, principalmente, tratamento da causa base. Os efeitos da hipóxia tecidual são inicialmente reversíveis, porém, podem rapidamente se tornar irreversíveis - isso causa falência orgânica, síndrome da disfunção de múltiplos órgãos e sistemas (SDMOS) e por fim, morte. Mecanismos de Choque Quatro tipos de choque são conhecidos: - Distributivo choque séptico - Cardiogênico - Hipovolêmico - Obstrutivo Cada um desse possuem diversas etiologias e os mecanismos entre si não são exclusivos, ou seja, um paciente que apresente insuficiência circulatório pode apresentar mais de um tipo de choque - há sobreposição dos mecanismos. O choque é mais comum em unidades de terapia intensiva (UTI), afetando cerca de 1/3 dos pacientes internados, sendo o choque séptico (tipo de choque distributivo) o mais comum nessas unidades. No pronto-socorro, estudos demonstram que o choque hipovolêmico é o mais comum. → Gabriel Bagarolo Petronilho Fisiopatologia A utilização do oxigênio tecidual envolve alguns passos: 1) Difusão do oxigênio dos pulmões ao sangue 2) Ligação do oxigênio à hemoglobina 3) Transporte de oxigênio pelo DC para a periferia 4) Difusão do oxigênio para mitocôndria Observando esses mecanismos podemos entender quais são os pontos críticos para que o oxigênio seja ofertado para os tecidos e não entre em hipóxia. O transporte de oxigênio aos tecidos depende da quantidade presente no sangue (ligação com a hemoglobina - principal carreador do oxigênio) e do débito cardíaco. Débito cardíaco (DC) responsável por levar o O2 à periferia do corpo. Isso explica porque mecanismos de aumento do débito cardíaco são utilizamos pelo organismo para compensar quedas agudas da saturação (situação inicial de choque ou anemia aguda, por exemplo). Pequenas alterações da PAM e/ou metabolismo do oxigênio ativam barorreceptores e quimiorreceptores ativando mecanismos de compensação inicial. Porém, se progressão da hipoperfusão tecidual/choque os mecanismos não conseguem mais compensar e a resposta inflamatória é perpetuada, levando a maior disfunção orgânica - ciclo vicioso. Mecanismos de Compensação: - Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona - Liberação de catecolaminas (terminações simpáticas e medula adrenal) - Redução tônus vagal - Aumento ACTH e cortisol - Liberação de vasopressina (neuro-hipófise) - Aumento endotelina e glucagon, redução da secreção de insulina Essas alterações metabólicas resultam em aumento do débito cardíaco, vasoconstrição arterial e venosa, redistribuição volêmica (prefere o SNC e miocárdio), aumento da reabsorção de sódio e água pelos rins, aumento da extração do oxigênio e aumento da oferta de substratos. → Gabriel Bagarolo Petronilho Quando os mecanismos de compensação não são suficientes devido etiologia ou gravidade do quadro, essas alterações geram resposta patológicas ou não compensatórias. Lembrete: independente do tipo de choque, a hipoperfusão tecidual é capaz de ativar resposta inflamatória e consequente estase microvascular. Diagnóstico O choque sempre deve ser suspeitado em pacientes com sinais de hipoperfusão tecidual. Os principais critérios clínicos são: A hipotensão arterial geralmente está presente no choque, porém o paciente não precisa estar necessariamente hipotenso - especialmente portadores de HAS. Quando presente, em adultos, geralmente a PAS < 90mmHg ou PAM <70mmHg com taquicardia. A associação entre tempo de enchimento capilar >2s + livedo reticular + redução da temperatura corpórea indicam baixo índice cardíaco. A avaliação da área do levedo reticular em torno do joelho (Mottling score) está diretamente ligada à mortalidade do paciente, sendo um importante marcador de hipoperfusão. As 3 janelas que identificam danos que o choque está causando ao organismo são: - Pele fria e úmida, cianose, palidez, levedo, tempo de enchimento prolongado, gradiente de temperatura central-periférica - Rim: débito urinário <0,5mL/kg/h - SNC: estado mental alterado - torpos, desorientado e confuso. Os critério laboratoriais são: - Hiperlactatemia presente, indicando metabolismo anaeróbico (lactato >2) Os parâmetros clínicos isolados não são capazes de predizer o diagnóstico de choque com precisão. A combinação do exame clínico + parâmetros hemodinâmicos + laboratoriais aumentam a acurácia do diagnóstico. Gabriel Bagarolo Petronilho A utilização da POCUS (Point-of-care US) pode refinar o diagnóstico com avaliação de derrame pericárdio, tamanho e disfunção de ventrículos, etc. Choque Hipovolêmico O choque hipovolêmico é causado pela perda do volume intravascular (redução da pré-carga) acarretando um menor débito cardíaco. Ele pode ser dividido em 2 grupos, de acordo com a perda do volume: ● Hemorrágico - o mais comum é por trauma; pode ocorrer também por hemorragia varicosa, úlcera péptica, hemorragia perioperatória, aneurisma abdominal roto e iatrogênico. ● Não hemorrágico - volume intravascular reduzido por perda de fluidos que não sangue; pode ser perdas gastrointestinais (vômito, diarreia), perda de pele e renais. Na presença de depleção volêmica há uma redução na pressão de enchimento das câmaras cardíacas e consequente tentativa de compensação com taquicardia. Além disso, o aumento da atividade simpática reflete uma intensa vasoconstrição venosa, hiperventilação, ativiação do sistema R-A-A e liberação de mediadores de estresse. Os tecidos aumentam a sua extração de oxigênio (SvO2). Em relação à perda volêmica, o choque hipovolêmico pode ser dividido em classes de I a IV. As duas primeiras classes (I e II) apresentam choque hipovolêmico com mecanismos de compensação ainda eficazes, não causando alterações tão exuberantes. Se houver evolução do choque para classe III, os mecanismos de compensação já não são suficientes e a descompensação é claramente observada. Choque Obstrutivo Esse tipo de choque é causado por causa extracardíaca da obstrução mecânica do fluxo cardíaco com redução do DC e consequente hipoperfusão. *Turgência jugular sem edema pulmonar* é uma achado sugestivo de choque obstrutivo. O choque obstrutivo pode ser divido em 2 categorias: - Vascular pulmonar: TEP ou hipertensão pulmonar grave - devido insuficiência ventricular direita. Não consegue gerar pressão o suficiente para vencer a RV pulmonar. - Mecânica: pneumotórax hipertensivo, tamponamento pericárdio, pericardite constritiva e cardiomiopatia restritiva - devido diminuição da pré-carga e não falha da bomba como anterior. Gabriel Bagarolo Petronilho Choque Cardiogênico O choque cardiogênico é caracterizado por hipoperfusão periférica que se deve à grave cardiopatia, levando à falência da bomba e redução do DC. Geralmente está associo a edema pulmonar. Eventualmente, o paciente que se encontra em choque cardiogênico não apresentará congestão pulmonar - exemplo: infarto do VD. As causas de falha da bomba cardíaca podem ser divididas em 3 categorias: - Cardiomiopatia: infarto do miocárdio envolvendo mais de 40% do VE, IAM de qualquer tamanho quando acompanhado de isquemia extensa, IAM do VD, etc. - Arrítmica: taquiarritmias atrais e ventriculares e bradiarritmias. - Mecânica: insuficiência valvar aórtica ou mitral grave, defeitos valvares agudos, ruptura do septo interventricular, etc.. Choque Distributivo O choque distributivo é primariamente caracterizado por vasodilatação periféricagrave com queda da resistência vascular sistêmica - Choque séptico: é o tipo mais comum de choque distributivo e possui mortalidade estimada em 40-50%; é definido por sepse + PAM <65mmHg (mesmo com uso de droga vasoativa) e lactato marcando disfunção tecidual (> 2), após a tentativa de ressuscitação volêmica inicial. - Choque neurogênico: comum em vítimas de TCE grave e lesão de medula espinhal, sobretudo se for acima de T6 - cursa com diminuição da RV e alteração de tônus vagal. - Choque anafilático: a anafilaxia é medida por mecanismo imunológicos (IgE) e não imunológicos (exercício, frio, etc), contudo todos levam à degranulação de mastócitos e/ou basófilos. O choque e a obstrução de vias aéreas são principais causas da morte do paciente. Gabriel Bagarolo Petronilho - Choque Endócrino: crise addisoniana e coma mixedematoso podem ter associação à hipotensão e estado de choque. Gabriel Bagarolo Petronilho Tratamento O atendimento ao paciente em choque deve conter suporte hemodinâmico e ventilatório precoce para que não haja piora clínica ou evolução para SDMOS e morte. O tratamento deve ser instaurado rapidamente enquanto a investigação da etiologia é feita. Essa, quando identificada, deve ser corrigida o mais rápido possível. Inicialmente, todo paciente em choque deve ser transferido para sala de emergência e realizado MOVE (monitor, oxigênio e acesso venoso). Nesse caso, um cateter arterial deve ser inserido para monitorização invasiva de PA e também um cateter venoso central para administração de drogas vasoativas (DVA). Se em primeiro momento for necessário a administração de DVA por cateter venoso periférico, não há problemas. Posteriormente pode ser obtido um cateter venoso central com segurança. Para todos os tipos/mecanismos de choque devemos nos lembrar que a relação DO2 (oferta de oxigênio) x VO2 (consumo de oxigênio) está prejudicada e é na melhora da mesma que o tratamento deve ser baseado. Otimização da Pré-Carga O uso da ressuscitação volêmica pode melhorar o fluxo sanguíneo microvascular e aumentar o DC, sendo uma parte essencial do tratamento da maioria dos tipos de choque. Existem disponível diversos tipos de fluidos de ressuscitação e os mais utilizados são cristaloides (solução salina clássica - soro fisiológico e ringer lactato) e hemocomponentes. Estudos demonstram que para ressuscitações volêmicas de até 2L a solução salina clássica demonstrou superioridade em resultados. Assim como, para ressuscitações mais agressivas (acima de 2L) as soluções balanceadas (ringer lactato, PlasmaLyte) devem ser preferidas, contudo com baixo nível de evidência. Essas recomendações são pautadas no fato de que o excesso de administração da solução salina pode causar uma acidose metabólica hiperclorêmica - aumentando desfechos renais ruins. Já, o uso de ringer lactato está mais associado a alcalose metabólica - devido metabolização do lactato no fígado. Qual tipo de solução e qual quantidade utilizar em cada mecanismo de choque? - Choque hemorrágico: nesse tipo de choque o paciente está principalmente perdendo sangue, portanto a ressuscitação volêmica deve ser realizada com sangue. Entretanto, a disponibilidade de sangue não é igual à de fluidos cristaloides, com isso podemos iniciar uma reposição volêmica com cristaloides até a chegada do sangue na sala de emergência. O ATLS recomenda 1L de cristaloide incialmente e se o paciente continuar hipotenso, transfução dos hemocomponentes. - Choque Não hemorrágico: o paciente que apresenta esse choque está com déficit de conteúdo intravascular, sem perdas sanguíneas. Nesse cenário, utilizamos as soluções cristaloides para reposição volêmica. No choque séptico, o Ringer lactato se demonstrou mais eficaz do que os outros tipos de solução. A quantidade inicial de fluidos deve ser de pelo menos 20 a 40mL/kg e deve ser monitorizada pelos parâmetros clínicos (melhora da pressão arterial, diminuição da taquicardia, aumento do débito urinário e do nível de consciência e diminuição de TREC), aumento da PVC e por parâmetros laboratoriais (melhora do excesso de bases, queda do lactato, aumento da SvCO2). Otimização Pós-Carga A otimização pós-carga por meio da administração de vasopressores é indicada em pacientes que se mantêm hipotensos mesmo após ressuscitação volêmica. Contudo, na prática a utilização de DVA são preferidas o mais precoce possível - mesmo durante o processo de reposição volêmica. Gabriel Bagarolo Petronilho A noradrenalina (NA) é a DVA de primeira escolha - exceto no choque anafilático: usar epinefrina; A dopamina também pode ser utilizada, porém atualmente é pouco usada nesses casos, sendo mais reservada para o uso em arritmias, em específicos bradiarritmias instáveis. A NA causa um aumento significativo na PAM e pouca alteração de FC ou débito cardíaco do paciente. A epinefrina é um agente mais potente e é a primeira escolha no choque anafilático - não usado de rotina, reservado para outros tipos de choque ou apenas em casos refratários. A dobutamina é o agente iontrópico mais utilizado para aumentar o DC. A dose inicial utilizada é de 2mg/kg/min - sendo bastante efetiva na maioria do casos. Doses maiores do que 20mcg/kg/ min possuem pouco benefício ao paciente. Lembrando que sua utilização em pacientes com hipotensão deve ser realizada com cautela, já que ela possui pouco efeito na PA e pode causar uma hipotensão. Oxigenação O fornecimento de O2 suplementar deve ser realizado o mais precoce possível, para prevenção da hipertensão pulmonar e oferta tecidual. Não deve-se confiar na oximetria de pulso em situações de choque, devido vasoconstrição periférica acentuada e a gasometria se faz necessário - avaliação de PaO2/FiO2. Alvos do Tratamento - Restaurar a PAM > 65mmHg - Redução do Lactato (<2 se possível) - SvcO2 > 70% - EB < –5 mEq/L - pH > 7,35 Gabriel Bagarolo Petronilho Tratamento Específico De acordo com cada mecanismo de choque é necessário realizarmos o tratamento da causa base. Ao encontrarmos a etiologia, a mesma deve ser tratada de forma imediata. Gabriel Bagarolo Petronilho Gabriel Bagarolo Petronilho
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