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Aborto O aborto é o término da gestação antes das primeiras 20 a 22 semanas, contadas a partir do primeiro dia da última menstruação, ou em fetos que tenham menos de 500 g de peso. Os abortos podem ser divididos em espontâneos ou provocados. Os abortos espontâneos ocorrem, em sua maior parte (80%), nas primeiras 12 semanas de gestação, tendo como principal causa as anomalias cromossômicas. O risco da sua ocorrência aumenta com o crescimento da idade materna. Entre os fatores fetais de abortamento espontâneo, cita-se a ocorrência de gestações anembrionadas (“ovos cegos”), embriões degenerados, anomalias morfológicas e anormalidades cromossômicas. Entre as alterações cromossômicas, a mais frequente é a ocorrência de trissomias (50% das com causa genética). Por outro lado, a ocorrência de alterações cromossômicas estruturais é infrequente. Já entre os fatores maternos, cita-se o uso de drogas (incluindo álcool e cigarro), doenças sistêmicas, infecções maternas, estado nutricional (IMC < 18,5 ou > 25), endocrinopatias (principalmente hipotireoidismo e diabetes) fatores imunológicos (principalmente a síndrome do anticorpo fosfolípide), malformações uterinas (unicorno, bicorno ou septado), incompetência cervical (colo < 25 mm). A síndrome do anticorpo fosfolípide é uma causa materna de abortamento. É considerada uma das principais causas imunológicas de aborto de repetição, chegando a 41,2% de incidência. Os fosfolípides são moléculas que fazem parte da composição da membrana celular e de mecanismos de transmissão de sinais celulares, as quais regulam a divisão e a secreção celular. Existem diversos fosfolípides no organismo, de modo que a presença de anticorpos contra essas moléculas está relacionada aos insucessos gestacionais. São exemplos de anticorpos: anticardiolipina, anticoagulante lúpico, antifosfatidilserina, entre outros. O diagnóstico é feito a partir de critérios clínicos e laboratoriais, dentre os quais, a demonstração de baixos títulos de anticorpos anticardiolipina estão relacionados com melhores resultados gestacionais. Já o tratamento é feito principalmente com drogas anticoagulantes. A incompetência cervical é uma condição que se caracteriza por perda fetal recorrente no segundo trimestre da gestação, sendo a principal causa de abortamento tardio de repetição. Ela ocorre em consequência da insuficiência da oclusão do colo uterino. Pode ter como etiologia causas traumáticas, como dilatação, curetagem, laceração cervical pós- parto ou pós-abortamento, amputação ou conização do colo uterino. Ou também pode ser causada por origem congênita, como alterações do colágeno ou exposição intrauterina ao dietilestilbestrol. Fora da gestação, o diagnóstico pode ser feito através da histerossalpingografia durante a fase lútea, onde a largura da região istmocervical superior a 8 mm é altamente sugestiva do diagnóstico, ou pela falta de resistência da passagem da vela de Hegar 8 pelo colo uterino, realizada na segunda fase do ciclo menstrual. Dentro da gestação, o diagnóstico é feito pela ultrassonografia transvaginal realizada entre a 20 e a 24ª semana de gestação (antes disso o colo é estável), fazendo o diagnóstico caso o comprimento cervical seja menor que 25 mm. O tratamento é feito pela realização de cerclagem cervical, preferencialmente pela via vaginal (mas pode ser feita pela via laparoscópica ou abdominal), que consiste numa sutura circular próximo ao orifício do colo uterino a fim de prevenir o encurtamento e a abertura prematura do colo uterino. Sua realização deve ser feita, idealmente, entre a 12 e a 16ª semana. Também pode ser feita de emergência caso a paciente tenha modificações do colo uterino no 2º trimestre, mas não deve ultrapassar 26 semanas de gravidez. Mecanismo de Abortamento Nas primeiras semanas, o conteúdo uterino mais importante a ser eliminado é a decídua parietal, na qual o ovo está nidado. O embrião e os anexos são eliminados misturados ao sangue, dando a impressão de ser a menstruação atrasada, mas com mais volume que o habitual. Já no segundo mês, ocorre a eliminação completa de decídua, embrião e anexos. Entretanto, isso pode ocorrer de forma parcial, observando-se restos e coágulos, seguido de um sangramento mais intenso e persistente. No terceiro mês, pode ocorrer a eliminação completa de todo o material embrionário e decídua, a qual, geralmente, tende a ser eliminada mais tardiamente em virtude da sua espessura e complexidade. Em alguns casos, pode haver sangramento em maior quantidade ou há possibilidade de retenção de restos anexiais. Entretanto, tais mecanismos não são esperados em abortamentos provocados artificialmente. Classificação A ameaça de abortamento é uma condição transitória que ocorre com o aparecimento de sangramento e dor, mas com preservação do produto conceptual. Ela pode progredir para um abortamento em curso ou seguir sua evolução como uma gestação normal. Diante dessa sintomatologia, admite-se que houve um descolamento do saco gestacional com ou sem desprendimento de algumas vilosidades coriais. Já o abortamento em curso é a situação onde ocorre dores abdominais em cólica com grande frequência e intensidade com um quadro que evolui de hemorragia genital, para eliminação de coágulos, transformações cervicais e chega na abertura do colo uterino. Entretanto, o ovo mantém seu lugar de implantação na decídua. O abortamento se torna eminente ou inevitável quando ocorre presença de ampla dilatação cervical, com possibilidade de tocar ou visualizar o polo inferior do saco gestacional. Quando há eliminação de todo o conteúdo da gestação, o abortamento é caracterizado como completo. Já quando o colo permanece entreaberto e parte dos tecidos fica retida junto à decídua uterina, classifica-se o abortamento como incompleto. Outra classificação é quanto o aborto de repetição, o qual é caracterizado pela ocorrência de 3 ou mais perdas gestacionais consecutivas (antes de 22 semanas ou fetos com menos de 500g). Ele pode ser classificado em primário, quando a paciente é nulípara, ou secundário, quando a mulher já teve pelo menos 1 parto. Por fim, há a classificação de infectado ou não infectado, quando há ou não infecção em curso, e de abortamento retido, quando o produto conceptual está morto e não é eliminado. Diagnóstico e Tratamento A tríade clássica do abortamento é a dor abdominal em cólica, hemorragia genital e a eliminação de tecidos embrionários. O diagnóstico da ameaça de abortamento pode ser suspeitado na presença de sangramento e dor, mas com preservação da vitalidade do concepto. Ao exame ginecológico, pode-se visualizar pequena quantidade de sangue em fundos de saco vaginal ou discreto sangramento ativo por meio do canal cervical. O colo uterino se encontra fechado e o útero é compatível com o tempo de amenorreia. Em caso de dúvida, pode-se solicitar exames bioquímicos ou ultrassonografia (abdominal ou transvaginal). Esta, por sua vez, pode demonstrar ocorrência de hematoma subcoriônico, sendo que uma área de descolamento superior a 40% indica mau prognóstico. O tratamento consiste em repouso, analgésicos, antiespasmódicos e sedativos leves. O uso de progesterona é controverso, sendo que o Ministério da Saúde não aconselha seu uso. Já o diagnóstico do abortamento inevitável é feito pela presença de dilatação cervical, com projeção do produto conceptual no canal cervical. Também pode estar associado a dor, sangramentos e saída de coágulos. O tratamento consiste no aceleramento do esvaziamento uterino, fazendo com que ocorra redução do volume e a duração da hemorragia, aliviando as dores da paciente e encurtando a exposição da cavidade uterina a agentes etiológicos. Caso a idade gestacional seja pequena (< 12 semanas),a utilização de ocitócitos não apresenta bons resultados, devendo-se utilizar a curetagem instrumental ou a aspiração à vácuo. Muitas vezes, precedendo tais procedimentos, é necessária a dilatação cervical com velas ou drogas (vela de Hegar e drogas derivadas de prostaglandinas, como o misoprostol) Já caso a idade gestacional seja maior que 12 semanas, os ocitócitos devem ser utilizados até a eliminação completa do feto e anexos, mas muitas vezes será necessária a realização de curetagem para complementar. A anamnese e o exame físico são parâmetros importantes para verificar se o aborto foi completo ou incompleto. Para tal, deve-se observar a presença de dilatação cervical, persistência de hemorragia, eliminação contínua de restos ovulares e presença de dor, achados que favorecem o aborto incompleto. A ultrassonografia pode auxiliar para confirmar essa situação. Uma complicação muito temida do aborto incompleto é a infecção, que pode ocorrer em qualquer momento da história do aborto. Nas situações de aborto retido, observa-se regressão dos sintomas e dos sinais gravídicos, o colo se encontra fechado e não ocorre sangramento, na maioria das vezes. À USG, pode-se visualizar a presença de saco gestacional com diâmetro interno médio maior ou igual a 25 mm sem embrião ou com embrião sem sinais de vida. O tratamento dessa ocorrência segue os mesmos parâmetros do aborto inevitável, a depender da idade gestacional. Já no aborto infectado, há presença de febre, alteração da frequência cardíaca, comprometimento do estado geral, fluxo genital purulento ou com odor fétido, entre outros sintomas. Ao exame ginecológico, pode haver presença de colo entreaberto, restos ovulares em decomposição, útero aumentado, amolecido e doloroso. Na maioria das vezes, sua ocorrência se dá pela infecção por germes anaeróbicos. A infecção por Clostridium perfringens deve ser tratada com especial cuidado, uma vez que o agente é muito patogênico. Seu tratamento imediato consiste na estabilização da paciente e antibioticoterapia. Em seguida, deve-se realizar o esvaziamento uterino. Em algumas ocorrências, a histerectomia se faz necessária para o controle completo do processo infeccioso.
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