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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Saúde da Mulher IV DOENÇA HIPERTENSIVA NA GESTAÇÃO Introdução: A hipertensão arterial na gestação representa uma das principais causas de morbimortalidade materna e fetal no mundo, sendo responsável por aproximadamente 20% da mortalidade materna no Brasil. Acredita-se que aproximadamente 6-22% das gestantes apresentem hipertensão arterial na gestação. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) na gestação é definida como a presença de, no mínimo, 2 aferições de PAS ≥ 140 mmHg e/ou PAD ≥ 90 mmHg em repouso com intervalo de, no mínimo, 4 horas entre as 2 aferições. Ao se diagnosticar HAS na gestação, deve-se identificar qual é a condição atual da paciente e avaliar o risco de morbimortalidade materna e fetal. Classificação: A doença hipertensiva na gestação classifica-se em: - Hipertensão arterial crônica: HAS prévia à gestação; caracteriza-se por HAS diagnosticada até a 20ª semana de gestação; geralmente HAS primária (associada à história familiar de HAS, sobrepeso e obesidade); raramente HAS secundária. A mola hidatiforme pode causar hipertensão arterial gestacional antes da 20ª semana de gestação, representando diagnóstico diferencial de hipertensão arterial crônica. - Hipertensão arterial do avental branco: PA ≥ 140/90 mmHg em consultório, mas normal em casa; o diagnóstico correto baseia-se em MAPA ou MRPA; até 50% dos casos podem evoluir para hipertensão arterial gestacional ou pré-eclâmpsia. - Hipertensão arterial gestacional: PA ≥ 140/90 mmHg após a 20ª semana de gestação na ausência de sinais, sintomas e/ou alterações laboratoriais que caracterizem a pré-eclâmpsia; a PA normaliza em até 12 semanas após o parto; aproximadamente 25% dos casos podem evoluir para pré-eclâmpsia; a hipertensão arterial gestacional associa-se a risco aumentado de complicações cardiovasculares a longo prazo. A hipertensão arterial gestacional transitória é definida como o aumento da PA que manifesta-se no 2º e no 3º trimestre de gestação, diferentemente da hipertensão arterial do avental branco, que já está presente desde o início da gestação. A hipertensão arterial gestacional transitória associa-se ao desenvolvimento de hipertensão arterial gestacional sustentada em até 45% dos casos. - Pré-eclâmpsia com ou sem hipertensão arterial crônica sobreposta: hipertensão arterial gestacional (desenvolvimento de HAS após a 20ª semana de gestação) associada à presença de, no mínimo, 1 sinal clínico, laboratorial ou hemodinâmico de hiperatividade endotelial vascular (proteinúria significativa, disfunção orgânica materna, ou disfunção uteroplacentária). Pré-Eclâmpsia: A pré-eclâmpsia, também denominada doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG), é definida como a presença de PA ≥ 140/90 mmHg de início após a 20ª semana de gestação associada a: - Proteinúria significativa: proteinúria ≥ 300 mg em amostra de urina de 24 horas ou relação proteinúria/creatininúria ≥ 0,3 em amostra isolada de urina. A presença de IPC (índice proteinúria/creatininúria) < 0,15 exclui a presença de proteinúria significativa. Entretanto, a presença de IPC de 0,15-0,29 não exclui a presença de proteinúria significativa, havendo necessidade de realizar o exame de urina de 24 horas. E/OU - Disfunções orgânicas maternas: → Perda de função renal: creatinina ≥ 1,02 mg/dL. → Disfunção hepática: aumento de transaminases hepáticas > 2 vezes o limite superior da normalidade; epigastralgia. → Complicações neurológicas: alteração do nível de consciência; cegueira; hiperreflexia com clônus (contrações musculares 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 involuntárias), escotomas, turvação visual, diplopia, ultrassonografia com doppler de artéria oftálmica com peak-ratio > 0,78. → Complicações hematológicas: plaquetopenia, CIVD, hemólise. → Estado de antiangiogênese (PIGF < 36 pg/mL ou relação sFlt-1/PIGF > 85). E/OU - Disfunção uteroplacentária: → Restrição de crescimento fetal assimétrico. → Ultrassonografia com doppler de vasos umbilicais alterada: diminuição ou ausência de fluxo diastólico; fluxo diastólico reverso. → Ultrassonografia com doppler de artérias uterinas maternas alterada: incisura protodiastólica nas 2 artérias uterinas maternas. Assim, gestantes que desenvolvem hipertensão arterial após a 20ª semana de gestação, mesmo sem proteinúria significativa, devem realizar exames complementares para excluir disfunções maternas e placentárias. Sem a realização desses exames complementares, é impossível excluir o diagnóstico de pré- eclâmpsia. A pré-eclâmpsia grave é definida como a presença de PA ≥ 160/110 mmHg ou a presença de qualquer uma das seguintes complicações: - Complicações cardiorrespiratórias: dor torácica, dispneia, hipoxemia (SatO2 < 90%) com necessidade de IOT e/ou de drogas vasoativas, HAS grave não controlada (12 horas em uso de anti-hipertensivos em doses máximas), edema pulmonar, isquemia miocárdica, IAM. - Complicações neurológicas: cefaleia, sinais e/ou sintomas visuais, eclâmpsia, encefalopatia hipertensiva, cegueira, descolamento de retina, escala de coma de Glasgow < 13, AIT, AVC. A hemorragia cerebral (AVC hemorrágico) representa a principal causa de morte em gestantes com pré-eclâmpsia. - Complicações hematológicas: leucocitose, plaquetopenia, aumento de TP e TPPA (aumento de RNI), necessidade de transfusão de hemoderivados. - Complicações hepáticas: náuseas, vômitos, epigastralgia, dor em quadrante superior direito do abdômen, aumento de TGO, TGP, DHL/LDH e bilirrubinas, diminuição de albumina, disfunção hepática (RNI > 2 na ausência de CIVD ou uso de varfarina), hematoma hepático. - Complicações renais: aumento de creatinina e ácido úrico, insuficiência renal aguda (creatinina > 1,5 mg/dL, sem doença renal prévia à gestação), necessidade de diálise (sem doença renal prévia à gestação). - Complicações uteroplacentárias: cardiotocografia não reativa, oligodrâmnio, restrição de crescimento fetal, ultrassonografia com doppler de artéria umbilical com fluxo diastólico ausente ou reverso, descolamento prematuro de placenta, onda A reversa no ducto venoso, morte fetal. A pré-eclâmpsia grave associa-se a alta morbimortalidade materna e fetal. Os níveis de proteinúria não devem ser utilizados para classificar a gravidade da pré-eclâmpsia. A eclâmpsia é definida como a presença de convulsões tônico-clônicas generalizadas em gestante com história de pré-eclâmpsia. As convulsões não são causadas por doença neurológica subjacente e podem ocorrer no período pré-parto (50% dos casos), durante o parto (20% dos casos) e pós-parto (11-44% dos casos). A síndrome HELLP é definida como a presença de hemólise, aumento de enzimas hepáticas (TGO e TGP) e plaquetopenia. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia são: - Primigestação. - Diabetes mellitus gestacional ou diabetes mellitus prévio à gestação. - Gestação gemelar. - História familiar de eclâmpsia ou pré- eclâmpsia. - HAS crônica (aproximadamente 25% das pacientes com HAS prévia à gestação desenvolvem pré-eclâmpsia sobreposta). - Pré-eclâmpsia em gestação prévia (aproximadamente 25% das pacientes com 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 história de pré-eclâmpsia prévia desenvolvem pré-eclâmpsia novamente). - Hidropsia fetal. - Gestação molar (mola hidatiforme). - Nova paternidade. - Síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF). - Sobrepeso ou obesidade. - Idade materna avançada (≥ 35 anos de idade). - Fatores de risco pessoais: baixo peso ao nascer, intervalo interpartal > 10 anos, etc. A pré-eclâmpsia caracteriza-se por uma síndrome com alterações de múltiplos órgãos e sistemas que pode manifestar-se mesmo na presença de hipertensão arterial leve. Embora a pré-eclâmpsia não tenha uma causa única definida, a doença resulta do descompassoentre o suprimento placentário e as demandas fetais, causando manifestações inflamatórias sistêmicas maternas e fetais. A alteração fisiopatológica mais importante da pré-eclâmpsia é a disfunção endotelial e o vasoespasmo da circulação sanguínea periférica. Assim, além do vasoespasmo da circulação sanguínea periférica, também há vasodilatação do sistema nervoso central (SNC), ativação endotelial e ativação do sistema de coagulação com alterações do controle da pressão arterial e do volume sanguíneo intravascular. As duas principais hipóteses para explicar o desenvolvimento da pré-eclâmpsia são a teoria da má adaptação imunológica e a teoria da incompatibilidade genética. Nas pacientes que desenvolvem pré- eclâmpsia, há placentação com circulação sanguínea de má qualidade desde o 1º trimestre de gestação, que caracteriza-se por menos angiogênese (menor produção de PIGF) e mais antiangiogênese (maior produção de sFlt-1), resultando em invasão trofoblástica dos vasos sanguíneos maternos de menor intensidade, com fluxo/suprimento placentário diminuído (isquemia uteroplacentária) e resposta inflamatória materna e fetal aumentada durante a evolução da gestação, devido ao aumento das demandas do feto. A isquemia uteroplacentária causa desequilíbrio entre angiogênese e antiangiogênese, aumento do estresse oxidativo materno e disfunção endotelial e imunológica, com diminuição da produção de prostaciclina (agente vasodilatador) e aumento da produção de tromboxano A2 e prostaglandinas G2 e H2, que apresentam potentes propriedades de vasoconstrição e agregação plaquetária. Além disso, há aumento da resposta vascular à angiotensina II (agente vasoconstritor), vasoespasmo e diminuição do volume sanguíneo intravascular. O aumento da pressão arterial é visto como uma tentativa de manter um fluxo sanguíneo minimamente eficaz em um sistema vascular de alta resistência. O vasoespasmo da circulação sanguínea periférica, a isquemia uteroplacentária, a lesão ao endotélio vascular e a agregação plaquetária aumentada causam hipóxia tecidual em órgãos-alvo (placenta, cérebro, fígado, rins), com o desenvolvimento da síndrome clínica da pré-eclâmpsia. Portanto, a pré-eclâmpsia é caracterizada por um estado de vasoespasmo sistêmico, hipercoagulabilidade, coagulação intravascular e microtrombos em vários órgãos e sistemas devido ao fluxo uteroplacentário inadequado. Em gestantes de alto risco para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia, recomenda-se realizar os seguintes exames laboratoriais: - Plaquetas. - Creatinina. - Ácido úrico. - Proteinúria de 24 horas ou relação proteinúria/creatininúria em amostra isolada de urina. - Ultrassonografia com doppler de artérias uterinas após a 23ª semana de gestação: a presença de índices de resistência arterial normais indicam baixa probabilidade de pré- eclâmpsia. A pré-eclâmpsia classifica-se em precoce, quando desenvolve-se antes de 34 semanas de gestação, ou tardia, quando desenvolve- se a partir de 34 semanas de gestação. Além disso, a pré-eclâmpsia também classifica-se 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 em leve, quando não há sinais e/ou sintomas de gravidade, ou grave, quando há sinais e/ou sintomas de gravidade. A pré-eclâmpsia leve apresenta conduta ambulatorial, já a pré-eclâmpsia grave apresenta conduta hospitalar e associa-se a alta morbimortalidade materna e fetal. Diagnóstico Diferencial entre HAS Crônica e Pré-Eclâmpsia: - A presença de PA ≥ 140/90 mmHg até a 20ª semana de gestação sugere o diagnóstico de HAS crônica (prévia à gestação) com ou sem pré-eclâmpsia sobreposta. - O desenvolvimento de HAS após a 20ª semana de gestação associada à proteinúria significativa sugere o diagnóstico de pré- eclâmpsia. - O diagnóstico de HAS crônica com pré- eclâmpsia sobreposta deve ser suspeitado quando há necessidade de aumento de dose ou de associação de outras medicações anti- hipertensivas para o controle da pressão arterial. - A presença de proteinúria significativa até a 20ª semana de gestação também sugere o diagnóstico de HAS crônica com pré- eclâmpsia sobreposta. - Em pacientes que são primariamente avaliadas após a 20ª semana de gestação nas quais os valores pressóricos prévios à gestação não são conhecidos, deve-se dosar os níveis séricos de ácido úrico e a calciúria de 24 horas. - Se os níveis séricos de ácido úrico forem < 4,5 mg/dL e a calciúria de 24 horas for > 100 mg, o diagnóstico de HAS crônica é mais provável. - Se os níveis séricos de ácido úrico forem ≥ 4,5 mg/dL e a calciúria de 24 horas for < 100 mg, o diagnóstico de pré-eclâmpsia é mais provável. - A atividade diminuída da antitrombina III (< 70%) também é útil para o diagnóstico diferencial entre pré-eclâmpsia e HAS crônica. A atividade da antitrombina III está diminuída na pré-eclâmpsia. Tratamento da Hipertensão Arterial na Gestação: O manejo inicial da HAS na gestação baseia- se em realização de exame físico completo, com aferição da pressão arterial (PA) da paciente em repouso em toda consulta de pré-natal, realização de exame de fundo de olho (fundoscopia) por médico oftalmologista, realização de exames complementares, como eletrocardiograma (ECG), função renal, eletrólitos (sódio e potássio), glicemia de jejum, TOTG e/ou HbA1c (rastreamento de diabetes mellitus gestacional), e de exames complementares para o rastreamento de pré-eclâmpsia, como plaquetas, creatinina, ácido úrico, calciúria e proteinúria de 24 horas ou relação proteinúria/creatininúria em amostra isolada de urina. O controle pressórico também deve ser realizado por meio de aferição diária da PA da gestante de forma a otimizar o tratamento e identificar precocemente o desenvolvimento de pré-eclâmpsia, que pode manifestar-se por piora dos níveis pressóricos e/ou ausência de controle da PA (previamente controlada) da paciente. O tratamento da HAS na gestação, em geral, é realizado de forma ambulatorial. Entretanto, em alguns casos, há indicação de tratamento hospitalar da HAS na gestação, como: - PA ≥ 160/110 mmHg. - Pré-eclâmpsia ou eclâmpsia sobreposta. - Restrição de crescimento fetal. - HAS secundária descompensada. A decisão de tratar ou não a HAS na gestação deve considerar a gravidade da HAS, o risco de lesão em órgãos-alvo e a presença ou não de doença cardiovascular concomitante. A maioria dos riscos da HAS na gestação associa-se à presença de pré- eclâmpsia sobreposta e o uso de anti- hipertensivos não diminui o risco de desenvolvimento de pré-eclâmpsia nem altera desfechos neonatais. A lesão em órgãos-alvo é definida como a presença de perda de função renal (aumento de creatinina e/ou proteinúria significativa), hipertrofia de ventrículo esquerdo ou retinopatia hipertensiva. O controle mais rigoroso da PA apenas previne o desenvolvimento de HAS grave na gestação (PA ≥ 160/110 mmHg), mas não altera as taxas de complicações maternas e/ou fetais. O controle muito rigoroso da PA em gestantes com HAS crônica e pré-eclâmpsia 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 sobreposta expõe o feto à hipoperfusão sanguínea, podendo causar restrição de crescimento fetal e até mesmo morte fetal. Os critérios para a prescrição de anti- hipertensivos na gestação são: - PA ≥ 140/90 mmHg. - Idade materna ≥ 40 anos. - HAS crônica há mais de 10 anos. - HAS secundária. - HAS com lesão em órgãos-alvo. A droga anti-hipertensiva de primeira escolha na gestação é a metildopa, que representa a medicação com maior eficácia e com maior segurança para a gestante e para o feto. A metildopa (bloqueador α-adrenérgico) apresenta a vantagem de manter mais estáveis o fluxo sanguíneo uteroplacentário e a hemodinâmica fetal. O principal efeito adverso da metildopa é a sedação/sonolência. Outros efeitos adversos mais raros da metildopa são bradicardia, disfunção hepática e plaquetopenia. O uso de β-bloqueadores não cardiosseletivos,como atenolol e propranolol, em geral, deve ser evitado na gestação devido ao risco de causar restrição de crescimento fetal. O uso de β- bloqueadores cardiosseletivos, como labetalol, representa alternativa ao uso de metildopa, podendo também ser utilizado em associação à metildopa em casos de HAS refratária à monoterapia. A hidralazina (vasodilatador) também representa opção eficaz para o tratamento da HAS na gestação, entretanto apresenta risco de causar taquicardia. Os bloqueadores de canais de cálcio, como nifedipino e verapamil, também representam opções eficazes para o tratamento da HAS na gestação. Entretanto, o nifedipino pode causar cefaleia e o verapamil pode causar tontura, náuseas e constipação intestinal. Tratamento da HAS na Gestação Medicamento Classe Posologia Primeira Escolha Metildopa Bloqueador α- adrenérgico 500-3.000 mg/dia 12/12 horas ou 8/8 horas Segunda Escolha Hidralazina Vasodilatador 50-100 mg/dia 12/12 horas ou 6/6 horas Nifedipino Bloqueador de canal de cálcio 30-120 mg/dia 12/12 horas ou 8/8 horas Verapamil Bloqueador de canal de cálcio 240-320 mg/dia 8/8 horas O uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) e de bloqueadores dos receptores de angiotensina II (BRA) é contraindicado na gestação. O uso de IECA e de BRA associa-se à diminuição significativa do fluxo sanguíneo uteroplacentário, morte fetal, restrição de crescimento fetal, oligodrâmnio, morte neonatal e insuficiência renal no recém- nascido. Tratamento da Pré-Eclâmpsia: Segundo alguns autores, independentemente da gravidade, toda paciente com diagnóstico de pré-eclâmpsia deve ser hospitalizada para acompanhamento em unidade de gestação de alto risco, pois qualquer paciente com pré- eclâmpsia, mesmo apresentando quadro clínico aparentemente benigno, pode abruptamente desenvolver complicações graves resultando em morte materna e/ou fetal. Fetos de mães com pré-eclâmpsia que permanecem hospitalizadas têm risco de morte diminuído, idade gestacional mais avançada no parto e maior peso ao nascer em comparação com fetos de mães com pré- eclâmpsia não hospitalizadas. A via de parto preferencial na pré-eclâmpsia deve ser a vaginal, não havendo contraindicação à realização de procedimentos para maturação do colo do útero. Durante o primeiro e o segundo períodos do parto, deve-se realizar monitorização constante da frequência cardíaca fetal. A presença de hiperatividade uterina, tônus uterino aumentado, sangramento vaginal e/ou desacelerações patológicas da frequência cardíaca fetal são indicativos de descolamento prematuro de placenta, havendo indicação de parto cesáreo. Em casos de parto cesáreo, a anestesia geralmente baseia-se em realização de bloqueio epidural/peridural ou de bloqueio raquimedular. Em casos de parto 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 cesáreo de urgência ou quando há eclâmpsia, Síndrome HELLP e/ou coagulação intravascular disseminada (CIVD), recomenda-se realização de anestesia geral. O tratamento da HAS associada à pré- eclâmpsia objetiva proteger a gestante de acidentes vasculares, como AVC, diminuindo a morbimortalidade materna. O controle muito rigoroso da pressão arterial (PA) associa-se a risco aumentado de hipoperfusão uteroplacentária, podendo causar restrição de crescimento fetal e até mesmo morte fetal. Assim, a meta terapêutica em pacientes com pré-eclâmpsia é a de 135/85 mmHg < PA < 160/110 mmHg. A droga anti-hipertensiva de primeira escolha para o tratamento da hipertensão arterial aguda (PA ≥ 160/110 mmHg) associada à pré-eclâmpsia é o nifedipino por via oral (VO). Outras alternativas ao uso do nifedipino são hidralazina EV ou IM e labetalol EV. Em casos de encefalopatia hipertensiva ou de crise hipertensiva refratária aos demais tratamentos, indica-se o uso de nitroprussiato de sódio EV em bomba de infusão. O tratamento da crise hipertensiva associada à pré-eclâmpsia baseia-se em: - Repouso no leito em decúbito lateral esquerdo. - Acesso venoso periférico com soro glicosado a 5%. - Administrar nifedipino 10 mg VO e repetir 10 mg a cada 30 minutos, se necessário. - Se não houver resposta adequada ao nifedipino, indica-se administrar hidralazina 5 mg EV e repetir 5-10 mg a cada 20 minutos, se necessário. Recomenda-se diluir 1 ampola de hidralazina em 3 mL de água destilada, administrando 1 mL da diluição a cada 20 minutos. Deve-se atentar para o risco de hipotensão arterial. - Aferir a PA materna de 5 em 5 minutos por 20 minutos após a medicação. - Avaliar a frequência cardíaca fetal por, no mínimo, 20 minutos após a medicação. - Repetir a medicação, se necessário (PA > 155/105 mmHg), até dose máxima de 30 mg para cada droga. - Manter a PA < 160/110 mmHg e > 135/85 mmHg. - Outras opções: → Labetalol 20 mg EV em bolus e, se necessário, repetir 40 mg em 10 minutos e mais 2 doses de 80 mg a cada 10 minutos até dose máxima de 220 mg. O labetalol não está disponível no Brasil! → Nitroprussiato de sódio 0,25-4,0 µg/kg/min e não usar por > 4 horas. A prevenção da eclâmpsia baseia-se em administração de sulfato de magnésio, que representa a única droga com eficácia comprovada para a prevenção de convulsões eclâmpticas. O tratamento com sulfato de magnésio deve ser realizado durante o trabalho de parto de gestantes com pré-eclâmpsia, previamente à cesariana ou sempre que houver sinais e/ou sintomas indicativos de eclâmpsia iminente. O sulfato de magnésio é utilizado até 24 horas após o parto em casos de eclâmpsia ou pré- eclâmpsia grave. O sulfato de magnésio apresenta risco de causar hipotensão arterial, depressão respiratória e até mesmo parada cardiorrespiratória (PCR) devido à superdosagem da medicação. O tratamento de prevenção da eclâmpsia com administração de sulfato de magnésio baseia-se em: - Dose de ataque: sulfato de magnésio 4 g EV em 5-10 minutos. - Dose de manutenção: 0,6-2,0 g/hora EV em bomba de infusão com velocidade de 1,0-2,0 g/hora OU 5 g IM de 4/4 horas. Em casos de depressão respiratória secundária à superdosagem de sulfato de magnésio, deve-se administrar 1 g de gluconato de cálcio EV e realizar oxigenoterapia. Em casos de epigastralgia associada à hipertensão arterial grave em pacientes com pré-eclâmpsia, deve-se realizar ecografia/ultrassonografia abdominal ou TC de abdômen para investigar a presença de hematoma hepático. Se a presença de hematoma hepático for confirmada, deve-se realizar controle rigoroso da pressão arterial (PA), havendo indicação de cesárea devido 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 ao alto risco de ruptura hepática durante o trabalho de parto. A cura da pré-eclâmpsia ocorre apenas após a remoção da placenta, ou seja, após a interrupção da gestação. A conduta na gestante com pré-eclâmpsia depende da gravidade do comprometimento materno- fetal e da idade gestacional da paciente. - Pré-eclâmpsia (leve ou grave) e idade gestacional ≥ 36 semanas: interrupção da gestação, preferencialmente por meio de indução do trabalho de parto. - Pré-eclâmpsia leve e idade gestacional de 33-36 semanas: conduta conservadora, ou seja, cuidados de suporte com o objetivo de adiar a interrupção da gestação até a 36ª semana de gravidez. A conduta conservadora baseia-se em internação hospitalar da gestante, restrição de atividades físicas, evitando o repouso exclusivo ao leito, devido ao aumento do risco de trombose, dieta livre e normossódica, realização de exames laboratoriais (plaquetas, creatinina, TGO, TGP e DHL), avaliação do bem-estar fetal, ultrassonografia obstétrica e ultrassonografia com doppler de artérias umbilicais. A indução da maturidade pulmonar fetal com corticoides deve ser realizada em gestações com < 34 semanas nas quais o nascimento está previsto para as próximas 24-48 horas. - Pré-eclâmpsia grave e idade gestacional de 33-36 semanas: interrupção da gestação,por meio de cesariana ou de indução do trabalho de parto; a interrupção da gestação com < 36 semanas deve ser realizada em hospital equipado com UTI neonatal. - Pré-eclâmpsia leve e idade gestacional ≤ 33 semanas: conduta conservadora, ou seja, cuidados de suporte com o objetivo de adiar a interrupção da gestação até a 36ª semana de gravidez. - Pré-eclâmpsia grave e idade gestacional ≤ 33 semanas: interrupção da gestação, por meio de cesariana ou de indução do trabalho de parto; a interrupção da gestação com < 36 semanas deve ser realizada em hospital equipado com UTI neonatal; em casos de interrupção da gestação com ≤ 28 semanas, o método de escolha deve ser sempre a cesariana. - Pré-eclâmpsia grave e idade gestacional ≤ 24 semanas: conduta individualizada, pois a interrupção imediata da gestação associa- se à baixa probabilidade de sobrevida fetal, enquanto a conduta conservadora com prolongamento da gestação pode aumentar a sobrevida fetal, mas associa-se a aumento importante de morbimortalidade materna; em casos de opção por interrupção da gestação, o método de escolha deve ser sempre a cesariana, que deve ser realizada em hospital equipado com profissionais especializados em obstetrícia de alto risco, com UTI adulto e com UTI neonatal e profissionais especializados em manejo de prematuros extremos. 8 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 As principais indicações maternas e fetais para interrupção da gestação com < 34 semanas na pré-eclâmpsia grave são: - Eclâmpsia. - Síndrome HELLP. - Edema pulmonar ou SatO2 < 94%. - HAS grave e sem controle apesar do tratamento medicamentoso otimizado. - Coagulopatia materna e/ou fetal (CIVD). - Creatinina sérica ≥ 1,5 mg/dL ou oligúria (diurese < 500 mL/24 horas). - Suspeita de descolamento prematuro de placenta, ruptura prematura de membranas ovulares ou início de trabalho de parto. - Crescimento fetal abaixo do percentil 5. - Desacelerações tardias da frequência cardíaca fetal de forma repetida na cardiotocografia. - Ecodoppler venoso com onda A patológica. - Morte fetal. Em casos de eclâmpsia, edema pulmonar, coagulopatia e avaliação fetal não reativa, o parto deve ser realizado mesmo antes de se completar a corticoterapia para maturidade fetal. Hipertensão Arterial Persistente Pós- Parto: Em pacientes que desenvolvem hipertensão arterial gestacional, a pressão arterial (PA) tende a normalizar em até 12 semanas após o parto. Assim, deve-se realizar controle da PA semanalmente por 1 mês e, após, em intervalos de 3-6 meses por 1 ano. Nas pacientes que se mantêm hipertensas, deve- se realizar tratamento medicamentoso por via oral para o controle da pressão arterial, seguindo as mesmas recomendações do hipertenso adulto, exceto durante a lactação, período no qual deve-se evitar o uso de β- bloqueadores e diuréticos. Complicações da HAS na Gestação: As principais complicações maternas da HAS na gestação são: - Cardiovasculares: HAS grave, edema pulmonar, TEP, acidentes vasculares. - Renais: oligúria, IRA. - Hematológicas: hemólise, plaquetopenia, CIVD. - Hepáticas: disfunção hepática, isquemia, hematoma/hemorragia. - Neurológicas: eclâmpsia, edema cerebral, AVC, AIT, encefalopatia hipertensiva. - Oftalmológicas: amaurose, hemorragias retinianas, exsudatos, edema de papila. - Placentárias: isquemia, trombose, descolamento prematuro de placenta, hipoperfusão fetal. Prevenção de Pré-Eclâmpsia: A prevenção de pré-eclâmpsia está indicada apenas para gestantes de alto risco para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia e baseia- se em uso de AAS 50-150 mg/dia + carbonato de cálcio 1.000-2.000 mg/dia entre 12 e 36 semanas de idade gestacional. As principais indicações de uso de AAS + cálcio para prevenção de pré- eclâmpsia são: - HAS na gestação (HAS crônica ou HAS gestacional). - DM na gestação (DMG ou DM prévio à gestação). - História familiar de eclâmpsia ou pré- eclâmpsia. - Obesidade. Prognóstico: As mulheres que desenvolvem eclâmpsia ou pré-eclâmpsia durante a gestação, especialmente as mulheres que desenvolvem pré-eclâmpsia com idade gestacional < 32 semanas, apresentam maior risco de desenvolver HAS, doença cardiovascular e doença cerebrovascular no futuro. Além disso, a história de pré- eclâmpsia durante a gestação associa-se a morbimortalidade cardiovascular precoce e a risco aumentado de insuficiência renal crônica no futuro. Assim, todas as mulheres com história de eclâmpsia ou pré-eclâmpsia, especialmente aquelas que desenvolvem tal complicação com idade gestacional < 32 semanas, devem ser orientadas a ter hábitos de vida saudáveis, como atividade física regular e dieta, e a evitar o tabagismo, a hiperglicemia e a hiperlipidemia, de forma a prevenir o 9 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 desenvolvimento de doença cardiovascular e/ou cerebrovascular precoce. Eclâmpsia: A eclâmpsia é definida como a presença de convulsões tônico-clônicas generalizadas, de coma ou de ambos, durante a gestação ou o puerpério de gestantes com pré- eclâmpsia, que não estão associados a outras doenças do sistema nervoso central (SNC). A eclâmpsia representa complicação rara da pré-eclâmpsia (aproximadamente 2% dos casos), mas é responsável por grande parte dos casos de morte materna e fetal associados à doença. As principais manifestações clínicas que antecedem a ocorrência da eclâmpsia são HAS aguda, cefaleia, distúrbios visuais e epigastralgia ou dor em hipocôndrio direito. Entretanto, aproximadamente 25% das gestantes que desenvolvem eclâmpsia são assintomáticas. Na maioria das vezes, a eclâmpsia manifesta-se antes do parto. Frequentemente, as convulsões eclâmpticas são seguidas de coma, que pode evoluir para morte da paciente. Na avaliação laboratorial da eclâmpsia, deve-se solicitar hemograma, plaquetas, TGO, TGP e DHL, para investigar a presença de Síndrome HELLP, frequentemente associada à eclâmpsia, além de creatinina, eletrólitos (sódio e potássio) e relação proteinúria/creatininúria em amostra de urina. Os principais diagnósticos diferenciais da eclâmpsia são epilepsia e hemorragia intracraniana, que também podem cursar com crises convulsivas durante a gestação. Para o diagnóstico diferencial, a realização de exame de neuroimagem (TC de crânio ou RM de crânio) pode ser útil. O manejo terapêutico da convulsão eclâmptica baseia-se em: - Aspirar secreções da boca e da orofaringe e inserir protetor bucal. - Medir a SatO2 e administrar gás oxigênio (O2) 8-10 L/min. - Administrar soro glicosado a 5% em acesso venoso periférico. - Coletar amostra de sangue e de urina para avaliação laboratorial. - Manter a paciente em decúbito lateral esquerdo. - Administrar sulfato de magnésio para tratar e prevenir novas convulsões eclâmpticas: indica-se dose de ataque de 4 g EV seguida de dose de manutenção de 1-2 g/hora EV. Em casos de convulsões persistentes mesmo após a administração de 2 doses de sulfato de magnésio, recomenda-se o uso de diazepam EV, lorazepam EV ou midazolam IM. - Administrar nifedipino VO ou hidralazina EV se PA ≥ 160/110 mmHg. - Realizar sondagem vesical de demora. - Aguardar o retorno à consciência. - Programar a interrupção da gestação. A interrupção da gestação, por meio de indução do trabalho de parto ou de cesariana, deve ser realizada assim que a paciente estiver estável clinicamente, ou seja, consciente e com a PA controlada, em no máximo 48 horas após a última convulsão eclâmptica. Síndrome HELLP: A síndrome HELLP é definida como a presença de hemólise + elevação de enzimas hepáticas (TGO e TGP) + plaquetopenia e representa a associação de complicação hematológica (hemólise + plaquetopenia) e complicação hepática (aumento de TGO e TGP) da pré-eclâmpsia. A síndrome HELLP desenvolve-se em aproximadamente 10-20% dos casos de pré-eclâmpsia/eclâmpsia. A síndrome HELLP caracteriza-se por anemiahemolítica microangiopática associada à vasoespasmo do fígado materno e cursa com sinais e sintomas inespecíficos, como mal-estar, epigastralgia, náuseas e cefaleia. A manifestação laboratorial mais precoce é a plaquetopenia. As provas de coagulação (TP, TTPA e fibrinogênio) geralmente estão normais, exceto em casos de plaquetopenia com contagem de plaquetas < 50.000 células/mm3, quando há risco aumentado de desenvolvimento de coagulação intravascular disseminada (CIVD). Nestes casos, a hemorragia é manifestação clínica comum. 10 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 O diagnóstico de síndrome HELLP é confirmado por presença dos seguintes achados laboratoriais: - Hemólise: bilirrubina total > 1,2 mg/dL e DHL > 600 UI/L. - Disfunção hepática: TGO > 70 UI. - Plaquetopenia: contagem de plaquetas < 100.000 células/mm3. Os principais diagnósticos diferenciais da síndrome HELLP são hepatite aguda, colecistite, pancreatite, LES, fígado gorduroso agudo da gestação, púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica e choque hipovolêmico ou séptico. As principais complicações da síndrome HELLP são: - Eclâmpsia. - Descolamento prematuro de placenta. - Condição fetal não tranquilizadora. - Prematuridade. - Insuficiência renal aguda. - Coagulação intravascular disseminada (CIVD). - Hematoma hepático. - Morte materna. O manejo terapêutico da síndrome HELLP baseia-se em: - Ter alta suspeita diagnóstica de síndrome HELLP em gestantes com pré-eclâmpsia. - Realizar exames laboratoriais (hemograma, plaquetas, TGO, TGP, DHL e bilirrubinas) e diagnósticos diferenciais. - Avaliar as condições maternas e fetais. - Controlar a pressão arterial (PA). - Estabilizar o quadro clínico com acesso venoso periférico e administração de sulfato de magnésio e anti-hipertensivos. - Considerar uso de corticoide para maturidade pulmonar fetal em casos de gestação com idade gestacional < 34 semanas. - Realizar transfusão de concentrado de hemácias e/ou transfusão de concentrado de plaquetas, se necessário. A transfusão de concentrado de plaquetas é indicada em casos de sangramento anormal e plaquetopenia grave (< 20.000 plaquetas/mm3), mesmo na ausência de sangramento. Além disso, a transfusão de plaquetas também deve ser realizada em pacientes com < 50.000 plaquetas/mm3 que serão submetidas à cesariana. - Avaliar se há necessidade de exame de imagem hepática (epigastralgia), quando há suspeita de hematoma hepático. - Avaliar com anestesista a técnica a ser realizada, se indicado cesariana. Em casos de plaquetopenia com contagem de plaquetas < 75.000 células/mm3, recomenda-se a realização de anestesia geral, devido ao alto risco de hemorragia associado à realização de anestesia epidural/peridural e raquimedular. - Manejar ativamente o trabalho de parto ou planejar a cesariana com técnica adequada. Em geral, em gestações com < 32 semanas de idade gestacional, indica-se a realização de cesariana, e, em gestações com ≥ 32 semanas de idade gestacional, deve-se considerar a indução do trabalho de parto. - Planejar o atendimento em UTI materna e neonatal, se necessário. - Realizar avaliação laboratorial a cada 6-24 horas, dependendo da gravidade do quadro clínico, até sua estabilização. - Manter uso de anti-hipertensivos e sulfato de magnésio no puerpério. - Realizar aconselhamento para gestações futuras. Em casos de plaquetopenia com contagem de plaquetas < 50.000 células/mm3, pode-se considerar a administração de corticoide (dexametasona) EV com o objetivo de estabilizar a contagem de plaquetas e de reestabelecer a função plaquetária, especialmente em casos de indicação de cesariana.
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