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Tumores do Cólon 123 Daniel Fernandes Saragiotto Rachel Riechelmann Ulysses Ribeiro Junior Paulo Marcelo Gehm Hoff DESTAQUES • O câncer colorretal origina-se de uma instabilidade cromossômica (85%) ou de uma instabilidade de microssatélites (15%). • A presença de mutação no gene BRAF exclui o diagnóstico de HNPCC. • A ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha para a maioria dos tumores colorretais. • Cirurgia laparoscópica apresenta os mesmos resultados oncológicos que as cirurgias abertas. • A quimioterapia adjuvante é contraindicada para pacientes com estádio I, controversa para estádio II, e mandatória para pacientes com estádio III. • A oxaliplatina é importante no tratamento adjuvante de pacientes com estádio III, mas não deve ser utilizada de rotina em estádio II, nem em pacientes com mais de 70 anos. • Pacientes com oligometástases, principalmente em fígado ou pulmão, podem eventualmente ser candidatos à ressecção de metástases com intuito curativo. • A escolha do regime inicial de quimioterapia deve ser feita caso a caso, levando em consideração as características do paciente e do tumor. • A adição de terapias moleculares melhorou de forma significativa o tratamento dos pacientes com adenocarcinoma metastático de cólon, mas não teve nenhum impacto na adjuvância. EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO O câncer de cólon representa uma das neoplasias malignas de maior incidência e mortalidade, sendo o terceiro câncer mais comum no mundo1. No ano de 2009, nos Estados Unidos, houveram cerca de 106.100 casos novos e 49.920 mortes2. No Brasil, para 2012 se estimou 30.140 casos novos3. A faixa etária de maior incidência do câncer de cólon é dos 60 aos 70 anos, acometendo ligeiramente mais homens do que mulheres2. Os fatores de risco mais conhecidos e bem estabele- cidos são a idade, sexo masculino, pólipos colônicos, história individual e/ou familiar de câncer colorretal Mobile User Mobile User Mobile User 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1732 jovens (menos de 50 anos), presença de infiltrado inflamatório linfocítico peritumoral e presença de um genótipo característico chamado de instabilidade de microssatélites. Comparativamente aos cânceres de cólon e reto esporádicos, esses parecem ter um prognóstico melhor em termos de sobrevida global. O diagnóstico e a abordagem da síndrome de Lynch serão discutidos em outro capítulo. CARCINOGÊNESE O processo clássico de carcinogênese do adenocar- cinoma colorretal se embasa na sequência adenoma- -carcinoma. A transformação de um adenoma para um carcinoma colônico pode levar 20 a 25 anos. Nesse período ocorrem várias alterações moleculares como as mutações precoces nos genes APC e KRAS, conferindo capacidade de sobrevivência, proliferação e metastatização de células tumorais. O câncer color- retal constitui um grupo heterogêneo de tumores, que de forma didática podem ser agrupados como câncer colorretal portador de instabilidade cromossômica (85%) ou portador de instabilidade de microssatélites (15%; composto por tumor relacionado à síndrome de Lynch e genótipo de hipermetilação de ilhas GcP)13. Nos primeiros, são frequentes alterações moleculares do tipo deleções e inserções (exemplo: deleção do 18q). Já no tipo com instabilidade de microssatélites (MSI), ocorrem inserções ou deleções de pares de base nucleotídeos nas regiões ditas microssatélites (regiões com pares de bases repetidos no genoma humano, sem função estabelecida)14. A presença da instabilidade de microssatélites desencadeia um fenótipo caracte- rístico onde se observa mais comumente tumores do tipo mucinoso, com origem no cólon direito, pouco diferenciados, com infiltrado inflamatório linfocitário peritumoral, afetando indivíduos de uma faixa etária mais jovem15. Embora correlacione-se com HNPCC, a MSI pode ocorrer de forma somática (ou esporádica). Independente se a alteração molecular foi somática ou germinativa, observa-se que a MSI é um reflexo da perda de função de pelo menos um dos genes de reparo de DNA do complexo MMR (mismatch repair complex), composto por vários genes, principalmente MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2. Embora MLH1 e MSH2 sejam os genes mais afetados pela perda de função no câncer colorretal, outros genes também partici- e fatores ambientais (dieta rica em carne vermelha e gorduras e pobre em frutas e verduras, obesidade, tabagismo, sedentarismo e diabetes mellitus)4-7. Doença inflamatória intestinal, como colite ulcerativa e doença de Crohn, também são fatores de risco im- portantes para o câncer colorretal e seu risco aumenta com a gravidade e o tempo da doença inflamatória8. Estudos epidemiológicos identificaram a prática re- gular de exercícios físicos aeróbicos9 e o uso crônico de ácido acetilsalicílico10 como fatores protetores para o desenvolvimento de câncer de cólon e reto. Há fortes evidências de que o uso regular de ácido acetilsalicílico, em diferentes doses, reduz a incidên- cia de adenomas e parece ter um impacto positivo na sobrevida câncer-específica de pacientes com câncer colorretal, particularmente naqueles pacientes cujo tumor expressa cicloxigenase-210. Contudo, o benefício parece ser restrito aos pacientes que desenvolveram o câncer sem ter história pregressa de uso crônico do ácido acetilsalicílico11. Ainda que a grande maioria dos tumores de cólon seja do tipo esporádico, o câncer colorretal pode surgir como parte de algumas síndromes hereditárias, sendo as mais comuns a síndrome de polipose adenomatosa familiar (FAP) e a síndrome de Lynch ou síndrome he- reditária de câncer colorretal não poliposo (HNPCC). A chance de o indivíduo desenvolver câncer colorretal é de 100% no caso da FAP e de até 48% no caso da síndrome de Lynch, dependendo do gene de reparo que perdeu a sua função12. A FAP é herdada de forma autossômica dominante. Manifesta-se em indivíduos jovens e caracteriza-se por centenas ou milhares de adenomas no cólon. Essa condição deriva de uma mutação do gene APC (adenomatous polyposis coli) e o diagnóstico definitivo se faz através de teste genético que busca identificar essa mutação. Já a HNPCC (ou síndrome de Lynch) é a síndrome genética associada ao câncer colorretal mais comum, compreendendo aproximadamente 3% dos tumores colorretais. É uma herança autossômica dominante, de alta penetrância, que se caracteriza por cânceres de cólon sincrônico e metacrônico, além de uma série de outros tipos de cânceres fora do trato intestinal, como adenocarci- nomas de endométrio, ovário, próstata, entre outros. Na prática clínica, os pacientes com câncer colorretal secundário à síndrome Lynch se caracterizam por presença de tumores de cólon direito, em indivíduos Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Seção V | Tum ores Sólidos 1733 pam do reparo do DNA e podem dar origem a erros de replicação através do genoma. Assim, a MSI cria um estado favorável para o acúmulo de mutações em genes vulneráveis que controlam atividades biológicas críticas das células e essas alterações podem levar ao desenvolvimento do câncer. Além disso, MSI está associado com ganho de funções em oncogenes, como mutações no gene BRAF. Vale ressaltar que a presença de mutação no gene BRAF (comumente a mutação V600E) exclui o diagnóstico de MSI germinativa ou HNPCC. Nos casos esporádicos, o evento molecular mais encontrado é a hipermetilação de ilhas GcP na região promotora do gene MLH114. O diagnóstico molecular de MSI é feito através da pesquisa das proteínas dos respectivos genes do complexo MMR por técnica de imunohistoquímica (IHQ) ou através de técnicas de reação em cadeia de polimerase (PCR). Caso haja necessidade de identifica- ção da mutação específica para o futuro rastreamento de outros membros da família do paciente, utiliza-se o sequenciamento específico do gene cuja IHQ foi negativa para expressãode sua proteína14. DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO O câncer de cólon pode se apresentar de maneira assintomática e sintomática. O diagnóstico em pa- cientes assintomáticos normalmente ocorre durante a realização de exames de rastreamento (pesquisa de sangue oculto, retosigmoidoscopia ou colonoscopia), recomendado para todos os pacientes acima dos 50 anos de idade16,17. Entre os sintomas, os mais frequen- tes ao diagnóstico são a presença de dor abdominal, alteração do hábito intestinal e hematoquezia ou melena. Outros como fraqueza, sintomas de anemia e perda de peso podem também ser encontrados18,19. Em relação à localização, os tumores do cólon direito comumente cursam com anemia, o que é explicado pela maior perda sanguínea assintomática nessa to- pografia; já tumores do cólon esquerdo comumente causam alteração do hábito intestinal e obstrução, justificadas pela consistência mais endurecida das fezes e menor diâmetro do cólon20. Outros sintomas menos usuais são a formação de fístulas para bexiga (causando infecções de repetição e/ou eliminação de fezes pela urina), vagina ou pele. Certas infecções são classicamente associadas (em 10 a 25% dos casos) às neoplasias colônicas, como bacteremia causada pelo Streptococcus bovis e sepse devido a Clostridium septicum21. Metástases à distância mais frequentemente ocorrem no fígado, pulmões e peritônio, podendo causar sintomas de dor abdominal em quadrante superior do abdome, distensão e/ou aumento do volume abdominal, tosse e dispneia. Mais raramente se observam metástases em ossos e sistema nervoso central. Devido à drenagem venosa e linfática diferir entre os segmentos colônicos, há uma maior proporção de pacientes com metástases pulmonares em pacientes com tumores primários do reto distal (drenagem via veia cava inferior) do que nos demais segmentos, em que predominam metástases hepáticas (drenagem pelo sistema porta). O diagnóstico dos tumores colônicos é feito pelo exame anatomopatológico em material normalmente obtido através da colonoscopia, pela visualização de lesão e biópsia da mesma ou pela ressecção de um pólipo. A grande maioria das neoplasias malignas do cólon é representada pelos adenocarcinomas. Outras neoplasias primárias que podem ser encontradas mais raramente no cólon são os linfomas, sarcoma de Kaposi e tumores carcinoides. Metástases de outros tumores para o cólon (mama e ovário, por exemplo) são ainda mais raras. A determinação do correto estadiamento é funda- mental para a definição do prognóstico e planejamento do tratamento. O estadiamento dessa doença segue o sistema TNM. Na sétima edição do estadiamento da AJCC (The American Joint Committee on Cancer) algumas pequenas alterações foram feitas em relação à sexta edição. A Tabela 123.1 lista as classificações de T, N e M e o agrupamento em estádios22,23. Os dados com a porcentagem de sobrevida por es- tádio do primeiro ao quinto ano do diagnóstico, nos pacientes com câncer de cólon, são apresentados na Tabela 123.2. Tais resultados são baseados na obser- vação de 28.491 pacientes com câncer colorretal22. Entre os procedimentos recomendados para o esta- diamento incluem-se a anamnese e exame físico, com especial atenção a sinais clínicos de ascite, linfonodos palpáveis e hepatomegalia, e exames de imagem do abdome, pelve e tórax. É importante investigar se há história familiar positiva que sugira alguma síndrome hereditária. Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1734 Para melhor avaliação da presença ou não de me- tástases hepáticas, alguns serviços utilizam a ultras- sonografia intraoperatória25,26 ou ressonância nuclear magnética. Para avaliação do tórax a radiografia normalmente é suficiente, reservando-se o exame tomográfico quando há alterações nesse exame e quando o pri- máriose localiza no reto, pela maior probabilidade de disseminação pulmonar conforme já citado anterior- mente. A incorporação da tomografia por emissão de pósitrons (PET) não trouxe benefício adicional para o estadiamento dos pacientes com câncer de cólon, não sendo recomendada de rotina27,28. A colonoscopia, normalmente realizada para o diagnóstico, deve ter especial atenção na avaliação de todo o cólon, pois em 3 a 5% dos casos pode-se observar tumores sincrônicos29,30. Em casos em que, por aspectos técnicos, a visualização completa do cólon não é possível, o enema opaco e a colonoscopia virtual podem ser úteis31,32. Outras possibilidades in- cluem, durante o ato operatório, a palpação manual de todo o cólon, podendo-se associar à colonoscopia intraoperatória33,34. A avaliação por colonoscopia do restante do cólon é mandatória nos casos não avaliados por método endoscópico antes ou durante a cirurgia. Na avaliação laboratorial destaca-se o hemograma (pela possibilidade de anemia) e a dosagem de enzimas hepáticas, incluindo a fosfatase alcalina. O antígeno carcinoembrionário (CEA) deve sempre fazer parte da avaliação inicial desses pacientes e deve ser medido já no pré-operatório. O CEA, em estádios iniciais, Tabela 123.1 - Estadiamento do câncer colorretal conforme AJCC 7ª edição Estádio t N M 0 Tis N0 M0 I T1 N0 M0 T2 N0 M0 IIA T3 N0 M0 IIB T4a N0 M0 IIC T4b N0 M0 IIIA T1–T2 N1/N1c M0 T1 N2a M0 IIIB T3–T4a N1/N1c M0 T2–T3 N2a M0 T1–T2 N2b M0 IIIC T4a N2a M0 T3–T4a N2b M0 T4b N1–N2 M0 IVA qqT qqN M1a IVB qqT qqN M1b Tabela 123.2 - Sobrevida dos pacientes com câncer de cólon conforme o estadiamento ANos Estádio 1 2 3 4 5 I 91,4 87,0 82,6 78,2 74,0 IIA 89,9 83,4 77,8 72,0 66,5 IIB 85,4 77,8 69,1 62,9 58,6 IIC 66,0 52,5 45,3 41,5 37,3 IIIA 98,3 88,0 83,6 79,1 73,1 IIIB 83,4 70,8 59,3 51,7 46,3 IIIC 71,9 50,3 39,0 32,9 28,0 IV 39,9 19,7 11,3 7,6 5,7 TX: tumor primário não pode ser avaliado; T0: sem evidência de tumor primário; Tis: carcinoma in situ: intraepitelial ou invasão da lâmina própria; T1: tumor invade a submucosa; T2: tumor invade a muscular própria; T3: tumor atravessa a muscular própria, atingindo tecidos pericólicos; T4a: tumor penetra a superfície do peritônio visceral; T4b: tumor invade diretamente órgãos adjacentes ou está aderido a eles. NX: linfonodos regionais não podem ser avaliados; N0: ausência de metástases em linfonodos regionais; N1: metástase em 1 a 3 linfonodos regionais; N1a: metástase em 1 linfonodo regional; N1b: metástase em 2 a 3 linfonodos regionais; N1c: depósito(s) tumoral(is) na subserosa mesentérica ou em tecidos pericólicos ou perirretais não peritonizados sem a presença de metástases linfonodais; N2: metástase em 4 ou mais linfonodos regionais; N2a: metástase em 4 a 6 linfonodos regionais; N2b: metástase em 7 ou mais linfonodos regionais. M0: ausência de metástases à distância; M1: presença de metástases à distância; M1a: metástases confinadas a um órgão ou sítio de metástase (ex: fígado, pulmão, ovário, linfonodo não regional); M1b: metástases em mais de um órgão/sítio de metástase ou peritônio. Em relação ao abdome e pelve o exame mais re- comendado é a tomografia computadorizada, útil e custo-efetiva para avaliação de metástases e linfo- nodos24. Se o exame tomográfico não for disponível, é aceito o ultrassom convencional. Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Seção V | Tum ores Sólidos 1735 parece ser um marcador de mau prognóstico, pois quando aumentado, se correlaciona com recidiva pós-cirúrgica35. O CEA também é útil para o acompa- nhamento dos pacientes operados e tratados (ou não) com quimioterapia adjuvante, onde pode permitir detecção de recidiva pós-cirurgia e também pode ser utilizado, juntamente dos exames de imagem, para monitoramento de resposta à quimioterapia em doença metastática. DOENÇA LOCALIZADA - TRATAMENTO CIRÚRGICO A ressecção cirúrgica é o tratamentode escolha para a maioria dos tumores colorretais. Os objetivos primordiais do tratamento cirúrgico são a ressecção ampliada do segmento colônico envolvido, com a remoção dos linfonodos na área de drenagem do mesmo. A extensão da ressecção é determinada pelo suprimento sanguíneo e a distribuição locorregional dos linfonodos. Deve-se realizar a ligadura do pedículo vascular na raiz do vaso, promovendo a ressecção de todo o tecido linfático periaórtico, mesentérico e pericólico; e a ressecção em monobloco de qualquer órgão ou estrutura aderida ao tumor. A ressecção deve incluir pelo menos 5cm de cólon de cada lado do tumor, apesar de que comumente essa margem é muito maior pela necessidade de ligadura arterial e isquemia subsequente36. O número de linfonodos ressecados durante a operação sinaliza a qualidade da mesma, devendo ser removidos no mínimo 12 linfonodos, segundo a UICC/AJCC. A análise de vários estudos sugere que o número de linfonodos removidos após ressecção cirúrgica associa-se com a sobrevida em pacientes em estádio II e III dos tumores colorretais37. O estudo do linfonodo sentinela mapeado por injeção de tinta ou por radioisótopo durante o ato operatório não demonstrou melhora na acurácia do estadiamento desses pacientes38. Vários estudos indicam que a idade e status fi- siológico do paciente podem afetar a mortalidade operatória, entretanto, a idade avançada por si só não afeta a mortalidade após a operação. Ressecção laparoscópica As operações geralmente são mais complexas, exigem tempo operatório maior, atingem vários qua- drantes do abdome e os benefícios quanto à operação para ressecção de neoplasias parece ser comparável à operação aberta. As operações minimamente invasi- vas por laparoscopia são alternativas aceitáveis para pacientes com tumores colorretais, e diversos estudos demonstram resultados operatórios semelhantes em termos de número de linfonodos e técnica operatória e taxa de complicações e sobrevida similares. Vários trabalhos randômicos e prospectivos e de metanálise demonstraram os mesmos resultados on- cológicos com menor morbidade e rápido retorno às atividades normais39-44. Portanto, as colectomias por videolaparoscopia apresentam resultados semelhan- tes em termos de margens de ressecção e número de linfonodos ressecados, associado a menor morbidade operatória, rápido restabelecimento pós-operatório, menor necessidade de analgesia, menor risco de infecções de parede e menor tempo de internação hospitalar. Adenocarcinoma em pólipo Lesões restritas à mucosa e ressecadas integral- mente pelo método colonoscópico podem ser tratadas unicamente pela endoscopia. As características his- topatológicas favoráveis incluem margens livres de ressecção, tumores bem diferenciados, sem invasão linfática ou vascular; e o endoscopista tem que estar certo de que ressecou integralmente a lesão. Com essas características, e com invasão no máximo à primeira camada da submucosa, a chance do paciente apresentar metástases linfonodais é menor do que 5%45. O seguimento colonoscópico deve ser realizado em 3 meses após a polipectomia para se examinar a área de ressecção. Se a colonoscopia for normal pode se repetir após 1 ano. Seguimento História e exame físico associado com dosagem de CEA em intervalos regulares podem detectar recor- rência. A sensibilidade de se detectar recorrências precoces é ao redor de 60% quando se utiliza a TC e o CEA, principalmente para a recorrência pélvica. O CEA deve ser medido a cada 3 meses por 2 anos após a ressecção, e a cada 6 meses por mais 3 anos46,47. As tomografias devem ser, no mínimo, anuais nos 3 primeiros anos48. Em relação à colonoscopia, caso o paciente não a tenha realizado antes da cirurgia (ou não tenha sido Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User Mobile User 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1736 possível a visualização de todo o cólon), deve ser feita em 3 a 6 meses após o tratamento cirúrgico. A colonoscopia deve ser realizada no primeiro ano para detectar lesões metacrônicas. Se normal, repetir em 3 anos e, após, em 5 anos49. Em caso do achado de adenoma, o intervalo da colonoscopia deve ser me- nor, principalmente se os achados incluírem pólipo viloso, ou pólipo >1cm ou presença de displasia de alto grau (recomendando repetição do exame em 1 ano). Os intervalos devem ser menores também para pacientes com história familiar, idade ou teste que indique a presença de síndrome de câncer colorretal hereditário49. Após os 5 primeiros anos, a taxa de recorrência é extremamente baixa (inferior a 1,5% ao ano e após 8 anos inferior a 0,5% ao ano)50. DOENÇA LOCALIZADA - TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO ADJUVANTE Os primeiros estudos propondo um tratamento adjuvante após a ressecção do câncer de cólon foram realizados na década de 1950, na cidade de Chicago (University of Illinois, College of Medicine)51,52. A mostarda nitrogenada foi um dos primeiros quimiote- rápicos a ser pesquisado para esse fim, partindo-se de evidências experimentais da sua ação na destruição de células tumorais implantadas em animais53. O uso de mostarda nitrogenada para pacientes operados com câncer de cólon, tanto por via peritoneal como endovenosa, foi inicialmente promissor54,55. Inúmeros trabalhos surgiram após, pesquisando-se diversos compostos, sendo o 5-fluorouracil (5-FU), droga sin- tetizada em 195756, a de maior destaque. Infelizmente, a maior parte desses estudos foi realizada com um número pequeno de pacientes e muitas vezes sem um desenho e análise estatística mais apurada, impedindo maiores conclusões a respeito da adjuvância. Avançando-se para a década de 1980, importantes evidências então surgiram. Metanálise de 17 estu- dos randomizados, com 6.791 pacientes analisados, demonstrou benefício da adjuvância com 5-FU, com 17% de redução de mortalidade57. Um importante estudo conduzido pelo National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project (NSABP) e liderado pelo doutor Norman Wolmark, iniciado em 1977, teve seus resultados publicados em 1988. Trata-se do primeiro de uma série de trabalhos em adjuvância no câncer de cólon, sendo conhecido como NSABP C-01. Nesse estudo, 1.166 pacientes com estádio II e III, após a cirurgia foram randomizados para três braços: ob- servação, quimioterapia (associação de semustina, vincristina e 5-FU, conhecida como esquema MOF) e BCG. Após seguimento de 6,4 anos, o uso de qui- mioterapia, em relação ao grupo observação, trouxe benefícios com maior sobrevida livre de doença (SLD) e sobrevida global (SG) com significância estatística (p = 0,02 e 0,05, respectivamente), sendo o primei- ro estudo randomizado prospectivo a demonstrar isso, tornando-se um marco dentro da Oncologia58. Infelizmente, na atualização desse estudo, após dez anos de seguimento, essas diferenças foram perdidas59. Recorrências e mortalidade tardias relacionadas ao câncer de cólon, bem como óbitos ocasionados por segundas neoplasias e por causas não oncológicas, além do próprio esquema MOF, que foi descartado posteriormente como será visto a seguir, podem jus- tificar a perda do benefício de sobrevida. No entanto, graças ao NSABP C-01 diversos avanços no cenário adjuvante foram conquistados nos anos seguintes, o que reforça sua importância. Uma droga que trouxe bastante interesse nos anos 70 e 80 foi o levamisole, droga anti-helmíntica com aparente atividade imunomoduladora, sendo des- crito pequeno estudo em adjuvância de câncer de cólon com resultado favorável60. Com base nisso, o North Central Cancer Treatment Group (NCCTG) e a Mayo Clinic conduziram estudo com 401 pacientes estádio II e III com câncer de cólon para observação pós-cirurgia, levamisole isolado por 1 ano e a asso- ciação de levamisole com o 5-FU por 1 ano. Os dados preliminares foram apresentados em congresso da ASCO (AmericanSociety of Clinical Oncology) em 1986, e os resultados finais demonstraram benefício para os dois braços de tratamento, com resultados mais expressivos para a associação das duas drogas (31% de redução de recorrência, p = 0,003)61. O benefício de sobrevida foi observado apenas para a associa- ção das duas drogas no subgrupo de estádio III, o que foi reforçado anos depois por estudo de fase III semelhante do Norwegian Gastrointestinal Cancer Group61,62. Apesar dos resultados favoráveis também com levamisole isolado, dois outros estudos, do WCSG (Western Cancer Study Group) e do EORTC (European Organization for Research and Treatment of Cancer) descartaram esse papel63,64. Por fim, no maior estudo Mobile User Mobile User Mobile User Seção V | Tum ores Sólidos 1737 de adjuvância (Intergroup 0035) até então, contando com a colaboração de diversos grupos cooperativos, 1.296 pacientes estádios II e III foram para obser- vação ou 5-FU com levamisole. Os pacientes estádio III poderiam receber também apenas o levamisole. Conclui-se que nos pacientes estádio III, 5-FU e le- vamisole (ambos por 1 ano) reduziu a recorrência em 41% (p < 0,0001) e a mortalidade em 33% (p = 0,006), estabelecendo essa combinação como padrão65. Os resultados finais posteriormente publicados desse estudo mantiveram esses achados66. O levamisole isolado teve papel discreto na análise final do estudo, com redução de recorrência e mortalidade de apenas 2% e 6%, respectivamente66. O grupo do NSABP, paralelamente, conduziu o estudo NSABP C-03 comparando o esquema MOF (descrito previamente no C-0158) com o 5-FU em associação com o ácido folínico (ou leucovorin) por 1 ano (regime Roswell Park), baseado nas evidências de melhora da eficácia com essa biomodulação67,68. Com 1.081 pacientes estádio II e III, 5-FU e leuco- vorin foram superiores ao MOF, em relação a SLD em 3 anos (73% versus 64%, p = 0,0004) e em SG em 3 anos (84% versus 77%, p = 0,003), correspondendo a 32% de redução de mortalidade. Esse benefício foi observado nos estádios II e III69. Avaliando ainda o papel da adjuvância e também do leucovorin (LV) com 5-FU, foi desenhado estudo para comparar 6 meses de 5-FU e LV (regime Mayo) com observação. Após o estabelecimento de 5-FU e levamisole como padrão65, o estudo foi encerrado com apenas 317 pacientes incluídos, verificando-se que a quimioterapia melhorou a SLD (74% versus 58%, p = 0,004) e SG (74% versus 63%, p = 0,02)70. Trata-se de um esquema mais conveniente (apenas 6 meses de tratamento) e com boa tolerância. Com esses resultados, restavam as comparações entre os esquemas com levamisole ou leucovorin, saber se a associação dessas duas drogas juntas traria benefício adicional e se o tempo de adjuvância poderia realmente ser menor que 1 ano. Um dos trabalhos que ajudou a responder essas dúvidas randomizou 891 pacientes para quatro braços: levamisole e 5-FU por 6 ou 12 meses e levamisole, 5-FU e LV por 6 a 12 meses. O braço levamisole e 5-FU por 6 meses foi inferior à combinação com as 3 drogas também por 6 meses (SG em 5 anos de 60% versus 70%, p < 0,01)71. O esquema de 3 drogas por 6 meses foi semelhante ao tratamento padrão até então (5-FU e levamisole por 12 meses)71. Estabeleceu-se 6 meses com as 3 drogas como opção, porém restava ainda a dúvida da comparação de esquema com 5-FU e LV por 6 meses. O estudo NSABP C-04 incluiu 2.151 pacientes rando- mizados para 3 braços: 5-FU e levamisole, 5-FU e LV e 5-FU, levamisole e LV, todos por 1 ano. Comparando-se os braços de duas drogas, o leucovorin foi superior ao levamisole em SLD (65% versus 60%, p = 0,04) e houve tendência a melhor sobrevida (74% versus 70%, p = 0,07). Não houve benefício adicional da associação de levamisole ao leucovorin, com SLP (64% versus 65%, p = 0,67) e SG (73% versus 74%, p = 0,99) semelhan- tes. Descarta-se, portanto, o papel do levamisole na adjuvância em favor do leucovorin72. Estudo alemão do Arbeitsgemeinschaft Gastrointestinale Onkologie (AGO) denominado adjCCA-01, publicado posterior- mente ao NSABP C-04, incluindo 680 pacientes com estádio III, confirmou a superioridade do leucovorin em relação ao levamisole na associação ao 5-FU, com maior SLD (p = 0,037) e SG (p = 0,0089)73. Abaixo será discutido o estudo QUASAR que finaliza a discussão do uso de levamisole. Finalmente, o uso da quimioterapia por 6 meses com 5-FU e LV foi estabelecido como padrão pelo estudo Intergroup 0089, apresentado na ASCO em 1998, com 4 braços e mais de 3.500 pacientes: 5-FU e levamisole por 1 ano, dois esquemas diferentes de 5-FU e LV por 6 a 8 meses (Mayo e Roswell Park) e as 3 drogas por 7 a 8 meses. Os esquemas Mayo e Roswell Park não diferiram entre si e ambos, em comparação com o 5-FU e levamisole por 1 ano, foram superiores em SLD74. O resultado maduro desse trabalho foi publi- cado em 2005, com seguimento de 10 anos, mostrando resultados semelhantes entre os 4 braços em SLD e SG75. Pelos resultados iniciais e os demais estudos já citados que não mostravam que a adição de levamisole trazia algum benefício, os esquemas de quimioterapia Mayo e Roswell Park se consolidaram por muitos anos como padrão de adjuvância. Metanálise que incluiu estudos europeus e canadenses confirmou mais uma vez os benefícios do 5-FU na adjuvância, com 22% de redução de mortalidade76. Um resultado de estudo importante a ser citado nesse momento é o QUASAR (Quick and Simple and Reliable), que com um desenho 2x2 procurou responder se a dose de leucovorin (alta ou baixa) e a adição ou não do levamisole (ao 5-FU e LV) trariam diferenças na 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1738 adjuvância. Com 4.927 pacientes incluídos, não houve benefício adicional com o uso de dose mais alta de leucovorin e a adição de levamisole mostrou tendência a piores resultados77. Logo, doses de leucovorin baixas (como 50 mg ou 20 mg/m2) a adjuvância parecem ser efetivas e trazem menor custo ao tratamento do que doses mais altas (como 500 mg/m2, utilizadas no esquema Roswell Park, por exemplo). Em relação ao uso infusional do 5-FU, apesar dos melhores resultados em doença metastática (discutidos na sessão de doença avançada a seguir), isso não se confirmou na adjuvância em dois grandes trabalhos randomizados78,79. Confirmando isso, temos o estudo de fase III (Intergroup 0153)80, restringindo-se ao benefício apenas de menor toxicidade78-80. O desenvolvimento das fluoropirimidinas orais (capecitabina e UFT), juntamente com os dados de eficácia e não inferioridade no cenário metastático trouxe o interesse do estudo dessas drogas na adju- vância. Outras formas de fluoropirimidinas orais já haviam mostrado eficácia no cenário adjuvante, con- forme metanálise realizada em pacientes japoneses81. A equivalência de capecitabina com o regime Mayo por 6 meses foi provada no estudo de fase III X-ACT, que incluiu apenas pacientes com estádio III (1.987 pacientes no total), com perfil de toxicidade favorável à droga oral82. O NSABP C-06, com 1.608 pacientes, comparou o UFT com 5-FU (bolus) e LV em pacientes estádio II e III, com resultados também equivalentes83. Paralelamente às fluoropirimidinas orais, a adi- ção de dois novos quimioterápicos (oxaliplatina e irinotecano) no tratamento do câncer colorretal metastático (CCRm) com bons resultados trouxe a possibilidade de melhorar ainda mais os resultados da adjuvância. A oxaliplatina foi avaliada em associação com 5-FU (infusional) e LV (esquema FOLFOX4 versus 5FULV2 por 12 ciclos) no estudo MOSAIC (Multicenter International Study of Oxaliplatin/5-FU/Leucovorin in Adjuvant Treatment of Colon Cancer). Com 1.123 pacientes em cada braço, a SLD em 3 anos foi a maior do grupo que recebeu a oxaliplatina (78,2% versus 72,9%, p = 0,002)84. O desfecho de SLD em 3 anos, utilizado no estudo MOSAIC, foi uma novidade nos estudos de adjuvância em câncer de cólon, possibi- litando maior agilidade na análise dos resultados.Análise individual de 20.898 pacientes tratados em 18 estudos randomizados de fase III estabeleceu esse desfecho como válido, pois se correlaciona com a SG em 5 anos85. Posteriormente, a análise de SLD em 2 anos também foi validada86. Os resultados finais do MOSAIC confirmaram o benefício com 20% de ganho de SLD em 5 anos (73,3% versus 67,4%, p = 0,003) e 16% de ganho de sobrevida em 6 anos (78,5% versus 76%, p = 0,046). A diferença ficou clara entre pacientes estádio III, porém não houve diferença em relação aos pacientes estádio II87. Reforçando o papel da oxaliplatina na adjuvância deve-se destacar o NSABP C-07, estudo com desenho parecido ao MOSAIC, porém comparando o esque- ma com 5-FU em bolus Roswell Park com o mesmo esquema adicionando-se a oxaliplatina quinzenal (esquema FLOX). Com 2.407 pacientes, houve tam- bém 20% de ganho de SLD (p < 0,004) com a adição da oxaliplatina, representando uma SLD em 3 anos de 76,1% contra 71,5% do grupo tratado apenas com 5-FU e LV88. Tanto o FOLFOX4 quanto o FLOX tornam-se opções padrão para adjuvância. Outros esquemas, como mFOLFOX6 e FOLFOX7, embora não estudados em grandes trabalhos na adjuvância, são comumente utilizados na prática clínica, pela maior conveniência (diminuindo ou eliminando o 5-FU em bolus, respectivamente) e menor toxicidade hemato- lógica. Em relação ao FLOX, os pacientes devem ser monitorados para o aparecimento de diarreia, pois 4,3% dos pacientes no NSABP C07 desenvolveram uma síndrome de injúria da parede intestinal (bowel wall injury, BWI) caracterizada por diarreia, desidratação e aparecimento de alterações radiológicas da parede intestinal, resultando muitas vezes em internações hospitalares. Tal síndrome ocorreu mais comumente em pacientes que receberam o esquema FLOX, idosos e em mulheres89. Dados do estudo de fase III, no ce- nário adjuvante, com a associação de oxaliplatina e capecitabina em comparação ao 5-FU e LV em bolus sugerem que se trata de um esquema seguro90 e, em dados preliminares, também eficaz, com melhor SLD em 3 anos (67% versus 71%, p = 0,0045)91. Apesar da equivalência entre irinotecano e oxali- platina na doença metastática, os resultados com o irinotecano no tratamento adjuvante foram negativos. O estudo coordenado pelo CALGB (Cancer and Leukemia Group B) (CALGB 89803) randomizou 1.264 pacientes estádio III para 5-FU e LV em bolus ou para esquema de 5-FU em bolus com adição de irinotecano (regime IFL). A adição de irinotecano não trouxe melhor SLD ou SG e acrescentou maior toxicidade grave (diarreia, Seção V | Tum ores Sólidos 1739 neutropenia e neutropenia febril) e maior mortalidade ao tratamento (2,8% versus 1%)92. Outros dois estudos de fase III confirmaram a falta de eficácia do irinote- cano na adjuvância. O estudo PETACC-3 (Pan-European Trial in Adjuvant Colon Cancer 3 trial) randomizou 3.278 pacientes estádio II e III para esquema de 5-FU infusional sozinho e com irinotecano. A análise de 2.094 pacientes estádio III não mostrou benefício de SLD em 5 anos (56,7% versus 54,3%, p=0,106) e SG em 5 anos (73,6% versus 71,3%, p=0,094)93. O estudo de fase III ACCORD-02 (Adjuvant Chemotherapy for Resected Colon Cancer at High Risk of Recurrence), com 400 pacientes estádio III randomizados, também para esquema infusional com e sem irinotecano, não mostrou aumento de SLD e SG94. A lição aprendida com o irinotecano de que resul- tados observados na doença metastática não neces- sariamente se repetem nos estudos de adjuvância foi reforçada pela ausência, até agora, com os resultados apresentados, de benefício de incorporação de drogas de alvo molecular como o bevacizumabe (anticorpo anti-VEGF) e cetuximabe (anticorpo anti-EGFR), discutidos com mais detalhes na sessão de trata- mento metastático. No estudo NSABP C-08 a adição de bevacizumabe, embora segura95, não resultou em diferença de SLD (77% versus 76%)96. Da mesma maneira, não houve impacto do cetuximabe segundo dados recentemente apresentados, sendo que a adição desse anticorpo resultou em menor SLD (62,3% versus 70,3%, p = 0,02) e tendência a menor SG (79,1% versus 86,1%, p = 0,07)97. Em relação ao estádio III, após tudo o que foi discuti- do, temos as combinações FOLFOX4 (e suas variações), FLOX, e XELOX como opções padrão no tratamento adjuvante dos pacientes com câncer de cólon. Para pacientes que não toleram a oxaliplatina, justifica-se apenas a quimioterapia baseada em fluoropirimidina endovenosa (5-FU infusional ou em bolus, associado ao leucovorin) ou oral (capecitabina e UFT). Muita discussão pode ser feita em relação à ad- juvância em duas populações de pacientes: idosos e estádio II. Pacientes idosos (idade maior que 70 anos) se beneficiam de quimioterapia baseada em fluoropiri- midinas da mesma maneira que pacientes mais jovens, conforme metanálise que incluiu 3.351 pacientes de 7 estudos randomizados de fase III98. Não se observou maior toxicidade nos idosos. Esses dados confir- mam os benefícios em idosos, porém são resultados aplicáveis a pacientes incluídos em estudos clínicos randomizados, não necessariamente semelhantes aos pacientes rotineiramente tratados, comumente com menor desempenho funcional e maior número de outras doenças não oncológicas. A análise do banco de dados populacional em pacientes idosos estádio III, não apenas oriundos de estudos randomizados, também confirma os benefícios da adjuvância99. A presença de comorbidades se associa a menor sobrevida após a cirurgia em pacientes operados com câncer de cólon100. Todavia, estudo de coorte de pacientes idosos com câncer de cólon estádio III, a partir do banco de dados SEER (Surveillance, Epidemiology, and End Results-Medicare database), sugere que apesar da presença de comorbidades (especialmente insuficiência cardíaca) se associar a menor chance do paciente receber quimioterapia adjuvante, há au- mento de sobrevida para a população idosa tratada101. Esses dados, juntamente com os benefícios claros da adjuvância, melhor controle das comorbidades e au- mento do número de idosos com diagnóstico de CCR talvez justifiquem o maior emprego de quimioterapia adjuvante nos idosos, embora isso seja ainda um fator limitante102. Análise populacional mais recente confirma a eficácia da adjuvância em idosos estádio III, apesar da demonstração de queda da magnitude do benefício com o avançar da idade103. Pacientes idosos têm maior chance de não completarem toda a adjuvância proposta, o que pode trazer impacto negativo na sobrevida104. Na análise do benefício da adjuvância com oxa- liplatina em idosos as dúvidas são maiores. Sabe-se que com o uso de FOLFOX4 há maior toxicidade nos idosos, embora sem aparente pior resultado, conforme análise que incluiu pacientes com CCR em adjuvância e metastáticos105. Recente análise do banco de dados ACCENT (mais de 12.500 pacientes de 6 estudos ran- domizados de fase III), avaliando os 2.170 pacientes com idade maior que 70 anos, não mostrou melhor SLD e SG para os pacientes tratados com a associação à oxaliplatina106. Isso não significa necessariamente que pacientes com mais de 70 anos não devam receber quimioterapia baseada em oxaliplatina, mas sim que tais pacientes devam ser muito bem selecionados, considerando-se o risco de recidiva, presença de co- morbidades, desempenho funcional e a expectativa de vida estimada. 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1740 Em relação ao estádio II, nos primeiros estudos de adjuvância, os resultados já eram controversos. Nos estudos com 5-FU e levamisole por 1 ano do NCCTG e NGCG não houve benefício para o estádio II61,62. O estudo do Intergroup 0035 com 318 pacientes estádio II, randomizados para 5-FU e levamisole, mostrou redução de recorrência de 31%, embora sem signi- ficância (p = 0,10), e os dados de sobrevida foram negativos107. A análise combinada dos pacientes estádio II do Intergroup 0035 e do NCCTG (somando um total de 403 pacientes) revelouredução de recorrência de 38% (p = 0,02) sem benefício em sobrevida. A falta de ganho de sobrevida foi atribuída pelos próprios autores ao maior número de mortes não relacionadas ao câncer no grupo submetido à adjuvância e ao maior número de cirurgias de resgate com intuito curativo realizadas no grupo controle107. Utilizando-se de 5-FU e LV, o NSABP C-03 mostrou maior SLP e SG nos pacientes estádio II69. No final dos anos 90, duas metanálises tentaram esclarecer essas dúvidas. No IMPACT B2 (International Multicenter Pooled Analysis of B2 Colon Cancer Trials) foram combinados os resultados de 1.016 pacientes com tumores T3-4 N0 M0, incluídos em 5 estudos tratados com 5-FU e LV. Com mais de 5 anos de seguimento, não houve benefício estatístico em sobrevida livre de eventos (recidiva, segundo tumor primário ou morte) e sobrevida global. Numericamente, a SG em 5 anos foi de 82% no grupo tratado, e 80% do grupo da ob- servação, o que significou que 50 pacientes deveriam ser tratados para se obter cura em um paciente108. Na análise de 1.565 pacientes, que compilou os resultados de 4 estudos do NSABP (C-01, C-02, C-03 e C-04 em que 41% dos pacientes correspondiam a estádio II), houve redução de 30% de mortalidade, independente da presença ou não de fatores prognósticos clínicos adversos (obstrução, perfuração ou extensão a órgãos adjacentes, presentes em 26% da amostra)109. Nos pacientes sem fatores prognósticos clínicos adversos, a redução do risco foi proporcionalmente maior nos pacientes com essas características (32% versus 20%) e numericamente representou 5% (de 82% para 87% e de 70% para 75%, respectivamente)109. Os resultados das análises do IMPACT B2 e dos estudos do NSABP são conflitantes, mas evidenciam que um benefício de sobrevida, se realmente existente, é pequeno, equivalendo a 2 a 5%. A dúvida permanecia, e análise do banco de dados SEER mostrou que mesmo sem evidência clara, a quimioterapia foi utilizada em 27% de 3.151 pacientes estádio II sem fatores prognósti- cos adversos, com maior sobrevida para os pacientes tratados (78% versus 75%), porém sem significância estatística110. Nos anos 2000, metanálise de 7 estudos rando- mizados (para 5-FU com LV ou levamisole versus observação), avaliou 1.440 pacientes com estádio II111. Os pacientes foram os mesmos do IMPACT B2108, acrescidos de pacientes de outros dois estudos já ci- tados61,65. Houve ganho de SLD (72% versus 76%, p = 0,049), porém sem ganho de SG (80% versus 81%, p = 0,1127)111. Outra metanálise, do CCOPEBC (Cancer Care Ontario Program in Evidence-Based Care), procurou avaliar essa questão, utilizando estudos após 1987 (em 1988 já havia outra metanálise, já citada, com estudos anteriores a 198757). A avaliação de 4.187 pacientes estádio II revelou que apesar do ganho de SLD não havia benefício de sobrevida global (razão de risco de 0,87, IC 95% 0,75 a 1,10, p = 0,07)112. O estudo QUASAR, com enfoque em pacientes com indicação incerta de quimioterapia adjuvante (3.239 pacientes, sendo 91% pacientes estádio II, o que representa 2.963 pacientes com câncer colorretal), randomizou pacientes para tratamento adjuvante com 5-FU e LV ou observação. Como um todo, houve 22% de redução de recorrência e 18% de redução de mortalidade com a quimioterapia. No subgrupo apenas de pacientes estádio II com câncer de cólon (2.146 pacientes) houve menor recorrência em 2 anos (risco relativo de 0,71, IC 95% 0,49 a 1,01) e tendência a menor sobrevida (risco relativo de 0,86, IC 95% 0,66 a 1,12). A magnitude de ganho de sobrevida em 5 anos estimada foi de 3,6%113. A resposta definitiva sobre o real benefício do tratamento adjuvante talvez nunca seja esclarecida por um estudo randomizado, pois provavelmente o benefício real é pequeno e, para provar isso, o número de pacientes necessário é enorme (para ganho de 2%, com poder de 90% e significância de 5%, 9.680 pacientes seriam necessários)114. Diversas características clínico-patológicas foram associadas com pior prognóstico em pacientes com estádio II. Apesar da influência desses fatores no prognóstico, não há evidência que indique que os pacientes estádio II com essas características se bene- Seção V | Tum ores Sólidos 1741 ficiem mais da quimioterapia adjuvante, ou seja, que esses fatores prognósticos sejam também preditivos. As recomendações da ASCO, em 2004, sugeriram que para pacientes estádio II o tratamento adjuvante deveria ser discutido para pacientes com os seguintes fatores de risco: poucos linfonodos avaliados, tumores T4, perfuração e histologia pouco diferenciada114. Outros fatores como invasão linfovascular e perineu- ral, obstrução, margens exíguas ou comprometidas e CEA pré-operatório elevado não foram considerados nessa recomendação, embora sejam citados em outras revisões e muitas vezes utilizados na prática clínica. Além das características clinicopatológicas, di- versos fatores moleculares têm sido estudados. Um dos mais promissores é a pesquisa de instabilidade microssatélite. A presença da instabilidade (denotando deficiência de genes de reparo de DNA) associa-se com melhor prognóstico e maior sobrevida. Tumores com instabilidade satélite de alta frequência apresentam as seguintes características: acometimento mais comum do cólon proximal, pouco diferenciados e/ou tipo celular mucinoso, presença de infiltração linfocítica peritumoral e aneuploidia15. Estudo que avaliou a presença de instabilidade mi- crossatélite, em 570 pacientes oriundos de cinco estudos de fase III de adjuvância, mostrou que a instabilidade de alta frequência estava presente em 16,7% dos pacientes e se correlacionava com melhor sobrevida em relação aos pacientes estáveis ou com instabilidade de baixa frequência (razão de risco de 0,31, p = 0,004). Além disso, pacientes com instabilidade de alta frequência não apresentaram benefício da quimioterapia baseada em 5-FU, diferentemente dos outros grupos15. Outro estudo menor e uma revisão sistemática apontaram resultados semelhantes115,116. Mais recentemente, aná- lise mostrou não só ausência de benefício de SLD da quimioterapia baseada em 5-FU em pacientes com instabilidade microssatélite como também menor SGl nos pacientes com instabilidade e estádio II tratados (razão de risco de 2,95, p = 0,04)117. Revisão apresentada da ASCO de 2010 propõe que pacientes estádio II com instabilidade microssatélite de alta frequência não devam receber quimioterapia adjuvante. Nos pacientes com instabilidade de baixa frequência ou estáveis, as características clínico- patológicas prognósticas devem ser consideradas (margens positivas, menos que 12 linfonodos avaliados, presença de invasão linfovascular, tumores pouco diferenciados, tumores T4, obstrução e perfuração) e deve-se realizar a discussão em conjunto com o paciente. Informações moleculares podem, no futuro, ajudar nessa decisão. Um exemplo é a análise do perfil genético (ColoPrint), que parece ser promissora como definidora de prognóstico, sendo superior as caracte- rísticas clínico-patológicas118. São necessários estudos randomizados que validem tal proposta. Por fim, convém destacar que o tratamento ad- juvante, quando indicado, deve ser iniciado o mais precocemente possível após a cirurgia, baseando-se em dados de metanálise recente, com 15.410 pacientes, que demonstrou que a cada 4 semanas de atraso para o início da adjuvância há diminuição da SG e SLD119. DOENÇA METASTÁTICA - TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO PALIATIVO Até o início da década de 1990, o melhor cuidado de suporte clínico era considerado como uma opção válida para o tratamento do câncer colorretal me- tastático, sendo a sobrevida mediana dos pacientes entre 5-6 meses. A incorporação de quimioterápicos como o 5-fluorouracil, irinotecano, oxaliplatina e, mais recentemente, de drogas antiangiogênicas e de alvo molecular como o bevacizumabe, cetuximabe e panitumumabe trouxe uma grande melhora desse cenário, com melhorasignificativa das taxas de so- brevida mediana e qualidade de vida desses pacientes, bem como aumento das taxas de cura em populações selecionadas. 5-Fluorouracil O primeiro e mais importante passo no tratamento quimioterápico da doença colorretal ocorreu em 1957, na Universidade de Wisconsin, com o desenvolvimento do 5-fluorouracil pelo doutor Charles Heidelberger56. No ano seguinte, o primeiro estudo clínico com o uso desse quimioterápico em 103 pacientes, com diversas neopla- sias malignas, já trazia relatos de atividade da droga, com resposta clínica e radiológica, especialmente nos pacientes que desenvolviam alguma toxicidade ao longo do tratamento120. Dentre os casos relatados por Curreri AR et al, destaca-se o caso de um paciente masculino de 56 anos de idade com diagnóstico de câncer retal avançado, inoperável e com metástase 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1742 próxima a colostomia que, após 2 ciclos de tratamento apresentou resposta clínica completa da metástase e regressão da lesão retal. Trata-se do primeiro caso de resposta documentado ao 5-fluorouracil em pacientes com câncer colorretal avançado. A partir desses resultados iniciais, muitos outros se seguiram, buscando o ajuste da dose e do esquema de tratamento. A ideia de combinação do 5-FU com outros quimioterápicos objetivando melhores resulta- dos começou a surgir nos anos 1970, sendo descritos estudos com Ara-C121, metil-CCNU (semustina)122,123, semustina e vincristina124,125, mitomicina-C126,127 e ci- clofosfamida128. A associação de semustina, vincristina e 5-FU (esquema MOF), pela maior taxa e duração de resposta, tornou-se uma opção de tratamento aceita, sendo esse o esquema utilizado no primeiro estudo randomizado de tratamento adjuvante do câncer colorretal (NSABP C01)58,129. Na década de 80, outros esquemas de associação foram tentados, como com a cisplatina130,131 e dacarbazina132, ambos sem sucesso, e com o metotrexato, com resultados controversos131,133. Além disso, as combinações de 5-FU com semustina e/ou mitomicina-C se mostraram não eficazes em estudos maiores134,135. Na década de 1990 foram pu- blicados os resultados finais que descartaram o papel da combinação do 5-FU com o interferon alfa-2b136,137. Cabe comentar uma discussão comum nos anos 1970 e 1980 em relação ao papel de iniciar a quimio- terapia para pacientes assintomáticos. Estudo com 183 pacientes assintomáticos randomizados para início imediato (quimioterapia baseada em 5-FU) ou espera do aparecimento de sintomas para o início do tratamento demonstrou maior sobrevida. Embora apenas 60% dos pacientes no grupo expectante tenham recebido tratamento, o tratamento precoce associou- -se a maior sobrevida, maior intervalo assintomático e maior sobrevida livre de progressão138. A mediana para início de sintomas no grupo expectante foi de 2 meses (variando de 0 a 29 meses)138. Contrapondo esses dados, metanálise de dois estudos com esquemas mais comuns com 5-FU (associado a leucovorin) não mostrou diferenças em sobrevida global e sobrevida livre de progressão entre tratar pacientes assintomá- ticos ou apenas quando desenvolvessem sintomas139. Paralelamente a essas publicações, estudos expe- rimentais trouxeram maior conhecimento dos meca- nismos de ação do 5-FU e, como citado previamente, sugeriu-se que a adição de leucovorin poderia melhorar o efeito citotóxico da droga67,68. A comprovação clínica dessa hipótese foi mostrada em estudo com 130 pa- cientes com CCRm randomizados para quimioterapia com 5-FU em bolus, associado ou não ao leucovorin (LV). A taxa de resposta (TR) da associação foi sig- nificantemente maior (33% versus 7%, p < 0,0005), assim como a sobrevida mediana global (SGm) (12,6 versus 9,6 meses). A toxicidade gastrointestinal e mucosite chamavam mais atenção com o uso da associa- ção140. Estudo do GITSG (Gastrointestinal Tumor Study Group)141 com um número maior de pacientes (343 no total) abordou a mesma questão da associação do LV e foi um dos primeiros trabalhos a questionar o papel do uso de dose alta ou baixa dessa droga, pela evidência farmacológica de que doses altas de leucovorin (500 mg/m2) levariam a maior estabilidade do complexo ternário67. Novamente, os benefícios da associação em termos de taxa de resposta foram demonstrados (TR de 30,3% no grupo de alta dose de LV versus 18,8% no grupo de dose baixa de LV versus 12,1% no grupo de 5-FU isolado), porém a sobrevida entre os três grupos não foi estatisticamente diferente, embora com tendência para o grupo de dose alta. Somente na década de 1990 o resultado de importante metanálise (Advanced Colorectal Cancer Meta-analysis Project) consolidou o benefício da associação de 5-FU e LV. Na análise de dados individuais de 1.381 pacientes observou-se maior taxa de resposta com a associação de LV (11% versus 23%, p < 10-7), porém sem revelar ganho de sobrevida142. Em metanálise do mesmo grupo de publicação mais recente, englobando um número maior de estudos e totalizando 3.300 pacientes, o ganho de taxa de resposta se manteve (11% versus 21%, p < 0,0001) e a evidência de ganho de sobrevida, embora modesta, se comprovou (10,5 versus 11,7 meses, p = 0,004)143. Uma vez esclarecido o benefício da associação com o uso de LV, restavam dúvidas de qual o melhor esquema a ser utilizado associado ao 5-FU em bolus e também do benefício adicional em se utilizar o 5-FU em esquema infusional. Entre os diversos esquemas de associação de 5-FU em bolus com o LV, dois se des- tacaram e se consolidaram: o regime da Mayo Clinic (5-FU 425 mg/m2 + LV 20 mg/m2 D1 a D5, a cada 4 semanas), utilizado pelo NCCTG (North Central Cancer Treatment Group)131 e o regime Roswell Park (5-FU 500 mg/m2 + LV 500 mg/m2 semanal, por 6 semanas a cada 8 semanas), utilizado pelo GITSG (Gastrointestinal Seção V | Tum ores Sólidos 1743 Tumor Study Group)141,144. Estudo comparativo entre esses dois esquemas (Mayo versus Roswell Park) mostrou semelhantes taxas de resposta (35% versus 31%) e sobrevida global mediana (9,3 versus 10,7 meses). A diferença observada (p < 0,05) foi no perfil de toxicidade, com índices de leucopenia e estomatite maiores no grupo Mayo e diarreia e hospitalizações por toxicidade maiores no grupo Roswell Park145. Em relação aos aspectos econômicos, o esquema semanal representava custos maiores145. A ideia do uso infusional (IC) do 5-FU partiu da evidência existente de que a administração da qui- mioterapia por infusão contínua aumentaria o tempo de exposição das células tumorais ao 5-FU, com au- mento da dose total tolerada e menor neutropenia em relação aos esquemas em bolus, apesar do aumento da síndrome de mão-pé146. Havia também resultados de maiores taxas de resposta com o uso IC do 5-FU146,147, além de estudos de fase II que mostravam segurança e eficácia do 5-FU infusional em associação com o LV148,149. Nesse contexto, o French Intergroup Study, liderados pelo doutor de Gramont, conduziu estudo com 448 pacientes comparando o esquema infusional (5FULV2, posteriormente batizado de regime “de Gramont) com o esquema Mayo clássico. Os resulta- dos foram favoráveis ao esquema infusional, embora sem demonstração de ganho de sobrevida, em termos de maior taxa de resposta (32,6% versus 14,4%, p = 0,0004) e menor incidência de toxicidades, especial- mente leucopenia, diarreia e mucosite150. Metanálise posteriormente publicada com dados individuais de 1.219 pacientes confirmou a maior taxa de resposta com o esquema infusional em relação ao bolus (22% versus 14%, p = 0,0002) e revelou um modesto, mas significante, ganho de sobrevida (12,1 versus 11,3%, p = 0,04)151. O esquema infusional teve perfil de toxi- cidade mais favorável, exceto pela síndrome mão-pé, mais frequente no esquema IC (34% versus 13%)151. Com conclusão de todos os trabalhos envolvendo o 5-FU, até aqui apresentados, fica claro o benefício de ganho de sobrevida, que foi reforçado por metanáliseque reuniu dados de 7 estudos randomizados com pacientes individuais, demonstrando 35% de redução de morte quando comparado o uso de quimioterapia em relação ao melhor cuidado de suporte clínico152. Como já citado, a biomodulação do 5-FU (com o leu- covorin) e o uso de infusão contínua contribuem para os melhores resultados. Fluoropirimidinas orais Como tentativa de melhora dos resultados obtidos com o 5-FU e considerando o contexto histórico da época, em que o ganho de sobrevida conferido pelo uso infusional da droga151 e pela biomodulação com o leucovorin143 ainda não eram claros no início dos anos 2000, surgem pesquisas com o uso de fluoropi- rimidinas orais, com destaque para a capecitabina e o uracil-tegafur (UFT). A capecitabina trazia a ideia de, além de manter uma exposição prolongada ao 5-FU e ser mais conveniente pela administração por via oral, poder aumentar a concentração do 5-FU pelo fato da conversão da droga ocorrer preferencialmente dentro da célula tumoral, o que foi demonstrado em estudo in vivo153. Nesse cenário, dois estudos de fase III randomiza- dos154,155, com desenho e tamanho da amostra seme- lhantes (cerca de 600 pacientes), foram conduzidos para demonstrar a equivalência da capecitabina (na dose de 2,5 g/m2 ao dia, dividida em duas tomadas diárias, por 14 dias, a cada 21 dias) ao 5-FU em bolus associado ao leucovorin (esquema Mayo). O objetivo primário era a taxa de resposta. Ambos os estudos apontaram equivalência dos esquemas em termos de tempo para progressão e sobrevida mediana global. O estudo conduzido por Van Cutsem E et al mostrou taxas de resposta equivalentes (18,9% versus 15%)155, diferentemente do estudo liderado por Hoff PM et al que revelou maiores taxas de resposta em favor da ca- pecitabina (25,5% versus 11,6%, p = 0,005)154. A análise combinada dos 2 estudos posteriormente confirmou o ganho de taxa de resposta em favor da capecitabina156. Outra f luoropirimidina oral que foi comparada ao 5-FU foi o UFT (combinação de tegafur, uma pró- -droga do 5-FU e a uracila, um inibidor competitivo da dihidropirimidina desidrogenase - DPD). Dois grandes estudos, respectivamente com 816157 e 380158 pacientes, compararam o UFT (300 mg/m2/dia) e leucovorin (75 a 90 mg/dia) administrados por 28 dias, a cada 35 dias ao esquema Mayo clássico. Ambos demonstraram equivalência entre os esquemas, com perfil de toxicidade favorável ao UFT. Oxaliplatina e irinotecano Os avanços conquistados com a quimioterapia no CCRm estimularam a pesquisa de novos quimioterápicos e aqui destacam-se a oxaliplatina e o irinotecano, com resultados que se consolidaram a partir do ano 2000. 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1744 A oxaliplatina, agente da família das platinas, já havia mostrado benefício no CCRm em pequenos estudos de fase II em pacientes virgens ou que já haviam recebido algum tratamento para doença me- tastática, com taxas de resposta variando de 10 a 24% em monoterapia159-161, e de 20 a 50% em combinação com o 5-FU e LV162-164. Com base nesses resultados, um estudo de fase III foi conduzido com o objetivo primário de demonstrar ganho de sobrevida livre de progressão (SLP) da combinação da oxaliplatina (85 mg/m2) ao esquema infusional de 5-FU (5FULV2, já descrito anteriormente150) em primeira linha de CCRm. Essa combinação ficou conhecida como FOLFOX4. Com a inclusão de 420 pacientes, esse estudo demonstrou ganho de SLP (6,0 versus 9,0 meses, p = 0,0003) e me- lhor taxa de resposta (22,3 versus 50,7%, p = 0,0001) para o esquema FOLFOX4. A sobrevida global media- na, embora numericamente favorável à combinação de três drogas (14,7 versus 16,2 meses) não atingiu significância estatística, sendo a hipótese levantada pelos próprios autores a presença de cross-over e de outro tratamento efetivo após a progressão no braço controle. A análise dos dados do estudo mostra que 37% dos pacientes no grupo controle receberam algum outro tratamento após a progressão (com oxaliplatina e/ou irinotecano)165. Os melhores resultados com o FOLFOX4 foram acompanhados de maiores toxicida- des, especialmente neutropenia e diarreia graus 3 e 4 e neuropatia sensorial grau 3. O esquema FOLFOX4 segue como o esquema que normalmente é utilizado nos estudos clínicos comparativos, porém na prática clínica diversas combinações foram estudadas, sendo o mFOLFOX6 o esquema mais comumente utilizado166,167. Na ausência de disponibilidade de bombas de infusão para o 5-FU, estudos de fase II suportam o uso de combinações de oxaliplatina e 5-FU em bolus (Mayo modificado com oxaliplatina, bFOL, NordicFLOX e mFLOX) como alternativas168-171. O uso da oxaliplatina trouxe o problema da neuropa- tia cumulativa. Tentando-se superar isso, os conceitos de tratamento intermitente no CCRm sugiram. Como primeira estratégia, a ideia de se parar a oxaliplatina (continuando apenas o 5-FU), reintroduzindo-a na progressão, foi avaliada no estudo OPTIMOX1. Foram randomizados 620 pacientes em primeira linha para duas estratégias: FOLFOX4, utilizado até a progres- são; ou FOLFOX7, por 6 ciclos, manutenção sem a oxaliplatina por 12 ciclos e reintrodução do FOLFOX7. Em relação à SLP, TR e SGm os braços não diferiram, porém o grupo da manutenção apresentou menores taxas de toxicidades graus 3 e 4 após o sexto ciclo de quimioterapia, validando-se essa possibilidade no tratamento do CCRm ao se utilizar esquemas tipo FOLFOX172. A outra estratégia foi a ideia de parar totalmente a quimioterapia (ideia já investigada anteriormente quando havia apenas o 5-FU, e que se mostrou factível, sem impactar a sobrevida173), avaliada no estudo OPTIMOX2 (agora com esquemas “mais recentes” com 5-FU e oxaliplatina). Nesse pe- queno estudo de fase II randomizado (inicialmente desenhado como fase III, mas que foi alterado devido aos bons resultados com drogas de alvo molecular), em que também se avaliava o papel do uso do celecoxib junto com a quimioterapia, a SLP da estratégia de 6 ciclos de FOLFOX7, sem nenhuma terapia de manu- tenção após, foi inferior ao reportado no OPTIMOX1 em termos de sobrevida global, o que questiona o papel da parada total da quimioterapia174. Hoje em dia a estratégia com quimioterapia de manutenção é a mais aceita, como será visto a seguir. Outra maneira de tentar contornar o problema da neuropatia foi com o uso preventivo, antes e depois da aplicação de oxaliplatina, de infusões de cálcio (Ca) e magnésio (Mg). Estudo francês retrospectivo e não cego, que incluiu pacientes recebendo qui- mioterapia baseada em oxaliplatina, comparou 96 pacientes tratados com infusão de gluconato de cálcio (1 g) e sulfato de magnésio (1 g), antes e depois da oxaliplatina, com 65 pacientes que não receberam essa intervenção. Observou-se menor incidência de neuropatia grau 3 no grupo que recebeu Ca e Mg, sem aparente modificação da eficácia175. O valor de tal estratégia foi avaliado no estudo CONCEPT (Combined Oxaliplatin Neuropathy Prevention Trial) que também estudava o papel da estratégia OPTIMOX1 incorporando-se agora um anticorpo monoclonal à quimioterapia (bevacizumabe, citado abaixo). Na análise interina verificou-se menor taxa de resposta no grupo que recebia Ca e Mg, o que resultou no fe- chamento precoce desse estudo e de outro estudo de fase III (North Central Cancer Treatment Group trial, N04C7), que estudava o efeito de Ca e Mg no cenário adjuvante176. Tal questão permaneceu em debate entre os grupos francês177 e americano176, até a divulgação dos resultados finais dos estudos CONCEPT e N04C7 que confirmaram os efeitos da infusão de Ca e Mg na Seção V | Tum ores Sólidos 1745 prevenção de neuropatia tardia, sem aparentemente comprometer a eficácia da quimioterapia (tendo-se como limitação o menor número de pacientes em relação ao planejado inicialmente, em razão do fecha- mento prematuro dos estudos)178,179. Vale destacar que o estudo CONCEPT reforça a estratégia OPTIMOX1 (coma associação de quimioterapia baseada em oxaliplatina e bevacizumabe), mostrando que a parada apenas da oxaliplatina não compromete a SLP178. Paralelamente ao desenvolvimento da oxaliplatina surgiu o irinotecano, droga da classe das camptote- cinas. O papel do irinotecano como monoterapia no tratamento de primeira linha do CCRm foi demons- trado em diversos estudos de fase II180-183. As taxas de resposta observadas variaram de 17 a 32%. O uso do irinotecano em segunda linha (após falha a 5-FU) também trouxe bons resultados em estudos de fase II181-186, que se confirmaram em dois grandes estudos de fase III187,188. Nesses dois estudos, o irinotecano foi comparado em segunda linha após falha a 5-FU, respectivamente, ao melhor cuidado de suporte clínico e IC de 5-FU. Ambos estudos mostraram ganho de sobrevida (SG1a: 36,2% versus 13,8%, p = 0,0001 e SG1a: 45% versus 32%, p = 0,035, respectivamente). Os resultados favoráveis da droga em primeira e segunda linha metastática (em monoterapia) e estudo de fase I com a combinação ao 5-FU189 motivaram a realização de estudo de fase III em primeira linha metastática. Conduzido por Saltz et al, 683 pacientes com CCRm virgens de tratamento, foram randomizados entre três braços de tratamento: combinação de irinotecano, 5-FU e LV (esquema IFL), esquema Mayo clássico e irinotecano monodroga. O desfecho primário foi SLP. Os resultados foram estatisticamente favoráveis para a combinação (IFL), com melhor SLP (7,0 versus 4,3 versus 4,2 meses), TR (50% versus 28% versus 29%) e SG (14,8 versus 12,6 versus 12 meses, p = 0,04 para IFL) do que os grupos que receberam Mayo e irinotecano isolado (e que apresentaram resultados equivalentes). Interessante é que o benefício de sobrevida global foi observado apesar de 56% do grupo tratado com 5FU e LV ter recebido irinotecano em segunda linha, o que tem impacto comprovado, conforme relatado anteriormente. Em termos de toxicidade, o esquema IFL revelou menores taxas de mucosite, neutropenia e neutropenia febril, porém maior taxa de diarreia grau 3 do que os demais grupos. As taxas de diarreia grau 4 foram semelhantes entre os grupos190. A experiência com o uso de esquemas infusionais como 5FULV2 e os diferentes esquemas de FOLFOX logo trouxeram a ideia de combinar o irinotecano aos esquemas de IC de 5-FU. Estudo que incluiu 387 pacientes em primeira linha de tratamento comparou o esquema 5FULV2 sem e com a adição do irinotecano (esquema conhecido como FOLFIRI). De maneira muito semelhante ao que foi visto com o FOLFOX4, a quimioterapia com FOLFIRI resultou em maiores ta- xas de resposta (49% versus 31%, p < 0,001) e tempo para progressão (6,7 versus 4,4 meses, p < 0,001), com ganho de sobrevida significantemente maior (17,4 versus 14,1 meses, p = 0,031)191. Estratégia de alternar o tratamento com FOLFIRI com períodos de descanso a cada 2 meses parece ser uma alternativa que não traz impactos negativos em sobrevida em ralação ao FOLFIRI contínuo, conforme relatado em estudo randomizado com 336 pacientes192. Tendo as duas opções bem estabelecidas em pri- meira linha (FOLFOX e FOLFIRI), restava a definição do melhor esquema a ser utilizado inicialmente e o esclarecimento do real benefício de utilização desses esquemas em segunda linha. Um estudo randomizado de grande impacto, apesar do relativo pequeno número de pacientes (226), estudou as sequências de FOLFIRI, seguido de FOLFOX6 e FOLFOX6, seguidos de FOLFIRI na progressão. Desenhado com o objetivo primário de avaliar a SLP não houve diferenças entre os gru- pos, porém o que chama mais atenção nesse estudo é a sobrevida global mediana, que foi superior a 20 meses em ambos os grupos (21,5 versus 20,6 meses, p = 0,99) e as taxas de resposta na primeira linha, também semelhantes (56% para FOLFIRI e 54% para FOLFOX). Como análise secundária, TR em segunda linha foi superior para o esquema FOLFOX (15% para FOLFOX e 4% para FOLFIRI)193. Reforçando esses dados, o Gruppo Oncologico dell’Italia Meridionale (GOIM) conduziu um estudo de fase III com um número maior de pacientes para quimioterapia com FOLFIRI ou FOLFOX4, com doses um pouco diferentes do trabalho anterior. Os resultados foram semelhantes, embora com TR (ao redor de 35%) e SG (ao redor de 15 meses) numericamente inferiores ao relatado por Tournigand et al193,194. As diferenças entre os estudos talvez possam ser explicadas por uma maior proporção de pacientes (40%) não terem recebido um regime de segunda linha no estudo italiano. Analisando-se os pacientes que de fato receberam a segunda linha de quimioterapia, 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1746 a SG foi maior nesse subgrupo, aproximando-se dos 20 meses de sobrevida relatados no estudo francês194. Consolida-se então a ideia de que os pacientes que recebem ao longo do tratamento as três drogas (5-FU, oxaliplatina e irinotecano) têm maior sobrevida, o que também foi sugerido pela análise combinada de 7 estudos randomizados de fase III195. A diferença entre os esquemas está no perfil de toxicidade, com mais efeitos adversos gastrintestinais e alopécia com o uso de FOLFIRI, e maiores taxas de trombocitopenia, neurotoxicidade e reações de hipersensibilidade com o uso de FOLFOX. Dois grandes estudos, o FOCUS196 (Fluorouracil, Oxaliplatin, CPT-11: Use and Sequencing) e o CAIRO197 (Capecitabine, Irinotecan, Oxaliplatin) reforçaram a ideia de que melhor sobrevida poderia ser atingida com o uso ao longo do tratamento, de maneira com- binada ou sequencial, das três drogas com eficácia em CCRm (fluoropirimidinas, irinotecano e oxaliplatina). Pacientes que recebiam inicialmente apenas mono- terapia com fluoropirimidina apresentavam menor chance de receber todas as três drogas nas linhas subsequentes, sugerindo que iniciar o tratamento com esquemas combinados poderia trazer melhores resultados, aumentando a chance de exposição do pacientes a todas as drogas ativas. Outras dúvidas importantes que surgiram foram em relação à igualdade de esquemas infusionais tipo FOLFOX com esquemas em bolus como IFL (muito utili- zado na América do Norte), e se havia algum papel entre as combinações entre as duas novas drogas sem o 5-FU (IROX) e com o 5-FU (FOLFOXIRI). Em relação à primeira questão, no estudo N9741 verificou-se inferioridade do IFL em relação ao FOLFOX, com maior toxicidade e menores taxas de resposta (31% versus 45%), tempo para progressão (6,9 versus 8,7 meses) e sobrevida global mediana (15 versus 19,5 meses)198. Mesmo com a redução de doses (esquema rIFL) os resultados inferiores se mantiveram199 e a atualização dos dados em cinco anos confirmou definitivamente200. Ainda no estudo N9741 fica também evidente a inferioridade do esquema IROX (com resultados semelhantes ao IFL), reservando essa combinação como opção para pacientes com doença metastática que não possam receber fluoropirimidinas. Por fim, a administração concomitante das três drogas (FOLFOXIRI) foi ava- liada pelo Gruppo Oncologico Nord Ovest (GONO) em estudo de fase III com 244 pacientes em comparação com FOLFIRI em primeira linha201. Esse estudo incluiu uma população extremamente selecionada (pacientes ECOG 0-2 menores que 70 anos e pacientes ECOG 0 ou 1 quando acima dos 70 anos) e observou uma das maiores taxas de resposta objetiva já relatadas em favor do FOLFOXIRI (41% versus 66%, p = 0,0002), as custas de maior toxicidade hematológica (neutropenia) e neurotoxicidade. A incidência de neutropenia febril não foi diferente entre os dois braços. As taxas de ressecção R0 de metástases hepáticas foram também superiores no grupo de três drogas, tornando essa uma opção quando o objetivo do tratamento da doença metastática incluir a possibilidade de ressecção de metástases ou a necessidade de altas taxas de respos- ta. Os dados de sobrevida também foram favoráveis ao FOLFOXIRI (16,7 meses versus 22,6 meses, p = 0,032)201, o que reforça o papel das três drogas parase atingir SG superior a 20 meses. Deve-se observar que a associação das três drogas em uma população não tão cuidadosamente selecionada e com esquema um pouco diferente de FOLFOXIRI, sem excluir o bolus de 5-FU, não mostrou resultados tão animadores em estudo do Hellenic Oncology Research Group (HORG)202. A análise, posteriormente publicada, do subgrupo de pacientes idosos (>65 anos) revelou resultados inferiores e maiores taxas de toxicidades graus 3 e 4 em relação aos pacientes jovens, mostrando que se trata de um regime indicado para poucos pacientes203. Sendo o 5-FU e capecitabina semelhantes em mo- noterapia156, restava a comprovação da equivalência das associações com oxaliplatina e irinotecano. Em relação à oxaliplatina, os estudos TREE167 e o AIO Colorectal Study Group204 não mostraram diferenças em termos de sobrevida dos esquemas CapeOX e CAPOX quando comparados a mFOLFOX6 e FUFOX (esquemas infusionais), respectivamente. Outro estudo de fase III também revelou semelhança entre as combinações de XELOX e FOLFOX4 em primeira linha de tratamento, com SLP de 8,0 e 8,5 meses e SGm de 19,8 e 19,6 meses, respectivamente205. Metanálise com 3.494 pacientes confirmou a equivalência da capecitabina com o 5-FU quando associados à oxaliplatina em relação à sobrevida global e sobrevida livre de progressão, porém com me- nor taxa de resposta206. Já a associação de capecitabina e irinotecano se mostrou inferior no estudo BICC-C (fase III), com menor SLP e SG e maiores toxicidades graus 3 e 4 (diarreia, desidratação e vômitos) para o esquema CapeIRI em relação ao FOLFIRI207. O estudo Seção V | Tum ores Sólidos 1747 CAIRO também já havia mostrado grande incidência de diarreia graus 3 e 4 para essa combinação197. Com base nesses resultados não se recomenda a associação com capecitabina e irinotecano. Da mesma maneira, associar irinotecano, oxaliplatina e capecitabina como substituição ao FOLFOXIRI, embora com atividade, também não é recomendado, em vista de maiores taxas de toxicidades graves, em especial diarreia208. Em relação ao UFT, as combinações com irinotecano e oxaliplatina também foram avaliadas, embora em um menor número de publicações. Baseadas em estudos fase II, essas combinações são aparentemente efetivas, com taxas de resposta ao redor de 40% e sobrevida mediana semelhante ao observado com o 5-FU209,210. Outra droga, além do UFT, a incorporar o tegafur é o S-1, muito utilizada em países orientais e que se mostrou eficaz em estudo fase II/III em associação ao irinotecano (esquema IRIS) e não inferior ao FOLFIRI em segunda linha de tratamento211. Raltitrexato O raltitrexato, um inibidor direto da timidilato sintetase (TS), foi avaliado em comparação com 5-FU e LV (esquema Mayo) em estudo de fase III em doença avançada, demonstrando resultados equivalentes em termos de sobrevida, tempo para progressão e resposta212. Estudos fase II em combinação com iri- notecano213 e oxaliplatina214,215 mostraram atividade desses esquemas, no entanto, os dados do PETACC-1 em adjuvância sugeriram maior mortalidade com o uso do raltitrexato216, levando à suspenção do estudo. Os melhores resultados com combinações de quimio- terapia baseada em 5-FU, e o surgimento de diversas novas drogas impediram maiores avanços com essa droga. Hoje, se aceita o raltitrexato como opção para pacientes com doença avançada que tenham alguma contraindicação ao 5-FU, como deficiência de DPD ou vasoespasmo coronariano associado ao uso de fluoropirimidinas. Mitomicina-C O uso da mitomicina-C (MMC) no CCRm vem sendo descrito desde os anos 60217. A maioria dos estudos mais recentes com essa droga foi conduzida pelos ingleses do Royal Marsden Hospital, liderados pelo doutor David Cunningham. Embora existam relatos em séries mais antigas de taxas de resposta de até 23%218, dados mais atualizados mostraram 0% de resposta em pacientes refratários à 5-FU, sem qual- quer impacto em sobrevida219. A associação de MMC e 5-FU em primeira linha trouxe benefício, com maior taxa de resposta e maior tempo para falha ao trata- mento, sem ganho de sobrevida218. A associação de MMC e 5-FU infusional para pacientes que já haviam recebido 5-FU trouxe taxas de resposta de 12,5% e 9,7%, com benefício clínico (pacientes com alguma resposta e doença estável) de 42% e 35,5% em dois estudos distintos220,221. Devido à eficácia com a associação MMC e 5-FU infu- sional, surgiu o interesse em pesquisar a substituição do 5-FU pela capecitabina. Em primeira linha, essa combinação mostrou-se eficaz, com taxa de resposta de 38% e estabilização da doença em mais 33,3% dos pacientes, tornando-se uma opção aceitável em caso de indisponibilidade de oxaliplatina e irinotecano222. Em terceira linha, tal esquema, após o uso de 5-FU, oxaliplatina e irinotecano, mostrou 15,2% de taxa de resposta e SGm de 9,3 meses em 36 pacientes tratados. Trata-se de um resultado interessante, mas que deve ser visto com cautela, em razão do pequeno número de pacientes, provavelmente muito bem selecionados, e dos resultados nulos de resposta reportados nesse mesmo cenário com a MMC219 e capecitabina223,224 administradas isoladamente, bem como os resultados desanimadores reportados em série retrospectiva com 28 pacientes, com apenas 4% de taxa de resposta da associação MMC e capecitabina225. Recente análise retrospectiva multicêntrica com 109 pacientes tratados com mitomicina, a maioria recebendo a droga em 3ª ou mais linhas de tratamento (42% em monoterapia e 58% em combinação, a maior parte com fluoropirimidina), demonstrou melhora sintomática em 12% dos casos, porém com TR radiológica de 0% e SG mediana de 4,6 meses, muito semelhante aos 4,5 meses observados em pacientes, nesse mesmo cenário, tratados apenas com medidas de suporte226. Frente esses dados, deve- -se questionar se há realmente papel dessa droga em tratamento de 3ª linha ou posterior. Por fim, em primeira linha, recentemente estudo de fase III não mostrou benefício da adição de MMC à esquema mais atual contendo capecitabina e uma droga antiangiogênica (anti-VEGF)227. Drogas de alvo molecular Um grande passo no avanço do tratamento do câncer foi dado com as teorias de angiogênese e te- 12 3 | Tu m or es d o Có lo n 1748 rapia antiangiogênica propostas pelo doutor Judah Folkman, em 1971228,229. Desde então diversas drogas de alvo molecular, não apenas com ação antiangio- gênica, mas também com ações em receptores de membrana celular e em outras proteínas (como as tirosina-quinases), foram desenvolvidas, em especial no câncer colorretal. Terapia direcionada contra o VEGF A primeira dessas drogas aprovadas para o trata- mento do CCRm foi o bevacizumabe (BEV), anticorpo monoclonal dirigido contra o fator de crescimento endotelial vascular ou VEGF (vascular endothelial growth factor). Estudo de fase II em CCRm mostrou que, quando adicionado à quimioterapia com 5-FU, o bevacizumabe resultou em maiores taxas de reposta, tempo para progressão e sobrevida global mediana em relação ao 5-FU isolado230. Publicada posteriormente, a análise combinada dos resultados desse e de mais dois estudos (incluindo cerca de 240 pacientes em cada braço) revelou que a adição do BEV ao 5-FU e LV (em bolus) trazia maior sobrevida global mediana (17,9 versus 14,6 meses, p = 0,008), maior sobrevida livre de progressão (5,6 versus 8,8 meses, p < 0,0001) e maior taxa de reposta (24,5 versus 34,1%, p = 0,019) em relação ao grupo sem o uso do anticorpo231. O primeiro estudo fase III com o uso de bevacizu- mabe em CCRm foi publicado em 2004. Inicialmente, composto por três grupos (IFL com e sem BEV e 5-FU/ LV com BEV), após a primeira análise interina o braço sem irinotecano foi abandonado, pois as combinações com irinotecano se mostraram seguras. Com cerca de 400 pacientes em cada braço, observou-se ganho de sobrevida nos pacientes que receberam o BEV (15,6 versus 20,3 meses, p < 0,001).
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