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O FENÔMENO DA ALIENAÇÃO 
 Waldemar Milanez 
 
 “Nós vos pedimos com insistência: 
 Nunca digam - Isso é natural! 
 Diante dos acontecimentos de cada dia. 
 Numa época em que reina a confusão 
 Em que corre o sangue, 
 Em que o arbitrário tem força de lei, 
 Em que a humanidade se desumaniza... 
 Não digam nunca: Isso é natural! 
 A fim de que nada passe por ser imutável.” 
 
 Bertold Brecht 
 
A um grupo de alunos foi perguntado o que é que eles entendiam pela afirmação: Fulano 
é alienado. A resposta imediata foi: Significa que é um sujeito de poucas informações, que 
está por fora de tudo o que acontece. 
 
Esta resposta, evidentemente, repousa no senso comum, mas é a partir dela que 
desenvolveremos a reflexão sobre a questão da alienação, pois como afirma Aranha e 
Martins: “O senso comum precisa ser transformado em bom senso, este entendido como 
a elaboração coerente do saber e como explicação das intenções conscientes dos 
indivíduos livres. Segundo o filósofo Gramsci, o bom senso é o núcleo sadio do senso 
comum.”1 
 
Na resposta do aluno fica evidente que um sujeito é alienado na medida em que não 
tenha o número suficiente de informações para estar por dentro do que acontece. Ora, na 
era da informação, com tantas informações veiculadas pelos diferentes meios e pelas 
quais somos bombardeados cotidianamente, somos levados a concluir que alienados são 
os que estão fora do alcance dessas informações maciçamente veiculadas. 
 
É necessário fazer uma distinção entre conhecimento e informação. “Desde a nossa 
perspectiva, a geração de dados não estruturados não conduz automaticamente à criação 
de informação, e nem toda a informação pode ser equiparada a conhecimento. Toda 
informação pode ser classificada, analisada e refletida e processada de várias maneiras 
para gerar conhecimento.”2 A informação é essencial para a construção do conhecimento, 
mas a informação por si só não permite uma melhor compreensão e explicação da 
realidade. Isto só é possível se as informações forem processadas, interligadas em novas 
estruturas constitutivas de conhecimento. 
 
Desta forma afirma-se que o fenômeno da alienação vai para além da questão de possuir 
ou não possuir informações. Mesmo porque, se isto fosse verdade, ele não ocorreria nas 
classes sociais mais informadas, que tem acesso fácil aos diferentes meios de 
comunicação. Ora, sabemos que não existe informação neutra, notadamente as 
 
1 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Martins. Filosofando – Introdução à 
Filosofia. São Paulo: Moderna. 1993. p. 129 
2 ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, Vozes. 
1998. p.49 
 
veiculadas na mídia, elas revestem-se de fortes conotações ideológicas e a função da 
ideologia é de ocultar a realidade. Assim pode ocorrer que, quanto mais informações o 
indivíduo possua, mais alienado ele seja. Por outro lado, a resposta dada revela a 
essência da alienação que é “estar por fora” sentir-se alheio. O termo se origina 
etimologicamente de alienare, alienus que significa “que pertence a outro” – o outro em 
latim é alius. Desta forma, alienar é tornar alheio e transferir para outro o que é seu. 
Portanto afirmar que um indivíduo é alienado é dizer que as informações que possui não 
são suficientemente articuladas para permitir a construção do conhecimento necessário 
para a compreensão e explicação da realidade em que está inserido. Isto não está no seu 
controle, portanto pertence a outro, alguém alheio que não é ele. 
 
O certo é que, no conceito de alienação, está sempre presente a perda de algo que lhe 
pertence e passa a pertencer a outro, alguém que é alius, alheio. Observemos como isto 
fica claro nos exemplos dados sobre os vários significados de alienação. 
 
No Direito: Alienação significa a perda do usufruto ou da posse de um bem ou direito. Por 
exemplo, no caso da compra de um carro, recomenda-se que o mesmo não esteja 
alienado. 
 
Na Psicologia: Alienação significa perda do controle por parte do indivíduo das próprias 
faculdades mentais. O indivíduo perde a lucidez, é identificado como louco. O médico 
especialista em alienados mentais é chamado de alienista. 
 
Na Política: No conceito de democracia o poder pertence ao povo, mas como as nossas 
democracias são representativas, o poder passa a pertencer aos representantes. “Para 
Rousseau a soberania do povo é inalienável, isto é, pertence somente ao povo, que não 
deve outorgá-la a nenhum representante. Devendo ele próprio exercê-la. É o ideal da 
democracia direta.”3 
 
Na Religião: O homem, ao buscar o transcendente, encontra-se profundamente consigo 
mesmo. Isto não acontece no fenômeno da idolatria que caracteriza a sociedade 
moderna. “Para Feuerbach alienação religiosa consiste no processo antropomórfico 
segundo qual o homem projeta no céu a sua própria imagem idealizada. Não foi Deus que 
criou o homem; ao contrário foi o homem que criou Deus. Mas ao adorar esse Deus 
projetado por ele mesmo o homem religioso se despersonaliza, não mais se pertence, se 
aliena.”4 
 
No senso comum: Considera-se alienado todo indivíduo que demonstra total desinteresse 
por assuntos importantes para a vida em sociedade como questões políticas e sociais. É 
como se estas questões não lhe dissessem respeito e ele se sente incapaz de participar 
delas. 
 
Assim o conceito de alienação é marcado por forte polissemia e, no uso comum, serve 
para indicar múltiplas alienações, o que, de certa forma, desvaloriza a utilização do 
conceito no discurso científico por ser pouco preciso. No entanto, a noção de alienação 
possui uma dimensão crítica humanista, que a ciência não consegue apreender, pois 
assinala fundamentalmente um fenômeno dos tempos modernos e sua base é a 
pretensão do sujeito à emancipação, posição histórica da subjetividade ocidental que 
 
3 Aranha e Martins. Obra citada, p.12 
4 Idem. p 
tormentosamente oscila, em equilíbrio sempre precário, entre a auto-afirmação e a 
oposição a si mesmo, aos outros e à natureza e a propósito de problemas econômicos, 
políticos, éticos, psicológicos etc. 
 
“Alienação é o fenômeno pelo qual os homens criam ou produzem alguma coisa, dão 
independência a esta criatura como se ela existisse por si mesma e em si mesma, 
deixam-se governar por ela como se ela tivesse poder em si mesma, não se reconhecem 
na obra que criaram, fazendo um ser, outro, separado dos homens, superior a eles e com 
poder sobre eles”5 
 
Vejamos isto mais de perto analisando o trabalho humano. A rigor, se é trabalho só pode 
ser humano. A expressão “trabalho humano” seria uma redundância, pois o Homem é o 
único animal que trabalha, os demais animais não produzem sua própria existência, 
apenas a conservam agindo instintivamente. O homem é um ser que trabalha e produz o 
mundo e a si mesmo. Ou seja, através do trabalho, ao mesmo tempo que transforma a 
natureza, adaptando-a às necessidades humanas, o homem se altera a si próprio 
desenvolvendo suas faculdades. Isto significa que, pelo trabalho, o homem se auto- 
produz. Enquanto o animal permanece sempre o mesmo na sua essência já que repete 
os gestos comuns a espécie, o homem muda as maneiras pelas quais age sobre o 
mundo, estabelecendo relações também mutáveis, que por sua vez alteram a maneira de 
perceber, de pensar e de sentir. 
 
No belíssimo poema de Vinícius de Moraes “O operário em construção” encontramos esta 
passagem: “Mas ele desconhecia / este fato extraordinário: / Que o operário faz a coisa / 
e a coisa faz o operário.” O filósofo personalista Mounier afirmava: “Todo trabalho trabalha 
para fazer um homem ao mesmo tempo que umacoisa.”6 Desta forma poderíamos 
afirmar que quem não trabalha não pertence ao mundo dos humanos pois é através do 
trabalho que somos capazes de transcender, de superar os determinismos da natureza, 
de transformá-la. A transcendência é propriamente liberdade. Por isso a liberdade não é 
alguma coisa que é dada ao homem, mas o resultado de uma ação transformadora sobre 
o mundo. Nesse sentindo é sempre uma conquista. 
 
Mas, apesar do trabalho ter todo esse lado positivo, historicamente está ligado a uma 
visão negativa, visão essa muito bem observada por Karl Marx ao fazer a crítica a Hegel, 
dizendo que este possuía uma visão otimista do trabalho pelo fato de ter sido incapaz de 
identificar o fenômeno da alienação. Sim, porque uma coisa é o trabalho, por exemplo, de 
um agricultor autônomo, que decide plantar, prepara a terra, escolhe as sementes e as 
plantas, acompanha o desenvolvimento cuidando, colhe os frutos para alimentar-se e 
partilhar com o grupo a que pertence. Esta é uma situação de trabalho humanizante, de 
realização plena. Outra realidade é o trabalho no sistema capitalista, onde seu trabalho é 
uma mercadoria que se vende por um salário que está sob a lei do mercado, a lei da 
oferta e da procura (é bom que se diga que historicamente a oferta é sempre maior que a 
procura) onde você não decide o que vai fazer, nem quando, nem onde, nem como. Não 
é dono do que faz, pois isso pertence a outro. “Nessa negação de si você se transformou 
na coisa que você produz, você passa a ser a coisa e a coisa passa a ser você. O seu 
produto rompido, separado da existência do produtor, passa a ter vida independente; por 
outro lado você produtor se transforma em mercadoria igual à qual foi vendida na loja.”7 
 
5 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática . 1994. p.170 
6 Aranha e Martins. Obra citada, p. 9 
7 CODO, Wanderly. O que é Alienação. São Paulo, Brasiliense. 1995. Coleção Primeiros passos.p.30 
A diferença entre as duas formas de trabalho é evidente. No entanto, vende-se a idéia de 
que o contrato de trabalho é um livre acordo. Mas desde o momento em que não se 
escolhe o que fazer, nem o horário, nem o ritmo de trabalho, na realidade se submete a 
um comando alheio à sua consciência e que, na maioria das vezes, não é representado 
pelas pessoas mas pelas próprias relações de produção. Este fenômeno Karl Marx 
identifica como Fetichismo da mercadoria e reificação do trabalhador. 
 
“O fetichismo é o processo pelo qual a mercadoria, ser inanimado, é 
considerada como se tivesse vida, fazendo com que os valores de troca se 
tornem superiores aos valores de uso e determinem as relações entre os 
homens, e não vice-versa. Ou seja, a relação entre os produtores não aparece 
como sendo relação entre eles próprios (relação humana), mas entre os 
produtos do seu trabalho. Por exemplo, as relações não são entre alfaiate e 
carpinteiro, mas entre casaco e mesa. A mercadoria adquire valor superior ao 
homem, pois privilegiam-se as relações entre coisas, que vão definir relações 
materiais entre pessoas. Com isso, a mercadoria assume formas abstratas (o 
dinheiro, o capital) que, em vez de serem intermediárias entre indivíduos, 
convertem-se em realidades soberanas e tirânicas”8 
 
De fato, a soberania destas realidades torna-se visível no fato de que elas, que são 
simples meios, tornam-se fins e passam a ocupar o destino do homem. E o homem então 
torna-se o meio e vai ser mobilizado existencialmente para alcançar estes fins. E isto 
passa a ser visto como um processo natural, e normalmente poderíamos considerar 
alienados mentais, loucos, todos aqueles que tentassem ver algo diferente, ou seja, 
imaginar que esta realidade poderia ser diferente. Este é o fenômeno da naturalização, 
que é uma característica da ideologia para manter as coisas como estão. 
 
Assim, o dinheiro, o capital, enfim as exigências do mercado determinam as finalidades 
da vida humana. O trabalho então deixa de ser uma finalidade e passa a ser um meio 
para acumular dinheiro. Para isto é preciso aumentar a produção e então descobre-se 
que a produção em grande escala só é possível com a fragmentação do trabalho. A 
divisão de trabalho mostrou sua eficiência definitivamente no início do século XX quando 
Henry Ford introduziu o sistema de linha de montagem na indústria automobilística. 
Sucesso absoluto, o fordismo provou que, na prática, se a finalidade é o aumento de 
produção, deve-se alterar o meio, que é o trabalho, e reorganizá-lo em função desta 
finalidade. 
 
A inteligência humana então põe-se a serviço desta nova realidade, surgem estudos 
científicos que buscam a fundamentação teórica que legitima a fragmentação do trabalho. 
No livro Princípios de administração científica, Frederick Taylor apresenta os parâmetros 
necessários de racionalização científica para o aumento da produtividade, economia de 
tempo. O Taylorismo é a fundamentação científica que legitima ideologicamente a 
fragmentação do trabalho, que doravante não será mais questionado, pois que 
cientificamente comprovado ser mais eficiente. 
 
“Taylor parte do princípio de que o trabalhador é indolente, gosta de ‘fazer cera’ 
e usa os movimentos de forma inadequada. Observando seus gestos, 
determina a simplificação deles, de tal forma que a devida colocação do corpo, 
dos pés e das mãos possa aumentar a produtividade. Também a divisão e o 
parcelamento do trabalho se mostra importante para a simplificação e maior 
rapidez do processo. São criados cargos de gerentes especializados em treinar 
 
8 Aranha e Martins. O. cit. P. 12 
operários, usando cronômetros e depois vigiando-os no desempenho de suas 
funções. Os bons funcionários são estimulados com recompensas, os 
indolentes, sujeitos a punições. Taylor tentava convencer os operários de que 
tudo isso era para o bem deles, pois, em última análise, o aumento da produção 
reverteria em benefícios também para eles, gerando a sociedade da 
opulência.”9 
 
Seria por acaso loucura afirmarmos que Taylor parte do princípio de que o trabalhador é 
humano e, para a eficiência da produção, ele precisaria robotizar-se, desenvolver gestos 
mecanicamente programados, em outras palavras, mudar a sua natureza humana, 
esquecer de si, abdicar de sua individualidade, abandonar o mundo do ser e ingressar 
definitivamente no mundo do ter? Sim, porque no mundo em que vive ele não será 
reconhecido pelo que é e sim pelo que tem. Charles Chaplin foi capaz de perceber este 
homem esquizofrênico, reduzido a gestos mecânicos, imagem de sua ação produtiva, no 
clássico filme “Tempos Modernos”. 
 
A alienação, neste sentido, nos acompanha estruturalmente e, evidentemente, ela estará 
presente em outros momentos da nossa existência. Por isso é ela que se manifesta nos 
diferentes momentos de nossa vida cotidiana. Será então que o nosso lazer é alienado? 
Será que o nosso consumo é alienado? Reflita. Existe uma questão que nos angustia... 
Como romper com esta alienação? Basta tomar consciência? Ou tudo isto é uma grande 
loucura e, a exemplo de Erasmo, a ela devemos tecer elogios, por nos garantir um 
mínimo de salutar insanidade?10 
 
Hegel, na dialética relação do Senhor e Escravo, afirma que o escravo, por trabalhar, 
produz a própria identidade e adquire a consciência. No poema de Vinicius de Morais este 
momento é assim descrito: “De forma que, certo dia, / à mesa, ao cortar, o pão / o 
operário foi tomado / de uma súbita emoção / ao constatar assombrado / que tudo 
naquela mesa / - garrafa, prato, facão / era ele quem os fazia / ele, um humilde operário, 
/ um operário em construção. / Olhou em torno: / gamela, banco, enxerga, caldeirão, / 
vidro, parede, janela, casa, cidade, nação! / Tudo, tudo o que existia / era ele quem o 
fazia / ele, um humilde operário/ um operário que sabia / exercer a profissão”11 
 
Esta tomada de consciência permite que o homem se reconheça no que ele faz e ele se 
humaniza. Ele deixa de ser coisa e descobre-se como ser humano e o poeta continua: 
“Ah! Homens de pensamento / não sabereis nunca / o quanto aquele humilde operário / 
soube naquele momento! / Naquela casa vazia / que ele mesmo levantara / um mundo 
novo nascia / de que sequer suspeitava. / O operário emocionado / olhava sua própria 
mão / sua rude mão de operário / de operário em construção. / E olhando bem para ela / 
teve um segundo a impressão / de que não haveria no mundo / coisa que fosse mais 
bela./ Foi dentro da compreensão / desse instante solitário / que, tal sua construção / 
cresceu também o operário. / Cresceu em alto e profundo / em largo e no coração / e 
como tudo o que cresce / ele não cresceu em vão / pois além do que sabia / - exercer a 
profissão -/ o operário adquiriu uma nova dimensão / a dimensão da poesia”.12 
 
 
9 Idem. P.13 
10 ROTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. Rio de Janeiro,s/d, Edições de Ouro 
11 MORAIS, Vinicius de. Novos Poemas (II)Rio de Janeiro . São José .1959. 
 “O operário em construção” é o último poema da obra – disponibilizado no site oficial de Vinicius de 
Morais: http://www.viniciusdemoraes.com.br/ 
12 Idem 
O poeta aqui é a identificação do humano. No mundo mecânico, padronizado, ser poeta é 
ser diferente. Otto Lara afirma: “Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse 
o poeta. Um poeta é só isto: o modo de ver. O diabo é que de tanto ver, a gente banaliza 
o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem 
ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta 
curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio. (...) Uma criança vê o que 
o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é 
capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê.”13 
 
A partir deste novo olhar, tudo muda, muda o homem e mudam suas relações, pois 
quando o trabalhador é humanizado pelo trabalho, descobre a própria identidade e 
humaniza as relações. “E um fato novo se viu / que a todos admirava: / O que um 
operário dizia / outro operário escutava. E foi assim que o operário / do edifício em 
construção / que sempre dizia sim / começou a dizer não. / E aprendeu a notar coisas / a 
que não dava atenção”. 
 
Quem é esse novo homem que surge? Um sábio ou um louco? Erasmo de Roterdam 
afirma não existir nenhuma diferença entre os sábios e os loucos, a não ser que estes 
últimos são mais venturosos. Quanto aos “sábios são em número tão reduzido que nem 
se deve se perder em discorrer sobre eles e eu gostaria de saber mesmo se se pode 
descobrir algum.” (Roterdam, 2003, p.96). E não é loucura o que este operário fez? 
Recusar as vantagens de uma vida sem preocupações, tranquila? Recusar aquilo para o 
qual tantos, por tanto tempo, ao longo de toda a história, despenderam seus esforços? E 
tudo para poder afirmar com todo o vigor e veemência a recuperação de sua identidade 
humana e dizer em bom tom: “  Mentira!  disse o operário / não podes dar-me o que é 
meu.” (Morais, 1959) 
 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. São Paulo, Brasiliense. 1994. Coleção 
Primeiros passos. 
__________ Convite à Filosofia. São Paulo, Ática . 1994. 
CODO, Wanderly. O que é Alienação. São Paulo, Brasiliense. 1995. Coleção 
Primeiros passos. 
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Martins. Filosofando – 
Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna. 1993 
ROTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. Rio de Janeiro,s/d, Edições de Ouro 
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente. 
Petrópolis, Vozes. 1998 
MORAIS, Vinicius de. Novos Poemas (II)Rio de Janeiro. São José .1959. 
 “O operário em construção” é o último poema da obra – disponibilizado no site 
oficial de Vinicius de Morais: http://www.viniciusdemoraes.com.br/ 
RESENDE, Otto Lara de. Vista cansada. Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, 
edição de 23 de fevereiro de 1992. http://www.releituras.com/olresende_vista.asp 
 
13 Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992. 
http://www.releituras.com/olresende_vista.asp 
 
 
 
 
 
 
 
LEITURA COMPLEMENTAR 
 
O ANALFABETO POLÍTICO 
 
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, não participa dos 
acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, 
da farinha, do sapato e do remédio depende decisões políticas. 
O ANALFABETO POLÍTICO É TÃO BURRO QUE SE ORGULHA E ESTUFA O PEITO, 
DIZENDO QUE ODEIA A POLÍTICA. 
Não sabe que de sua ignorância nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e 
o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o explorador 
das empresas nacionais e multinacionais. 
 ( Bertold Brecht. 1898-1956 ) 
 
 
 
 Antologia poética. O analfabeto Político: http://www.culturabrasil.pro.br/brechtantologia.htm 
Quadro brasileiro premiado em Cannes. 
 
 
 
O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO 
Vinícius de Morais  
 
 
 Peça “Favela”- Do Instituto Akatu, produzida pela agência de publicidade Leo Burnett e ganhadora do 
Cannes de Ouro 2004. http://www.akatu.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm 
 MORAIS, Vinicius de. Novos Poemas (II)Rio de Janeiro . São José .1959. 
 “O operário em construção” é o último poema da obra – disponibilizado no site oficial de Vinicius de 
Morais: http://www.viniciusdemoraes.com.br/ 
Era ele que erguia casas 
Onde antes só havia chão. 
Como um pássaro sem asas 
Ele subia com as casas 
Que lhe brotavam da mão. 
Mas tudo desconhecia 
De sua grande missão: 
Não sabia, por exemplo, 
Que a casa de um homem é um templo 
Um templo sem religião 
Como tampouco sabia 
Que a casa que ele fazia 
Sendo a sua liberdade 
Era a sua escravidão. 
 
De fato, como podia 
Um operário em construção 
Compreender por que um tijolo 
Valia mais do que um pão? 
Tijolos ele empilhava 
Com pá, cimento e esquadria 
Quanto ao pão, ele comia... 
Mas fosse comer tijolos! 
E assim o operário ia 
Com suor e com cimento 
Erguendo uma casa aqui 
Adiante um apartamento 
Além uma Igreja, à frente 
Um quartel e uma prisão: 
Prisão de que sofreria 
Não fosse, eventualmente, 
Um operário em construção. 
 
Mas ele desconhecia 
Este fato extraordinário: 
Que o operário faz a coisa 
E a coisa faz o operário. 
De forma que, certo dia, 
À mesa, ao cortar, o pão 
O operário foi tomado 
De uma súbita emoção 
Ao constatar assombrado 
Que tudo naquela mesa 
Garrafa, prato, facão 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela, 
Banco, enxerga, caldeirão, 
Vidro, parede, janela, 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão. 
 
Ah! Homens de pensamento 
Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhava sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção. 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não haveria no mundo 
Coisa que fosse mais bela.Foi dentro da compreensão 
Desse instante solitário 
Que, tal sua construção 
Cresceu também o operário. 
Cresceu em alto e profundo 
Em largo e no coração 
E como tudo o que cresce 
Ele não cresceu em vão 
Pois além do que sabia 
Exercer a profissão  
O operário adquiriu 
Uma nova dimensão 
A dimensão da poesia. 
 
E um fato novo se viu 
Que a todos admirava: 
O que o operário dizia 
Outro operário escutava. 
E foi assim que o operário 
Do edifício em construção 
Que sempre dizia sim 
Começou a dizer não. 
E aprendeu a notar coisas 
A que não dava atenção. 
 
Notou que sua marmita 
Era o prato do patrão 
Que sua cerveja preta 
Era o uísque do patrão 
Que seu macacão de zuarte 
Era o terno do patrão 
Que o casebre onde morava 
Era a mansão do patrão 
Que seus dois pés andarilhos 
Eram as rodas do patrão 
Que a dureza do seu dia 
Era a noite do patrão 
Que sua imensa fadiga 
Era amiga do patrão. 
 
E o operário disse: não! 
E o operário fez-se forte 
Na sua resolução. 
 
Como era se esperar 
As bocas da delação 
Começaram a dizer coisas 
Aos ouvidos do patrão. 
Mas o patrão não queria 
Nenhuma preocupação 
 “Convençam-no” do contrário  
Disse ele sobre o operário 
E ao dizer isso sorria. 
 
Dia seguinte, o operário 
Ao sair da construção 
Viu-se súbito cercado 
Dos homens da delação 
E sofreu, por destinado 
Sua primeira agressão. 
Teve seu rosto cuspido 
Teve seu braço quebrado 
Mas quando foi perguntado 
O operário disse: Não! 
 
Em vão sofrera o operário 
Sua primeira agressão 
Muitas outras se seguiram 
Muitas outras seguirão 
Porém, por imprescindível 
Ao edifício em construção 
Seu trabalho prosseguia 
E todo seu sofrimento 
Misturava-se ao cimento 
Da construção que crescia. 
 
Sentindo que a violência 
Não dobraria o operário 
Um dia tentou o patrão 
Dobrá-lo de modo vário. 
De sorte que foi levando 
Ao alto da construção 
E num momento de tempo 
Mostrou-lhe toda a região 
E apontando ao operário 
Fez-lhe esta declaração: 
 dar-te-ei todo esse poder 
e a sua satisfação 
por que a mim me foi entregue 
e dou-o a quem bem quiser 
dou-te tempo de lazer 
dou-te tempo de mulher. 
Portanto tudo o que vês 
Será teu se me adorares 
E, ainda mais, se abandonares 
O que te fez dizer não. 
 
Disse, e fitou o operário 
Que olhava e que refletia 
Mas o que via o operário 
O patrão nunca veria. 
O operário via as casas 
E dentro das estruturas 
Via coisas, objetos 
Produtos, manufaturas. 
Via tudo o que fazia 
O lucro do seu patrão 
E em cada coisa que via 
Misteriosamente havia 
 A marca de sua mão 
E o operário disse: não! 
 Loucura!  gritou o patrão 
Não vês o que te dou eu? 
 Mentira!  disse o operário 
não podes dar-me o que é meu. 
 
E um grande silêncio fez-se 
Dentro do seu coração 
Um silêncio de martírios 
Um silêncio de prisão 
Um silêncio povoado 
De pedidos de perdão 
Um silêncio apavorado 
Como o medo em solidão. 
 
Um silêncio de torturas 
E gritos de maldição 
Um silêncio de fraturas 
A se arrastarem no chão 
 
E o operário ouviu a voz 
De todos os seus irmãos 
Os seus irmãos que morreram 
Por outros que viverão. 
Uma esperança sincera 
Cresceu em seu coração 
E dentro da tarde mansa 
Agigantou-se a razão 
De um homem pobre e esquecido 
Razão porém que fizera 
Em operário construído 
O operário em construção.

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