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128 Unidade III Unidade III 7 DIREITO ADMINISTRATIVO 7.1 Noções introdutórias de direito administrativo O direito administrativo, corolário do direito de estado, regula as relações ou os vínculos entre os particulares e a administração pública ou os poderes públicos, inclusive com sintética abordagem dos atos administrativos (espécie do gênero ato jurídico) e dos tipos de licitação (procedimentos) que, obrigatoriamente, antecedem os contratos administrativos. O direito administrativo é um ramo do direito público que estuda a administração pública. Segundo Führer e Milaré (2004, p. 110), “direito administrativo é o conjunto de normas que regem a administração pública”. Outra definição que merece destaque é a de Di Pietro (1991, p. 46): O direito administrativo como o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública. As disposições gerais da Seção I (art. 37 ao art. 38 da CF), Capítulo VII, Da Administração Pública (art. 37 ao art. 43 da CF), Título III, Da Organização do Estado (art. 18 ao art. 43 da CF), estatuem matéria de ordem principiológica regente da administração pública. Internamente, o Estado brasileiro se submete a esse conjunto de normas, as quais se dão como verdadeira garantia do administrado contra os desmandos dos administradores. Diferem das normas constitucionais porque não organizam propriamente o Estado, mas sim o modo de administração de cada um dos poderes da República. Assim, há um direito administrativo que vincula o executivo, o legislativo e o judiciário. Cada um desses poderes possui um representante que o exerce, no caso, respectivamente, no âmbito da União: o presidente, o Congresso Nacional – Senado e Câmara dos Deputados – e os Juízos Federais, os Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Cada uma desses poderes, entretanto, possui órgãos que necessitam de administração para que possam alcançar sua finalidade. Esta pode ser considerada a administração pública, em sua totalidade. O presidente, por exemplo, organiza a administração do país e do poder executivo distribuindo uma série de tarefas para seus ministros. Cada ministro, por sua vez, divide seu ministério em uma série de órgãos, 129 INSTITUIÇÕES DE DIREITO cada qual com uma competência administrativa. O Congresso Nacional e os Tribunais de Justiça, por meio de seus regimentos internos, organizam-se administrativamente. A função da administração é típica do poder executivo, uma vez que é o chefe do executivo que efetivamente administra o território da Federação, dos Estados e dos Municípios. Isso, no entanto, não significa, como exposto, que os outros poderes não necessitem desempenhar uma administração interna, ou seja, seguir regras para a organização dos órgãos que a compõem. Vejamos um exemplo para ilustrar a questão. O poder executivo, em sua função de administrar, deve decidir como gastar o orçamento público com estradas; mas também deve decidir como se organizarão seus órgãos, como se dividirão ao longo do território e como serão abastecidos de materiais para operar (computadores, veículos etc.). O poder judiciário, ainda que tenha por função julgar, também precisa administrar seus órgãos (quando será necessário contratar mais servidores, como distribuir os Juízos pelas comarcas etc.). Tudo isso é competência administrativa interna do poder judiciário. Por último, o poder legislativo também necessita se organizar internamente, ainda que sua função primária seja legislar. Assim, para fazer leis, é preciso que cada parlamentar tenha assessores que os ajudem nas decisões acerca de votar a favor ou contra a sua promulgação. São necessários também instrumentos para a votação (cadeiras, mesas, matérias para os gabinetes etc.). Por administração ou administração pública pode-se entender tanto o sujeito de direito, pessoas jurídicas de direito público – o titular do interesse coletivo, público e indeterminado o sujeito, e inclusive a figura do sujeito coletivo sempre alcançam a noção de cidadão ou usuário do serviço público, que a reboque da Emenda Constitucional n. 19 (BRASIL, 1998) perpassa o conceito jurídico de consumidor, bem como de destinatário final da função ou do serviço –, quanto as funções e os serviços, compreendida a noção da perene oferta de serviço público e de funcionamento estatal, pois o titular da soberania é o povo. O art. 27 da Emenda traz a seguinte informação: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação desta Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos”. Existe uma diferenciação entre os órgãos e as entidades da administração pública, que são os agentes que vão executar os atos em nome do Estado, para a manutenção da sociedade. É o que se chama de organização da administração pública. Isso porque o exercício da atividade administrativa pelos órgãos da própria pessoa política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) é realizado pela administração pública centralizada. Já os órgãos públicos são centros de competência instituídos para exercer a função administrativa; são partes integrantes da pessoa jurídica, razão pela qual não possuem personalidade jurídica. Para ficar mais claro, seguindo as lições de Costa (2013), a Lei n. 9.784 (BRASIL, 1999), em seu art. 1, § 2, considera o órgão como a unidade de atuação integrante da estrutura da administração direta e da estrutura da administração indireta; a entidade, como a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica; e, por fim, a autoridade, como o servidor ou agente público dotado de poder de decisão. Desse modo, órgãos que integram a estrutura de uma pessoa jurídica não possuem personalidade jurídica e patrimônio próprio e são resultado de desconcentração. 130 Unidade III - Autarquia - serviço antônomo: Bacen, Anatel - Empresa Pública - pessoa jurídica de direito privado (capital exclusivamente público) - BNDES e Correios - Fundação Pública - PJ direito privado - IBGE - Sociedade de economia mista - S/A de capital aberto + 50% das Ordinárias sejam do Estado. - União - Estados - Distrito Federal - Municípios In di re ta Di re ta Figura 27 – Organização da Administração Pública Na figura anterior, o que nos parece mais importante destacar é a presença das sociedades de economia mista, que é disciplinada pelo Decreto-lei n. 200 (BRASIL, 1967) e pelo Decreto-lei n. 900 (BRASIL, 1969). No texto constitucional, o legislador faz referência à sociedade de economia mista para estabelecer que, quando for utilizada para explorar a atividade econômica, deve operar sob as mesmas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (art. 173, § 1), e sujeitar o seu pessoal à proibição de acumulação de cargos, funções ou empregos (art. 37, XVII). Como instrumento de descentralização de atividades ou serviços públicos ou de interesse coletivo, a sociedade de economia mista pode ser instituída tanto pela União quanto pelos Estados-membros e Municípios. No entanto, como essas pessoas agem em nome do interesse público, ou seja, do interesse de toda a coletividade? A norma do art. 37 da CF (BRASIL, 1988) elenca os princípios regentes da ordem constitucional administrativa que perpassa pela organização e pelo funcionamento dos poderes da República: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte. I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; II - a investidura emcargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. 131 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Grande parte dos testes, das provas e dos concursos públicos exige a disciplina principiológica do art. 37 da Constituição. Mas como você poderia fazer para gravar os cinco princípios? Existe um método mnemônico de aprendizagem que pode ser utilizado nos princípios, conforme a figura a seguir: O agente público só pode fazer o que a legislação expressamente determinar Igualdade de tratamento entre todos os administrados com supremacia do interesse público Todos os atos devem ser publicados para que a população dele saiba e o controle O ato praticado é considerado ilegal quando não for moralmente aceitável Agir com presteza, perfeição, buscando sempre o melhor resultado com o menor custo Legalidade Impessoalidade Publicidade Moralidade Eficiência Figura 28 – Princípios constitucionais da administração pública A figura anterior é o famoso “LIMPE” da administração pública, com as principais características de cada princípio. Vamos nos aprofundar um pouco na matéria que rege a administração pública analisando cada princípio. Princípio da legalidade Diferentemente das relações privadas, em que os particulares podem fazer tudo o que a lei não proíbe, na administração pública só pode ser feito o que a lei prevê. Essa vinculação existe não apenas em relação à lei em si, mas também em relação ao ordenamento jurídico como um todo. Lembrete Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. A função dos atos administrativos é realizar o que preceitua a lei, sendo-lhes negada a inovação no ordenamento jurídico. Portanto, devem-se ater a estabelecer os meios para concretizar o determinado em lei. Eis a diferença entre o agente público e os particulares: enquanto o primeiro somente deve fazer o que a lei determina, o outro terá a liberdade de fazer tudo o que a lei não proibir. É relevante o alerta feito por Amorim e Horvath (2011) de que não devemos confundir o princípio da legalidade com o princípio da reserva legal ou da legalidade específica; este decorre de cláusula 132 Unidade III constitucional que determina e indica quais as matérias que, pela sua natureza, só́ podem ser tratadas por lei formal, sendo vedada qualquer ingerência normativa do poder executivo, como a criação de tipo tributário, tipo penal etc. Princípio da impessoalidade Para Mello (2003), a impessoalidade traduz a ideia de que a administração deve tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Esse princípio tem o objetivo de impedir atuações geradas por antipatia, simpatia, vingança, represália, nepotismo e favorecimentos diversos, bastante comuns em licitações, concursos públicos e no exercício de poder de polícia. Princípio da moralidade Este princípio exige uma atuação ética da administração pública. Isso significa que o agente público deverá distinguir não só́ o ato legal do ilegal, mas também o honesto do desonesto. Assim, o agente público deverá atuar segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé́ (art. 2, IV, da Lei n. 9.784/99). O princípio da moralidade administrativa corresponde à perquirição da validade da motivação ou fundamentação do ato e, pois, viabiliza o reexame judicial de mérito de ato administrativo, mormente por vício de legalidade, compreendido o aviltamento da finalidade do ato; assim, diz respeito ao cotejo entre atividade fim da administração e do exercício da ascendência disciplinar administrativo sancionatória. Qualquer que seja o prisma de análise, a pauta da moralidade administrativa recai sobre a matéria de vício de substância ou de finalidade, bem como de vício de forma, matéria de desvio de objeto, desvio de poder e desvio de finalidade, alcançando, portanto, toda a pauta de convalidação e de efeitos residuais do nulo (por exemplo, a conversão de remuneração do particular que já adimpliu sua prestação de serviços à administração pública, ocorrida por meio de contratação nula, em indenização). Um exemplo de moralidade é o recebimento de auxílio-moradia por um casal de servidores públicos do poder judiciário. Suponha que ambos recebam auxílio-moradia. O STF liberou esse auxílio para qualquer juiz que não tenha à disposição um imóvel funcional, pago pelo poder público. Na sua opinião, é moral a atuação desses servidores? Podemos dizer que é legal, porque ambos são servidores e teriam direito à percepção do benefício. Exemplo de aplicação Um dos mais corriqueiros exemplos de violação ao princípio da impessoalidade ocorre quando um agente político utiliza os recursos públicos para se promover. O juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, concedeu um pedido liminar interposto pela codeputada Paula Aparecida, da Bancada Ativista composta por membros do PSOL, que solicitava a suspensão imediata dos trabalhos de pintura em prédios de escolas públicas da rede paulista de azul e amarelo, cores associadas ao partido do governador João Dória, do PSDB 133 INSTITUIÇÕES DE DIREITO (JUSTIÇA..., 2019). Em nota, a codeputada afirmou que o projeto “Escola + Bonita” fazia propaganda ilegal e uso do direito público para benefício próprio, sendo que a escola pública não pode ser usada como propaganda eleitoral, pois “é da população de São Paulo, não de um governador ou de um partido específico”. No despacho, o magistrado disse que o projeto violou os princípios da moralidade e da impessoalidade ao utilizar cores específicas idênticas ao grupo político de Dória. O Ministério Público teve o mesmo posicionamento. Recorde-se que ser um cidadão e universitário representa um desejo de mudança e cuidado com o uso dos recursos públicos, para transformar nosso meio em um espaço digno e justo para todos. Agora, reflita: você já percebeu alguma violação ao princípio da impessoalidade ou da moralidade administrativa? Princípio da publicidade O princípio da publicidade refere-se ao dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. O sigilo só é admitido quando for imprescindível à segurança do Estado e da sociedade, nos casos de segurança nacional e de intimidade e privacidade. Os atos da administração pública devem ser exibidos em público. Impõe-se a transparência na atividade administrativa justamente para que os administrados avaliem se ela está sendo bem ou mal conduzida. É importante destacar que os atos administrativos devem ser motivados e que o administrador público tem o dever de ser eficiente e de prestar contas. Princípio da eficiência O princípio constitucional da eficiência exige que o agente público exerça a atividade administrativa com presteza, perfeição e com rendimento funcional. Essa eficiência deverá atingir não só os agentes públicos, mas também a própria administração pública. Os agentes devem atuar da melhor forma possível, na busca dos melhores resultados. Já a administração deverá estruturar de forma racional sua organização, de modo a atingir os melhores resultados a um menor custo possível. Vejamos os elementos de uma política fiscal efetiva de uso dos recursos públicos: Aumentar receitas: por meio de uma reforma tributária que permita ao Estado arrecadar mais Diminuir despesas: por meio de uma reforma administrativa que possibilite a redução de gastos do governo, assim como uma política monetária de juros mais baixos Figura 29 134 Unidade III Lembre-se de que o aumento das receitas não envolve necessariamente o aumento de alíquotas, bases de cálculos ou criação de novos tributos. O que se defende nas ações públicas é a concentração de esforços para aumentar a arrecadação pormeio do aumento da quantidade de fatos geradores. Por exemplo: quanto mais renda você aferir, mais imposto de renda você deverá pagar. A diminuição das despesas é matéria corrente e necessária, que envolve aspectos de economia e gestão. Findos os princípios e suas exemplificações, traz-se ao estudo uma questão importante. Por ser o povo soberano e também o destinatário final dos serviços públicos, chegamos à seguinte conclusão: a oferta de serviço essencial, como o serviço médico-hospitalar, deve ser universal, além de contínuo e ininterrupto. Isso porque, em matéria de saúde, o binômio eficácia-vigência e toda a concepção do princípio da eficiência sedem lugar ao princípio da resolutividade, dada a prevalência do bem da vida tutelado, ou seja, a própria vida humana sob tutela da administração. Assim, no conceito de destinatário da função e do serviço públicos, a ação estatal alcança não apenas o cidadão brasileiro (titular da soberania), mas o estrangeiro em solo nacional. Eis que a oferta de serviço essencial médico-hospitalar é universal e de demanda incontenível (prevalência do princípio da resolutividade). Há outras situações nas quais mesmo o estrangeiro em solo nacional se considera destinatário final da administração pública, como é o caso do estrangeiro encarcerado em solo pátrio. Dado o fundamento ético do direito, o conceito de destinatário final da administração pública, incluídos sua função e seu serviço, ultrapassa a questão da soberania como critério definidor da situação jurídica do sujeito destinatário final. Observação A LINDB, por versar sobre a teoria geral do direito, alcança a matéria de direito público. Logo, toda a legislação de direito administrativo também respeitará as disposições da LINDB. Como você percebeu, as ações da administração pública servem para atender às necessidades públicas. Em outras palavras, todos os recursos arrecadados por meio de esforços da coletividade (tributos ou não) devem atender a uma finalidade pública. Para atender às necessidades da coletividade, são necessárias pessoas, e essas pessoas são os servidores públicos em sentido amplo, ou seja, estão à serviço do público, da sociedade. O art. 38 da CF (BRASIL, 1988), integrante da mesma seção de Disposições Gerais, disciplina a situação de servidor público no exercício do mandato eletivo: norma cuja principiologia, assim como toda matéria de funcionalismo público, remonta ao art. 37 da CF. Observe a figura a seguir, que mostra as diferenças existentes entre as espécies no funcionalismo público. 135 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Servidores públicos: todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, de natureza profissional e caráter não eventual, sob o vínculo de dependência Agentes públicos: todas as pessoas físicas ou jurídicas que, sob qualquer liame jurídico e, algumas vezes, sem ele, prestam serviços à administração pública Agentes políticos: presidente e vice, governadores e vices, ministros de Estado Figura 30 Os agentes públicos, os servidores no sentido estrito e os agentes políticos devem se preocupar em praticar atos administrativos que sirvam, de algum modo, ao interesse público. 7.2 Atos administrativos Os atos administrativos têm presunção de legitimidade, exigibilidade e executoriedade; portanto, vão afetar toda a coletividade. Meirelles (1998, p. 131) define ato administrativo como: [...] toda manifestação unilateral da vontade da administração pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria. Recorde-se que a legalidade na administração não resume a ausência de proibição da lei, mas sim a autorização desta, como condição de sua validade. A legalidade deve ser entendida como estar de acordo com a lei. Para melhor compreender, aos particulares é permitido tudo o que não é vedado pela lei; já à administração pública somente é permitido agir em absoluta harmonia com a lei. Assim, a administração e os seus agentes devem agir em conformidade com princípios éticos. A violação indica também a violação do direito, configurando a ilicitude. É necessário que, no exercício da atividade administrativa, sejam aplicados os princípios da boa-fé e da lealdade. A improbidade administrativa é considerada crime de responsabilidade. Para os servidores públicos, os atos dessa espécie “importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda de função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”, conforme art. 37, § 4º, da CF (BRASIL, 1988). 136 Unidade III É importante você notar que, no tocante ao interesse público, pode-se dizer que a administração pública não tem poderes, mas sim deveres-poderes, uma vez que deve cumprir a finalidade que lhe é determinada. Tem função e dever de buscar o interesse da coletividade; não tem autonomia da vontade nem liberdade, tampouco autodeterminação da finalidade a ser buscada, já que todas seriam características do direito privado. Essas finalidades devem ser alcançadas de maneira proporcional, sem que haja abuso de poder, seja ele com meios desproporcionais, seja sem atingir a finalidade determinada. 7.2.1 Atributos e requisitos Como já sabemos, para praticar qualquer ato, é necessário que haja um sujeito ativo, ou seja, que realiza a conduta administrativa tendente a obter a satisfação de uma necessidade pública, com vistas a atender ao interesse público. O sujeito ativo do ato administrativo é o Estado, ou quem lhe faça as vezes. São três os atributos ou características do ato administrativo: presunção de legitimidade, imperatividade e autoexecutoriedade. A presunção de legitimidade é aquela que alcança os atos administrativos e é caracterizada por ser do tipo relativa, ou seja, presume-se. Isso significa dizer que a legitimidade dos atos administrativos, embora se presuma legítima, admite prova em contrário. Compete a quem se sentir prejudicado fazer prova de que o ato administrativo é eivado de vícios, ou seja, questionar a licitude do ato. Até que seja feita prova em contrário, o ato administrativo projeta efeitos, é eficaz. De acordo com Amorim e Horvath (2011), é devido a essa presunção que a partir de sua edição o ato administrativo já pode produzir efeitos, não tendo de aguardar prazo para eventuais questionamentos sobre sua licitude. Lembrete O ônus da prova compete a quem o alegar. Como o ato administrativo praticado é presumidamente lícito, o questionamento judicial acerca de legalidade acarreta inversão do ônus probatório da ilicitude do ato; ou seja, mesmo que tenha sido praticado ao arrepio das previsões legais, cabe ao interessado provar que o ato é ilícito. Imperatividade, para Amorim e Horvath (2011), é o atributo do ato administrativo que impõe a coercibilidade para seu cumprimento ou execução. A imperatividade é indispensável aos atos administrativos, como forma de a administração atingir sua finalidade, qual seja, a satisfação do interesse público. Cabe destacar que nem todos os atos administrativos são imperativos, como os enunciativos negociais, que dependem da vontade do particular na sua utilização. Alguns exemplos são o ato de nomeação e a permissão de uso. Os atos cujo conteúdo seja uma ordem, um provimento, pela sua própria natureza são imperativos e obrigam seus destinatários ao seu fiel cumprimento, sob pena de sanção, a ser aplicada pelo próprio poder público. 137 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Autoexecutoriedade, segundo Amorim e Horvath (2011), é o atributo de alguns atos administrativos informar que a administração pública pode autoexecutar as sanções por ela impostas aos administrados. É um princípio que tem sido objeto de muita polêmica, mormente após a CF de 1988, que, no art. 5, LV, assegura o contraditório e a ampla defesa nos processos administrativos e judiciais.A nosso ver, o asseguramento da ampla defesa e do contraditório não é incompatível com a autoexecutoriedade dos atos administrativos. Entre os atos administrativos que gozam da autoexecutoriedade, podemos citar os praticados no exercício do poder de polícia. Você sabe o que é o poder de polícia da administração? Trata-se de atividade estatal que limita o exercício dos direitos individuais em prol do interesse coletivo. Vejamos o seu conceito legal no artigo 78 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1996): Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Di Pietro (1991) ensina que o poder da administração pública é limitado no âmbito de dois aspectos opostos: a autoridade da administração pública e a liberdade individual. Do desfecho desse antagonismo jurídico decorre que o princípio da predominância do interesse público sobre o particular é o fundamento do poder de polícia, pois dele se revela a posição de supremacia da administração sobre os administrados. Em relação à autoexecutoriedade dos atos administrativos, Meirelles (1998) afirmou que tem entendimento mais amplo, ao considerar que a administração pública só deve socorrer-se do poder judiciário em casos excepcionais, cabendo ao administrado que se sentir lesado reclamar e buscar a reparação da eventual lesão junto ao poder judiciário. Requisito nada mais é do que uma condição para alcançar determinado fim. Os requisitos do ato administrativo são diversos: agente capaz; objeto lícito; forma prescrita ou não proibida; legalidade; moralidade; finalidade de atender ao interesse público e aos objetivos da lei; publicidade; competência do agente e motivação dada pela lei ou justificada pelo agente. A capacidade ou requisito do agente capaz é uma condição para que se pratique determinado ato em nome do poder público. Essa atribuição ou competência é dada por lei para a prática de certos atos jurídicos em nome da administração pública. Não é competente quem quer, mas quem a lei determina. A competência administrativa não é dada às pessoas físicas, e sim aos sujeitos integrantes da administração pública. Os atos administrativos hão de buscar, conforme os ensinamentos de Amorim e Horvath (2011), sempre a satisfação do interesse público, ou seja, o interesse coletivo. Essa é a razão jurídica pela qual 138 Unidade III o ato se encontra abstratamente previsto no sistema jurídico. O não cumprimento da finalidade do ato administrativo acarreta o vício denominado desvio de finalidade, que nada mais é que a distorção entre o ato previsto abstratamente e o ato efetivamente praticado. Leciona Mello (2003) acerca da motivação dos atos administrativos: Parece-nos que a exigência de motivação dos atos administrativos contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes administrativos não são ‘donos’ da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda coletividade, esta, sim, senhora de tais interesses, visto que, nos termos da Constituição, ‘todo poder emana do povo’ (art. 1, parágrafo único). São poderes e deveres do administrador público: • Dever de eficiência. • Dever de probidade. • Dever de prestar contas. • Poder-dever de agir. 7.2.2 Atos administrativos vinculados e discricionários Os atos administrativos podem ser vinculados ou discricionários. No primeiro, o poder público deve praticar nos estreitos limites determinados pela lei; no segundo, há uma certa liberdade para sua decisão. Mello (1995, p. 229): Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente em termos de objetividade absoluta, a Administração ao expedi-los não interfere com apreciação subjetiva alguma. Atos discricionários, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou de decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles. Como síntese dos nossos estudos, o quadro a seguir elucida os atos administrativos e os poderes e deveres do administrador público. 139 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Quadro 8 Atributos do ato administrativo Imperatividade Presunção de legitimidade Auto executoriedade Requisitos do ato administrativo Agente capaz Objeto lícito Forma prescrita ou não defesa em lei Legalidade Moralidade Finalidade de atender ao interesse público e aos objetivos da lei Publicidade Competência do agente Motivação dada pela lei ou justificada pelo agente Poderes e deveres do administrador público Dever de eficiência Dever de probidade Dever de prestar contas Poder-dever de agir Fonte: Führer e Milaré (2004, p. 111). 7.3 Contratos administrativos O parágrafo único do art. 2 da Lei n. 8.666 (BRASIL, 1993a) considera contrato administrativo: Todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontade para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. Você já sabe que os contratos são, no mínimo, bilaterais, ou seja, existem partes contratantes, cada qual com direitos e obrigações. No caso dos contratos administrativos, em uma das partes sempre vai figurar o Estado, e na outra o particular. Quando você decide adquirir algo ou construir a sua casa, você deve, em respeito ao seu dinheiro, fazer diversas cotações e buscar no mercado condições favoráveis de negociação, prazo e qualidade. O mesmo raciocínio vale para a administração pública; a diferença é que o dinheiro não é só seu, mas decorre do esforço de toda a coletividade. Percebe-se aí a responsabilidade do agente público quando vai utilizar o dinheiro que não é seu, mas de todos. Por isso, o legislador determinou expressamente que todos os contratos devem ser precedidos de licitação, ainda que existam cláusulas nos contratos que desequilibrem a relação (em favor da coletividade, nunca do particular). A essas cláusulas, chamamos de cláusulas leoninas, em direito civil, ou cláusulas exorbitantes, em direito administrativo. 140 Unidade III Para Nohara (2017), “exorbitante” (do latim, exorbitare) designa algo que exorbita ou sai da órbita. Cláusulas exorbitantes são aquelas que seriam anormais se apostas em contratos privados, mas que fazem parte dos contratos administrativos, haja vista os interesses perseguidos. Não são cláusulas leoninas propriamente ditas, pois, enquanto estas preveem desequilíbrios na comutatividade da avença, as cláusulas exorbitantes resguardam ao particular o equilíbrio contratual, uma vez que a parte econômico-financeira do contrato não é alterada sem a autorização do contratado. São exemplos de cláusulas exorbitantes: a possibilidade de alteração unilateral do contrato pela administração, sua rescisão unilateral, a fiscalização do contrato, a possibilidade de aplicação de penalidades por inexecução e a ocupação (na hipótese de rescisão contratual). Também se costuma denominar de cláusula exorbitante a limitação à oposição da exceptio non adimpleti contractus nos contratos administrativos. Assim, os contratos administrativos devem ser sempre cumpridos pelo particular. Nessa queda de braços, quem vence é sempre o Estado, pois ele representa a coletividade. Figura 31 As cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos também são um claro exemplo de supremacia do interesse público. Elas provocamo desnivelamento da relação contratual, tornam a bilateralidade quase uma unilateralidade em favor da administração, em razão da desigualdade jurídica que a cerca. Obviamente, os particulares sabem disso e estão cientes de que, com a assinatura consensual do contrato administrativo, acham-se presos à supremacia do interesse público sobre o privado, traduzida nas cláusulas exorbitantes. Quando você é um particular, você decide quando se inicia e quando acaba um contrato de prestação de serviços contínuos. Existem contratos que são vigentes por tempo indeterminado, como a contratação por terceirização de uma empresa de limpeza para o seu estabelecimento comercial. No entanto, não se admite o contrato administrativo com prazo indeterminado com a administração. Logo, todos os contratos dessa natureza devem ter prazo de duração expressamente previsto, nos termos do art. 57, § 3º, da Lei n. 8.666 (BRASIL, 1993a). 141 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Em regra, os contratos administrativos possuem prazo de duração limitado aos créditos orçamentários, que, como você já sabe, têm duração de um ano, em razão do período de vigência da LOA. Contudo, constata-se que esse prazo poderá ser prorrogado em alguns casos específicos, como o de projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no PPA, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório. Lembrete O PPA prevê as metas da administração pelo período de quatro anos. Outra hipótese é a da prestação de serviços a serem executados de forma contínua, como os de limpeza, guarda, segurança e vigilância, que não caracterizam a atividade-fim do Estado e que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos, com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses, ou seja, cinco anos. 7.4 Licitação A CF, ao disciplinar a administração pública no art. 37, XXI, determinou que as compras fossem precedidas de licitação: Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, a qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (BRASIL, 1988). Em lei complementar (BRASIL, 1993b), o legislador determinou o conceito e a finalidade da licitação. Apresenta-se o art. 3º, que conceitua licitação: A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. Como você observou, os contratos administrativos sempre devem ser precedidos de licitação pública, que pode ser das seguintes espécies, conforme a figura a seguir: 142 Unidade III Espécies de licitação Venda de bens móveis inservíveis ou produtos apreendidos Leilão Lei 8.666/93 Trabalhos técnicos, científicos ou artísticosConcurso Lei 8.666/93 Contratos grandesConcorrência pública Lei 8.666/93 Contratos médiosTomada de preços Lei 8.666/93 Contratos pequenosConvite Lei 8.666/93 Bens e serviços comunsPregão Lei 10.520/02 Figura 32 – Espécies de licitação Ressalva-se que, na edição de 2009, Führer e Milaré mencionam como modalidade de licitação o pregão, que para muitos autores é uma forma de licitação autorizada pela Lei n. 8.686 (BRASIL, 1993b). Essa dúvida decorre da interpretação hermenêutica, que tende a acudir aquilo que melhor atenda ao interesse da sociedade. Tudo isso porque o rol exposto na Lei 8.666 (BRASIL, 1993a) – que é a lei geral de licitações e contratos – não contemplava a modalidade de licitação chamada de pregão, e alguns autores entendiam que as modalidades de licitação se esgotavam nas cinco espécies dadas pela lei. Porém, em razão da necessidade de agilizar a aquisição de bens e serviços comuns, a ritualística proposta na lei geral não satisfazia as necessidades de contratação. O pregão inverteu as fases da concorrência pública, que primeiro habilitava todos os concorrentes, para que somente os habilitados participassem da fase de lances. O pregão primeiro efetua os lances e, somente após selecionado o menor preço, verifica se o contratante possui condições de cumprir a exigência, ou seja, se está habilitado. A licitação é dispensável em certos casos, como na ocorrência de guerra ou grave perturbação da ordem, e é inexigível quando não houver possibilidade de competição, como na contratação de artista consagrado ou de serviço técnico especializado. Em outras palavras, a inexigibilidade de licitação não deve ocorrer; mesmo que o administrador queira fazer, não conseguirá. Difere da dispensa de licitação, pois nesta a competição é possível, mas a lei autoriza a contratação direta em determinados casos, isto é, sem a realização da licitação. 143 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Um exemplo de licitação inexigível é aquela destinada a adquirir materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação, a obra ou o serviço, pelo Sindicato, pela Federação ou Confederação Patronal ou, ainda, pelas entidades equivalentes. É o que acontece quando a administração necessita adquirir medicamentos exclusivos para o tratamento do câncer. Cabe destacar que o procedimento da licitação é sempre público, proibidos quaisquer critérios sigilosos, secretos e subjetivos, pois, nos termos da Lei n. 8.666, Lei Geral de Licitações (BRASIL, 1993a), a licitação destina-se à observância do princípio constitucional da isonomia, ou seja, busca proporcionar a todos os interessados oportunidades de contratar. O objeto da licitação será adjudicado ao apresentador da melhor proposta, dentro dos critérios fixados. Após o julgamento de eventuais recursos, a adjudicação feita pela Comissão de Licitação será homologada pela autoridade administrativa superior, tornando-se então definitiva. Passemos agora a estudar as espécies de licitações: • Concorrência pública: usada para contratos de vulto de acordo com os valores estabelecidos na lei, corrigidos periodicamente. • Tomada de preços: usada para contratos de valor médio, com a participação de interessados já cadastrados. • Convite: licitação adequada para valores mais reduzidos, estabelecidos na lei e corrigidos periodicamente, com a participação de três interessados, no mínimo, escolhidos pela unidade administrativa. Nos casos em que couber convite, a administração poderá utilizar a tomada de preços e, em qualquer caso, a concorrência. • Concurso: licitação adequada para a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores. • Leilão: usado na venda de bens imóveis inservíveis ou de produtos apreendidos, por lance igual ou superior ao da avaliação. • Pregão: sistema misto, com o recebimento prévio de propostas, seguido de um leilão restrito aos que oferecerem as melhores propostas, conforme a Lei n. 10.520 (BRASIL, 2002b). 144 Unidade III 8 DIREITO DE EMPRESA 8.1 Noções introdutórias de direito de empresa Situado o direito da empresa em relação ao direito civil e, pois, em vista do direito privado, o que se pretende neste tópico é uma análisedos tipos de sociedade existentes no direito brasileiro, com abordagem dos requisitos de cada tipo societário e as responsabilidades deles decorrentes, bem como as suas formas de extinção, fusão, dissolução e transformação. Veremos a classificação das sociedades entre empresárias e empresário individual, antes de classificar as sociedades empresárias, uma vez que essas distinções pertencem à teoria da empresa, ao passo que a forma de constituição empresarial, os agentes que representam a sociedade e a classificação (responsabilidade limitada e ilimitada) pertencem ao direito societário. Para encerrar nossos estudos, conforme já alertado, será apresentada a divisão do direito empresarial, que traz a reorganização e a extinção da personalidade jurídica. Para melhor compreensão, observe a figura a seguir: Agentes societáriosSociedade empresária Dissolução Classificação das sociedades Sociedades (personificação)Empresário individual Transformação Teoria geral do direito societárioTeoria da empresa Reorganização e extinção Figura 33 – Organização do direito empresarial 8.2 Origem e evolução histórica do direito comercial O comércio surgiu das tecnologias desenvolvidas pelo ser humano. A partir do momento que o homem aprendeu a dominar o meio pelas técnicas de agricultura ou domesticação dos animais, por exemplo, ele passou a ter mais do que aquilo que efetivamente necessitava para viver. Como você dever recordar das suas lições preliminares de história, o homem retirava da terra tudo o que precisava para sobreviver e, ao dominar as técnicas de plantio e criação dos animais, passou a produzir excedentes. No entanto, esses excedentes nem sempre atendiam a todas suas necessidades, e, portanto, os povoados trocavam-nos uns com os outros. Rodrigues (2016) narra que, com o crescimento das comunidades e sua transformação em vilas e, posteriormente, em cidades, houve a substituição gradual do escambo pela troca monetária. Criaram-se 145 INSTITUIÇÕES DE DIREITO as primeiras moedas, mas surgiu outra dificuldade: para cada lugar, a moeda tinha um significado diferente. Para uma nação, o que representava valor era o marfim; para outra, era o sal; para uma, era o casco da tartaruga; para outra, os búzios, e assim por diante. A autora cita uma interessante passagem acerca do início das trocas e da necessidade de um denominador comum, a moeda: O tenente Cameron em sua viagem pela África (1884) narra como se arranjou para obter uma barca: ‘O homem de Said queria ser pago em marfim e eu não o tinha. Dei, então, a Ibn Guerib o equivalente em fios de cobre; este me deu em troca pano, que passei a Ibn Selib; este enfim, entregou a importância em marfim ao agente de Said; e eu obtive a barca’ (BACCARIN; SILVA, 1982, p. 46 apud RODRIGUES, 2016, p. 9). Na Idade Média, começou a se cristalizar o direito comercial, em razão das primeiras normas e regras que traduziam as práticas existentes no comércio. O professor Rubens Requião (2003) ensinou que na Idade Média também havia discussão e necessidade de temperança nas relações comerciais, pois o direito comercial não possuía regras corporativas, sobretudo dos assentos jurisprudenciais das decisões dos cônsules, juízes designados pela corporação, para em seu âmbito dirimirem as disputas entre comerciantes. Assim: Diante da precariedade do direito comum para assegurar e garantir as relações comerciais, fora do formalismo que o direito romano remanescente impunha, foi necessário, de fato, que os comerciantes organizados criassem entre si um direito costumeiro, aplicado internamente na corporação por juízes eleitos pelas suas assembleias: era o juízo consular, ao qual tanto deve a sistematização das regras do mercado (REQUIÃO, 2003, p. 10-11). Os últimos duzentos anos foram marcados por uma multiplicação exponencial da riqueza mundial graças às empresas, organizações humanas que combinam eficientemente os fatores de produção de forma sinérgica e sistêmica para produzir e fazer circular bens e serviços, exatamente o objeto deste tópico. Sempre existiram formas de trabalho organizadas e dirigidas. Porém, a acumulação de capital, a invenção de máquinas de produção em série e a expansão dos mercados pós-revolução industrial provocaram um desenvolvimento da atividade empresarial em dimensões largas, o que até poderia ser desejado, mas nunca previsto naquela ocasião. Saiba mais A história do filme a seguir, escrita por William Shakespeare, retrata uma trama que envolve a prática do comércio e apresenta um julgamento realizado pelo cônsul, além de um romance com um final surpreendente. Vale a pena assistir: O MERCADOR de Veneza. Direção: Michael Radford. Itália; Reino Unido; Luxemburgo: Avenue P, 2004. 138 min. 146 Unidade III No Brasil, o direito comercial é organizado e sistematizado juridicamente desde 1850. Até o ano de 2002, ele era regido pela teoria dos atos de comércio. Genericamente, o termo “teoria” remente à explicação. Pois é bem isso que faz a teoria dos atos de comércio. A teoria dos atos de comércio forneceu elementos para identificar quem eram os sujeitos das regras de direito comercial. Para quem elas serviam? Como funcionava o sistema que definia quem eram os comerciantes? O próprio nome dá a dica: para se sujeitar ao direito comercial, a pessoa deveria praticar algum dos atos de comércio. Temos, aí, a figura do comerciante, que era quem praticava algum dos atos de comércio. O Decreto n. 737 (BRASIL, 1850), em seu art. 19, trazia um rol de atividades que eram consideradas atos de mercancia, ou seja, atos de comércio. Entre os atos de comércio, estavam a compra e venda, a fabricação, a armação de navios, a toca de moedas etc. Então, quem praticava quaisquer desses atos, ou ainda aqueles que estavam no regulamento, era considerado comerciante. Repare na lacuna imensa que esse tipo de organização faz: se somente pode ser considerada comerciante aquela pessoa que pratica atos de mercancia constantes de um determinado rol, como fazer para atender às necessidades de alteração decorrentes da própria sociedade, por exemplo, incluir as atividades relativas à tecnologia? Esse foi um importante motivo pelo qual a teoria dos atos de comércio foi substituída pela teoria de empresa, e essa mudança consta hoje do nosso Código Civil (BRASIL, 2002a). Lembrete O direito de empresa faz parte do Código Civil, Lei Federal n. 10.406 (BRASIL, 2002a), a partir do art. 966. O Código Civil italiano, sob influência da teoria da empresa, tal como o Código Civil brasileiro, não conceitua a empresa, mas sim o empresário, que é quem desenvolve atividade econômica, organizada, exercida profissionalmente para a produção ou a circulação de bens e serviços. Por dedução, a empresa é a atividade do empresário. Por exemplo: a falência, a recuperação judicial, o dever de registrar-se na junta comercial, entre outras questões, só podem ou precisam ser feitos por empresários ou sociedades empresárias. Portanto, é importante saber quem é o empresário e quem é a sociedade empresária. 8.3 Fontes do direito comercial É essencial conhecer as fontes do direito comercial porque fonte é, para o direito, o que origina determinado regramento jurídico, e, caso faltem as fontes primárias (lei), são adotadas as fontes secundárias, as subsidiárias ou as fontes indiretas. 147 INSTITUIÇÕES DE DIREITO São consideradas fontes primárias do direito comercial o Código Comercial (BRASIL, 1850) e as matérias de direito empresarial vigentes no Código Civil (BRASIL, 2002a). Com o advento do novo Código Civil, reduziu-se o número de dispositivos vigentes do Código Comercial, pois aquele chamou para si a competência para tratar dos assuntos que cogitavam os arts. 1 ao 456 do Código Comercial. Embora tenham passado a ser tratadas nos Livro II (Parte Especial) do Código Civil (BRASIL, 2002a), o fato de estar inseridas no Código Civil não retira a natureza comercial dessas normas, como os títulos de crédito – documentonecessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado, por exemplo, o cheque, a duplicata, a letra de câmbio e a nota promissória. Ainda acerca das fontes formais, cabe ressaltar que o caráter fragmentário do direito comercial, bem como sua natureza dinâmica (liberdade empresarial), propiciam o surgimento de microssistemas legislativos, nos quais trabalham determinadas matérias de forma individualizada, como o CDC, já apresentado neste livro, e a Lei de Falências e Recuperação Judicial, que será tratada adiante. Quanto às fontes indiretas, são considerados fontes secundárias os usos e costumes mercantis, as leis civis, a analogia e os princípios gerais de direito. Você sabe como funciona o processo de normatização em sede de direito do comércio internacional? O processo de normatização do comércio internacional experimenta, nos dias de hoje, um movimento espiral contínuo, que varia da autorregulação do comércio pelo próprio mercado à regulação do comércio pelo Estado. Naturalmente, o movimento de regulação do comércio pelo Estado, com a finalidade de se adequar às exigências do mercado, termina por criar um ambiente mais favorável ao crescimento do comércio e à atuação do mercado. Este, por sua vez, em virtude de sua liberdade de autorregulação, permanece na busca pelo aperfeiçoamento de suas práticas, recebendo do Estado regulamentação adaptativa, e assim sucessivamente. São exemplos de regulamentações internacionais sobre o comércio: • Leis uniformes sobre letras de câmbio e notas promissórias – Genebra, 1930. • Lei uniforme sobre cheques – Genebra, 1931. • Regras e usos uniformes de créditos documentários, regras uniformes para garantia de contratos (CIC). • Lei modelo de arbitragem (Uncitral). • Convenção internacional sobre compra e venda internacional – Viena, 1980 –, princípios dos contratos internacionais (Unidroit). • Convenção interamericana sobre o direito aplicável aos contratos internacionais (Cidip V) – Cidade do México. 148 Unidade III Como você pode perceber, não há um direito supranacional, em especial quando se trata de direito de empresa, que regula as relações de comércio. Principalmente em razão da globalização, as relações que já eram frequentes se estreitaram ainda mais; basta perceber a expansão dos aplicativos de compras diretamente de outros países, como a China. Repare que as relações de comércio são pautadas muito mais pela necessidade e pelo utilitarismo do que pela formalidade legal. 8.4 Empresa, empresário e estabelecimento empresarial Como você deve lembrar, o Código Civil de 2002 trata, no seu Livro II, Título I, do direito de empresa, e, em razão da organização diferente daquela preconizada no antigo Código Comercial, a figura do comerciante despareceu e surgiu a figura do empresário. Assim, aos poucos a nossa sociedade começou a chamar de empresário, e não mais de comerciante, a pessoa que exerce a atividade empresarial ou, como se dizia antes, comercial. Credita-se até que o termo “comerciante” venha a se tornar obsoleto quando utilizado para caracterizar a ocupação da pessoa que exerce atividade empresária. O art. 966 do Código Civil traz o conceito de empresário como aquele que pratica a atividade empresarial e, ao mesmo tempo, no parágrafo único, determina quem não é empresário. Vejamos: Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (BRASIL, 2002a). Portanto, com a edição do Código Civil de 2002, tornam-se obsoletas as noções de comerciante e de ato de comércio, que são substituídas pelos conceitos de empresário e de empresa, respectivamente. O Código Civil de 2002, orientado pela teoria da empresa, separa os conceitos de empresário e sociedade empresária, de um lado, e de empresa, do outro lado. O empresário e a sociedade empresária são sujeitos personalizados de direitos e deveres; são pessoas. A empresa não é um sujeito, mas um conjunto de atividades. Ambos (empresário e empresa) distinguem-se, ainda, da figura do estabelecimento empresarial, que consiste no conjunto de bens utilizados para o exercício da atividade (empresa). Conforme dispõe o art. 966 do Código Civil (BRASIL, 2002a), o conceito legal de empresário diz respeito àquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Tal dispositivo nos indica os principais elementos indispensáveis à caracterização do empresário: profissionalismo; atividade econômica; organizada; para a produção de bens ou serviços. Guardou essas informações? Passemos adiante para esclarecer cada um dos elementos que constituem a atividade econômica organizada, conforme a figura a seguir: 149 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Mão de obra: empregados, prestadores de serviços, proprietários e sócios Recursos financeiros: estrutura da empresa prédio, instalações, equipamentos Insumos: matéria-prima, água, energia elétrica, entre outros Recursos intelectuais: forma de utilização dos recursos. Know-how Trabalho Capital Terra Tecnologia Figura 34 – Atividade econômica organizada Entre as atividades econômicas, como pudemos observar na transcrição do parágrafo único do art. 966 do Código Civil, não é empresário quem exerce a profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Você consegue compreender o que significa elemento de empresa? Esclarece o professor Marcelo Tadeu Cometti (2014) que, diferentemente do que muitos doutrinadores e professores afirmam, o elemento de empresa não tem qualquer relação com a organização ou não da atividade intelectual, com o seu exercício ou não de forma profissional, com o número de empregados contratados ou mesmo o seu faturamento. Ser a profissão intelectual “elemento de atividade organizada em empresa”, ou simplesmente “elemento de empresa”, significa ser parcela dessa atividade, e não a atividade em si, isoladamente considerada. É o caso, por exemplo, do médico que agrega à prática da medicina um SPA, onde ao paciente se oferece repouso e alimentação; do veterinário, que, além do seu ofício, possui um pet shop que vende ração para os animais, medicamentos, bem como hospeda os animais na viagem de seus donos. A atividade inicial, a medicina humana e a veterinária são atividades tipicamente intelectuais; porém, ao aumentar a oferta de serviços, há a caracterização do que o legislador chamou de “elemento de empresa”. Outra exceção é a que consta do art. 971 do Código Civil (BRASIL, 2002a), que trata do empresário que exerce atividade rural como principal profissão. O artigo autoriza, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no registro público de empresas mercantis da respectiva sede, caso que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. Desse modo, podemos afirmar que “empresa” é um conceito abstrato, incorpóreo, pois representa o conjunto de atividades do empresário. O prédio, as máquinas, o nome e os recursos são fatores, elementos desse ente abstrato que, utilizados de forma correta, alcançam a razão da sua existência. O professor Fábio Ulhoa Coelho (2015) ensina que a empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou jurídica. Para o mestre, no primeiro caso, o exercente da atividade econômica se chama 150 Unidade III empresário individual; no segundo, sociedade empresária. Como é a pessoa jurídica que explora a atividade empresarial, não é correto chamar de empresário o sócio da sociedade empresária.Antes de encerrar as considerações sobre esse ponto, convém trazer à baila a atividade dos prepostos e a sua responsabilidade quando essas pessoas respondem pela sociedade, uma vez que tanto o empresário quanto a sociedade empresária precisam ser auxiliados no exercício das atividades empresariais, como pessoas de alta confiança dos donos do negócio para ajudar a gerir as atividades. A empresa é chamada de preponente e a pessoa de preposta. Os preponentes (empresas) respondem por todos os atos praticados pelos prepostos no interior da empresa, desde que relativos à sua atividade, mesmo que não convencionados por escrito. Quando estiver fora da empresa, é necessário que haja uma autorização por escrito para que o preponente seja representado pelo preposto, nos exatos termos da autorização. O mais comum é que os prepostos participem, pela empresa, de audiências trabalhistas em nome dos preponentes. A função mais comum exercida pelos prepostos é a de gerente ou administrador não sócio, e isso pode gerar uma série de questões jurídicas relevantes acerca da extensão dos poderes do preposto na representação da empresa. Por isso, o Código Civil disciplinou, no art. 1.174 (BRASIL, 2002a), que eventuais limitações contidas na outorga de poderes devem ser arquivadas e averbadas no registro público de empresas mercantis para poder ser oponível a terceiros. Conforme já alertado, antes das classificações das sociedades empresárias, conheceremos o microempreendedor individual, popularmente conhecido por MEI, o empresário individual e a empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli). 8.5 Empresário individual O empresário individual é uma pessoa física que, em nome próprio, exerce atividade de empresa. Nesse caso, a empresa tem como proprietário uma única pessoa física, que integraliza seus próprios bens na exploração do negócio. Não há separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o da pessoa física. Coelho (2015) pondera que empresários individuais cuidam de pequenos negócios. Segundo o professor, o empresário individual, em regra, não explora atividade economicamente importante: Em primeiro lugar, porque negócios de vulto exigem naturalmente grandes investimentos. Além disso, o risco de insucesso, inerente a empreendimento de qualquer natureza e tamanho, é proporcional às dimensões do negócio: quanto maior e mais complexa a atividade, maiores os riscos. Em consequência, as atividades de maior envergadura econômica são exploradas por sociedades empresárias anônimas ou limitadas, que são os tipos societários que melhor viabilizam a conjugação de capitais e limitação de perdas. Aos empresários individuais sobram os negócios rudimentares e marginais, muitas vezes ambulantes. Dedicam-se a atividades como varejo de produtos estrangeiros adquiridos em zonas francas (sacoleiros), confecção 151 INSTITUIÇÕES DE DIREITO de bijuterias, de doces para restaurantes ou bufês, quiosques de miudezas em locais públicos, bancas de frutas ou pastelarias em feiras semanais etc. (COELHO, 2015, p. 41). Esse empresário responde de forma ilimitada pelas dívidas contraídas pela empresa. Caso haja uma insolvência, seu patrimônio pessoal irá responder perante os credores. Contudo, quando houver a inscrição da empresa na junta comercial, o nome da empresa deverá ser o nome do proprietário, pois é ele quem responderá, exceto no caso de Eireli, pelas obrigações sociais. Em síntese, os negócios são divididos entre grandes e pequenos. Os grandes sujeitam-se a uma fiscalização maior em razão da quantidade de stakeholders – pessoas que têm interesse na gestão de empresas ou na gestão de projetos, tendo ou não feito investimentos neles. Já o empresário individual é o profissional que exerce atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços, não se confundindo com os sócios de uma sociedade empresária, que podem ser chamados de empreendedores ou investidores. Quadro 9 – Tipos de empresários individuais Microempreendedor Individual (MEI) Enquadramento/faturamento anual N. de titulares Regime tributário Observações R$ 81 mil Um titular Simples Nacional A pessoa física que se coloca como titular responde de forma ilimitada pelos débitos do negócio. Os patrimônios da empresa e do empresário se misturam Empresário Individual (EI) Enquadramento/faturamento anual N. de titulares Regime tributário Observações ME EPP Empresa normal Até R$ 360 mil Até R$ 4,8 milhões Por opção ou por faturamento superior a R$ 4,8 milhões Um titular Simples Nacional, Lucro Presumido, Lucro Real A pessoa física que se coloca como titular responde de forma ilimitada pelos débitos do negócio. Os patrimônios da empresa e do empresário se misturam Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) Enquadramento/faturamento anual N. de titulares Regime tributário Observações ME EPP Empresa normal Até R$ 360 mil Até R$ 4,8 milhões Por opção ou por faturamento superior a R$ 4,8 milhões Um titular Simples Nacional, Lucro Presumido, Lucro Real O empresário responde sobre o valor do capital social da empresa. Capital social mínimo de 100x o salário mínimo vigente 152 Unidade III 8.5.1 Microempreendedor individual (MEI) A figura do MEI foi criada através da Lei Complementar n. 128 (BRASIL, 2008b). Essa lei alterou a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), a Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991 (as duas últimas regulamentam a previdência e a assistência social no Brasil), e a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). A Lei Complementar n. 128 (BRASIL, 2008b) determinou que, com o registro, o MEI passasse a ter a obrigação de contribuir para o INSS, num montante de 5% do salário mínimo, correspondendo atualmente a R$ 49,90 para comércio e indústria (sujeitos ao ICMS, tributo de competência estadual) e R$ 50,99 para serviços (sujeitos ao ISS, tributo de competência municipal). A contribuição ocorre através do documento único de arrecadação do simples nacional do MEI, o DAS-MEI, uma taxa mensal obrigatória que o microempreendedor individual precisa pagar para obter direitos e benefícios. Saiba mais Você sabia que existe um portal de serviços do Governo Federal para o MEI, que integra e promove o acesso a soluções que simplificam o dia a dia do empreendedor? Simplificar a vida do empreendedor e impulsionar o empreendedorismo no Brasil foram os principais objetivos que levaram o Governo Federal a criar o Portal do Empreendedor, em 2009. O site é um espaço no qual é possível se formalizar como MEI, tirar dúvidas, cumprir as obrigações fiscais e procurar por capacitação para incrementar os pequenos negócios e a verve empreendedora dos cidadãos. Para saber mais, acesse: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/ Como você pode supor, em razão da alteração de leis previdenciárias, a contribuição confere ao MEI e aos seus dependentes a cobertura previdenciária para os benefícios de aposentadoria por idade, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, salário-maternidade, pensão por morte e auxílio-reclusão. Assim, considerando que a contribuição do MEI ocorre sobre um salário mínimo, ele terá direito a benefícios nesse valor. Caso o empresário MEI queira se planejar e ter uma aposentadoria superior ao valor do salário mínimo, é possível pagar um pouco mais (à parte) por meio da Guia da Previdência Social (GPS) como contribuinte individual, em uma porcentagem de 20% sobre o valor que desejar ter como salário de contribuição. 153 INSTITUIÇÕES DE DIREITO 8.5.2 Empresas individuais de responsabilidade limitada (Eireli) A Eireli foi uma inovação introduzida no Código Civil brasileiro pela Lei n. 12.441 (BRASIL, 2011a). Assim, antes de 2011, a única possibilidade para abertura de uma empresa com limitação de responsabilidade era a constituição de uma sociedade empresárialimitada. Ocorre que a lei determina a necessidade de duas ou mais pessoas para a constituição de uma sociedade empresária. Quando uma pessoa física desejava abrir uma empresa, era obrigatório ter no mínimo um sócio. Essa situação fez surgir a figura do “sócio de palha”, termo que denomina a pessoa com participação societária ínfima numa sociedade empresária, somente para preencher o requisito legal da pluralidade social, vale dizer, um sócio fictício. A Eireli veio resolver essa questão, instituindo a empresa individual; ou seja, nessa modalidade empresarial, não há necessidade de sócio para a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada, como o próprio nome sugere. Lembrete Empresa é diferente de empresário, que é diferente de estabelecimento empresarial. Nos termos da Lei n. 12.441 (BRASIL, 2011a), Eireli é aquela empresa constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não poderá ser inferior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no país. O titular não responderá com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa. A pessoa natural que constituir Eireli somente poderá figurar em uma empresa dessa modalidade. Como podemos perceber, a Eireli foi criada com o objetivo de proteger os bens da pessoa física. Antes dessa lei, o empresário individual, em caso de não pagar as dívidas contraídas em nome da empresa, responderia com o seu patrimônio pessoal. Ao constituir a Eireli com o capital social mínimo de cem vezes o valor do salário mínimo totalmente integralizado, esse modelo de empresa protege o patrimônio pessoal do titular da empresa. Para abertura, registro e legalização da Eireli, é necessário registro na junta comercial e, em função da natureza das atividades constantes do objeto social, inscrições em outros órgãos, como Receita Federal (CNPJ), Secretaria de Fazenda do Estado (inscrição estadual e ICMS) e Prefeitura Municipal (concessão do alvará de funcionamento e autorização de órgãos responsáveis por saúde, segurança pública, meio ambiente e outros, conforme a natureza da atividade). A pessoa jurídica não pode ser titular de Eireli, assim como a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial. Não pode ser administrador de Eireli a pessoa: • Condenada a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, 154 Unidade III contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. • Impedida por norma constitucional ou por lei especial, como uma pessoa jurídica; um juiz; um promotor de justiça; um adolescente menor de 16 anos; o ébrio habitual; o toxicômano etc. Duas particularidades das Eirelis merecem destaque: o seu capital social não deve ser inferior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no país; e uma pessoa física só pode ser titular de uma única Eireli, ou seja, a pessoa física não pode abrir duas ou mais empresas desse tipo. Como você aprendeu, as Eirelis vieram socorrer as necessidades da sociedade, que dificultava o exercício das empresas no país. Com esse tipo societário, o patrimônio pessoal fica protegido, e não há mais a necessidade da figura do sócio de palha para que as sociedades possam funcionar livremente. 8.6 Classificação das sociedades empresárias Como podemos diferenciar as sociedades empresárias e as não empresárias, também chamadas de sociedades simples? Bem, o Código Civil determina que se considera empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro, conforme os termos do art. 967, e simples as demais. A sociedade simples também é uma pessoa jurídica, mas que realiza atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa, conforme parágrafo único do art. 966 do Código Civil (BRASIL, 2002a). Apresenta-se, a seguir, uma figura com o quadro geral das sociedades, conforme o Código Civil: Capital fechado Capital aberto ComumEmpresáriaSimples Em conta de participação Sociedades personificadas Sociedades não personificadas Comandita simples Nome coletivo Limitada Cooperativa Profissionais liberais Nome coletivo Anônima Comandita por ações Limitada Comandita simples Figura 35 – Sociedades no Código Civil 155 INSTITUIÇÕES DE DIREITO Um conceito simples de sociedade, para efeito de direito empresarial, é a pessoa jurídica de direito privado que tem por objetivo social a exploração de atividade econômica. A sociedade constitui-se por meio de um contrato entre duas ou mais pessoas que se obrigam a combinar esforços e recursos para atingir os fins comuns. Por isso, é obrigação de qualquer um dos sócios da empresa contribuir para a formação do capital social ou patrimônio social. Observação Para a contabilidade, há uma diferença entre capital financeiro e capital físico, ambos mensurados economicamente. De acordo com o conceito de capital financeiro, tal como o dinheiro investido ou o seu poder de compra investido, o capital é sinônimo de ativos líquidos ou patrimônio líquido da entidade. Segundo o conceito de capital físico, tal como capacidade operacional, o capital é considerado a capacidade produtiva da entidade baseada, por exemplo, nas unidades de produção diária. A constituição da sociedade empresária se dá por meio de um contrato, que exprime a vontade dos sócios para contemplar a finalidade da empresa, podendo ser lavrado por tabelião ou por instrumento particular, ou seja, sem a presença necessária do Estado. Como característica geral dos contratos sociais, é necessário que haja primeiramente uma origem, que via de regra se dá pelo contrato ou estatuto social entre duas ou mais pessoas (é possível que haja a constituição de uma sociedade considerando outra pessoa jurídica), com as ressalvas legais. Podemos ilustrar a hipótese de uma ressalva legal como a hipótese de uma sociedade anônima permanecer por prazo superior a um ano com apenas um acionista. 8.6.1 Sociedades personificadas Existem dois tipos de sociedades personificadas: sociedades simples e sociedades empresárias. A personificação significa que os patrimônios não se confundem com o patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas que as compõe. As sociedades personificadas estão regulamentadas nos artigos 997 a 1.101 do Código Civil (BRASIL, 2002a) e, portanto, possuem personalidade jurídica. Você sabe o que é isso? A personalidade jurídica é aquela adquirida com o registro, nos termos do art. 985 e do art. 1.150 do Código Civil. É necessário que haja esse registro, que é instrumentalizado por meio de um contrato social. Lembrete Contrato é um pacto entre duas ou mais pessoas que se obrigam a cumprir o que foi entre elas combinado sob determinadas condições. 156 Unidade III O contrato deve ser escrito, podendo ser particular ou público, sendo que o público é redigido por um tabelião, e o particular pelas partes que estipulam cláusulas que representam as condições contratuais, as quais devem, no mínimo, mencionar o seguinte: • O nome, a nacionalidade, o estado civil, a profissão e a residência dos sócios, se pessoas naturais; a firma ou a denominação, a nacionalidade e a sede dos sócios, se jurídicas. • A denominação, o objeto, a sede e o prazo da sociedade. • O capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária. • A quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la. • As prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços. • As pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade e seus poderes e atribuições.• A participação de cada sócio nos lucros e nas perdas. • Se os sócios respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações sociais. Convém esclarecer que a avaliação pecuniária é a avaliação em dinheiro, e a hipótese se aplica quando ocorre a integralização via bens, como um carro para entregas, algum bem imóvel que sirva de sede ou equipamentos. 8.6.2 Sociedades simples Na sociedade simples, a atividade desenvolvida pelos sócios deve estar diretamente ligada à atividade desenvolvida pela sociedade. É o que ocorre com os serviços de medicina, advocacia, psicologia, fisioterapia etc., cujos profissionais chamamos de liberais. Dentro das sociedades simples, estão classificadas, ainda, a sociedade simples limitada, a sociedade em nome coletivo e as sociedades em comandita simples, além das cooperativas. As cooperativas consistem em um tipo de sociedade constituída para prestar serviços aos seus associados, e, por determinação do art. 982, parágrafo único, deve se revestir da forma simples, e não empresária. Isso significa dizer que as cooperativas não estão sujeitas à falência e não podem requerer a recuperação judicial. Sua disciplina legal específica encontra-se na Lei n. 5.764 (BRASIL, 1971) e nos arts. 1.093 a 1.096 do Código Civil (BRASIL, 2002a). Os tipos mais comuns de cooperativas são: as de crédito, que objetivam fomentar as atividades do cooperado via assistência creditícia, capitalizando recursos para emprestar aos cooperados; as sociais, regidas pela Lei n. 9.867 (BRASIL, 1999b), constituídas com a finalidade de inserir as pessoas 157 INSTITUIÇÕES DE DIREITO em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, e atender ao interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos; e as de trabalho, reguladas pela Lei n. 12.690 (BRASIL, 2012), pela Lei n. 5.764 (BRASIL, 1971), no que com ela não colidir, e, como já sabemos, pelo Código Civil. Lembrete A sociedade simples limitada não se confunde com a sociedade empresária limitada, que é a mais comum no Brasil. A sociedade simples limitada é constituída por duas ou mais pessoas que exercem profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística, mesmo que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, que contratam entre si os termos de funcionamento da sociedade. A sociedade em nome coletivo é uma forma de organização na qual os sócios são solidários e todos respondem ilimitadamente pelas dívidas da sociedade, ou seja, a dívida da sociedade pode atingir os bens dos sócios. A sua regulamentação está no art. 1.039 ao 1.044 do Código Civil (BRASIL, 2002a), e essa sociedade é constituída necessariamente por pessoas físicas, não sendo admitidas pessoas jurídicas nem um administrador para responder pela sociedade. Apenas os sócios podem administrar a sociedade e devem adotar a firma social. As sociedades em comandita têm duas categorias de sócios, com deveres e responsabilidades distintas: os comanditários e os comanditados. Os sócios comanditários são aqueles que respondem de forma limitada (apenas até o valor de suas quotas) pelas obrigações da sociedade e podem ser pessoas físicas ou jurídicas que contribuem apenas com capital subscrito, ou seja, apenas com o valor que consta do contrato social (art. 1.045 ao 1.051 do Código Civil). Em outra mão estão os sócios comanditados, que são pessoas físicas que respondem solidariamente e de forma ilimitada pelas obrigações sociais, podendo contribuir com capital e trabalho, mas seu patrimônio pessoal responde pelas obrigações sociais. A administração dessa sociedade pode ser exercida somente pelos sócios comanditados. Portanto, os sócios comanditários entregam recursos, e os comanditados, trabalho e administração, tudo conforme o previsto no art. 1.047 do Código Civil, segundo o qual não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado. 8.7 Sociedades empresárias Nas sociedades empresárias, existem as sociedades anônimas, as comanditas por ações, as sociedades em nome coletivo, as comanditas simples, as sociedades limitadas, as sociedades não personificadas, as 158 Unidade III sociedade em comum e as sociedades em conta de participação, que se subdividem em sociedades anônimas de capital aberto e sociedades anônimas de capital fechado. 8.7.1 Sociedade anônima Vamos começar pelas sociedades anônimas, o tipo mais complexo, pois emite títulos para a captação de recursos, que podem ser ações (o tipo mais comum), partes beneficiárias, debêntures e bônus de subscrição. Entre os direitos do acionista, está o direito de receber dividendos, que nada mais é do que parte do resultado das atividades empresariais. Isso justifica muito a persecução pelo lucro das empresas que adotam esse tipo societário. Sabe-se que administrar uma sociedade não é algo simples, e, portanto, as regras devem estar explicitadas de maneira objetiva e clara nos estatutos sociais. Registre-se desde já que, dentro das sociedades anônimas, o órgão máximo de deliberação é a Assembleia Geral. Existem diferentes órgãos sociais dentro da sociedade anônima, cada qual com uma função específica. Analise a figura a seguir: Conselho de administração Diretoria Conselho fiscal Outros órgãos consultivos Assembleia geral extraordinária Assembleia geral ordinária Assembleias especiais Assembleia geral Figura 36 A sociedade anônima capta, por meio de investimentos, os recursos das pessoas. É o que se chama de ação. Coelho (2015, p. 232) define “ação” da seguinte forma: As ações são valores mobiliários representativos de unidade do capital social de uma sociedade anônima, que conferem aos seus titulares um complexo de direitos e deveres. Classificam-se as ações segundo três critérios distintos: espécie, classe e forma. A classificação mais comum divide as ações em ordinárias, preferenciais e de fruição. • Ordinárias: dão direitos que a lei reserva ao acionista comum. São ações de emissão obrigatória. Todas as sociedades anônimas têm. 159 INSTITUIÇÕES DE DIREITO • Preferenciais: complexo de direitos diferenciado, como a prioridade na distribuição de dividendos ou no reembolso do capital, com ou sem prêmio etc. Em regra, não dão direito a voto. • De fruição: atribuídas aos acionistas cujas ações foram totalmente amortizadas. A amortização consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia. A sociedade anônima é uma sociedade de capital, ou seja, os títulos representativos da participação societária não são quotas, mas sim ações, que são livremente negociadas entre os interessados. As sociedades anônimas são sempre empresárias, mesmo que seu objeto seja a atividade econômica civil, conforme a determinação do art. 982, parágrafo único, do Código Civil e também conforme a regulamentação da Lei de Sociedades Anônimas, a LSA, n. 6.404 (BRASIL, 1976). A sociedade anônima é criada por meio de um estatuto, e não de um contrato social. A diferença é que o estatuto determina quem vai administrar a sociedade, de que forma isso será feito. É importante ressaltar que existem diversos deveres na administração das sociedades por ações, justamente por captar recursos de toda a sociedade de forma direta. Assim, o administrador tem o dever de diligência, de lealdade, de informar as situações da empresa de maneira real aos acionistas, bem como de manter sigilo em razão de suas funções e atividades. A diferenciação entre a sociedade anônima de capital aberto e a de capital fechado é simples: ter ou não seus papéis (ações, debêntures ou partes beneficiárias) negociados naquilo que se chama de mercado de balcão. Aqui no Brasil, o mercado de balcão (bolsa de valores) é operado pela B3. Saiba mais O mercado no Brasil é exercido pela B3, ou Brasil, Bolsa, Balcão. Trata-se
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