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EDITORA ATLAS S.A. Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elísios] 01203-904 São Paulo CSP) TeL.: CO 11) 3357-9144 (PABX) www.atJasuet. com.l>r Delson Ferreira Manual de Sociologia Dos Clássicos à Sociedade da Informação 2- Edição c/> SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A 2003 O C3 CZl C—3 o cri 0 W D o tmJk '-Z: C~:i Sociologia: História e Desenvolvimento 2.1 A SOCIOLOGIA E O DIA-A-DIA: AS RELAÇÕES SOCIAIS Os indivíduos, dos primeiros momentos da História aos dias de hoje, estabe- lecem relações entre si que fazem parte de suas rotinas cotidianas. Voltadas para a resolução de problemas práticos ou abstratos, que vão da satisfação dás necessida- des vitais básicas à solução de intrincadas questões científicas ou filosóficas, essas relações fundam-se em interações que ora começam por impulsos originados no indivíduo, ora iniciam por influências oriundas do grupo ou da sociedade. Constituindo um dos parâmetros fundamentais que definem a vida social, há uma tensão permanente entre os impulsos que partem das necessidades do indiví- duo e as demandas que provêm da sociedade. Não é difícil confirmar essa afirma- ção. Nas conversas do dia-a-dia entre as pessoas, é comum o seguinte diálogo: - 'Você agiu por impulso pessoal ou por pressão do grupo?" - "Eu agi por minha conta e risco, não dou importância ao que os outros pensam!" Ou, - "Eu agi de acordo com o grupo, dou muita importância ao que os outros pensam!" O cn D eu Embora haja escolhas pessoais de vida embutidas nessas interações, elas cor- respondem quase sempre a circunstâncias sociais. As questões que envolvem a teia INI RUDUÇAO A-SOCIULOblA. dej^lajõcs existi* nresencre os indivíduos na vida coletiva çpoflguiam< portanto, o dç pkm tdn tl^nciftl^gijH, " — Desse modo/as primeiras teorias sociológicas, surgidas em meados do século XIX na HujGjja. voltaram o foco de seu interesse para o problema da relação dos in- divíduos entre si e com a sociedade. Segundo Tomari (1993:15], saj não sSo encontradas na natureza ou na vontade individual mas antes de- vem ser procuradas na sociedade, nos grupos sociais ou nas situações sociais que as condicionam. É tentando explicar essas situações que a sociologia colo- cará como básico o relacionamento indivíduo e sociedade. A sociologia vol- ta-se o tempo todo para os problemas que o homem enírenÍQrmdia-a-âia dc sua vida em xnc.ie.dadp". Os primeiros sociólogos construíram conceitos voltados para a tentativa de in- terpretar por critérios científicos a realidade social. Esse foi o primeiro embate vivi- do por tal ciência, que é uma das marcas centrais do mundo ocidental moderno, uma vez que o passo a ser dado implicava superar, pçr meio da razão, os ditames co- locados pelos ensinamentos do senso comum, que até então dominavam a maior par- te das interpretações e explicações sobre o sentido da ação coletiva humana. 2.2 A RELAÇÃO INDIVÍDUO E SOCIEDADE: OBJETO DA SOCIOLOGIA Os cientistas sociais, ao trabalharem com a realidade social, estavam interes- sados em explicar como ações vindas da motivação individual podiam ser coteja- das com ações coletivas, como normas de conduta coletiva eram incorporadas e in- ternalizadas pelos indivíduos, e como a práxis coletiva determinava o comporta- mento de diferentes grupos sociais. Em todas essas variantes estava em. fofo a ne- _r.pf;,«jidade ri e compreensão da relação indivíduo/sociedade;, que se tornou o objeto _ ffon prininipm mrrnH g^ rpa1i7,ados. É relevante observar que não existe um conceito único de indivíduo válido paia toda a História. Este varia de uma cultura para outra, sendo determinado por condicionantes históricas e locais específicos. As sodedadesJ!3atam-,^.£{uestão da m ^ v j d i i a l M a ^ A TO^teijiilfeos, algumas a submetendo aos imper^õs*Hã primazia do coletivo e outras permitiado mais espaço pará sua manifestação. O conceito de indivíduo. tal corno ainda é conhecido nos dias de hoie,. é fruto da moderai fade fjmr^uesa européia, que cunhoy sundividualismo como uma das marcas essenciais de sua expressão cultural, a partir da concepção geral de que SOCIOLOGIA: HISTORIA E DESENVOLVIMENTO 3 3 jte. Os fundamentos dessa yisa.o são encontrados na maioria dos teóricos do Estado Moderno e na compreensão de ciência proposta por Bacon, passando pela filosofia científica de Descartes, pela física de Newton e pela teoria evolucionista de Dar- win. De acordo com Capra (1987a:44). "desde o século XVII, a física tem sido o exemplo brilhante de uma ciência 'exa- ta', servindo como modelo para todas as outras ciências. Durante dois séculos e meio, os físicos se utilizaram de uma visão mecanicista. damimdxLfuuajk.- xpnvnlvpr f refmnr n eetmtiirn rrj^jhi^^^pJ^hheritin cpjnO fíàaiçlás- sica. Basearam suas idéias na teoria matemática de Isaac Newton, nafílosofia de Renê Descartes e na metodologia científica defendida por Francis Bacon, e desenvolveram-nas de acordo com a concepção geral de realidade predomi- nante nos séculos XVII, XVIII e XJX. Pensava-se que a matéria era a base de toda a existência, e o mundo material era visto como uma profusão de objetos separados, mgntgjteis^mLuuLg^ Tal como as máquinas construídas por seres humanos, achava-se que a máquina cósmica também consistia em peças elementares. Por conseguinte, acreditava-se oue_ j menos complexos podiam ser sempre, e^^jj^pi^esâe. que se os reduzisse a ^eusjauapaagatejifla^^ os mecanismos através dos quais essess£aapaaení£^intera^em. Essa atitud^còlífiecida como réãucionismo,Ji- cou tão profundamente arraigada em nossa cultura, que tem sido freqüenta mente identificada com o método científico. As outras ciências aceitaram os pontos de vista mecanicista e reduáonista da física clássica como a descrição ' correta da realidade, adotando-os como modelos para suas próprijxs teorias. Os psicólogos, sociólogos e economistas, ao tentarem ser científicos, sempre se voltaram naturalmente para os conceitos básicos da física newtoniana", No entendimento de Tomazí (1993:16), a existência de um mercado na so- ciedade capitalista, no qual os proprietários individuais produziam e comerciavam suas mercadorias, criou as condições para que seigdumsejodEi sogedjde^apenas Pelo lado dos cientistas sociais foi aceito o paradigma que definiu o indiví- duo como não afetassa-3-Qrdem. estat a coletividade. a A Sociologia,, ainda segundo Tomazi, sem ser essencialmente *antagônica^ao que estava estabelecido pela/?rffm hiirr"""- nasceu como uma tentativa de rea- ção aQlndividimLLsinjinFedomnmte na Europa capitalista. Etâ^pfi&iããnfflMãdi' ação individual no qual se baseava grande parte da teoria econômica Hberalda época. O homem passou a ser visto, do ponto de vista socio- lógico, a partir de sua inserção na sociedade e nos grupos sociais que a compõem. 3 4 INTROE UÇÃO k SOCIOXOGLA Nesse sentido, ora jmfatízamaaçâciack^^ autores privilegiam o papel ativo do indivíduo na escolha das ações sociais, enquanto outros enfatizam o papel da sociedade e de suas instituições, ougps^_ainjj.a. ressaltam importância ao corh iun rndgsj) rrític.n s. qnp def inem as pT^pnasrela<?ões entpeJi idivíduoje- .SQtiedadg, 2.3 SAINT-SIMON: O PRECURSOR MODERNO DA SOCIOLOGIA Uma das ocupações 9rÍ£maiS-dâJodplogia foi relativa aos conflitos entre as cJâües sociais. As freqüentes crises no âmbito das relações econômicas e as incom- patibilidades decorrentes das transformações provocadas pela Revolução Indus- trial engendraram preocupações nos estudiosos voltadas para o entendimento do processo desses conflitos, compreensão que seria voltada para a tentativa de solu- ções que não implicassem a transformação essencial do sistema econômico e social recém-estabelecido na Europa. Essas circunstâncias vieram possibilitar tuna nov^^iLniSLá&MDSar,,que se caracterizou comopositivis- mo^cuja prmqlpaçãft hA^caMjntiith, nn tentrjfni^ 3o nrnn^fqf^n £ rCCStVU- turação da sociedade, busc^do_ai£resep'ação e manutenção da nova ordem • capitalista" fBedone. 1989:291. Está dada a conjuntura histórico-politica que abriu espaço para a atuação in- telectual do pensador que f o i n P.Zr."r':nr mnfjf'rnft ffa Sociologia. Claud&jfelELde , RquyrQyjCoflda. de S a i a ^ S Í B i a a 4 4 J ^ i 8 2 5 ) . contava 2 9 anos no momento de eclosão da Revolução Francesa e viveu, em sua vida pessoal, a transformação polí- tica que acontecia com o fim do Antigo Regime e a ascensão da burguesia. Rompeu com sua condição nobilitária aos 40 anos, pregando o fim absoluto dos resquícios da sociedade feudal, no momento em que vivia intensa inquietação intelectual motivada por seu encontro com a racionalidade científica. Seu pensamento. ,aue foi influenciado pelas idéias revoli irinnãrí at hiirgiiipsas. docomo um ponto de partida de dnas fnrmas oposta&4^eB3|^ens|£dasocieda- _de: a positivista e a sncialistci. Uma das temáticas centrais de sua obra decorreu de sua crença de que, na nova sociedade que nascia, a racionalidade econômica bur- tjya da antiga orden^eãasQcialjormqciajigieiiÁalismo. ft^JftíJessa racionalida- de era., paia eLe, a indústria,nn p^ie. alg cfoarpnu de sfctma industrial. Smprofis- são de fé criou doutrina e fez seguidores: ela, o inlustrialisnío; eles, os sairit- sirnonistas. \ SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 3 5 .^OsprincípioS indiistrialistas eram tecnocráticos e fundamentados no cimento^mõtTyâ^pelajaiaÍQ-dfintífica. Considprgnfl^ a nficir;a p^odii* J^j^quc anulava as antigas distinções originadas pela condição do nascimento, ressaltava, em outra medida, as diferenças de capacidade entre os integrantes des- sa fábrica social. Para a indústria, não interessava a origem familiar de sua mão-de-obra, mas interessava muito sua estratificação a partir de diferentes capa- conquistaria algo inédito para a humanidade: transfoxio.a£.ajiatureza de forma qf: progresso obtido pelo avanço dagrodu- ção pudessem assegurar a rnrios os sf?m m p m h r n V ã c ã E g i g S f a ^ õ ^ ^ s j i e ç ç s - jMadesuaaW^ès^^i t i f f iâ iS* Esse sistema positivo deveria ser comandado por uma plite df^nl-^fl-^rq j^p- lectual e e c o n ô m i j ^ ^ x i & a ^ ^ .a quem cabmaax espoimhíMfe de de prover condições convenientes de vida à classe trabalhadora, por meio da .fiuada, de maneira que os conflitos epcre as classes pudessem ser atenuados, piciando, pela acomodação, a vivência plena da ordem, da paz e do progresso. A nao-concretização desses preceitos, por parte do processo real de desenvolvi- mento que ocorria nessa fase do capitalismo, arrefeceu os ânimos inâi^tTjnhctm •cfflinf-)?imnn 1Q fírfl <Jr v"i ; 1 A continuidade da ^ i s é r i ^ . q y q j t j j ^ g j j f . modo arroz aclasse trabalhadora: aproximou-o da nascente visão socialista, a poii- to de alguns o considerarem um de seus primeirosfonnuladores/" . A c.oncenrãn rip sncjpflflr^ ^"snf pf nrindftir d^frrminiin peso da influência que , ele exerceu sobre a primeira das sociologias clássicas, a positivista. P^ra Saint- Simon (1066, t. 5:177-179): "a sociedade não é uma simples aglomeração de seres vivos (...); pelo contrá- rio, é uma verdadeira máquina organizada, cujas partes, todas elas, contri- buem de uma maneira diferente para o avanço do conjunto. A reunião dos ho- mens constitui um verdadejj-p SÇR,. cuja existência é mais ou menos vigorosa ou çlaudicante, conforme seus órgãos desempenhem mais ou menos regular- mente as funções que lhes são confiadas". 2.4 ÁUGUSTE COMTE: O PENSAMENTO POSITIVISTA E AS RELAÇÕES SOCIAIS O positivismo voltado para a análise 5nciaLt££e_eniAugusLe,CQmte (1798-1857) _ um dtó ^incip^.fQjmjiUjj.ores. Ele foi assistente de Saint-Simon e construiu sua obra a partir do embasamento teórico vindo das idéias simonianas, conferindo- lhes um corpo sistematizado que o primeiro não logrou organizar. — — 3 6 INTR.OUUÇÃO À. S 0 C I 0 1 0 GLA Comte1 iniciou suas reflexões partindo da realidade histórica de seu tempo, per- cebendo a aaecgm6ia.de uma crise, que era, a seu ver, resultante do confronto históri- co eu lie a antiga ordem feudal e a nova ordem capitalista, fundada 17a ipdiísiria e na cicnçiyjisse confronto estariaa provocar o quê ele ênter.Jeuromo desagregação mo- a L S, iMSlffltual q ^ r a r acreditava encontrar-se a Europa após as revoluções francesa e industrial. Para ele, s°ci4?iMs4.e humana, ponto de apoio para a unidade social, era constímído bqí: um jesnfytntp de princípios admiti- j j os em consensaj£la^CQletividadev que configuravam os modos <íe pensar, as re- presentações de mundo e as crenças. Era esse conjunto consensual que se desagre- g a v a d j ^ e j á a m g i m ^ t o . d a i m v a ordeiiLSQaMMegjesaJssa crú&.5áseriAjs.uafi- rada por meio da construçãodeüma nova coesão de pensamento que fosse capaz de reconstímitâJ2?^aLaLQ8tójáa. modernização indiisfríalájdeaíífica, O que Comte propôs não se limitava ao ato de compreender as relações sociais, seu intui- to era entender para interferir diretamente na ordem social, no sentido de acelerar. Ele acreditava que o espírito positivo conquistado recentemente pela sociedade industrial levaria sua reorganização em novas bases consensuais. Por isso, ligou a nova ciência, por elgjjefinida,em 1839 como Sociologia, ao positivismo, denominan- do-a de Fisica-social. Em sua concepção, essa disciplina deveria adotar os paradig- mas do mlioS&pSsTÉvo das ciências naturais, unia vez que "há leis tão determinadas para o desenvolvimento da espécie humana como há para a queda de uma peãran." % Comte aceitava plenamente os pontos de vista mecanicisía e redacionista da física newtoniana como modelos capazes de promover a descrição correta da realidade social, por isso os adotou rnmofimriamenrnsp^ra suas teoria^. Assim, o surgimento da Física-social não significava apenas uma adoção do método positivo a um novo ramo do conhecimento. Com ela, o espírito positivo deveria alcançar a maturidade e oferecer os elementos fundadores da formação do espírito da nova ordemburguesa. Assim como Saint-Simon, Comte admitia que a sociedade industrial necessita- va passar por mudanças morais importantes para que seu curso fosse reajustado na direção correta, Essas mudanças seriam comandadas também pelos cientistas e in- dustriais, para que o progresso pudesse ter livre fluxo, como conseqüência da ordem instalada. A Snáçlopia, ao estudar, explicar e intervir nos fatos da sociedade, seria o Comte estruturou seu pensamento a partir de uma Filosofia da História pecu- liar. Em sua visão, os estudos sobre a fisiologia cerebral do homem, revelavam que este era dotado de uma natureza caracterizada por uma irresistível tendência so- cial. Devido atalsoriabilidade.suahistòria constituiria no percurso do desenvolvi- mento e do progresso da natureza humana. C>homem seria, por SÜ7ERT], Eliare. Opcsitiwmo* arevoluçãc de 1930: a. construção do Estado modera» no Brasil^ passim, SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 3 7 tórico porque na História, e apenãLPgiyfr-qtiretesaaüzaria sua i 'yeL: ser socia]^ Para que se desenvolvesse completamente, a socie sar por três estágios. ou estados, n e c " - 1 Segundo essa lei, o primeiro estado da humanidade foi definido como teqln- ICO, NpIP, Dgn.s<:pHar>rpnfrn(Ífrr^Qr rnfnrftnn. ' . . .^.^. .^ v na sociedade,Nesse estágio, o homem viveria em um estado de a£ultumção^ànd&.. incipiente, que justificaria sua íntima ligação com a divindade. Deus seria o$regen- t ^ a yj^isocialj e o homem a ele diretamente vinculado, fosse por meio da relação direta ou pela mediação do Estado teocrático. Essa cnnrppçãni&océritrica da vida social..era fundada na impossibilidade humana de~aesse estado, abalizar syas ex- icaçõesna razão, uma vez que o espírito teológico era alicerçado na fé irracional. Esse espírito fornecia, outrossim, tanto às inquirições humanas quanto à organiza- ção social uma proto-idéia de ordem, de sistema, que explicava e justificava a orde- nação do mundo social. 9 O estado seguinte, definido pela lei comteana, foi denominado de metafísica._ Ele seria o elo intermediário entre os três, no qual a ^ plicação da sociedade já não passaria apenas j je la fundamentação na iniciativa divina. Por ser uma negação da ordem anterior, Q^spkilXLmetaJ^icq não conseguiria sistematizar seus princípios, servido apenas de transição histórica para o estágio seguinte..Deus não seria mais o isente a elá. Nesse esta-regente absoluto da vi^a social,, e^im uma essênciaj _ _ do,_o5 dogmas da fé anterior seriam questionados profundamente, pondo em dúvi- da seus fundamentos e dissolvendo o caráter orgânico de seu saber. jSe o estágio anterior definiaAe por^rdem, este, por ser de transição, revelava um sentidõcíê orogressc no percurso'daa\^zã^oHumar."a. e O último dos estados da Teoria da História comteana sena.p posjtivo, ponto de chegada histórico ao qual o espírito humano havia, naturalmente, sempre aspira- "__dp. hsse estágio encontraria sua expressão nasociedade captolistã'mõaêrnaTQ.hQ-„ mern. parflnflfl (if,vi^^/>f>nea^aaanímpocêntr^ça.&e c o t o c a r i ^ gente da vida social. Esse estágio só se afirmaria em plenitude quaMo seu método. após edificada a física social, passasse a coordenar _cõnfêr^^ racional dos fenôme- nos natiirais,. resultando em um conjunto estável e coerente de leis invariáveis que, • umãSS*reconhecidas universalmente,"Severiam ser aceitas como doCTasTOessa forma, oespiníÕpl^tTtVõ f ò r n è c é n ^ s p r ê ^ t õ n v ^ a m e i ^ i s para a concepção de ,. uma unidade consensual para a nova ordem, assentada definitivamente, daquela hora em diante, na razão. Seu objetivo central seriaconduzir o p.ensamentohuma- no para a coerência racionatT^al^IglsflWfa^empre destinada. Nesse sentfçfiTé 4jpjçg. de sua 3 8 JNTUODU ÇÃ.0 Á SO CIOIOGIA " Essa nova ciência foi subdividida por seu instituidoi em dois campos de estu- do: jsráCtpaj; d^âm jççr não por acaso conceitos oriundos da mecânica newtonia- na. A estática definiu seu objeto de estufa pg nrdsm social, elemento responsável .pela preservação de toda a estrutura social, das instituições aue mantinham a coeP g e m i a m 0, fun^jgaamSBÍSLáãJ5l^^ a família, a religião, a proprieda- de, a Linguagem, o direito etc. A idéia central que sustentaria os estudos era a do -C0H|JH£,4We--tacaa^a a plurriidadELâggia^^ „ç&LAdinâmica, por seu lado, deveria voltar seu interesse para o progresso evoluti- vo ca sociedade, objetivando determinar suas leis e seu percurso sucessivo e inalte- rável. Voltado' para a compreensão da passagem da sociedade para formas mais complexas de convivência, como a urbano-industrial, esse campo de estudo deve- ria complementar estrategicamente o primeiro, conferindo uma abordagem com- pleta à investigação sociológica. Comte relacionou teoricamente esses dois campos de forma a privilegiar o es- tático sobre o dinâmico, ou seja, a conservação sobre a mudança, sinalizando com isso que o progresso destinava-se a aperfeiçoar os elementos da ordem, e não des- truí-los. Aqui, revela-se o conteúdo conservador, não revolucionário, da teoria comteana. O positivismo deveria, após afirmar-se em plenitude, tornar-se a expressão do poder espiritual da sociedade moderna, com a função de governar e manter os pre- ceitos reguladores das relações sociais. Esse poder seria exercido pelos filósofos e cientistas, que substituiriam, portadores da razão que eram, os antigos sacerdotes do estágio teológico. A teoria comteana desenvolveu-se ao ponto de propor a cria- ção de uma religião positivista, que representaria de fato esse novo£oder espiritual. Ojpoder temporal, por sua vez, seria exercido pelos industriais, uma vez que era na- tural que os ricos detivessem, por estar no topo da hierarquia das capacidades, o _ controle da autoridade econômica e social, Para Comte, a nova ordem industrial, fundada na expropriação e na organi- zação científica do trabalho social, concentradora de capitais e meios de produção nas mãos da burguesia, era uma decorrência positiva do progresso material e espi- ritual da natureza humana. O confronto de interesses entre trabalhadores e empresários era, a seu ver, produto de uma organização equivocada da sociedade e poderia ser superado com reformas que não alterassem a ordem maior. Elas aconteceriam em conseqüência de um movimento de opinião pública liderado pelo poder espiritualpositivista, que demonstraria aos dojios do capital a origem e o objetivo social deste, impedindo, pela conscientização dos de cima, que a riqueza social fosse administrada em prejuízo dos trabalhadores, que deveriam, por seu turno, limitar suas pretenso es e reivindicações materiais às possibilidades década moniênto. 0 pressuposto era de queaincorporaçáodomundodo trabalho ànova ordem social dependia de mudanças na concepção políticae econômica que servia de pa- radigma paia a sociedade industrial. Os estatutos da propriedade, da posse e da SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 3 9 gestão do capital e da organização do trabalho deveriam mudar, sem rupturas re- volucionárias. A inclusão dos trabalhadores à ordefn industrial compreendia sua transformação em agentes morais, sem, contudo, alterar substancialmente as con- dições concretas de sua existência. Resolver moralmente dificuldades de ordem, material, este o conteúdo social do positivismo comteano. No tocante à economia, sua compreensão opunha-se à concepção liberal do Estado, que o encara como um mal necessário, o que torna sua ingerência na gestão econômica ilegítima, indesejável mesmo. No momento em que concebeu a econo- mia como uma das partes do organismo social, ele entendeu ser necessária uma co- ordenação maior que impedisse a radicalização da expressão do desejo do lucro, preexistente de modo egoístico em cada membro da sociedade, e tendente a gerar desordem devido ao conflito de interesses. O saneamento preventivo desse proble- ma viria por meio do poder público, que deveria, não só promover, mas também manter sob controle os rumos do desenvolvimento econômico e corrigir os desvios da economia de mercado. Em relação à política, suas posições foram imperativas: o governo deveria ser exercido em nome de todos e sua ação se daria pelo exercício da força material, impondo seu poder coercitivamente. Governar eqüivalia a ditar as normas de coordenação do todo social; para isso, todo governo deveria constituir-se em uma ditadura, de conteúdo autocrático e republicano. O poder legislativo deveria ser extinto, uma vez que sua função perderia sentido. Em seu lugar, existiria um cole- giado eletivo com funções estritamente financeiras, dedicado apenas ao controle rígido da ação administrativa relacionada ao erário público, objetivando o exercí- cio do governo de acordo com os princípios do equilíbrio orçamentário, não se admitindo ações de despesa sem receita correspondente. Tais condutas no exercício da política deveriam levar a sociedade no sentido da manutenção da ordem e da continuidade do progresso. Produto teórico de uma época de transformações sociais importantes, na qual a burguesia consolidava seu poder econômico e o assumia politicamente, a fi- losofia proposta por Comte sinalizava a possibilidade de enquadramento do mun- do industrial em uma ordem que seria organicamente harmônica e de fundamento exclusivamente moral Seu positivismo aceitava como natural a ordem de domina- ção burguesa em processo de consolidação, buscando contrapor a ela um poder es- piritual regulador que, ao influenciar moralmente os homens e reformular suas re- presentações sociais, ofereceria um discursosobre o social no qual o ponto de vista da burguesia apareceria como universal a todos os sujeitos, uma vez que apenas esseponto devista garantiria a manutenção da ordem. Nesse sentido, o Estado ab- sorveria e ocultaria tanto a divisão quanto a luta de classes, configurando-se como elemento aglutinador e homogeneizador das relações sociais. A liberdade era váli- da e aceita nesse contexto até o ponto em que não se tomasse ameaça ou desafio à dominação burguesa, expressão final da ordem pública. 40 INTROD UÇAO A SOC1OLOG3A O pensamento sociológico2comteano exerceu marcante influência sobre inú- meros autores em diversas áreas do pensamento social do século XX, entre eles Spenccr, Espinas, Ward3 Durkheim e seus seguidores, Raymond Aron e Claude Lé- vi-Strauss, por meio de Mauss. Sua filosofia social e política exerceu notável pre- sença em alguns pafses latino-americanos, como México, Chile e Brasil, em espe- cial. Aqui, foi um dos fatores determinantes na proclamação da República, na defi- nição do atual pavilhão nacional - ver o lema Ordem e Progresso - , em diversas di- retrizes constitucionais republicanas e no espírito da legislação trabalhista legada pelo governo de Getúlio Vargas. As idéias de Comte ganharam, no Brasil (Superti, 1 9 9 8 : 3 2 , 1 4 1 e 143), rea- lidade prática no embate político-ideológico que marcou o nascimento da Repú- blica. Por trazer em seu bojo uma proposta de reformulação moral da sociedade, na qual ordem e progresso se compunham como partes de um processo único de realização da natureza humana, o positivismo atraiu seguidores em virtude do conteúdo progressista que continha, quando do final do período imperial brasi- leiro. Nesse sentido, suas teorias participaram ativamente da construção do Esta- do moderno no Brasil. EXERCÍCIOS REFLEXIVOS 1. Um dos objetivos centrais da Sociologia é constituir um conhecimento científico so- "" • bre a realidade soáai Por isso, suas pesquisas constroem teorias que devem, neces- sariamente, ser confrontadas com essa realidade. Partindo dessa afirmação,'redija um texto no qual você trabalhe sobre os seguintes pontos- | ^ n - " tf* - a relação entre a Sociologia e o cotidiano* * v , ' ' mV a relação entre o indivíduo e a sociedade. • ' j, • - ' ,*>. . * 1 ~ S ^ * +: iv-^H'* « - • A ^ * J ' ' ' - *; - J* . ™ f - , ' - 2. ' 0 problema "básico para. os primeiros teóricos da Sociologia parece tér girado em ' ' .tpino da qúestão 4a individualidade e da ação coletiva a^õcial. Produza urrf bçeve -- texto no qual Você explique, com aígumentps própjriòs, Tos motivos quê ftzeràâi os", v ? primeiros sociólógosJpreocupareín-Se com essasçuestões: • / k " , ' - 3.'- S&n^Sanon CX7$0-1S2S) recebeuinfluêAcía^portaaté das idéias iev^lucioni- ;-rias l>urguesas^ pmcipalmente à^ue^ as vindas do$j|lôsa|o5 ^ urníni^ as^Po-rjfçáO,^ p ^ a d o p ó a a l . ^ J ^ 1 " í z. MORAES PI1HO, E. Comte: sodoJogi.il, p. 38. SOCIOLOGIA; HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 4 1 4. Comte (1798-1857) trabalhou com uma Teoria da História que ficou conhecida ' como Teoria dos Três Estados. Segundo-sua compreensão, os estágios pelos quais a ' humanidade teria passado são os seguintes: teológico, metafísico e positivo., Expli- que; resumidamente, esses estágios e responda: qual foi sua intenção em construir ••'.^esíateòríá?:\liLf ' 5. "O progresso tal como aqui é entendido - não poderia questionar a estrutura social • naquilo que ela tem de permanente" (Cuin e Gresle, 1994:34). Explique a noção de progresso contida na teoria positivista de Auguste Comte'e os motivos pelos quais ele não admitia o questionamento da ordem-estabelecida pela sociedade industrial. O Positivismo Sociológico V. O o o a a CZ) a cn a cn 3.1 A SOCIOLOGIA POSITIVISTA 0 positivismo adotou parâmetros teóricos que pressupunham que os códigos re- -guladores dos âmbitos/ístco e social diferiam quanto a seu caráter: os primeiros seriam relativos a acontecimentos do mundo dos fenômenos exteriores aos homens; os se- gundos, aos fatos pertinentes à problemática das questões humanas ligadas à intera- ção e à convivência social. A profissão de fé de que esses âmbitos possuíam uma ori- gem comum, ou seja, natufül, levou os pensadores positivistas a aproximá-los, apesar do reconhecimento de suas diferenças características. A evolução acelerada dos méto- dos de pesquisa das ciências naturais - Física, Química e Biologia - , que ocorria no sé- culo XDC, atraiu os cientistas sociais positivistas para a lógica dos procedimentos de in- vestigação dessas ciências. Desse modo, a sociedade veio a ser concebida por eles como um organismo combinado de partes integradas e coesas que funcionavam harmo- niosamente, conforme um modelo físico ou mecânico de organização. Devido à adoção "desse paradigma, o positivismo foi denominado ainda de organicismo. Ele é também definido até os dias de hoje, principalmente pelos críticos de suas concepções teóricas, como darwinismo social (Costa, 1987:44-45). Essa qualificação é decorrente da influência importante que as pesquisas de Charles Darwin exerceram sobre sua forma de ver a sociedade. A visão darwinista sobre a evolução das espécies es- tabelece, era linhas gerais, o seguinte: todos os seres vivos se transformam ininterrup- tamente, tendo por desígnio seu aprimoramento e o cumprimento da necessidade de garantia da sobrevivência, Decorrente desse processo, os organismos tenderiam a SOCIOLOGIA H.ÁSS1C/V adaptai-se em níveis cada vez melhores ao meio ambiente, criando formas mais com- plexas e avançadas de vida, que possibilitariam, por meio da ocorrência de uma com- petição natural, a sobrevivência apenas dos seres mais aptos e evoluídos. Esses parâmetros, adaptados para as análises das relações entre os indivíduos e a sociedade, ensejaram o darwinismo social, ou seja, a crença científica de que as socie- dades mudariam e evoluiriam segundo padrões históricos permanentes. Essas trans- formações representariam sempre a passagem de um estado inferior para outro su- perior de civilização, no qual o organismo social se mostraria mais evoluído, mais adap- tado e mais complexo. Como conseqüência, essas mudanças garantiriam a sobrevivên- cia apenas dos organismos - sociedades e indivíduos - mais fortes é mais evoluídos. Aqui está o fundamento teórico que justificou amplamente, a partir da segun- da metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, o argumento da chamada superioridade cultural européia sobre os outros povos e culturas. Essa tese, largamente difundida pelos meios de divulgação cultural em todo o mundo letrado, serviu como justificativa ideológica aos propósitos políticos e econômicos das potências européias em sua fase de expansão neocolonialista sobre os conti- nentes africano e asiático. O imperialismo europeu encontrou na visão positivista o abono científico para a continuidade de sua ação de extração das riquezas perten- centes a outras regiões do planeta. Parcela importante dos cientistas sociais europeus, antropólogos, sociólogos e juristas aceitava com tranqüilidade, e não podia ser diferente a partir da postura teórica que adotavam, a idéia de que as sociedades de culturas tradicionais da Áfri- ca, da Ásia, da América e da Oceania eram apenas exemplares de estágios anterio- res, primitivos ou teológicos, do passado da humanidade. Essas sociedades mais simples e de tecnologia menos avançada deveriam dirigir-se naturalmente a níveis de maior complexidade e progresso na escala da evolução social, até atingir o topo positivo, em que se encontrava àquela hora a sociedade industrial capitalista euro- péia. As sociedades que não pudessem ou quisessem atingir esses patamares de ci- vilização estariam fadadas ao fim, por inaptidão ao avanço histórico. De um ponto de vista teórico, a sociologia positivista foi configuradapela ten- tativa de seus formuladores em constituir seu objeto de pesquisa, pautar seus méto- dos e elaborar seus conceitos à luz das ciências naturais, procurando chegar à mes- ma objetividade e ao mesmo êxito, nas formas de controle sobre os fenômenos so- ciais estudados, que aquelas estavam obtendo. fc Caracterizando-se pela vai oração dada aos fatos e a suas relações, tal como dados pela experiência objetiva, e pelo corte reducicnísta da filosofia aos resulta- dos obtidos pela ciência, o positivismo foi o pensamento social que aclamou o mo- dus vivendi do apogeu da sociedade européia do século XIX, era franca expansão econômica. Vem daí sua tentativa persistente na busca da resolução dos conflitos sociais por meio da exaltação kccesãosk harmonia naturalentre os indivíduose ao be:m-citar do tcdosccíal (Costa, O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO 4 7 3.2 ÉMILE DURKHEIM E OS FATOS SOCIAIS Esse intelectual viveu entre 1858 e 1917, período que compreendeu o ápice e a primeira grande crise interna do capitalismo monopolista europeu. De seus 59 anos vividos, em mais da metade presenciou a opulência burguesa francesa, en- quanto a fase final assistiu à tensão pela disputa de mercados entre as potências européias ser levada às últimas conseqüências. Em seu país, a França, preocu- pou-se com o que ele chamou de "vazio moral da IIIa República", com os conflitos entre o capital e o trabalho decorrentes da Segunda Revolução Industrial, com o impulso do ideário socialista e com os rumos ali tomados pelo capitalismo. No pla- no internacional, sua vida abrangeu do desenvolvimento do neocolonialismo à eclosão da Primeira Guerra Mundial, com seu término e o início da primeira gran- de revolução socialista, a Revolução Russa de 1917. Durkheim compreendia o quadro perturbador colocado pela emergência da questão social, mas discordava essencialmente do conteúdo de soluções que come- çava a ser proposto pelo pensamento socialista. Suas convicções defendiam que os problemas sociais vividos pela sociedade européia eram de natureza moral e não de fundo econômico, e que estes sobrevinham devido à fragilidade decorrente de uma longa época de transição. A dialética da chamada Belle Époque1 é instigante: este é visto pela historiografia como o momento do apogeu do capitalismo imperia- lista europeu. Entretanto, no interior da sociedade européia - no âmbito das rela- ções entre a burguesia e a classe trabalhadora - , o desenrolar do processo social le- vava à radicalização dos conflitos que redundariam na saída socialista russa e no advento posterior do Welfare State. No tocante ao problema da relação indivíduo-sociedade, Durkheim tomou posição a favor desta. Ele entendia que a sociedade predominaria sobre o indiví- duo, uma vez que ela é que imporia a ele o conjunto das normas de conduta social. Seu esforço foi voltado para a emancipação da sociologia em relação às filosofias sociais, tentando constituí-la como disciplina científica rigorosa, dotada de método investigativo sistematizado, preocupando-se em definir com clareza o objeto e as aplicações dessa nova ciência, partindo dos paradigmas e modelos teóricos das ciências naturais. Ao desenvolver a sistematização de seu pensamento sociológico, Durkheim diferenciou-se de Saint-Simon e Comte, uma vez que seu aparato conceituai foi além da reflexão filosófica, constituindo um corpo elaborado e metódico de pres- supostos teóricos sobre a problemática das relações sociais. Em função desses as- Segundo Azevedo (1997:56), essa é uma "expressão francesa empregada para caracterizar um período de tranqüilidadesocialede supremacia burguesa nas grandes cidades européias, durante os p rim t iras anos do século XX. A Belle Époque assinala também uma fase de expansão internacional do ca- pitalismo. (,..)Ma realidade, soba opulência e a riqueza, o descontentamento social não era pequeno, como pareciam demonstrar as freqüentes greves ocorridas." 4 8 ° SOCIOLOGIA CIASSICjA ) pectos teóricos originais, os estudos de Durkheim ganharam relevância para as ciências da sociedade, tornando-se parâmetros para vários ramos de pesquisa so- ciológica até nossos dias. Para ele, a Sociologia deveria ser um instrumento científico da busca de solu- ,ções para os desvios da vida social, tendo, portanto, uma finalidade dupla: além de explicar os códigos de funcionamento da sociedade, teria como missão intervir nes- se funcionamento por meio da aplicação de antídotos que pudessem mitigar os ma- les da vida social. Em sua compreensão, a sociedade, como qualquer outro organis- mo vivo, passaria por ciclos vitais com manifestação de estados normais epatológi- cos, ou seja, saudáveis e mórbidos. O estado saudável seria o de convivência harmô- nica da sociedade consigo mesma e com as demais sociedades, harmonia essa a ser obtida pelo exercício imperativo do consenso social. O estado mórbido, doentio, se- ria caracterizado por fatos que colocassem em risco essa harmonia, os acordos dc convivência, o consenso e, portanto, a adaptação e a evolução histórica natural da sociedade. Ora, se a Sociologia devia, nessa concepção, ser uma espécie de medicina so- cial, ela carecia de ocupar-se de um objeto que lhe permitisse fornecer a chave ex- plicativa dos códigos de funcionamento da sociedade: os fatos sociais. Esses fatos foram elevados por Durkheim à categoria de objeto de estudo, e sua busca de com- preensão deles direcionada para o favorecimento da normalidade do curso da vida social, transformando-se, dessa maneira, em um tipo de técnica de controle social voltada para a manutenção da ordem estabelecida pelo sistema social vigente. Em sua definição de/ato social, Durkheim exprime-se da seguinte forma: é "toda a maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de urna sociedade dada, apre- sentando uma existência própria, independente das manifestações indivi- duais que possa ter" (1972:11). Segundo Rodrigues (1995:52), "este parentesco estreito entre a vida e a estrutura, entre o órgão e a função, pode ser facilmente estabelecido em Sociologia porque^ entre os dois termos ex- tremos, existe toda urna série de intermediários imediatamente observáveis". Deve-se entender que, na sociologia durkheimiana, a perspectiva éholístiça, ou seja, o todo (sociedade), apesar de ser composto por suas inúmeras partes (indi- víduos), prevalece sobre elas. Desse modo, o fato social teria a faculdade decoju- trangir, de vir de fora e de ter validade para todos os membros da sociedade. Delimitando e dando especificidade ao conceito, os fatos sociais possuiriam três caract<erísticas.fuii.daineiitais: acoerpâo social seria o influxo exercido pelos/a- tos sobreos indivíduos, iudii mdo-os â aceitação d as regr as vigentes 3\a sociedade, O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO 4 9 a despeito de seus anseios e opções pessoais. A subordinação de todos aos estatu- tos das leis é o melhor exemplo dessa situação. Aqui, a medida da coerção seria es- tabelecida pelas sanções a que os indivíduos estariam sujeitos a partir do momento em que não se conformassem com as regras sociais. A exterioridade se definiria em função de os fatos existirem antes e/ora das pessoas, atuando de modo autônomo em relação a seus desejos ou apoio consciente. Durkheím elucida essa característi- ca citando os sistemas de moedas, os instrumentos de crédito, as práticas profissio- nais, que funcionariam independentemente do uso que delas os indivíduos fizes- sem. Por fim, a generalidade existiria devido ao fato repetir-se, pela imposição> na maioria ou em todos os membros da sociedade. As formas comuns de habitação, de comunicação, ou o que esse autor denominou de "vida mais ou menos cristalizada" constituiriam os exemplos dessa derradeira característica dos fatos sociais. Durkheím defendeu uma postura deabsoluto rigor e não-envolvimento fren- te ao objeto de estudo da Sociologia. Para ele, o comportamento do cientista social deveria ser de distanciamento e sua posição, de neutralidade frente aos fatos so- ciais. Apenas essa atitude é que garantiria a objetividade de sua análise e, portanto, suas bases científicas. Esses fatos deveriam ser encarados como coisas, objetos exteriores ao pesquisador. Cabia-lhe apenas a obser\>ação, a medição e a compara- ção dos fenômenos sociais, não importando o que o próprio pesquisador ou os indi- víduos cogitassem ou afirmassem sobre sua natureza. Isso significa que tais fenô- menos necessitavam ser levados em conta no tocante a suas manifestações coleti- vas, distinguindo-se dos eventos individuais ou acidentais. O interesse cientifico durkheimiano era inteiramente voltado para a compreensão do funcionamento das chamadas formas padronizadas de conduta e pensamento, definidas por ele 'como consciência coletiva, que configurariam a moral adotada pela sociedade. Nesse sen- tido, ele pode ser visto como o primeiro dos sociólogos funcionalistas. 3.3 DURKHEÍM E "AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO>' A obra de Durkheim publicada em livros corresponde a quatro trabalhos, que se tomaram marcos metodológicos para a história das ciências sociais. Saneies: de - .1893, Da divisão.do trabalho socfcL originâji^ejua_tgse de doutorado/oe 1895, As regras do método sociolóáarÃe 1897, O suicídio: e, de 1912, As formas elemen- tares da vida religiosa. Em paralelo a seu trabalho como professor uiüveiiitáríõ7 fundou"TTêvis£ãT7ínnee Sociologique, à qual se dedicou de forma notável, tendo ali publicado uma série numerosa de artigos e resenhas voltados para a reflexão sociológica. As regras do método sociológico foi a primeira obra voltada para a discussão e definição de um método de pesquisa sociológica produzida por um pensador social. Esse livro, que causou impacto importante nos meios intelectuais franceses quan- í ?0 C T i do de suji publicação, consiste em uma demarcação teórica do conceito de fato Micial, que, ao mesmo tempo, delimita a especificidade do campo de estudo da Sociologia, distinguindo-a das preocupações da Psicologia. Segundo Durkheim, esse método (Rodrigues, 1995:27) define-se a partir de três fundamentos princi- pais: a independência em relação a qualquer filosofia, a objetividade e a determina- ção exclusivamente sociológica, todos a apontar que os fatos sociais são, antes de qualquer consideração analítica, coisas sociais. Suas palavras, ao final dessa obra, demarcam com exatidão aquele que seria, a seu ver, o campo da Sociologia: "Fizemos ver que um fato social não pode ser explicado senão por um ou- tro fato social e, ao mesmo tempo, mostramos como esse tipo de explicação é possível ao assinalar no meio social interno o motor principal da evolução co- letiva. A Sociologia não é, pois, o anexo de qualquer outra ciência; é, ela mes- ma, uma ciência distinta e autônoma, e o sentimento do que tem de especial a realidade social é de tal maneira necessário ao sociólogo, que apenas uma cul- tura especialmente sociológica pode prepará-lo para a compreensão dos fatos sociais." 3 . 4 A QUESTÃO DA SOLIDARIEDADE Na concepção durkheimiana, a Sociologia deveria voltar-se também para ou- tro objetivo fundamental: a comparação entre as diversas sociedades. Para isso, esse autor estabeleceu um novo campo de estudo, a morfologia social, que consisti- ria na classificação do que ele chamou de espécies sociais. Em seu entendimento, essa atividade só poderia ser realizada partindo de um rigoroso controle do pro- cesso de observação experimental. Fundamentando-se nesse parâmetro, fixou que o percurso de passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica se- ria o motor de transformação histórica de toda e qualquer espécie de sociedade, A seu ver, a divisão do trabalho concebida pela formação da estrutura de pro- dução industrial capitalista incentivava e levava ao exercício de uma nova forma de solidariedade entre os homens, impelindo-os a uma interdependência e não aos conflitos sociais. BLe acreditava que a ciência social poderia, por meio de suas in- vestigações, encontrar soluções para os problemas fundamentais de sua época ao largo desses conflitos. O primado da especialização, n ecessária ao desempenho das novas funções no rnundo do trabalho, estabelecidas pela lógica da organização in- dustrial, levaria os indivíduos a essa nova forma de solidariedade, conferindo-lhes maior auton omia p essoal e ema r>cipa ndo-os d a tu te la dos antigos costumes vigen- tes nas formas anteriores de organização produtiva, Essa nova interdependência, funcional é que os afastaria dos choques sociais. Em sua compreensão., o que ele denominou de i o lidariedaáe mecânica impe- rou na história de todas as sociedades anteriores ao advento da Revolução Indus- O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO 5 1 trial e do capitalismo. Nelas, os códigos de identificação social dos indivíduos eram diretos e se davam por meio dos laços familiares, religiosos, de tradição e costu- mes, sendo completamente autônomos em relação ao problema da divisão social do trabalho, que não interferiria nos mecanismos de constituição da solidariedade. Nesse caso, a consciência coletiva exerceria todo o seu poder de coerção sobre os in- divíduos, uma vez que aqueles laços os envolviam em uma teia de relações próxi- mas que acentuavam o controle social direto por parte da comunidade. A solidariedade orgânica se manifestaria, por sua vez, nas palavras de Dur- l&eim, de modo inteiramente diferente da mecânica. Peculiar da sociedade capita- lista moderna, em função direta da divisão acelerada do trabalho, que nessa socie- dade exerceria influência decisiva em todos os setores da organização social, leva- ria os indivíduos a se tornarem interdependentes entre si, garantindo a constituição de novas formas de unidade social no lugar dos antigos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas, que caracterizavam a vida pré-moderna. Os antigos laços diretos da consciência coletiva se afrouxariam, conferindo aos indivíduos maior autonomia pessoal e cedendo espaço aos mecanismos de controle social in- diretos, definidos por sistemas e códigos de conduta consagrados na forma da lei, Se em Comte a Teoria da História pressupunha a passagem contínua das so- ciedades por etapas, ou estágios de desenvolvimento, que iriam do teológico ao po- sitivo, findando a marcha histórica da humanidade neste, ern Durkheim a postura finalista quanto ao devir do processo histórico não muda, apenas sofistica-se, uma vez que sua compreensão continuou sendo etapista e fatalista, ou seja, seguiu prescrevendo para as civilizações o percurso único e inevitável que as levaria dos estágios inferiores aos superiores de cultura e organização social, que findari"am, necessariamente, com o advento da sociedade capitalista industrial, A visão de História dos positivistas padeceu de seu fascínio pela modernidade burguesa, a ponto de admitir que, além dela, restava para o homem apenas o aperfeiçoamento da ordem que ela fundou, por meio das revoluções liberais. EXERCÍCIOS REFLEXIVOS 1. Produza um texto no qual você explique a forma pela qual os positivistas compreen- deram as relações sociais. Fundamente sua resposta estabelecendo ligações entre as visões sociológicas desenvolvidas por Comte e Durkheim. tí\<y . ^ 2. Explique a seguinte afirmação a respeito do pensamento durkheimiano: "a socieda- de prevalece sobre o indivíduo, impondo a ele as normas gerais de conduta social". 3. Defina, com argumentos próprios, o conceito durkheimiano de. fato social. Em se- •• • gnida, discorra sobre suas três características fundamentais. <4 ^ „ 52^,?S0C]0U)GIA CLÁSSICA 4. Se, pnra Durkheim^/aío social é "toda a maneirei de agir fixa ou não, suscetível de exercersobre o indivíduo uma coerçãc exterior, que égeral üa extensão de uma socie- dade dada, apresentando uma existência própria»independente das manifestações in-, ' dividuàis que possa ter", por quais motivos a Sociologia dúrfJieimiana pôde ser en-; • tendida, como uma tentativa de estabelecimento dè tuna técnica de controle social . que buscava a manutenção da ordem e do sistema de poder capitalista vigente? 5. ' O desenvolvimento de um método de pesquisa sociológica foi crucial para a Sociolo- • gia durkheimiana. Explique os fundamentos desse método e justifiquemos motivos • '•, teóricos que fizeram dele um instrumento vital para a análise sociológica desenvol-' vida por esse autor. ' , * » / , ' L • •• . • j« .V- ' i • "• »•• xf - -• * • -•»••' >•; f «Í íc l 6. Segundo a compreensão de Durkheim,- a divisão do trabalho social propiciada pela • • formação da produção industrial capitalista levava ao' exercício de uma nova forma . de solidariedade entre os homens, encaminhando-os mais para uma interdependên- . • - cia do que para os conflitos sociais. Por que ele entendeu o fenômeno da divisão do trabalho no capitalismo dessa f o r m a ? ! ' ^ t . , < '' •> 5 # soe inrxx.M c i A s s i c a "I. .Sc, para Durkheim, fato social é "toda a maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que égeral na extensão de unia socie- dade dada, apresentando uma existência própria; independente das manifestações in- dividuais que possa ter", por quais motivos a Sociolo giz durkheim iarta pode ser en- tendida como uma tentativa de estabelecimento de.iunà técnica de controle social ,! .' ,;que' buscava, a manutenção da ordem e*do sistema de.podereapitalista^vigente? 5, O desenvolvimento de um método de pesquisa sociológica foi crucial pára a Sociolo- gia durkheimiana. Explique os fundamentos desse método e justifique os' motivos ; • teóricos que fizéram dele um instrumento vital para a análise sociológica desenvol- * • f: vida por esse autor. ' . • 6. Segundo a compreensão de Durkheim, a divisão do trabalho social propiciada pela ' formação da produção industrial capitalista levava ao exercício de uma nova forma de solidariedade entre os homens, encaminhando-os mais para uma interdependên- • cia do que para os conflitos sociais. Por que ele entendeu o fenômeno da divisão do trabalho no capitalismo dessa forma? 'J c a rr.1 ti i; C3 ("l O O Pensamento Marxista í L-.] O rj » cn $ 4.1 O PENSAMENTO DIALÉTICO: O MATERIALISMO HISTÓRICO KarlMarx ÇTrier, 1818 - Londres, 1883) foi filósofo, historiador, sociólo- go e economista. Sua formação intelectual se deu na Alemanha, seu pals natal, tendo estudado Direito nas universidades de Bonn e Berlim. Defendeu seu dou- torado no ano de 1841, na cidade de Iena, com uma tese de filosofia sobre As di- ferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro, versando sobre o mate- rialismo na antigüidade grega. Antes de dedicar-se ao que ele mesmo chamou de "estudos de gabinete", foi redator-chefe de um jornal liberal de Colônia. Dei- xando a Gazeta Renana, estabeleceu intenso ritmo de estudos e de militância política e intelectual, que aconteceu no eixo Paris-Bruxelas-Londres, locais onde realizou a parcela mais importante de sua produção escrita. Ao lado de Friediich_EngsIs. C1S2Q-1903), foi responsável peia een£txu.ção de uma obra monumentah/oltada para a análise, a critica e a luta para a transformação radi- cal da sociedade capitalista. 0 quadro sociopolítico em que Marx viveu, primeiro em sua juventude na Alemanha, depois em sua passagem por três das principais capitais européias, é, em linhas gerais, semelhante ao que já foi delineado anteriormente. Dois diferen- ciais, noentanto, são importantes: no âmbito político, o processo tardio de unifica- ção liberal-bu rguesa viyido.pjQ£^e£paÍ5iLI^ránd e 18307"na esfera _a_cadênucã e in- telectual^ tradição filosófica alemã vinda de Kant eTíegel, que fomentou uma ati- 4 e 54 SOCIOLOGIA CLÁSSICA tudc antipositivista, expressa nas diferentes posturas de Marx, Dilthey e, mais tar- de, de Max Weber. A formação intelectual de fundo hegeliano produziu impactos importantes na estruturação do pensamento de Marx, bem como a experiência vi- vida posteriormente na França e na Inglaterra, países mais avançados no processo de industrialização do que a Alemanha. Em relação ao enfoque teórico, as principais linhas de influência que atuaram no desenvolvimento do pensamento de Marx foram três. Da filosofia de Hegel, após um período de militância na esquerda hegeliana e de leitura crítica do idealis- mo que ele passou a apontar nesse filósofo, vjeranLa_ass«oilaçãQ e a. aplicação pró- pria do chamado método dialético. Do pensamento socialista francês.do século XIX, representado principalmente por Saint-Simon, Fouriere Proudhon, foi construída a crítica severa ao que ele denominou de socialismo utópico, que constituiu a base de sua proposta dojocialismo científico. E, por fim, da leitura da obra dos econo- mistas clássicos ingleses, Adam Smith e David Ricardo, veio a edificação metódica da crítica à economia política burguesa, que era fundada no pensamento econômi- co liberal. Quanto aos princípios filosóficos que orientaram a estruturação do método dialético feita ppr Marx, faz-se necessária uma síntese do procedimento desse modo de pensar a realidade e de sua postura frente aos objetos de conhecimento. Deve-senõtar apriori que, como diz Ianni (1996:111), Marx "compreendia que o obietoj^ojnétodo de seu trabalho eram eleiMntos necessários e encadeaãòYãolmesmo processo.de conhecimento". •Q pontodepartida do jjrocesso de conhecimento consiste ua. definição do obje- to^ ou áa.4c^klaxll^lã]ldade a ser estudada? Definido o objeto, deve-se passar à construção de um processo de jormulagõês reóricasa seu respeito. ou seja^ao estudo do^objeto até suas_<feterminaçB£Amais..sixnples, o que conduziria à compreensão de _§uasjpartescoTuti^intes. Esse passo levaria à conquista do entendimento, por parte daquele que estuda, da totalidade real do objeto de estudo. Em seguida, faz-s_e neces- sário realizar uma volta ao objeto inicial: nesse retorno, o objeto já não seria o mesmo do início do estudo, pois ele estaria agora compreendido emsuatotaExEde, configu- rando, portanto, outro objeto, embora ainda fosse, simultaneamente, o mesmo do início do estudo. O objetoj reaMadejsstudada, estaria^assim^compreendido em sua totalidade,, o que faria o estudioso buscar ura novo ponto de particfà, determi- nante para o avanço do processo de construção do conhecimento. Por esse caminho, conhecer é atribuir um predicado (qualidade) ao objeto, é for^uI|rum cessivas-api-oxíniações do objeta de conheçimentQ.DcLÍ Marx prg^qr^majtosiqíúijdi, qÊ^aoJjigai,dQLI®4e?5Ú1f€masyi!<)5o/ícos especulativos, dizendo que "até então o$*filósofos sempre tinham tentado interpretar o rnup-do em vez àe temer modi/i- cá-lfí". Por isso, opensamentodeMarxconstituiu-se com objetivos^rlBcbTe polí- ticos, voLtado para a crítica epara a transformação revolucionária do capitalismo na direção do socialismo e do comunismo. O PENSAMENTO MARXISTA 5 5 Em sua visão, o conhecimento e a ciência deviam assumir um papel político absolutamente crítico em relação à sociedade capitalista, devendo ser um instru- jjiento-de compreensão e de transformação radical dessa realidade. Os estudos so- bre a realidade social pão deviam restringir-se apenas a sua descrição, mas à anali- se de como essa realidade se produz e se reproduz ao longo da História. Por isso, um dos papéis do cientista social seria o de participar ativamente dos atos.de transfor- mação dessa realidade, desempenhando uma função política revolucionária à me- dida que se posicionasse ao lado das lutas da classe trabalhadora, tornando-se um observadorparticipante e militante. Há uma relação entre o geral (todo) e o particular (parte) nessa forma de pensar e conhecer a realidade que é de dupla mão. Isso significa que entre todo e parte há uma relação de circularidade, ou seja, um determina o outro simultanea- mente. Ao mesmo tempo, a dialética pensada por Marx, oriunda da filosofia de Hcgel, parte dos princípios da contradição e do antagonismo. Se para Hegel as contradições resolvem-se na filosofia, em Marx elas só encontram resolução na ação histórica c social. Ao estabelecer sua hegemonia, dado sistema social engendra dentro de si as contradições que ensejarão o processo que levará a sua derrocada posterior. O pressuposto marxista 6 de que as sociedades evoluem pela oposição sistemática entre seus pólos opostos. O sistema social hegemônico que se estabeleceu torna-se uma tese que gera de dentro de si uma antítese. Do choque dialético entre esses dois pólos sobrevém uma nova situação histórica, uma síntese, que ainda carrega em si elementos do velho (tese) e do novo (antítese), que se instala, por sua vez, como tese novamente, dando curso ao processo histórico. Essa definição filosófica levou Marx a uma concepção que via nessa luta de opostos, que ele denominou de luta de classes, o motor da História, nos sucessivos embates entre modos de produção dis- tintos, o fio condutor dos processos de mudança social. Segundo Marx, as condições materiais vigentes na sociedade é que determina- vam nosso pensamento e nossa consciência. Ele dizia que não eram os pressupostos espirituais que levavam a modificações materiais, mas exatamente o oposto: as con- dições materiais é que determinariam, em última estância, as espirituais, sendo de- cisivas para a evolução da História. Sua posição materialista pressupõe que a exis- tência precede a consciência. Partindo do pensamento dialético, é possível expor alguns dos princípios fun- damentais da teoria marxista. O conceito de materialismo histórico vem em primei- ro lugar: recusando a determinação mecânica do econômico sobre o social, propõe um tratamento específico da questão da dominação na sociedade, evidenciando a luta de classes como motor de todas as transformações sociais, atribuindo aos ho- mens organizados o poder de condução da sociedade e apontando o socialismo como fase de transição entre o capitalismo e o comunismo, tempo no qual a socie- dade já não seria organizada com base em classes sociais, fato que eliminaria os 5 6 SOCIOLOGIA CLÁSSICA conflitos sociais e ensejaria o fim da História. Segundo trecho1 de uma carta de Kngelspara J . Bloch, datada de 1890, para a "concepção materialista da História, o elemento determinante da mesma é fundamentalmente a produção e a reprodução da vida real. Tanto Marx quanto eu jamais afirmamos mais do que isso. Portanto, se alguém troca essa afirmação por outra em que o elemento econômico seja o único determinante, a frase torna-se sem sentido, abstrata e absurda". Outro desses conceitos é o de alienação. Vindo da filosofia hegeliana, refe- re-se à.condição vivida pelo trabalhador assalariado na sociedade capitalista, uma vez que nela ele perde a posse sobre sua força de trabalho, que passa a ser uma mercadoria como outra qualquer, vendida no mercado conforme as leis va- riáveis da oferta e da procura. Ao vender sua/orça em troca de salário, ele se alie- na em relação a seu trabalho e é alienado por ele, ao mesmo tempo, o que ocasio- na outra alienação em relação a si mesmo, que levaria à perda de sua dignidade humana. Esse conceito levou Marx à constatação de que a única forma possível de emancipação dessa alienação seria pela tomada do controle dos meios de pro- dução por parte dos trabalhadores, por meio de uma revolução proletária que ex- propriaria os capitalistas e aboliria o regime assalariado, resgatando o sentido coletivo do trabalho social. O conceito de mais-valia também é crucial: ele compreende o saldo entre o valor criado por certa quantidade de trabalho e o valor efetivamente pago ao tra- balhador pelo trabalho realizado. Ou seja, após a venda de determinada mercado- ria, feitos os descontos dos custos relativos aos salários, deve sobrar um saldo em dinheiro. Essa quantia é a mais-valia, ou lucro, que é apropriado pelo empresá- rio-capitalista, tomando para si um valor que foi gerado essencialmente pelo tra- balho. Marx denominou esse processo de exploração, uma vez que ele entendeu ser a taxa da mais-valia a expressão concreta do grau de exploração a que os assala- riados são submetidos em função da venda de sua força de trabalho. Esse conceito foi elaborado com base em uma definição que ficou conhecida como teoria do valor, que, grosso modo, entende por valor a quantidade de trabalho social incor- porada a uma mercadoria, esclarecendo que esse tipo de trabalho refere-se ao tempo necessário para sua produção. A idéia de modo de produção deu sentido à Teoria da História marxista. Indi- ca, em primeiro lugar, os modos e as formas por meio dos quais são produzidos os bens materiais em dada sociedade, esclarecendo e determinando o caráter de cada regime social, ou seja, definindo as configurações assumidas pelas forças produti- i to e pelas relações de produção e condicionando o modo devida daquela/ormapão social. Marx: entendeu que a passagem histórica de um modo de produção para ou- ENCICLOPÉDIA LAROUSSECULTURAL. Rio de Janeiro: Nora. Cultural, 1998. v. 15, p, 3363. O PENSAMENTO MARXISTA 5 7 tro acontecia por meio de rupturas bruscas, processos revolucionários que consti- tuíam meios de resolução de contradições longamente acumuladas no interior das relações de produção entre classes antagônicas. Por isso, para ele, a História é a re- sultante do desenvolvimento e da derrocada de modos de produção distintos, que seria movida pela ação da luta de classes. A contribuição e o legado da obra de Marx para a sociedade e para as Ciências Humanas e Sociais podem ser compreendidos em dois sentidos, o político e o teóri- co. Após sua morte, o movimento socialista dividiu-se e expandiu-se, do ponto de vista político, grosso modo, em duas grandes vertentes principais: a social-demo- cracia e o leninismo. A proposta social-democrata, conhecida nos dias de hoje também pela deno- minação de Terceira Via, difundiu-se principalmente pelos países desenvolvidos com o propósito de encontrar um caminho paulatino e pacífico para a edificação de uma ordem social mais justa, promovendo reformas de conteúdo político, eco- nômico e social voltadas para a inclusão progressiva das maiorias ao sistema, que passou também a ser designado como Welfare State, no intuito de não permitir a ocorrência dc rupturas revolucionárias com sua lógica essencial. O leninismo manteve-se na postura revolucionária que pressupunha ser a revolução o único caminho para combater com sucesso a sociedade de classes e instaurar o socialismo, compreendido como etapa transitória para o advento da sociedade comunista sem classes. Caracterizou-se efetivamente a partir da fun- dação da IIIa Internacional, em 1919, sob a influência direta do processo da Re- volução Russa de 1917, definindo uma nova forma de atuação para os partidos socialistas, que passaram a autodenominar-se partidos comunistas. Partindo das visões de Marx e de Lênin, essa corrente de pensamento constituiu por todo o mundo uma plêiade de seguidores e críticos, compreendendo stalinistas, trots- kistas, maoístas, eurocomunistas, entre outros, que conferiram vigor aos emba- tes políticos do século XX e contraponto radical e permanente aos princípios de- fendidos pelo liberalismo. Da perspectiva de sua contribuição teórica, a obra de Marx consiste, em re- sumo, no estabelecimento de paradigmas que até então não haviam sido colo- cados pelo pensamento social. A diferença essencial em relação ao avanço que foi conquistado pela abordagempositivista é de simples constatação: enquanto Comte e Durkheim elegeram os fatos sociais como objeto, Marx definiu-o a par- tir do conceito de relação. O campo aberto pelos estudos de Marx estimulou avanços teóricos importantes em todas as áreas das ciências da sociedade, colo- cando-se entre as principais conquistas modernas realizadas pelo conhecimen- to humano. - 5 8 s o e : I O U X ; IA CLÁSSICA O historiador inglês Eric Hobsbawm situa2 os avanços e os limites dessa con- tribuição. Para ele, "o marxismo tem contribuído de algum modo para entender a História, mas, realmente, não o suficiente. Por exemplo, o marxismo vulgar diz que todas as coisas ocorrem em virtude de fatores econômicos e obviamente isso não é uma explicação adequada. Insisto que o importante é distinguir o marxismo vul- gar de uma interpretação mais sofisticada do sentido da obra de Marx ou em verdade de Karl Marx por ele mesmo. Acho que o marxismo pode fazer isso. Hoje podemos falar sobre isso,pomo estamos fazendo, porque hoje nós pode- mos distinguir aqueles trechos das análises marxistas que pareciam ser váli- dos, mas claramente não o são. Por exemplo, se você realmente lê o Manifesto Comunista de 1848, ficará surpreso com o fato de que o mundo, hoje, é muito mais parecido com aquele que Marx predisse em 1848. A idéia do poder capi talista dominando o mundo inteiro, como também uma sociedade burguesa destruindo todos os velhos valores tradicionais, parece ser muito mais válida hoje do que quando Marx morreu. Por outro lado, por exemplo, a previsão dc que a classe trabalhadora ficaria cada vez mais pauperizada não é verdade. Isso não quer dizer que a classe trabalhadora não tenha suficientes boas ra zões para protestos. Uma coisa interessante que faz a análise marxista bas- tante moderna é a análise das tendências de longa duração". 4.2 O PROBLEMA DA IDEOLOGIA No livro A ideologia alemã, Marx e Engels definiram o conceito de ideologia a partir do qual operaram parte de suas reflexões teóricas. Esse conceito foi revisto3 posteriormente por eles mesmos e por outros pensadores marxistas, entre eles o italiano Gramsci. Seu elemento constitutivo principal foi o que ambos denomina- ram de princípio da inversão, expressando a idéia de inversão da realidade. Em uma das passagens desse livro, eles sustentam que o sistema de idéias de uma classe dominante configura o conjunto das idéias dominantes em cada época: "ou, dito emoutros termos, a classe que exerce o poder material ãominantena sociedade é, ao mesme tempo, seu poder espiritual dominante. A classe que temi sua disposição os meios para a produção material dispõe, com isso, ao — » 2 . TREVISAN, Leonardo. Ht>i>st>iwin analisa mudanças na. esquerda. 0 Estado de S. PaMo, São Paulo, 24 ago. 1997. Caderno 2, p. DL-2. 3 . Karl MARX, no prefácio do livroPcra a critica da economia política., de 1859. O PENSAMENTO MARXISTA 5 9 mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, o que faz com que se lhe submetam, no tempo próprio, por fim médio, as idéias dos que carecem dos meios necessários para produzir espiritualmente. As idéias dominantes não são outra coisa que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as mesmas relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, as relações que fazem de determinada classe a classe dominante são, também, as que conferem o papel dominante às suas idéias. Os indivíduos que formam a classe dominante têm, também, entre outras coisas, a consciência disso e pen- sam de acordo com isso. Enquanto dominam como classe e enquanto determi- nam todo o âmbito de uma época histórica, se compreende como seu que o fa- çam em toda a extensão e, portanto, entre outras coisas, também como pensa- dores, como produtores de idéias, que regulem a produção e a distribuição das idéias de seu tempo; e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéias domi- nantes da época" (Marx e Engels, 1958:48-50). Esse sistema de idéias dominantes constitui, assim, a ideologia. De acordo com uma imagem metafórica construída pelos autores, ela teria a faculdade de faz.er com que a vida social aparecesse para os homens como a imagem que é exi- bida pelo visor cie uma câmcra fotográfica do final do século XIX, ou seja, de ca- beça para baixo, ilusoriamente invertida do sentido que ela apresentaria na reali- dade. Dessa forma, ela ofereceria para a sociedade uma imagem inversa do que ela própria seria e viveria no âmbito real. Essa falsa imagem levaria o homem e a sociedade a uma "falsa consciência" acerca de si mesmo e das relações concreta- mente estabelecidas. Marx e Engels objetivaram demonstrar o papel de véu desempenhado pela ideologia burguesa na sociedade capitalista, qual seja o de ocultar a verdadeira na- tureza das relações de produção pautadas na exploração. Segundo Marx, quanto mais se desenvolvessem os antagonismos entre as forças produtivas em crescimento, mais a ideologia da classe dominante seria penetrada pela hipocrisia, e quanto mais a vida desvendasse a natureza mentirosa dessa ideologia, mais a linguagem dessa classe se faria sublime e virtuosa. Como combater algo dotado do poder de mistificar a realidade para todos, pelo uso do sublime e do virtuoso? Para Marx, a solução estaria no conhecimen- to científico, ou saber real, único elemento capaz de desmascarar a ideologia burguesa, recolocando de volta o mundo de cabeça para cima, de acordo com seu sentido real, mostrando a realidade tal como ela é, destituída dos véus da ideolo- gia. E s s e saberr ea l constituiria um conjunto de verdades capaz de desmascarar a falsa consciência, funcionando como ponta-de-lança na luta do proletariado contra a burguesia. A concepção marxista de ciência também foi instrumental, à medida que ela estaria a serviço das maiorias, da causa proletária e da revolu- ção socialista. 6 0 SOCIO I.OGLA CLÁSSICA Em. outro momento de ideologia alemã, seus autores concluem o argumento que defendem: "A existência de idéias revolucionárias, em determinada época, pressu- põe já a existência de uma classe revolucionária. Com efeito, cada nova classe que passa a ocupar c posto da que dominou antes dela vê-se obrigada, para poder levar adiante cs fins que persegue, a apresentar o seu próprio interesse como o interesse comum de todos os membros da sociedade, isto é, expressan- do isso em termos ideais, a imprimirem suas idéias a forma do geral, a apre- sentar essas idéias como as únicas racionais e dotadas de vigência absoluta" (Marx e Engels, 1958:50). 4.3 O CONCEITO MARXISTA DE SOCIEDADE A compreensão do conceito de sociedade é crucial para o entendimento dc dois outros pontos fundamentais da teoria marxista: as definições dc classe social v luta de classes. Segundo o pensamento marxista, o estudo da realidade social deve considerar como paradigma que não há homem e nem sociedade ideal isolados na natureza, mas ambos conjugados concretamente a um momento histórico definido. Isso significa que, além de ser holística, sua perspectiva privilegia como foco dos estudos as relações contidas nos processos coletivos. Diferentemente de Durkheim, Marx considerou que não há a possibilidade de pensar a relação indivíduo-sociedade separadamente das condições materiais em que essa relação se apóia, não sendo possível, portanto, estudar a sociedade e a pro- dução isoladamente. Para ele, aprodução é indissociável da distribuição dessa produ- ção na sociedade entre os homens. Esses parâmetros fundamentaram a visão marxis- ta sobre a organização da estrutura social, delimitando-a, emprimeiro lugar, a dois conceitos: infra-estrutura e superestrutura. No primeiro, estão compreendidas a produção, a organização econômica da produção e as relações de produção, dando forma à base material da sociedade e de- terminando os processos sociais. Sobre essa base ergue-sea superestrutura, que abrange as normas jurídicas, os comportamentos sociais e políticos, as manifesta- ções religiosas, a base ética, filosófica e moral, ou seja, a rede complexa de correla- ções formada entre os sistemas político e ideológico. De acordo com a compreen- são marxista, a infra e a superestrutura estão indissoluvelmente ligadas entre si, em tempo simultâneo, em constante interação dialética. Há uma relação direta de cir- cularidade entre esses elementos organizadores da estrutura social, sendo a supe- restrutura um reflexo da base material da sociedade. Nessa visão, a sociedade e s tratura-se com base na forma pela qual os homens organizam aprodução social. Essa forma, por sua vez, define o modo de produção O PENSAMENTO MARXISTA 6 1 d a q u e l a sociedade. Nesse sentido, três elementos relacionam-se entre si: as forças produtivas, que compreendem as condições naturais de produção e os recursos ex- t ra ídos da natureza pelo homem; os meios de produção, a saber, ferramentas, má- quinas , equipamentos e força de trabalho humana; e as relações de produção, que são os diferentes modos pelos quais é organizada a atividade produtiva, envolven- do diretamente as relações de posse e distribuição dos meios e a divisão social do trabalho. Da interação permanente entre as forças produtivas, os meios e as relações de produção resulta a estrutura da sociedade, sua infra e sua superestrutura. No texto Para a crítica da economia política, Marx (1978:129) estabelece essas relações ao comunicar o produto de seu trabalho: "O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio condutor aos metis estudos pode ser formulado em poucas palavras: na produ- ção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, neces- sárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que corres- pondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produti- vas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura eco- nômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura ju- rídica e política, e à qual correspondem foimas sociais determinadas de cons- ciência. O modo cie produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. (...) Em uma certa etapa de seu desenvolvi- mento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua ex- pressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme su- perestrutura se transforma com maior ou menor rapidez." Diretamente ligada a seu conceito de sociedade está a concepção de Estado que Marx desenvolveu, compreendendo-o como uma das expressões fundamen- tais do capitalismo. Em seu entendimento, o Estado não está acima da sociedade ci- vil e não exprime a vontade de todos, mas é uma instância inserida no conjunto de relações estabelecidas entre pessoas, grupos e classes sociais. De acordo com Ianni (1996:30-31), é necessário que se reconheça que "sob qualquer das suas perspectivas, desde os seus primeiros escritos, Marx está preocupado com as relações e determinações recíprocas entre o Estado e a sociedade, numa ótica diferente daquelas propostas anteriormente, não ape- nas por Hegel. Nesse processo crítico, formula a chave da sua concepção, quando diz que o Estado precisa ser compreendido, simultaneamente, como uma 'colossalsuperestrutura' do regime capitalista e como o 'poder organiza- do de uma classe' social em sua relação com as outras". 6 2 SOCIOLOGIA CLÁSSICA Por isso, diz Ianni, Marx afirma que Estado e sociedade não são politicamente distintos, que além de ser a estrutura da sociedade, ele não é a expressão harmônica e abstrata desta. Ao contrário, constitui-se como um produto de contradições políti- cas, sendo a primeira delas o fato de ele basear-se "na contradição entre o público e a vida privada, entre o interesse geral e o particular". Finalmente, concluindo com esse autor (1996:39], para Marx, "o Estado não éapenas e exclusivamente, um órgão da classe dominante; res- ponde também aos movimentos do conjunto da sociedade e das outras classes sociais, segundo, é óbvio, as determinações das relações capitalistas. Confor- me o grau de desenvolvimento das forças produtivas, das relações de produção e das forças políticas da sociedade, o Estado pode adquirir contornos mais ou menos nítidos, revelar-se mais ou menos diretamente vinculado aos interesses exclusivos da burguesia". A contribuição teórica de Marx e Engels criou um conjunto complexo e coe- rente de novas categorias de análise para os fenômenos e processos sociais, de for ma que é possível afirmar que esse aporte fundou uma nova escola de pensamento sociológico, hoje situada entre os clássicos paradigmáticos dessa ciência. A Socio- logia de aporte marxista sustenta que a sociedade não pode ser estudada em com- partimentos separados e estanques, pois, se assim for feito, se perderá de vista o próprio objeto de estudo, que é a sociedade enquanto totalidade. Por isso, o estudo de qualquer sociedade deve partir justamente das relações sociais que os homens estabelecem entre si para utilizar os meios de produção e transformar a natureza em seu benefício coletivo. Essas relações sociais de produ- ção condicionam a sociedade, sendo a raiz de toda a estrutura social. É importante notar que a intenção de Marx não foi a de elaborar uma teoria geral sobre a socieda- de, mas a de estudar a sociedade do seu tempo - definida pelo modo de produção ca- pitalista. Nessa sociedade, ele considerou que há um conflito permanente (luta) en- tre as duas classes sociais fundamentais - a burguesia e o proletariado - , conflito que não encontraria resolução possível dentro da continuidade desse sistema. 4.4 O CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM MARX Uma das preocupações centrais de Marx, à medida que desenvolvia sua teo- ria, foi a de definir o conceito e o caráter das classes sociais no regime capitalista. Do ptonto de vista do conceito, partiu do princípio do posicionamento dos indivíduos que, agrupados, ocupassem uma condição equivalente nas relações depredação vi- gentes na sociedade. Esse posicionamento, ou situação de classe, determinaria a existência e a consciência do indivíduo e sua relação com o conjunto da sociedade. O PENSAMENTO MARXISTA 6 3 De acordo com o pensamento marxista, a existência de uma igualdade natu- ral entre os homens, propalada pelo liberalismo, era uma falácia, uma vez que as desigualdades reais provocadas pela lógica das relações de produção sob o capita- lismo inviabilizavam o exercício concreto de qualquer espécie de igualdade, a não ser a possível entre os iguais, pertencentes à mesma classe social. A divisão social que esse regime produtivo provoca, classificando os homens em proprietá- rios e não proprietários dos meios de produção, constitui o fundamento primeiro da gênese das classes sociais, que são inerentes ao sistema capitalista, parte inter- na de sua lógica. Arelação de exploração, que também era evidente para Marx, existente entre os proprietários, a burguesia, e a classe trabalhadora, o proletariado, revelaria o ca- ráter das duas classes fundamentais para a existência do sistema. A posse dos meios de produção por parte da burguesia, concretizada pela legitimação da propriedade privada sobre cies, levaria os trabalhadores a uma única saída, a de vender sua for- ça de trabalho no mercado para assegurar a subsistência. O fato de essa força ser comprada a preço vil, caracterizando uma apropriação indébita do produto do tra- balho pmlrtário,
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