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MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 1 MÓDULO II CURSO DE FORMAÇÃO EM TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO – TGD/TEA Prof. Wilson Candido Braga MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 2 GOVERNADOR Cid Ferreira Gomes VICE-GOVERNADOR Domingos Gomes de Aguiar Filho SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO Maria Izolda Cela de Arruda Coelho SECRETÁRIO ADJUNTO DA EDUCAÇÃO Maurício Holanda Maia SECRETARIA EXECUTIVO Antonio Idilvan de Lima Alencar COORDENADORIA DE DESENVOLVIMENTO DA ESCOLA E DA APRENDIZAGEM/DIVERSIDADE E INCLUSÃO EDUCACIONAL Nohemy Rezende Ibanez Antônio Alves dos Santos ASSESSORIA TÉCNICA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL Gewada Weyne Linhares (Assessora da Educação Especial) Ernany Henrique Rosangela Lira Sonia Kátia Evangelista CÉLULA DE PROMOÇÃO DA FORMAÇÃO E DO ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Nara Lucia dos Santos Oliveira (Orientadora) Francisca Rodrigues Vieira (Assessora de Produção) Luiza de Marillac Diogo Ursulino (Assessora da Formação) Jeanne Maria Mesquita Araújo Cruz (Assessora Administrativa) Valnísia Montenegro Alves Barroso (Assessora do Atendimento Especializado) COLABORADORES Professores do CREAECE MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 3 com satisfação que colocamos em suas mãos o presente material, com votos de que represente um instrumento de facilitação da aprendizagem no curso, promovido pelo Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará – CREAECE. A ideia central desse curso é favorecer a leitura e o conhecimento compartilhado, o trabalho conjunto, a reflexão solidária, a aprendizagem em parceria. O curso está organizado em módulos de estudos compostos por atividades diferenciadas que procuram levar à reflexão sobre experiências que vêm sendo desenvolvidas nas escolas e assim acrescentar elementos que possam aprimorá-las. Para tanto, utiliza textos, filmes, programas em vídeo que podem ampliar o universo de conhecimento dos participantes. Esse material tem a intenção de possibilitar momentos de aprendizagem, de favorecer o seu desenvolvimento profissional e de propiciar subsídios para a construção de conhecimento e reflexão sobre os temas tratados nesses cursos, esperando-se que esse conhecimento e essa reflexão se traduzam em melhores práticas. Nara Lucia dos Santos Oliveira Orientadora - Célula de Promoção da Formação e do Atendimento em Educação Especial - CREAECE È Aos Cursistas e usuários desta Apostila, MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 4 Caro cursista, Na intenção de podermos orientá-lo com relação aos nossos cursos faz-se necessárias algumas considerações: “Obedeça fielmente ao seu horário de início e término das aulas. Evite atrasos frequentes ou saídas antes do término da aula”. Manhã: 8h00mim. às 11h30min. Tarde: 13h30min. às 17h00min. Noite: 18h00min. às 21h00min. Obs. Não haverá tempo de tolerância, ou seja, no horário descrito o professor começará sua aula, o aluno só poderá entrar no segundo tempo de aula. Apresente sempre atestado médico, declaração de faculdade ou trabalho para justificar suas faltas ou comunique ao professor por telefone do CREAECE. A média para aprovação por módulo ou disciplina é 7.0. Não haverá arredondamentos. Ex. N1 = avaliação + N2 = avaliação + N3 = Frequência, entrega de trabalhos e participação. MF = N1+N2+N3 = Média 7.0 Caso o aluno venha a faltar uma das avaliações N1 ou N2 ele terá direito de uma segunda chamada, e no final não obtendo a media final acima citada, o mesmo terá o direito a uma prova final com a nota 7,0. 1. Seu professor é um profissional habilitado para a função. Aproveite! 2. Evite conversas paralelas e brincadeiras durante as aulas. 3. Qualquer dúvida procure a coordenação ou secretaria. Desejamos SUCESSO a todos e que tenham um excelente rendimento. Atenciosamente, A Coordenação MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 5 APRESENTAÇÃO No contexto da EDUCAÇÃO INCLUSIVA surgem diversas situações diagnósticas que vão além da prática educacional, nos levando assim a trilhar outros percursos na nossa ação profissional. Esse conteúdo voltado às psicopatologias em geral, foi estudada no Módulo I, e isso nos motiva cada vez mais a buscar novos saberes para uma maior legitimidade da nossa práxis em sala de aula comum, em salas de recursos multifuncionais – SRM, em centros de atendimento educacional especializado, em atendimentos clínicos ou ainda para facilitar na elaboração de intervenções significativas e nos encaminhamentos realizados, de uma forma mais segura e menos empírica. É nesse contexto que nos propomos a oferecer através do CURSO DE FORMAÇÃO EM TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO – TGD/TEA, subsídios teóricos e vivenciais ás mais variadas categorias profissionais, que serão favoráveis ás práticas inclusivas dos alunos com TGD/TEA/AUTISMO. No MÓDULO II, serão abordados conteúdos pertinentes á caracterização e conceituação dos principais tópicos voltados aos TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO – TGD ou TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA/AUTISMO e suas principais particularidades. A partir do Capítulo I iremos compreender melhor algumas particularidades relacionadas ao AUTISMO, apontando explicações sobre seu histórico, possíveis causas, características e propostas de tratamento ou estratégias de intervenção. No Capítulo II serão abordadas algumas temáticas relativas aos Aspectos psicológicos das famílias de pessoas com deficiência, evidenciando conceitos sobre os tipos de famílias, suas características e suas expectativas em relação à chegada de um filho, e em especial de um filho com algum tipo de deficiência. Nesse contexto abordaremos a importância da família junto às propostas de intervenção para a autonomia do aluno com deficiência. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 6 Ressaltamos em primeiro lugar que, embora a escrita acadêmica tenha como premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos mais de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científica. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se muitas outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas e que podem servir para sanar lacunas que por ventura surgirem ao longo dos estudos. Boa leitura!MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 7 SUMÁRIO CAP. I – TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO – TGD / TEA / AUTISMO............................................................................................................10 1. BREVE HISTÓRICO........................................................................................11 2. POSSÍVEIS CAUSAS DO AUTISMO..............................................................21 3. O CÉREBRO DO AUTISTA............................................................................26 4. SINTOMAS DO AUTISMO..............................................................................28 5. TRATAMENTOS PROPOSTOS PARA O AUTISMO.....................................31 5.1. Ajudar crianças com autismo.........................................................................33 6. MITOS SOBRE O AUTISMO..........................................................................35 7. NOVA TÉCNICA DE IMAGEM DETECTA VARIAÇÕES EM CÉREBRO DE AUTISTA....................................................................................................................36 7.1. Neurônio-espelho e as origens do AUTISMO................................................37 7.2. Do DSM-I ao DSM-V: Efeitos do diagnóstico psiquiátrico “espectro autista” sobre pais e crianças......................................................................................39 7.3. Do DSM-I ao DSM-V: O autismo nas edições e revisões do manual............39 7.4. Como o DSM transformou a psiquiatria.........................................................42 8. TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO – TEA COMO DIAGNÓSTICO ANTES DO DSM-V..........................................................................43 8.1. A tarefa da Psicanalise...................................................................................47 9. CHILDHOOD AUSTISM RATING SCALE (CARS)........................................52 10. AUTISMO E CONTEMPORANEIDADE…………………………………………61 10.1. Como o autismo é visto hoje?...............................................................63 10.2. Incidência..............................................................................................64 MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 8 10.3. Algumas hipóteses etiológicas..............................................................65 11. O AUTISMO E ALGUMAS CURIOSIDADES…………………………………...66 11.1. Uma pessoa com autismo pode..................................................... ......69 12. TIPOS DE TGD / AUTISMO………………………………………………………75 13. DIAGNÓSTICO DO AUTISMO……………………………………………………79 14. DSM-V E O TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO/TEA…………..83 15. TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO PSICOEDUCACIONAL...............................86 16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................96 CAP. II – ASPECTOS PSICOLÓGICOS DAS FAMÍLIAS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA......................................................................................................99 INTRODUÇÃO...........................................................................................................99 1. FAMÍLIA: GÊNESE DAS RELAÇÕES SOCIAIS..........................................100 2. TIPOS DE FAMÍLIA: A ESTRUTURAÇÃO DA TRAMA FAMILIAR............102 3. FASES VIVENCIADAS: NEGAÇÃO, ADAPTAÇÃO E ACEITAÇÃO..........107 4. INCLUSÃO SOCIAL: UM NOVO DESAFIO.................................................109 5. MÃES E FILHOS ESPECIAIS: REAÇÕES, SENTIMENTOS E EXPLICAÇÕES À DEFICIÊNCIA DA CRIANÇA....................................................113 5.1. Entrevistas com mães de pessoas com deficiências....................................116 6. A FAMÍLIA NO BRASIL: ESTRUTURA E DINÂMICA.................................135 7. A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA DEFICIÊNCIA: ESTRUTURA E DINÂMICA................................................................................................................138 MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 9 7.1. A família integrada por pessoas com deficiência..........................................139 8. DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E FAMÍLIA: IMPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA................................................................143 8.1. Deficiência Intelectual: Conceituação e Caracterização................................144 9. A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE E DA CULTURA PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL..........148 9.1. O ambiente e o desenvolvimento infantil.......................................................148 9.2. A família como contexto de desenvolvimento para a criança com deficiência intelectual.................................................................................................................150 9.3. Pesquisas Sobre Crianças com DEFICIÊNCIA INTELECTUAL no Contexto Familiar: Um Panorama Geral..................................................................................153 9.3.1. Sentimentos, estresse e expectativas de pais e mães de crianças com Deficiência Intelectual...............................................................................................153 10. COMO A FAMÍLIA PERCEBE SUA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL?......................................................................................................155 11. ESTUDOS SOBRE INTERAÇÕES DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL COM SEUS GENITORES..............................................................159 12. DEFICIÊNCIA E FAMÍLIA.............................................................................174 12.1. Como estimular?............................................................................................175 12.2. Quando incentivar?........................................................................................175 13. A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA INCLUSÃO ESCOLAR.............................175 13.1. A importância da dinâmica familiar para a promoção do desenvolvimento global e inclusão social do indivíduo com NEE........................................................176 14. TERMINOLOGIA SOBRE DEFICIÊNCIA NA ERA DA INCLUSÃO............182 15. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................199 MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 10 CAPÍTULO I - TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO – TGD / TEA / autismo Adaptação: Prof. Wilson Candido Braga “… Imagine chegar em um país onde você não entende a língua e não conhece os costumes – e ninguém entende o que você quer ou precisa. Você, na tentativa de se organizar e entender esse ambiente, provavelmente apresentará comportamentos que os nativos acharão estranhos…” (citação retirada do Manual de Treinamento ABA – Help us learn – Ajude-nos a aprender.) Esta frase pode ser utilizada para compreender a maneira de uma criança com Transtorno de Espectro Autista – TEA/AUTISMO pensar, sentir e se comportar. Muitos dizem realmente que o autista constrói para si uma realidade paralela, MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com11 alheia a nossa, e por viver “lá dentro” não consegue se comunicar com os outros que vivem no mundo “real”. Será verdade? Vamos resumir aqui um pouco da história do diagnóstico de autismo e seus conceitos, características e particularidades, para assim conhecermos melhor nosso aluno ou paciente AUTISTA. 1. BREVE HISTÓRICO Em 1906, PLOULLER introduziu o adjetivo autista na literatura psiquiátrica ao estudar pacientes com demência precoce (atual esquizofrenia). BLEULER, em 1911, foi o primeiro a difundir o termo autismo, definindo-o como perda de contato com a realidade, causada pela impossibilidade ou grande dificuldade na comunicação interpessoal. Ele referiu inicialmente o termo autismo como transtorno básico da esquizofrenia (os 4 “A”s de Bleuler: AUTISMO, AVOLIÇÃO, AUSÊNCIA DE AFETO E AFROUXAMENTO DOS NEXOS ASSOCIATIVOS), que consistia na limitação das relações pessoais e com o mundo externo, parecendo excluir tudo que parecia ser o “eu“ da pessoa. LEO KANNER, em 1943, escreveu um trabalho “alterações autísticas do contato afetivo, que diferenciou o autismo de outras psicoses graves na infância. Utilizando o termo difundido por Bleuler para designar a doença de que todos ouvimos falar. Examinando onze crianças de classe média americana, com problemas graves do desenvolvimento, bonitas e inteligentes, ele definiu dois critérios que seriam o eixo desta recém descoberta doença: A SOLIDÃO E A INSISTÊNCIA OBSESSIVA NA INFÂNCIA. Referindo-se à SOLIDÃO AUTÍSTICA, Kanner escreve: “o transtorno principal destas crianças desde o começo de suas vidas é a incapacidade para se MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 12 relacionar com as pessoas e situações.” Em relação ao COMPORTAMENTO REPETITIVO, “os sons e os movimentos da criança são tão monotonamente repetitivos como suas emissões verbais.” Existe uma marcada limitação da diversidade de suas atividades espontâneas. Kanner conclui que essas crianças vieram ao mundo com uma INCAPACIDADE INATA para formar os laços normais de origem biológica, de contato afetivo com outras pessoas. ASPERGER (1944), quase na mesma época que Kanner também diferenciou um grupo de crianças com retardo no desenvolvimento sem outras características associadas ao retardo mental e deu o nome de “psicopatia autística” a esta doença. Asperger via um melhor prognóstico nas crianças com maior quociente intelectual. REUTTER, 1967, considerou quatro características fundamentais para o diagnóstico de autismo: 1) Falta de Interesse Social; 2) Incapacidade de Elaboração da Linguagem Responsiva; 3) Presença de conduta motora bizarra em padrões de brinquedo bastante limitado; 4) Início precoce, antes dos trinta meses. Autismo foi definido pelo Conselho Consultivo Profissional da Sociedade Nacional para crianças e adultos com autismo dos EUA (Rivo e Freedman em 1978) como uma síndrome que aparece antes dos trinta meses e que possui as seguintes características: o Distúrbios nas taxas e sequências do desenvolvimento; o Distúrbios nas respostas a estímulos sensoriais; o Distúrbios na fala, linguagem e capacidade cognitiva e o Dificuldade em relacionar-se com pessoas, eventos e objetos. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 13 A CID 9 (Classificação internacional das doenças versão 9) classificava o autismo como psicose (OMS 1993), no DSM-IV (APA, 1995) passou a ser considerado um distúrbio ou Transtorno Global do Desenvolvimento, retirado do eixo II (Prognóstico pobre) e entraram no Eixo I (Distúrbios mais episódicos e transitórios) e no DSM-V passa a ser configurado como TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA (leve, moderado e severo). EPIDEMIOLOGIA: O autismo ocorre em 4 casos para cada 10.000 habitantes – a prevalência de transtornos globais de desenvolvimento sem outra especificação pode ser de até uma criança em 200 (Lewis, 1995). Porém outras pesquisas nos EUA revelam na atualidade dados assustadores, chegando a se pensar que, se dentre 25 ou 30 anos esses índices continuarem nessa mesma proporção, será uma regra e não uma exceção ter em cada família americana uma pessoa com AUTISMO. O autismo é mais comum em meninos (4) para cada menina (1). As meninas, porém, quando afetadas, apresentam uma forma mais grave da doença. A maioria dos autistas funciona dento da faixa do retardo mental (Lewix, 1995, Kaplan e Sadocok, 1993). Não há alteração em relação de prevalência quanto a classes sociais. QUADRO CLÍNICO: Os sintomas surgem antes dos 3 anos. Verifica-se comprometimento qualitativo na interação social recíproca. Faltam respostas para emoções de outras pessoas, há uso insatisfatório de sinais sociais e uma fraca integração dos comportamentos sociais, emocionais e de comunicação. O sinal mais precoce, já descrito por Kanner em 1943 é o de bebês autistas que não estendem os braços para serem levantados por seus pais. Segundo a CID 10 (OMS 1993): Classificação Internacional das Doenças 10ª edição: Padrões de comportamento, atividades e interesses restritos, repetitivos e estereotipados; MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 14 Tendência de vinculação a objetos comuns, tipicamente rígidos; A criança tende a insistir em rotinas e rituais de caráter não funcional; Interesses por datas, itinerários e estereotipias motoras em alguns casos; Medos, fobias, alterações do sono e da alimentação; Ataques de birras e agressão; Quando há retardo mental/DI associado, é comum a auto-mutilação; Prejuízos na comunicação e Linguagem Severos (Rutter, 1967); Pobreza de jogos imaginativos; Não utilização e compreensão dos gestos; Não utilização da linguagem com objetivo de comunicação social; Respostas Estereotipadas ou ecolalia (imediata ou tardia); Hiper ou hiporreação a estímulos sensoriais com luz, dor ou som; Não identificação de perigos reais como veículos em movimento ou grandes alturas; Olhar vago e distante; Maneirismos, movimentos de balanceio com a cabeça e com o corpo, risos e choros imotivados; Fascinação por movimentos giratórios. Algumas situações merecem atenção especial: A) ISOLAMENTO AUTÍSTICO: Incapacidade grave de desenvolver relações pessoais desde os primeiros anos, já percebida com a figura materna. Na primeira infância, observa-se a ausência de uma atitude de antecipação, permanecendo com conduta rígida. Por exemplo, ao ser pego pela mãe, não volta a cabeça para ela nem estende os braços. Ajuriaguerra (1991) salienta que os principais marcos do despertar psicomotor do primeiro ano de vida estão modificados: Ausência do sorriso social (terceiro mês) e Ausência de reação de angústia diante do estranho (oitavo mês). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 15 A criança pode ser indiferente aos outros, ignorando-os e não reagindo à afeição e ao contato físico. As crianças autistas podem não procurar ser acariciadas e não esperar ser reconfortadas pelos pais quando têm dor ou quando têm medo. Em algumas crianças ocorre uma falta de contato visual (o bebê não olha para a mãe nem mesmo ao ser amamentado; não explora visualmenteos objetos; prefere colocar na boca ou cheirar); entretanto, outras mantêm um contato visual que tem uma característica diferente, causando muitas vezes a impressão de que o olhar atravessa a outra pessoa. Essas crianças demonstram uma inaptidão para brincar em grupo ou para desenvolver laços de amizade. Não participam de jogos cooperativos, mostram pouca emoção, pouca simpatia ou pouca empatia (colocar-se no lugar do outro). Na medida em que crescem, pode haver maior ligação, mas as relações sociais permanecem superficiais e imaturas. B) CONDUTAS MOTORAS: Grande parte dos autistas tem uma motricidade perturbada por movimentos repetitivos e complexos (estereotipias). Os mais comuns envolvem mãos e braços, mexendo-os frente aos olhos ou batendo palmas no mesmo rito, independente do momento ou espaço em que se encontram. Balanceio do tronco e o corpo inteiro, além de bater a cabeça repetidamente podem ser observados. Geralmente andam sobre as pontas dos pés. O farejamento é tido com uma conduta particular, na qual a criança cheira os objetos, as pessoas, os alimentos dos quais se aproxima ou toca. Estado perpétuo de agitação, no qual a criança sobe nas mesas e outros móveis, sem temor ou noção de risco, assim como pode haver casos com inibição MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 16 motora, ás vezes acompanhada de uma inabilidade gestual, comportamentos automutiladores, como arrancar os cabelos, bater-se ou morder-se (casos mais graves associados à DI). C) LINGUAGEM E HABILIDADES PRÉ-VERBAIS: As habilidades pré- linguisticas estão prejudicadas na criança autista: não apresentam a imitação social tão importante para o desenvolvimento da linguagem (dar tchau, jogar beijinhos e imitar os pais, utilizar os brinquedos em atividades de faz de conta, não apresentam mímica e gestos para se comunicar). Metade dos autistas nunca falam e emitem poucos sons ou resmungos. Quando a linguagem se desenvolve, não tem tanto valor de comunicação e geralmente se caracteriza por uma ecolalia imediata e/ou retardada, repetição de frases estereotipadas, inversão pronominal (utilização do pronome “ele” quando a significação é “eu”), ou ainda, uma afasia nominal. Anomalias na melodia, que tem um aspecto cantado. Algumas crianças conseguem reter completamente as palavras de uma canção sem outra linguagem, além disso, sendo frequente o cantarolar. Aparecem também estereotipias verbais, neologismos bizarros e um verbalismo solitário. Em outros casos a criança dá mostras de um extremo domínio verbal, aprende páginas do dicionário, até línguas estrangeiras (mas são casos raros mais característicos da síndrome de Asperger, onde o QI é mais elevado, também chamado Autismo de alto funcionamento). A linguagem, não tem uma verdadeira função de comunicação com o outro. Quando querem atingir um objeto, os autistas pegam a mão ou o punho de um adulto, mas raramente eles o apontam e acompanham seu pedido de um gesto simbólico ou de uma mímica. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 17 D) DISTÚRBIOS DAS FUNÇÕES INTELECTUAIS: Mais de 70% dos autistas têm algum grau de retardo mental/DI. Se o QI (quociente intelectual) for muito baixo, pior o prognóstico, o que significa que é pouco provável que aprendam a falar ou que trabalhem. O aspecto social também fica mais prejudicado, assim como aumentam as tendências auto-mutilatórias e as estereotipias motoras, quanto mais baixo for o QI (Ajuriaguerra (1991). É mais frequente a epilepsia em pacientes autistas. OBSERVAÇÃO: A gravidade do autismo oscila bastante, porque as causas, não sendo as mesmas, podem produzir significativas diferenças individuais no quadro clínico. Desta forma, o tratamento e o prognóstico variam de caso a caso. Os indivíduos com autismo têm uma expectativa de longevidade normal. O transtorno autista é permanente, até o presente momento, não tem cura. O diagnóstico precoce do autismo permite a indicação antecipada de tratamento. Um tratamento adequado é baseado na consideração das comorbidades para a realização de atendimento apropriado em função das características particulares do indivíduo. A terapêutica pressupõe uma equipe multi e interdisciplinar – tratamento médico (pediatria, neurologia, psiquiatria e odontologia) e tratamento não-médico (psicologia, fonoaudiologia, pedagogia, terapia ocupacional, fisioterapia, psicomotricidade, orientação familiar...), profissionalizante e inclusão social, uma vez que a intervenção apropriada resulta em considerável melhora no prognóstico. A base da terapêutica presume o envolvimento da família. A farmacoterapia continua sendo um componente importante em um programa de tratamento, porém nem todos os indivíduos necessitarão utilizar medicamentos. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 18 Não existe medicação e nem tratamento específicos para o transtorno autista. O sucesso do tratamento depende exclusivamente do empenho e qualificação dos profissionais que se dedicam ao atendimento destes indivíduos, bem como do significativo envolvimento da família. A demora no processo de diagnóstico e aceitação é prejudicial ao tratamento, uma vez que a identificação precoce deste transtorno global do desenvolvimento permite um encaminhamento adequado e influencia significativamente na evolução da criança. Os atendimentos precoces e intensivos podem fazer uma diferença importante no prognóstico do autismo. O quadro de autismo não é estático, alguns sintomas modificam-se, outros podem amenizar-se e vir a desaparecer, porém outras características poderão surgir com a evolução do indivíduo. Portanto se aconselham avaliações sistemáticas e periódicas. É fundamental o investimento no SER HUMANO com autismo, toda a intervenção produzirá benefícios significativos e duradouros. Nunca deixe de acreditar no potencial do indivíduo com autismo. E) ALTERAÇÕES AFETIVAS: O humor dos autistas é imprevisível e pode se alterar de um instante para outro, passando do riso incontrolável e aparentemente sem razão, aos choros inexplicáveis. As emoções entram frequentemente em contradição com a situação (Leboyer, 1987). Um autista ri numa situação de estresse, por exemplo. Se o autista adquire alguma forma de linguagem, ele continua com grande dificuldade ou incapaz, não somente de exprimir seu afeto, mas também de perceber a emoção ou os sentimentos dos outros. Crises de cólera, intolerância às frustrações e automutilações são reações frequentes. A angústia é massiva, acarretando uma ruptura na continuidade MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 19 psíquica da criança, que provavelmente experimenta, então, uma vivência de rompimento ou de aniquilação. F) DISTURBIOS PSICOSSOMÁTICOS: Distúrbios do sono são muito comuns e de dois tipos. Na insônia calma, o bebê mantém os olhos abertos no escuro, sem dormir, sem reclamar a presença da mãe. Na insônia agitada, a criança grita, agita-se, clama sem poder ser acalmada durante horas todas as noites. Os distúrbios alimentares precoces também são frequentes. Pode acontecer falta de sucção,anorexia, recusa da mamadeira ou do seio, vômitos repetidos. Tanto os distúrbios do sono como os de alimentação aparecem desde o primeiro semestre. Os distúrbios esfincterianos (enurese, encoprese) podem ser primários ou secundários, permanentes ou intermitentes, ritmados pelos momentos evolutivos, pelas fases de ansiedade e pelas separaçõess. É habitual o atraso na aquisição do asseio, mas se observa inversamente um asseio adquirido muito precocemente em alguns casos. Revista Brasileira de Psiquiatria, 2006, suplemento1: gratuitamente em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=1516-444620060005&lng=pt&nrm=iso OBSERVAÇÃO: QUADRO 1 – Critérios Diagnósticos para 299.00 Transtorno Autista (DSM-IV). A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3), com pelo menos dois de (1), um de (2) e um de (3): (1) COMPROMETIMENTO QUALITATIVO DA INTERAÇÃO SOCIAL, MANIFESTADO POR PELO MENOS DOIS DOS SEGUINTES ASPECTOS: MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 20 (a) comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social (b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nível de desenvolvimento (c) ausência de tentativas espontâneas de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por exemplo, não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse) (d) ausência de reciprocidade social ou emocional B. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem para fins de comunicação social ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos. C. A perturbação não é melhor explicada por Transtorno de Rett ou Transtorno Desintegrativo da Infância. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems) – CID-10, da Organização Mundial de Saúde (OMS). QUADRO 2 – Critérios Diagnósticos para F 84.0 Autismo Infantil (CID-10). TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO caracterizado por: a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos; b) presença de uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios seguintes: interação social, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo. O transtorno se acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, por exemplo, fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 21 2. POSSÍVEIS CAUSAS DO AUTISMO Algumas crianças parecem que vivem em um mundo próprio. Elas parecem distantes e fechadas, evitam o contato com os olhos e fogem dos abraços dos pais. Podem ter comportamentos estranhos, como bater os braços ou organizar obsessivamente seus brinquedos. Elas estão entre aproximadamente 1,5 milhão de crianças que têm autismo – um transtorno que interfere na capacidade de uma criança em se comunicar e interagir socialmente. Até hoje, o autismo tem sido bem difícil de decifrar. Os cientistas ainda não compreenderam completamente o mistério que está bem no fundo do cérebro das crianças com autismo. Embora os pesquisadores tenham descoberto dicas sobre o que causa essa condição, eles ainda não descobriram uma maneira de prevenir ou curar o autismo. O que está preocupando muitos cientistas é o fato de o autismo aparentemente estar aumentando. Pesquisas apontam que hoje 1 em cada 150 crianças norte- americanas sofrem com esse transtorno, de acordo com os CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças). Desde os anos 80 e início dos 90, a taxa de autismo aumentou em aproximadamente 10 a 17% ao ano. Os médicos não sabem se esse aumento aparente é resultado de algum fator ambiental - como maior exposição a produtos químicos tóxicos - ou simplesmente se as crianças estão sendo diagnosticadas de modo mais eficiente que há duas décadas. O autismo é parte de um conjunto de condições chamado TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO (TEA), ou conhecido por um termo mais amplo, TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO (TGD) ou simplesmente AUTISMO. Todas essas condições compartilham sintomas semelhantes. Embora o autismo possa afetar crianças de qualquer raça ou etnia, é quatro vezes mais comum em meninos que em meninas. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 22 O autismo pode variar de leve a grave, mas a maioria das crianças, com essa condição, tem dificuldade nas três áreas que veremos abaixo. COMUNICAÇÃO - as crianças com autismo têm problemas tanto com a comunicação verbal quanto com a não-verbal. Elas podem evitar o contato com os olhos ou sorrir e podem não entender o significado de um sorriso, de uma piscada ou de um aceno. Aproximadamente 40% das crianças com autismo não falam. Outros 25% começam a falar entre os 12 e 18 meses, mas logo perdem a habilidade da fala. Algumas crianças com autismo têm dificuldade em formar palavras em frases ou repetem exatamente o que ouvem - uma condição chamada ecolalia. Como elas não conseguem comunicar o que querem, às vezes, as crianças autistas gritam ou choram por frustração. INTERAÇÃO SOCIAL - as crianças com autismo têm dificuldade em se relacionar com outras pessoas, em parte porque não conseguem entender os sentimentos delas e os eventos sociais. Por isso, elas parecem distantes. Elas podem se afastar do contato físico ou emocional, evitando abraços e contatos visuais. Como o autismo afeta os sentidos, alguns sons ou cheiros do dia-a-dia podem ser insuportáveis para os autistas. Elas podem tampar os ouvidos e gritar quando o telefone tocar ou ter enjôo com o cheiro de um pêssego. Ou podem ser menos sensíveis a dor que outras crianças e não sentir quando estão se cortando ou se machucando. COMPORTAMENTO REPETITIVO - as crianças autistas frequentemente repetem os mesmos comportamentos (chamados de comportamentos estereotipados, ou estereótipo), como balançar os braços, bater a cabeça na parede, repetir as mesmas palavras ou organizar obsessivamente brinquedos, livros ou outros objetos. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 23 A repetição é um tema da vida de toda da criança autista. Qualquer mudança em sua rotina diária, mesmo algo simples como cortar um sanduíche reto em vez de diagonal, pode causar uma reação importante. Os sintomas do autismo podem variar drasticamente de criança para criança. Enquanto uma criança pode ser incapaz de se comunicar, outra pode conseguir recitar peças inteiras de Shakespeare. Uma criança pode não conseguir somar 3+4, outra pode fazer cálculos avançados. Além do autismo, quatro outras condições estão sob o título de TGDs: Síndrome de Asperger - as crianças com esse transtorno têm alguns sintomas de autismo, incluindo pouca habilidade social e falta de empatia, mas elas têm habilidades linguísticas apropriadas para a idade e um QI alto ou normal. Síndrome de Rett - essacondição afeta somente 1 em cada 10 mil a 15 mil crianças, a grande maioria meninas. Os indivíduos com a síndrome de Rett fogem do contato social. Eles podem mexer as mãos e serem incapazes de controlar o movimento dos pés. Transtorno Desintegrativo da Infância (TDI) - essa doença afeta somente duas em cada 100 mil crianças com TGD, a maioria meninos. As crianças com TDI desenvolvem-se normalmente até uns 3 ou 4 anos, depois, repentina e drasticamente, perdem a coordenação motora, as habilidades linguísticas e sociais. Transtorno global do desenvolvimento - sem outra especificação (TGD - SOE) - essa condição tem os mesmos sintomas que o autismo (atrasos MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 24 sociais e de comunicação), mas não atende a todos os critérios de diagnóstico. O autismo é muito mais comum em pessoas com certos distúrbios metabólicos, genéticos ou de cromossomos, como SÍNDROME DO X FRÁGIL (uma forma herdada de retardo intelectual cujo nome se refere a um cromossomo X danificado ou aparentemente frágil), FENILCETONÚRIA (uma doença herdada em que o corpo tem falta da enzima necessária para processar o aminoácido fenilalanina, levando a uma deficiência intelectual) e ESCLEROSE TUBEROSA (um raro distúrbio genético que causa tumores benignos que crescem no corpo e no cérebro). Ataques epilépticos, DI e perda de visão e/ou audição também são comuns em crianças com autismo. Os cientistas acreditam que o autismo surge de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, por este motivo acredita-se que o autismo tenha como causa MULTIFATORES. Uma pesquisa feita com gêmeos revela uma forte ligação familiar. Se um dos gêmeos idênticos tem autismo, o outro tem de 60 a 90% de chance de também ter o transtorno (em gêmeos não idênticos, esta taxa é de aproximadamente 3%). Em famílias com uma criança autista, a chance de ter outro filho com essa condição é de 2 a 8% - 75 vezes maior que a população em geral. Além disso, os membros das famílias com crianças autistas são mais propícios a ter atrasos na linguagem, dificuldades sociais e transtornos mentais. Os cientistas acreditam que não é apenas um, mas sim uma combinação de vários genes que pode causar o autismo. As mutações nesses genes podem deixar uma criança mais suscetível ao autismo ou pode levar a sintomas específicos do transtorno. Alguns dos genes que os cientistas isolaram são o HOXA1 (relacionado ao sistema nervoso e nas estruturas do cérebro), o RELN (relacionados à comunicação entre as células nervosas) e os genes GABA (envolvidos em ajudar as células nervosas a se comunicarem). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 25 Provavelmente, esses genes preparam o terreno para o autismo, mas é possível que fatores ambientais realmente desencadeiem a doença. Vários fatores ambientais foram associados ao autismo, desde INFECÇÕES VIRAIS à EXPOSIÇÃO A SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS, como mercúrio, chumbo ou difenil policlorinado, um grupo de substâncias químicas que já foram utilizadas como lubrificantes e para resfriamento em motores. Algumas pessoas criaram a teoria de que certas vacinas na infância e as vacinas preventivas podem levar ao autismo, embora as pesquisas atuais indicam que não há nenhuma ligação. Algumas pesquisas sugeriram que a exposição pré-natal a substâncias como talidomida (medicamento utilizado nas décadas de 50 e 60 para tratar enjôos matinais e câncer) ou ácido valpróico (medicamento usado para tratar a epilepsia, pode fazer com que a criança desenvolva autismo). Em 1998, um estudo inglês feito pelo Dr. Andrew Wakefield chamou a atenção do mundo sobre um possível responsável ambiental: as vacinas infantis. Seu pequeno estudo sugeria que a vacína tríplice (sarampo, caxumba, rubéola) causava uma infecção nos intestinos, que levava a distúrbios gastrointestinais e de desenvolvimento vistos no autismo. Como as crianças são vacinadas mais ou menos na mesma idade em que o autismo é diagnosticado, a teoria de que as vacinas eram as culpadas ganhou popularidade. Além das questões das vacinas, outra pesquisa indicava que a exposição ao timerosal, uma substância à base de mercúrio que foi utilizada como um MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 26 conservante de vacinas (principalmente das de difteria, tétano, coqueluche; Haemophilus influenzae tipo B (Hib); e Hepatite B, poderia afetar o desenvolvimento do cérebro e desencadear o autismo). Em 2004, o Instituto de Medicina fez uma revisão completa de todas as evidências relacionadas às vacinas e ao autismo e concluiu que não havia nenhuma ligação aparente entre o timerosal ou a vacina tríplice e o autismo. Outros estudos maiores chegaram às mesmas conclusões. Porém, a discussão sobre vacinas e autismo continua, e a pesquisa está em andamento. Em seguida, trataremos do cérebro e do autismo. TEORIA DA MENTE Em 1995, o Dr. Simon Baron-Cohen, da Universidade de Cambridge, propôs uma nova teoria sobre o autismo. Ele sugeriu que muitas pessoas com autismo sofrem de "cegueira mental", isto é, são incapazes de entender que as outras pessoas têm seus próprios pensamentos e emoções. É essa incapacidade de relacionar-se às diferenças na maneira de pensar dos outros que resulta nas dificuldades sociais e comunicativas dos autistas, de acordo com o Dr. Baron-Cohen. 3. O CÉREBRO DO AUTISTA Muito parecido a um computador, o cérebro conta com um emaranhado de fios para processar e transmitir as informações. Os cientistas descobriram que, em pessoas com autismo, esses fios estão com defeito, o que causa falha de comunicação entre as células do cérebro. No cérebro, as células nervosas transmitem mensagens importantes que controlam as funções do corpo, desde o comportamento social até os movimentos. Estudos de imagens revelaram que as crianças autistas têm muitas fibras nervosas, mas elas não funcionam de maneira suficiente para facilitar a comunicação entre as várias partes do cérebro. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 27 Os cientistas acham que todo esse circuito elétrico pode afetar o tamanho do cérebro. Embora as crianças autistas nasçam com cérebros normais ou menores que o normal, elas passam por um período de rápido crescimento entre os 6 e 14 meses, por isso que, por volta dos quatro anos, o cérebro tende a ser grande para sua idade. Os defeitos genéticos nos fatores de crescimento do cérebro podem levar a esse desenvolvimento anormal do cérebro. Os cientistas também descobriram irregularidades nas próprias estruturas do cérebro, como no corpo caloso, que facilita a comunicação entre os dois hemisférios do cérebro; na amígdala, que afeta o comportamento social e emocional; e no cerebelo, que está envolvido com as atividades motoras, o equilíbrio e a coordenação. Eles acreditam que essas anormalidades ocorrem durante o desenvolvimento pré- natal. O cérebro de uma criança com autismo apresenta alterações no corpo caloso, amígdala e cerebelo. Além disso, os cientistas perceberam desequilíbrios nos neurotransmissores, substâncias químicas que ajudam as células nervosas a se comunicarem.Dois dos neurotransmissores que parecem ser afetados são a serotonina, que afeta emoção e comportamento, e o glutamato, que tem um papel na atividade dos neurônios. Juntas, essas alterações do cérebro podem ser responsáveis pelos comportamentos do autista MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 28 Os cientistas continuam procurando pistas sobre as origens do autismo. Ao estudarem os fatores ambientais e genéticos que podem causar o transtorno, eles esperam desenvolver testes para identificar o autismo mais cedo, além de novos métodos de tratamento. Vários estudos de pesquisa estão focados na ligação entre os genes e o autismo. O maior deles é o Projeto Genoma do Autismo (Autism Genome Project) da NAAR (National Alliance for Autism Research - Aliança Nacional para Pesquisa sobre Autismo). Esse esforço colaborativo, realizado em aproximadamente 50 instituições de pesquisa, em 19 países, está examinando os 30 mil genes que formam o genoma humano em busca dos genes que desencadeiam o autismo. Outros estudos sobre autismo incluem: Usar modelos de cérebro animal para estudar a forma como os neurotransmissores são defeituosos em crianças com autismo; Testar um programa de computador que poderia ajudar as crianças autistas a interpretarem as expressões faciais; Examinar imagens do cérebro para descobrir quais áreas estão ativas durante os comportamentos obsessivos e repetitivos do autista; Continuar pesquisando a ligação entre timerosal e autismo. Veremos como o autismo é normalmente identificado nas crianças. 4. SINTOMAS DO AUTISMO Nos primeiros meses de vida do bebê, os pais de uma criança autista podem começar a sentir que algo está errado. Podem notar que a criança, que antes parecia normal em todos os sentidos, está agindo de maneira estranha, recusando o contato visual, a apontar os brinquedos ou a falar. Mesmo que os sinais possam aparecer antes dos dois anos, a maioria das crianças não é diagnosticada com autismo até os quatro ou cinco anos de idade, de acordo com o CDC. Parte da razão desse atraso é que os sintomas de autismo podem se MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 29 parecer muito as de outras doenças, por isso que a avaliação do autismo é um processo de várias etapas que envolve diversos profissionais de saúde. A primeira etapa para diagnosticar o autismo começa com um teste de desenvolvimento administrado pelo pediatra da criança. Se esse teste sugerir uma TEA, a etapa seguinte é juntar uma equipe de especialistas, que pode incluir psicólogo, neurologista, psiquiatra infantil, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e possivelmente outros profissionais. Esses profissionais avaliarão a criança para saberem se ela tem problemas genéticos ou neurológicos, assim como habilidades cognitivas e linguísticas. A avaliação pode incluir observações, entrevistas com os pais, histórico do paciente, avaliações da fala e linguagem e testes psicológicos. Os testes de avaliação de autismo incluem: o ADOS-G (Autism Diagnostic Observation Schedule - Programa de Observação Diagnóstica do Autismo): teste de observação usado para identificar comportamentos sociais e de comunicação atrasados; a ADI-R (Autism Diagnosis Interview-Revised - Entrevista para Diagnóstico de Autismo - revisada): entrevista que avalia as habilidades sociais e de comunicação da criança; CARS (Childhood Autism Rating Scale - Escala de Classificação do Autismo Infantil): teste de observação para determinar a gravidade do autismo, que utiliza uma escala de 15 pontos para avaliar as habilidades de comunicação verbal, audição, uso do corpo e relações sociais da criança; o Autism Screening Questionnaire (Questionário de Avaliação do Autismo): é usada uma escala de 40 perguntas em crianças de quatro anos ou mais para avaliar as habilidades sociais e comunicativas. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 30 Psicólogos e outros profissionais geralmente usam o Autism Diagnostic Observation Schedule para identificar nas crianças atraso nos comportamentos sociais e comunicativos De acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual de Estatística e Diagnóstico de Transtornos Mentais) da American Psychiatric Association (Associação Americana de Psiquiatria, quarta edição (DSM-IV), as crianças com autismo atendem pelo menos seis dos seguintes critérios: PROBLEMAS SOCIAIS: Não usam adequadamente os comportamentos não-verbais, como gestos e expressões faciais; Não conseguem se relacionar com crianças da mesma idade; Não compartilham espontaneamente objetos ou interesses com os outros; Não apresentam reciprocidade social ou emocional. PROBLEMAS COMUNICATIVOS: São lentos para falar; Têm dificuldade para manter uma conversa; Usam a mesma linguagem de modo repetido; Não participam de atividades com crianças da mesma idade ou de jogos sociais. COMPORTAMENTOS REPETITIVOS: São extremamente preocupados com um ou mais interesses; MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 31 São inflexíveis e não gostam de mudar a rotina; Repetem os movimentos ou os modos (como bater os braços, acenar ou torcer); Preocupam-se com as peças dos objetos. A seguir, veremos os tratamentos convencionais para o autismo. DESCOBRIMENTO DO AUTISMO Embora possa parecer que o autismo tenha surgido apenas recentemente, os cientistas acreditam que as crianças mostravam esse comportamento já no século XVIII. O autismo não era formalmente reconhecido como uma condição única até 1943, quando o Dr. Leo Kanner, do Hospital Johns Hopkins, estudou 11 crianças com problemas graves de linguagem e socialização e publicou a primeira descrição real do autismo. Na mesma época, o Dr. Hans Asperger, da Alemanha, descreveu a síndrome que agora leva seu nome, com base na sua pesquisa com 400 crianças. 5. TRATAMENTOS PROPOSTOS PARA O AUTISMO Não há cura para o autismo, mas com tratamento, os autistas podem levar uma vida melhor. A terapia comportamental (também chamada de intervenção comportamental) é o tratamento mais usado. ASSISTÊNCIA NO TRATAMENTO O tratamento para o autismo pode ser caro, mas há fundos do governo disponíveis para crianças com DEAs. A IDEA - Individuals with Disabilities Education Act - (Lei pela Educação para Pessoas com Deficiências (em inglês)) é um programa do governo federal que ajuda as crianças com deficiência de aprendizado oferecendo, gratuitamente, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos ou outra ajuda. As escolas também têm que criar o IEP (Individualized Education Program - Programa de Educação Individualizada), especificamente dirigido a crianças com necessidades especiais de aprendizado. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 32 Professores, pais e conselheiros trabalham juntos para ajudar a criança a melhorar a comunicação e as habilidades físicas e sociais. Uma das terapias comportamentais mais populares é chamadade TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Communication Handicapped Children - Tratamento e Educação das Crianças Autistas e com Deficiência em Comunicação), desenvolvida na década de 70. Com esse método, os pais e profissionais (professores, terapeutas etc.) trabalham juntos para melhorar as capacidades de adaptação das crianças por meio de terapia cognitivo-comportamental estruturada. O programa é individualizado para a criança e acontece em vários ambientes - desde clínicas até salas de aula. Outros programas educacionais incluem o Higashi School, que ensina comportamentos positivos através da educação física, artística e acadêmica, e o Bright Start, que ajuda a melhorar a comunicação, a atenção e as habilidades cognitivas das crianças. As crianças também podem precisar de terapia ocupacional (para aprender as tarefas diárias), terapia de integração sensorial (para ajudar na estimulação), fisioterapia (para melhorar os movimentos) e fonoaudiologia. O tratamento deve ser elaborado para cada criança individualmente. Embora eles não possam tratar o autismo especificamente, alguns medicamentos podem ajudar a controlar os sintomas. A maioria dos medicamentos prescritos para autismo não é aprovada para esse fim, mas foi aprovada para tratar os mesmos sintomas em outras doenças. Esses medicamentos incluem: ANTIDEPRESSIVOS - pesquisadores descobriram que as pessoas com autismo têm um nível alterado do neurotransmissor serotonina. Os medicamentos chamados de inibidores seletivos de recaptação de serotonina ((ISRSs), que incluem Prozac e Zoloft, ajudam a regularizar os níveis de serotonina e a controlar a ansiedade, DEPRESSÃO e comportamentos obsessivo-compulsivos (entretanto, existe uma preocupação de que esses medicamentos possam estar associados a comportamentos e pensamentos suicidas em crianças, por isso são usados com cuidado). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 33 MEDICAMENTOS ANTIPSICÓTICOS - originalmente usados para tratar a esquizofrenia, podem ajudar a diminuir a agressão e a melhorar outros problemas comportamentais graves associados ao autismo. Eles reduzem a quantidade do neurotransmissor dopamina no cérebro. Os medicamentos antipsicóticos mais antigos (como Haldol) podem ser eficientes para autismo, mas podem ter efeitos colaterais, inclusive sedação ou movimentos incomuns (chamados discinesia). Em 2006, foi aprovou um novo medicamento antipsicótico, a risperidona, para irritabilidade em crianças e adolescentes autistas de 5 a 16 anos. É o primeiro medicamento aprovado especificamente para comportamentos relacionados ao autismo, como agressão, hostilidade, auto-flagelo e agitação, e tende a ter menos efeitos colaterais que os medicamentos mais antigos. ESTIMULANTES - os medicamentos usados para tratar o TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), como a RITALINA, podem ser eficientes para os sintomas de hiperatividade e impulso em crianças autistas. Esses medicamentos também podem apresentar efeitos colaterais comportamentais, e as crianças que os tomam precisam ser monitoradas com cuidado. 5.1. Ajudar crianças com autismo Como não há cura real para o autismo, os pais geralmente optam por terapias alternativas e complementares. Embora alguns pais tenham tido sucesso com esses métodos, nenhum foi cientificamente provado para tratar o autismo: VITAMINAS E SUPLEMENTOS MINERAIS - as intervenções alimentares vêm da crença de que a alergia a alimentos ou a deficiência de minerais e vitaminas pode causar o autismo. Alguns pais dão aos filhos suplementos de vitamina B (as vitaminas B criam as enzimas necessárias para o cérebro) ou magnésio, embora nenhuma pesquisa tenha provado sua eficiência. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 34 Há muitos alimentos sem glúten e caseína disponíveis para crianças com autismo que estão nesses tipos especiais de dietas. DIETAS ESPECIAIS - algumas pesquisas sugerem que crianças autistas podem ter problema ao digerir proteínas como glúten - encontrado em sementes de trigo, aveia, centeio e cevada, e caseína - encontrada nos laticínios. Muitas crianças autistas fazem dieta sem glúten ou caseína. SECRETINA - algumas pesquisas descobriram que esse hormônio, que ajuda na digestão, melhora a comunicação e as habilidades sociais nas crianças com autismo. Entretanto, a pesquisa feita pelo National Institute of Child Health and Human Development não descobriu nenhuma melhora com esse tratamento, se comparado ao placebo. TERAPIA POR QUELAÇÃO - seguindo a escola filosófica de que o autismo pode ser causado pela exposição a toxinas ambientais, como mercúrio e outros metais pesados, a quelação usa um agente químico para forçar e remover esses metais do corpo. Embora alguns pais tenham afirmado que esse tratamento melhorou os sintomas das crianças, a quelação não foi cientificamente provada, e as próprias substâncias usadas no tratamento podem ser tóxicas e causar reações alérgicas em algumas delas. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 35 Na comunicação facilitada, um facilitador pode segurar o braço de uma criança autista e ajudá-la a digitar no teclado do computador ou ajudá-la na comunicação comunicação facilitada - neste tipo de terapia, um facilitador segura a mão, o braço ou o ombro de uma criança autista e a ajuda digitar no teclado do computador ou ajudá-la na comunicação. Essa técnica não é considerada um tratamento válido para o autismo, além de bastante controverso, pois algumas pessoas dizem que é o facilitador que está se comunicando, e não a criança. 6. MITOS SABRE O AUTISMO Nas décadas de 50 a 80, prevalecia a teoria de que a causa do autismo estava ligada aos maus cuidados dos pais - a famosa "teoria da mãe geladeira" (que significava que a mãe era emocionalmente fria) desenvolvida pelo psicólogo infantil Bruno Bettelheim. Hoje, sabemos que é mentira. As crianças autistas não são criadas de maneira errada - elas nasceram com uma suscetibilidade inerente ao transtorno. Elas também não são mal comportadas - seus ataques de cólera e outros comportamentos incomuns vêm da frustração que têm de não conseguirem se comunicar de modo eficiente e de interagir socialmente. Elas também não são mudas; na verdade, algumas crianças autistas são extremamente dotadas em algumas áreas. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 36 Uma percepção errada comum é que os autistas são lentos ou mentalmente retardados. Na verdade, uma pequena porcentagem de pessoas com TGD é notadamente dotada. Veja Kim Peek, a inspiração para o personagem de Dustin Hoffman, Raymond Babbitt, no filme "Rain Man", de 1988; Peek tinha lido mais de 7 mil livros e podia recontar com precisão fotográfica mais de 80% de seu conteúdo. Se você desse a data de nascimento de uma pessoa, ele podia imediatamente dizer o dia da semana em que caiu. O autor e matemático Daniel Tammet, nascido em Londres, pode recitar o número pi a mais de 20 mil dígitos e fala fluentemente dez idiomas. Ele até inventou sua própria língua, o Manti. Também existem pessoas que foram diagnosticadascom autismo quando crianças, mas na verdade têm distúrbio generalizado do desenvolvimento - sem outra especificação (TGD -SOE). Dra. Temple Grandin, professora de Ciência Animal na Universidade do Estado do Colorado, é um exemplo famoso de pessoa que superou o autismo e se tornou muito bem sucedida. Ela projetou ambientes para gado usados em todo o mundo, escreveu quatro livros - inclusive um best-seller do New York Times - e apareceu em vários programas de rádio e televisão. 7. NOVA TÉCNICA DE IMAGEM DETECTA VARIAÇÕES EM CÉREBRO DE AUTISTA 11 de março de 2008. Uma nova técnica de neuroimagem, procedimento que permite visualizar o cérebro em funcionamento, foi aplicada por pesquisadores do Hospital Infantil da Filadélfia (EUA) em pacientes com autismo. O objetivo do estudo era identificar possíveis alterações morfológicas cerebrais que pudessem elucidar as origens do AUTISMO. Os resultados dessa análise mostraram variações no volume de neurônios em certas áreas do lobo parietal envolvidas nos processos de aprendizagem por observação e interação com outras pessoas. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 37 Chefiados por Manzor Ashtari, os pesquisadores notaram que 13 crianças com autismo de alto funcionamento / SÍNDROME DE ASPERGER, possuem uma quantidade elevada de massa cinzenta em regiões do lobo parietal quando comparados a 12 indivíduos saudáveis. Para chegar aos resultados divulgados no último encontro anual da Sociedade Norte-americana de Radiologia foi utilizada uma técnica ainda inexistente no Brasil, chamada diffusion tensor imaging (DTI, na sigla em inglês), que rastreia o movimento de moléculas de água no cérebro. Graças a DTI os cientistas descobriram também que crianças autistas possuem um menor volume de massa cinzenta na amígdala, região do cérebro envolvida em processos emotivos, como por exemplo, uma situação de perigo. Segundo a pesquisa, essa diferença é responsável pela menor capacidade de interação social e reciprocidade desses indivíduos, comportamentos característicos do indivíduo com autismo. Apesar dos achados do estudo norte-americano, o coordenador do Projeto Autismo do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), Estevão Vadasz, atenta que a baixa quantidade de pacientes estudados, 13 no total, prejudica a confiabilidade das conclusões da pesquisa. “O autismo não é uma única doença, mas sim um conjunto de síndromes e patologias com múltiplas etiologias. Pode até ser que certos pacientes sofram de alterações morfológicas no lobo parietal conforme mostra o estudo. Mas, por sua vez, outros têm problemas no lobo frontal ou desenvolvem macrocefalia [aumento no tamanho do cérebro e crânio] nos primeiros anos de vida. Na maioria dos casos, acredita-se que o autismo provenha do mau funcionamento de vários circuitos cerebrais correlacionados ao processamento de informações”. 7.1. Neurônios-espelho e as origens do autismo Outro ponto levantado pela pesquisa com autistas diz respeito ao sistema de NEURÔNIOS-ESPELHO. Segundo Ashtari, a inabilidade da criança autista em se MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 38 relacionar com outras pessoas e situações pode ser resultado do mau funcionamento dos neurônios-espelho em regiões do lobo parietal esquerdo. Por neurônios-espelho compreendem-se múltiplos circuitos neuronais especializados em executar e compreender ações e intenções de outras pessoas, o significado social do comportamento delas e suas emoções. Diferentes sistemas de neurônios-espelho espalhados pelo cérebro são ativados, por exemplo, quando estendemos o braço para alcançar um objeto, quando o largamos sobre uma mesa, ou quando observamos uma pessoa executando essa mesma ação. Nesse último caso nosso cérebro simula mentalmente a ação visualizada e interpreta a intenção de quem a realizou. Estudos indicam que os neurônios-espelho estão envolvidos na maneira como as crianças aprendem, no porque uma pessoa prefere certo tipo de pintura ou dança; ou na razão pela qual a violência em games pode contribuir para o desenvolvimento de jovens violentos. Enquanto alguns cientistas buscam uma resposta para as origens do autismo no sistema de neurônios-espelho, o pesquisador brasileiro Estevão Vadasz fala de outras frentes de pesquisa. Atualmente, os principais estudos tratam a doença como um transtorno de origem genética. “Mais de 100 genes estão sendo pesquisados no momento. Os maiores centros de pesquisa do mundo acreditam que o autismo seja desencadeado pela ação simultânea de seis a oito desses genes”, afirma. Há inclusive quem diga que as causas do autismo podem estar para além do cérebro. Uma das hipóteses trabalhada pela comunidade médica estuda o autismo como fruto da má absorção de nutrientes pelo sistema digestivo. Até não muito tempo atrás, em 1960, a maioria dos médicos creditava o surgimento do autismo na criança à falta de afetividade dos pais. Segundo Vadasz, nos dias atuais, principalmente na Argentina e na França, ainda há profissionais de saúde que trabalham com esta hipótese. Técnicas como a DTI poderão trazer novos elementos para se compreender essa síndrome que atinge, segundo as taxas de prevalência epidemiológicas aponta uma variação de 4 a 15 casos em cada 10 mil pessoas. O Brasil, lamentavelmente, não dispõe de estatísticas oficiais sobre o autismo. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 39 7.2. Do DSM-I ao DSM-V: Efeitos do diagnóstico psiquiátrico “espectro autista” sobre pais e crianças O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM), da Associação Psiquiátrica Americana (APA), se propõe a oferecer uma base empírica para a prática clínica, pesquisa e ensino da psicopatologia, bem como servir de instrumento para a coleta e a comunicação de dados estatísticos referentes à saúde pública (APA, 2002). Ao longo do tempo, o Manual tem alcançado uma grande repercussão não apenas nos Estados Unidos, mas também em outros países, nos quais vem sendo largamente empregado. Como referência internacional, é utilizado pelos sistemas de saúde pública, convênios médicos e centros de pesquisa psiquiátrica e farmacêutica (MAYES e HORWITZ, 2005). Às vésperas do lançamento da sua quinta edição, tornou-se conhecido como a “Bíblia Americana da Saúde Mental” (G. POMMIER, 2011; R. R. GRINKER, 2011). No entanto, suas sucessivas edições e revisões têm acarretado uma série de consequências, tais como a multiplicação de classificações diagnósticas, a crescente medicalização, a indicação generalizada das chamadas terapias cognitivo- comportamentais e o empobrecimento do ensino da psicopatologia. Aqui, interessa- nos, particularmente, mostrar como o Manual provocou o que vem sendo chamado “epidemia de autismo” e de que modo a sua quinta edição virá inflacionar mais ainda os números de casos diagnosticados, com graves consequências para pais e crianças. 7.3. Do DSM-I ao DSM-V: O autismo nas edições e revisões do Manual Desenvolvido pelo Comitê de Nomenclatura e Estatística da APA e publicado em 1952, a primeira edição do DSM é uma variante da sexta versão da Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), que pela MÓDULO IIProf. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 40 primeira vez incluiu em suas descrições clínicas uma seção dedicada aos transtornos mentais. O DSM-I continha um glossário de descrições de categorias diagnósticas nas quais fazia uso do termo “reação”, o que refletia a influência da perspectiva psicobiológica de Adolf Meyer, para quem os transtornos mentais constituíam reações da personalidade a fatores psicológicos, sociais e biológicos (APA, 2002). Nessa edição, a etiologia do transtorno era notadamente levada em conta. O uso de termos como “mecanismos de defesa”, “neurose” e “conflito neurótico” indicavam a influência da psicanálise na construção do Manual (N. SIBEMBERG, 2011, p. 93). O autismo aparece no DSM-I como um sintoma da “Reação Esquizofrênica, tipo infantil”, categoria na qual são classificadas as reações psicóticas em crianças com manifestações autísticas (APA, 1952). Portanto, na primeira edição do DSM o autismo não é apresentado como uma entidade nosográfica. O DSM-II (1982) eliminou o termo “reação” (APA, 2002, pág. 23). A classificação passa a ser “Esquizofrenia tipo infantil”, categoria equivalente a “Reação Esquizofrênica” do DSM-I. O comportamento autístico, uma das manifestações de esquizofrenia na infância, permanece sendo um sintoma (APA, 1982). Termos psicanalíticos são utilizados ainda mais. A terceira edição do Manual (1980) e sua revisão (DSM-III-TR, 1987) trouxeram notáveis inovações. Critérios específicos de diagnóstico são implementados, como o sistema axial e o enfoque descritivo, “que tentava ser neutro em relação às teorias etiológicas” a partir de um “trabalho empírico” (APA, 2002, pág. 23). As causas de uma doença, alegavam os responsáveis pelas novas versões, “devem constituir um princípio classificatório somente quando são claramente conhecidas” (R. R. GRINKER, 2010, pág. 129). Os aspectos psicodinâmicos dão lugar a um modelo regulamentar ou legislativo e MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 41 o conceito psicanalítico de neurose, “visto como vago e não científico”, é excluído (C. DUNKER e F. KYRILLOS NETO, 2011, pág. 615). O Manual começa a abandonar a perspectiva psicanalítica. É justamente aí que o autismo aparece pela primeira vez como entidade nosográfica. É criada a classe diagnóstica “Transtornos Globais do Desenvolvimento – TGD” (Pervasive Developmental Disorders – PDD), no qual o “Autismo Infantil” figura como uma das subcategorias. Revista a terceira edição, o autismo passa a ser nomeado “Transtorno Autístico”. O diagnóstico de “Esquizofrenia tipo infantil” desaparece, sob a alegação de que é extremamente raro na infância (APA, 1987). A partir daí, “o autismo se transforma num diagnóstico convencional na prática psiquiátrica, tornando-se mais comum ainda nos anos seguintes.” (R. R. GRINKER, 2010, pág.120). Na quarta edição do Manual (1994) e sua revisão (APA, 2002), o autismo se mantém como referência para as novas classificações e os TGDs recebem outros subtipos: o “Transtorno de Rett”, o “Transtorno Desintegrativo da Infância” e o “Transtorno de Asperger”. O DSM-IV é proposto como suporte educativo para o ensino de psicopatologia e se torna “A Bíblia da Saúde Mental”. Completamente afastado das bases psicanalíticas, e sob a influência da farmacologia e dos resultados das pesquisas das neurociências, o DSM se autoproclama ateórico. O DSM-5 (2013), INTRODUZ OUTRAS MUDANÇAS: A extinção dos TGDs e a criação de uma única categoria diagnóstica para os casos de autismo (“Transtorno do Espectro do Autismo”), independentemente de suas diversas formas de manifestação. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 42 Como o diagnóstico é efetuado exclusivamente com base no comportamento observável, o Manual radicaliza o alcance da noção de contínuo autista, adotando mais do que antes a ideia de “espectro”. A substituição do grupo de transtornos, antes incluído na classe dos TGDs por uma única categoria, concorrerá definitivamente para transformar o autismo num dos principais diagnósticos psiquiátricos para a criança. . O autismo se transforma num transtorno do neurodesenvolvimento, o que implica necessariamente a tomada de uma posição de ordem teórica, apesar do “ateorismo” apregoado (APA, 2013), revelando-se então o forte compromisso dos organizadores do Manual “com os autores e teorias das chamadas neurociências” (S. LAIA, 2012, pág. 12). 7.4. Como o DSM transformou a psiquiatria Antes do DSM-III, psiquiatria e psicanálise partilhavam o objetivo de compreender o problema fundamental da origem do sintoma. O intuito era então tratar o problema, e não o sintoma. As classificações diagnósticas das edições anteriores (DSM-I e II) adotavam as categorias psicanalíticas de neurose e psicose. No entanto, a credibilidade da psiquiatria como ciência e campo legítimo da medicina era questionada, mesmo depois da publicação das primeiras edições do Manual, que, ao que parece, não receberam a receptividade esperada. O governo diminuía os investimentos em pesquisas psiquiátricas e os planos de saúde viam a psiquiatria como “um poço sem fundo, com métodos de avaliação e tratamento inadequados” (R. R. GRINKER, 2010, pág. 124). O DSM-III provocou uma reviravolta na imagem da psiquiatria. Afastando-se da psicanálise, que não deixava de reconhecer a importância das considerações de ordem teórico-etiológica, a psiquiatria pôde justificar o seu sistema classificatório, ou seja, a focalização do sintoma nele mesmo, na medida em que a pura observação empírica das manifestações de comportamento (sua presença, constância e intensidade) passa a ser o critério utilizado no diagnóstico. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 43 O DSM-IV repete os princípios da edição anterior: descrição objetiva dos sintomas com exclusão da etiologia. Como se expressa R. R. GRINKER (2010), confesso defensor do DSM, a “popularização do autismo” é consequência, dentre outros fatores, do declínio da psicanálise e da absoluta recusa da ideia de que o transtorno poderia ser consequência da “maldades das mães”, conforme a tão propalada hipótese de B. Bettelheim, que passou a usar de forma equivocada a expressão “mães geladeiras”, criada por L. Kanner, mas posteriormente por ele mesmo rechaçada. Efetivamente, a psiquiatria estava oferecendo classificações diagnósticas padronizadas para atender a demanda das companhias seguradoras de saúde e das indústrias farmacêuticas, que necessitavam de parâmetros e regras para nortear suas ações. Aliás, a indústria farmacêutica vem sendo intensamente favorecida com a multiplicação de diagnósticos a cada nova edição do DSM, contando ao mesmo tempo com o respaldo das neurociências, num contexto cada vez mais neoliberal, no qual há uma redução do poder do Estado na esfera econômica e social. Coerente com os critérios de classificação praticados pela APA, o tratamento do transtorno passa a ser a eliminação ou o abrandamento do sintoma, já que este corresponde ao comportamento alterado. Consequentemente, a clínica farmacológica e cognitivo-comportamental é favorecida, uma vez que trabalham com idêntico propósito: fazer desaparecer o comportamento“anormal”. Estava selada assim a aliança entre psiquiatria, indústria farmacêutica e terapias cognitivo- comportamentais, um compromisso que transparece nas recomendações da APA para que esses “tratamentos” sejam aplicados. 8. “TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA” COMO DIAGNÓSTICO ANTES DO DSM-5 Na Grécia Antiga, o termo “idiota” designava aquele que não participava da vida pública e que, por isso, era tido como uma espécie de deficiente intelectual. Difundido ao longo do século XIX, o termo passou a designar aquele que não sai de MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 44 si mesmo. Essa observação leva Hochmann a supor uma história do autismo antes do autismo (J. HOCHMANN, 2009). Em 1912, Bleuler usa o termo “autismo” – do grego auto (si próprio) e do sufixo ismo (estado) – para indicar um dos sintomas das crianças que tinham recebido o diagnóstico de “Esquizofrenia”: a predominância relativa ou absoluta do mundo interior. Somente mais tarde, com a descrição de L. Kanner (1943, 1983, 1997), o autismo passou a definir um conjunto de distúrbios (“Distúrbios autísticos inatos do contato afetivo”) e, logo depois, uma síndrome, designada “Autismo Infantil Precoce” (KANNER, 1946), nomeação que põe em evidência a precocidade do aparecimento das manifestações. A partir de então, os sinais e sintomas categorizando o autismo mudaram constantemente até receberem a noção de “espectro autista”. Cabe a L. Wing (L. WING e J. GOULD, 1979 apud U. FRITH, 2003; L. WING, 1996, apud U. FRITH, 2003), psiquiatra inglesa, a definição de autismo como um espectro, isto é, uma gama de comportamentos determinados em vários graus e maneiras. Apoiada na descrição da Síndrome de Asperger e em suas próprias pesquisas, sublinha que, dependendo da severidade e da variedade dos sintomas a criança pode receber o diagnóstico de autismo de alto funcionamento, com atraso severo no desenvolvimento, ou ainda se situar em qualquer outra faixa do espectro. Wing baseia essa afirmação a partir da observação de três déficits comumente presentes nas manifestações do transtorno, chamados a Tríade de Wing: (a) alterações qualitativas na comunicação verbal e não verbal, (b) alterações qualitativas nas interações sociais recíprocas e (c) centro de interesses restritos, estereotipados e repetitivos. Surge assim a expressão Transtorno do Espectro Autista (TEA), que passa a ser usada como sinônimo da classe diagnóstica “Transtornos Globais do Desenvolvimento”, criada posteriormente pela terceira edição do DSM, quando a APA, aceitando a ideia da existência do contínuo autista, formula o primeiro conjunto de critérios para o diagnóstico de autismo. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 45 De acordo com Filipeck et al. (1999), pode-se falar tanto em “Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)” como em “Transtorno do Espectro Autista (TEA)”. Assim, tornou-se corrente entre médicos o uso frequente da expressão “espectro autista” para o diagnóstico da criança. Ora, adotando esse critério o médico não precisa situar a particularidade da subcategoria diagnóstica na qual a criança pode se classificar. Esse modo preferencial de lidar com o diagnóstico permite ao médico reduzir o tempo de consulta, ainda que a indicação de tratamento seja a mesma para todos os casos: o tratamento medicamentoso e cognitivo-comportamental. Por outro lado, como vimos, leva também a um aumento do número de diagnósticos de autismo, na medida em que não há lugar para outras subcategorias como o Transtorno de Asperger, de Rett e Desintegrativo da Infância. Com o DSM-5, a APA consagrará e formalizará o uso, já corrente, da “classificação” espectro autista, a despeito das consequências que daí podem advir. Milhares de observações críticas e manifestos contrários ao DSM-5 foram postados no site da APA quando os dois primeiros rascunhos do Manual foram submetidos ao comentário público, contudo sem resultados. Uma parte deles apontava a multiplicação e proliferação de categorias diagnósticas, como o manifesto “O DSM-5 e o apagamento do sujeito”, de Intersecção Psicanalítica do Brasil (IPB, 2012). Outros indicavam o desaparecimento de categorias diagnósticas antes presentes no DSM, e muitos se mostraram particularmente contrários à inclusão da Síndrome de Asperger na classificação de autismo, por considerarem que o caráter inclusivo da categoria “Transtorno do Espectro do Autismo” extinguirá as diferenças entre dois quadros clínicos tão distintos. Apesar das críticas, a quinta edição do Manual manterá as modificações previstas nos rascunhos. Desaparecendo do Manual as psicoses infantis e categorias como a Síndrome de Asperger e outras, o médico ou outro profissional será levado a utilizar o diagnóstico “Transtorno do Espectro do Autismo”, ou mais simplesmente, “espectro autista”. Contudo, como o desaparecimento de categorias diagnósticas não faz MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 46 desaparecer a patologia, o erro diagnóstico é a consequência mais imediatamente vislumbrada. De outra parte, a precipitação na formulação do diagnóstico pelos critérios do DSM é já uma constatação. Torna-se cada vez mais comum o recebimento de crianças diagnosticadas com “espectro autista”, muito antes dos três anos. Nesses casos, privilegia-se a observação do comportamento da criança, quase sempre a partir de uma única consulta, e se são verificados alguns sintomas que, segundo os preceitos do Manual são característicos de autismo, o diagnóstico é declarado. Desconhece- se que, numa idade tão precoce, um quadro patológico não pode ser considerado já decidido (L. BERNARDINO, 2010). Ignora-se, de outra parte, que as manifestações podem indicar apenas perturbações da comunicação que, se tratadas precocemente, podem desaparecer. É importante detectar sinais de sofrimento psíquico que podem perturbar o desenvolvimento da criança, a fim de que uma intervenção em tempo possa ocorrer. Entretanto, um diagnóstico de “espectro autista” pode selar definitivamente o destino da criança. É impressionante a frequência com que pais, a partir daí, passam a avaliar o comportamento dos filhos como “manifestações da doença”, comportamento que seria considerado absolutamente normal e esperado em outras crianças. A realidade da prática clínica revela que as reações de pais ao diagnóstico “espectro autista” são na maior parte das vezes devastadoras, tanto para eles como para os filhos. Por um lado, o preconceito que ainda cerca o diagnóstico leva muitas vezes os pais a sentirem-se envergonhados e revoltados, fazendo-os afastar a criança do convívio social. Por outro, os filhos sofrem com o desinvestimento dos pais, a partir de um tão perturbador diagnóstico. Tanto o erro diagnóstico como a precipitação diagnóstica acarretam graves consequências, na medida em que a direção do tratamento está diretamente associada ao diagnóstico formulado. A reação mais comum ao mal-estar é a inclinação pela sua imediata supressão. Assim, a partir do diagnóstico recomenda-se aos pais o tratamento medicamentoso MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 47 e/ou cognitivo-comportamental para a criança. Todavia, apesar dos grandesavanços da indústria farmacológica, não são desconhecidas as repercussões desastrosas que determinadas substâncias causam ao organismo, principalmente na infância e adolescência. Por outro lado, a medicalização não pretende curar o espectro, mas se destina especificamente aos chamados sintomas-alvo: fazer desaparecer ou abrandar as crises de agitação, de angústia, os distúrbios de sono. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) adota o mesmo critério: afastar o comportamento indesejado. Priorizando os quadros nos quais há um predomínio das questões cognitivas em detrimento da questão da organização da personalidade, os procedimentos classificatórios do DSM tentam justificar a preferência pelas terapias cognitivo-comportamentais (TCCs). Assim, e embora os quadros clínicos possam responder a diferentes lógicas de constituição (diferentes patologias), crianças com características subjetivas diferentes são submetidas a tratamentos iguais de treinamento de habilidades sociais e de aprendizagem (N. SIBEMBERG, 2011). 8.1. A tarefa da Psicanálise A adoção da nomenclatura do DSM traz, desde sempre, impactos sobre os pais, sobre as crianças e sobre as formas de atendimento. Um diagnóstico referenciado pelo DSM constitui-se numa nomeação que ao mesmo tempo em que nos convoca a um diálogo interdisciplinar, também traz consigo todas as significações que essa nomeação engendra, sendo um dos grandes equívocos considerar como definitiva e inequívoca essa nomeação. Faz-se necessário que a especificidade do discurso psicanalítico seja considerada, pois só ela leva em conta a dimensão inconsciente, a singularidade do desejo e a condição de sujeito falante, apostando em sua emergência para além de qualquer diagnóstico. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 48 A escuta psicanalítica inicialmente dá lugar à expressão do drama que se abriu no interior da família, fazendo-os questionar todo o aparato genético e psíquico que tinham para conduzirem os processos de desenvolvimento de seu filho, e que se perdem quando algo estranho se presentifica, deixando as coisas meio sem rumo. Ao mesmo tempo, ao escutar a criança em sua singularidade, abre-se um espaço para que o sujeito possa se expressar. Lacunas discursivas, repetições sintomáticas, ambiguidades, contradições e acontecimentos inesperados são pontuados na intenção de elaborar alguma hipótese sobre o funcionamento da criança. Nesse processo, a criança é colocada na posição de falante, reconhecida como sujeito capaz de assumir um discurso próprio e particular, demonstrando qual é sua inscrição subjetiva e o seu funcionamento psíquico. É nesse lugar que a escuta psicanalítica poderá fazer a diferença na condução do tratamento. Na medida em que essa escuta transcorre e o analista leva em conta o sofrimento de todos e fornece pontos de apoio e de fortalecimento aos pais, proporciona certo alívio ao drama vivido, abrindo espaço para compor o campo no qual se dará a possibilidade de acesso ao funcionamento mental da criança diagnosticada dentro do espectro autista. Alavanca-se, então, a construção de possibilidades. A presença da psicanálise numa clínica interdisciplinar não está compromissada em superar os impasses clínicos, as divergências diagnósticas, nem em homogeneizar os vários campos conceituais, mas, ao contrário, colocar questões e se servir delas para intervir, reconhecendo sempre os diferentes discursos disciplinares. A proposição e a construção de uma prática interdisciplinar sob os auspícios da ética psicanalítica, reconhecendo e relativizando os saberes particulares, engendrará sempre um permanente questionamento que se abre para uma maior compreensão do sujeito desejante. Também se constitui tarefa da psicanálise assumir posicionamentos diante das políticas gestoras do setor público e privado em torno da infância e, principalmente, MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 49 diante da elaboração de quaisquer manuais classificatórios que desconsiderem a constituição subjetiva da criança. Nesse sentido, faz-se necessário, desde já, que a psicanálise seja formalmente considerada e incluída nas futuras revisões e/ou edições do DSM. NOTA 1 - ANTECEDENTES HISTÓRICOS Foi a partir de um censo realizado em 1840 que os Estados Unidos da América do Norte realizaram a primeira tentativa de coletar informações sobre a doença mental, considerando à época uma única oposição: idiotismo/insanidade. Em outro censo, levado a efeito em 1880, já foram consideradas sete categorias de doença: mania, melancolia, monomania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia (C. DUNKER e F. KYRILLOS NETO, 2011, pag.613). No segundo recenseamento se pretendia estabelecer um quantitativo em termos epidemiológicos estatísticos. Os organizadores do DSM referem que durante toda a história da medicina se sentia a necessidade de uma classificação dos transtornos mentais. Havia então muitas nomenclaturas, assentadas em critérios distintos: sobre a fenomenologia, sobre a etiologia ou sobre o curso do transtorno. Outra divergência dizia respeito à finalidade que os sistemas classificatórios deveriam atender: o contexto clínico, de pesquisa ou estatístico? (APA, 2002). Ao mesmo tempo havia uma constante preocupação em separar a idiotia (retardo grave) da insanidade mental. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 50 Todavia, reconhecem os idealizadores do DSM que, nos Estados Unidos, “o impulso inicial para a criação do DSM foi a necessidade de coletar informações estatísticas” (APA, 2002, pag.22). No entanto, segundo F. Sauvagnat (2012), “[...] versões anteriores do DSM eram constituídas por instrumentos que não eram diagnósticos, mas instrumentos epidemiológicos. Isso permitia justamente trabalhar sobre dossiês, e inicialmente se tratava de encontrar causas da morte, da mortalidade. “Se tentarmos entender a que tipo de paciente o primeiro DSM se endereça, é um paciente morto”. Até o surgimento do DSM, diversas tentativas de se normatizar uma classificação em âmbito nacional foram realizadas nos Estados Unidos da América do Norte. Um sistema classificatório surgiu em 1918, listando 22 classes de distúrbios, com o nome de Manual Estatístico para o Uso de Instituições de Insanos (DSM). Uma nova versão desse primeiro sistema classificatório apareceu em 1952: o DSM-I, que constituía uma variante da CID-6 (Classificação Internacional de Doenças, 1949). Para a APA (2002), o DSM-I foi “o primeiro manual oficial de transtornos mentais a concentrar-se na utilidade clínica”. Em 1968, e considerando 182 classes de distúrbios, foi editado o DSM-II. Em 1980, o DSM-III foi publicado listando 265 categorias diagnósticas. Admitindo inconsistências e ausência de clareza de critérios nessa versão, a APA desenvolveu revisões e correções que culminaram em MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 51 1987 no DSM-III-R, no qual foi reinserido o termo neurose, retirado da terceira edição. O DSM-III-R continha 292 diagnósticos e o Manual ainda contava com a visão da psicanálise. No ano de 1994 foi publicado o DSM-IV e em 2000 sua ediçãorevisada, o DSM-IV-R, considerando 297 categorias de transtornos mentais. O DSM-5, com lançamento em maio de 2013, conterá cerca de 300 categorias. Como nas edições anteriores, o Manual permanecerá dispensando os fatores da individualidade em prol de uma massificação que considera apenas o sintoma (P. CHACÓN, 2012), mesmo assim sem nenhuma precisão, até porque a produção subjetiva do sujeito não é mensurável nem quantificável. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 52 9. CHILDHOOD AUSTISM RATING SCALE (CARS) ESCALA DE PONTUAÇÃO PARA AUTISMO NA INFÂNCIA Schopler, E., Reichler, R. J., Renne, B. R. 1 – RELACIONAMENTO INTER-PESSOAL Pontos Sintomas 1 Sem evidencia de dificuldade ou anormalidade: o comportamento da criança é apropriado para a idade. Alguma timidez, inquietação ou prejuízo pode ser observado, mas não a um nível diferente (atípico) quando comparado com outra de mesma idade. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: A criança evita olhar o adulto nos olhos, evita o adulto; demonstra dificuldade quando é forçado a tal; é exatamente tímido; não é tão sociável com um adulto quanto uma criança normal de mesma idade; fica agarrada aos familiares de forma mais intensa que outras de mesma idade. 2,5 3 Grau moderado: A criança as vezes demonstra isolamento. Há necessidade de esforço persistente para obter sua atenção. Há um contato mínimo por iniciativa da criança (o contato pode ser impessoal). 3,5 4 Grau Severo: A criança é isolada realmente, não se dando conta do que o adulto está fazendo; nunca responde as iniciativas do adulto ou inicia contato. Somente as tentativas muito intensas para obter sua atenção tem algum efeito positivo. 2 – IMITAÇÃO Pontos Sintomas 1 Apropriada: A criança imita sons, palavras e movimentos que são apropriados para seu nível de desenvolvimento. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: A criança imita comportamentos simples como bater palmas ou palavras isoladas na maior parte do tempo. As vezes reproduz uma imitação atrasada (após tempo de latência) 2,5 3 Grau moderado: A criança só imita as vezes e mesmo assim precisa de considerável persistência e auxílio do adulto. Freqüentemente reproduz uma imitação atrasada. 3,5 4 Grau severo: A criança raramente ou mesmo nunca imita sons, palavras, ou movimentos mesmo com auxílio de adultos ou após período de latência. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 53 3 – RESPOSTA EMOCIONAL Pontos Sintomas 1 Resposta apropriada para a idade e situação: A resposta emocional (forma e quantidade) demonstra sintonia com a expressão facial, postura corporal e modos. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: A criança ocasionalmente demonstra alguma inadequação na forma e quantidade das reações emocionais. As vezes as reações são não relacionadas a objetos ou acontecimentos do “entorno”. 2,5 3 Grau moderado: Há presença definitiva de sinais inapropriados na forma e quantidade das respostas emocionais. As reações podem ser inibidas ou exageradas, mas também podem não estar relacionadas com a situação. A criança pode fazer caretas, rir ou ficar estática apesar de não estarem presentes fatos que possam estar causando tais reações. 3,5 4 Grau severo: As respostas são raramente apropriadas as situações: quando há determinado tipo de humor é muito difícil modificá-lo mesmo que se mude a atividade. O contrário também é verdadeiro podendo haver enorme variedade de diferentes reações emocionais durante um curto espaço de tempo mesmo que não tenha sido acompanhado por nenhuma mudança no meio ambiente. 4 – EXPRESSÃO CORPORAL Pontos Sintomas 1 Apropriada: A criança se move com a mesma facilidade, agilidade e coordenação que outra da mesma idade. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: Algumas peculiaridades “menores” podem estar presentes como movimentos desajeitados, repetitivos, coordenação motora pobre, ou presença rara de movimentos não usuais descritos no próximo item. 2,5 3 Grau moderado: Comportamentos que são claramente estranhos ou não usuais para outras crianças de mesma idade. Podem estar presente: peculiar postura de dedos e corpo, auto-agressão, balançar-se, rodar e contorcer-se, movimentos serpentiformes de dedos ou andar na ponta dos pés. 3,5 4 Grau severo: Movimentos freqüentes ou intensos (descritos acima) são sinais de comprometimento severo do uso do corpo. Estes comportamentos podem estar presentes apesar de um persistente trabalho de modificação comportamental assim como se manterem quando a criança está envolvida em atividades. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 54 5 – USO DO OBJETO Pontos Sintomas 1 Uso e interesse apropriado: A criança demonstra interesse adequado em brinquedos e outros objetos relativos a seu nível de desenvolvimento. Há uso funcional dos brinquedos. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: A criança apresenta menos interesse pelo brinquedo que a criança normal ou há um uso inapropriado para a idade (bater o brinquedo no chão ou colocá-lo na boca). 2,5 3 Grau moderado: Há muito pouco interesse por brinquedos e objetos ou o uso é disfuncional. Pode haver um foco de interesse em uma parte insignificante do brinquedo, ficar fascinado com o reflexo de luz do objeto, ou eleger um excluindo todos os outros. Este comportamento pode ao menos ser parcialmente ou temporariamente modificável. 3,5 4 Grau severo: A criança pode apresentar os sintomas descritos acima porém com uma intensidade e freqüência maior. Há significativa dificuldade em distrair a criança quando está “ocupada” com estas atividades inadequadas e é extremamente difícil modificar o uso inadequado do uso dos objetos. 6 – ADAPTAÇÃO A MUDANÇAS Pontos Sintomas 1 Idade apropriada na resposta: Apesar da criança notar e comentar sobre as mudanças de rotina, há uma aceitação sem grandes distúrbios. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: Quando o adulto tenta modificar algumas rotinas a criança continua com a mesma atividade ou no uso dos mesmos materiais, porém pode ficar facilmente “confusa” assim com aceitar a mudança. Ex: fica muito agitada quando é levada numa padaria diferente / o caminho para a escola é mudado, mas é acalmada facilmente. 2,5 3 Grau moderado: Há resistência as mudanças da rotina. Há uma tentativa de persistir na atividade costumeira e é difícil acalmá-la, ficam raivosos ou tristes quando há modificação. 3,5 4 Grau severo: Quando ocorrem mudanças a criança apresenta reações graves que são difíceis de serem eliminadas. Se são forçadas a modificarem a rotina podem ficar extremamente irritados / raivosos ou não cooperativos e talvez respondam com birras. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 55 7 – USO DO OLHAR Pontos Sintomas 1 Idade apropriada na resposta: O uso do olhar é normal para a idade. A visão é usada junto com os outros sentidos como a audição e tato, como forma de explorar os objetos. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: A criançaprecisa ser lembrada de vez em quando para olhar para os objetos. A criança pode estar mais interessada em olhar para espelhos e luzes que outras crianças da mesma idade, ou ficar olhando para o espaço de forma vaga. Pode haver evitação do olhar. 2,5 3 Grau moderado: A criança precisa ser lembrada a olhar o que está fazendo. Podem ficar olhando para o espaço de forma vaga; evitação do olhar; olhar para objetos de modo peculiar; colocar objetos muito próximos aos olhos apesar de não terem déficit visual. 3,5 4 Grau severo: Há uma persistência recusa em olhar para pessoas ou certos objetos e podem apresentar outras peculiaridades no uso do olhar em graus extremos como os descritos acima. 8 – USO DA AUDIÇÃO Pontos Sintomas 1 Idade apropriada na resposta: O uso da audição é normal para a idade. A audição é usada junto com os outros sentidos como a visão e tato. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: Pode haver falta de resposta a certos sons, assim como uma hiper-reação. As vezes a reação é atrasada, as vezes é necessário a repetição de um determinado som para “ativar” a atenção da criança. A criança pode apresentar uma resposta catastrófica a sons estranhos a ela. 2,5 3 Grau moderado: A resposta aos sons podem variar: ignorá-lo das primeiras vezes, ficar assustado com sons de seu cotidiano, tampar os ouvidos. 3,5 4 Grau severo: Há uma sub ou hiper-reatividade aos sons, de uma forma extremada, independentemente do tipo do som. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 56 9 – USO DO PALADAR, OLFATO E DO TATO Pontos Sintomas 1 Normal: A criança explora novos objetos de acordo com a idade geralmente através dos sentidos. O paladar e olfato são usados apropriadamente quando o objeto é percebido como comível. Quando há dor resultante de batida, queda, ou pequenos machucados a criança expressa seu desconforto, porém sem uma reação desmedida. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: A criança persiste no levar e manter objetos na boca, em discrepância de outras da mesma idade. Pode cheirar ou colocar na boca, de vez em quando, objetos não comestíveis. A criança pode ignorar ou reagir de forma exacerbada a um beliscão ou alguma dor leve que numa criança normal seria expressada de forma adequada (leve). 2,5 3 Grau moderado: Pode haver um comportamento de grau moderado de tocar, cheirar, lamber objetos ou pessoas. Pode haver uma reação não usual a dor de grau moderado, assim como sub ou hiper-reação. 3,5 4 Grau severo: Há um comportamento de cheirar, colocar na boca, ou pegar objetos – pela sensação em si – sem o objetivo de exploração do objeto. Pode haver uma completa falta de resposta a dor assim como hiper-reação a algo que é só levemente desconfortável. 10 – MEDO E NERVOSISMO Pontos Sintomas 1 Normal: O comportamento é apropriado a situação e a idade da criança. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: De vez em quando a criança demonstra medo e nervosismo que é levemente inapropriado (para mais ou menos) quando comparado a outras de mesma idade. 2,5 3 Grau moderado: A criança apresenta um pouco mais ou um pouco menos de medo que uma criança normal mesmo quando comparado a outra de menor idade colocada em situação idêntica. Pode ser difícil entender o que está causando o comportamento de medo apresentado, assim como é difícil confortá-la nessa situação. 3,5 4 Grau severo: Há manutenção de medo mesmo após repetidas experiências de esperado bem-estar. Na consulta de avaliação a criança pode estar amedrontada sem razão aparente. É extremamente difícil acalmá-la. Pode também não apresentar medo/sentido de auto- conservação a cachorros não conhecidos, a riscos da rua e trânsito, como outras que as da mesma idade evitam. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 57 11 – COMUNICAÇÃO VERBAL Pontos Sintomas 1 Normal: A comunicação verbal é apropriada a situação e a idade da criança. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: A fala apresenta um atraso global. A maior parte da fala é significativa, porém pode estar presente ecolalia ou inversão pronominal em idade onde já não é normal sua presença. Algumas palavras peculiares e jargões podem estar presentes ocasionalmente. 2,5 3 Grau moderado: A fala pode estar ausente. Quando presente a comunicação verbal pode ser uma mistura de fala significativa + fala peculiar como jargões; comerciais de TV; jogo de futebol; reportagem sobre o tempo + ecolalia + inversão pronominal. Quando há fala significativa podem estar presentes um excessivo questionamento e preocupação com tópicos específicos. 3,5 4 Grau severo: Não há fala significativa; há grunhidos, gritos, sons que lembram animais ou até sons mais complexos que se aproximam da fala humana. A criança pode mostrar persistente e bizarro uso de conhecimento de algumas palavras ou frases. 12 – COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL Pontos Sintomas 1 Normal: A comunicação não-verbal é apropriada a situação e a idade da criança. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: O uso da comunicação não-verbal é imaturo, p.ex: a criança somente aponta/mostra sem precisão o que quer numa situação em que a criança normal de mesma idade aponta ou demonstra por gestos de forma mais significativa o que quer. 2,5 3 Grau moderado: A criança é incapaz, geralmente, de expressar necessidades e desejos através de meios não-verbais, assim como é, geralmente, incapaz de compreender a comunicação não-verbal dos outros. Pegam na mão do adulto e levando ao objeto desejado, mas são incapazes de mostrar através de gestos o objeto desejado. 3,5 4 Grau severo: Há somente uso de gestos bizarros e peculiares que não aparentam significado. Demonstram não terem conhecimento do significado de gestos ou expressões faciais de terceiros. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 58 13 – ATIVIDADE Pontos Sintomas 1 Normal: A atividade é apropriada a situação e a idade da criança, quando comparada a outras. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: Pode haver uma leve inquietação ou alguma lentidão de movimentos. O grau de atividade interfere somente de forma leve na performance da criança. Geralmente é possível encorajar a manter um nível adequado de atividade. 2,5 3 Grau moderado: A criança pode ser inquieta e ter dificuldade de ficar quieta. Pode apresentar ter uma quantidade infinita de energia e não querer/ter vontade de dormir a noite. Pode também ser letárgica e exigir grande esforço para modificação deste comportamento. Podem não gostar de jogos que requeiram atividade física e assim “passar” por preguiçosos. 3,5 4 Grau severo: Há demonstração de níveis de atividade em seus extremos: hiper ou hipo, podendo também passar de uma para outra. É difícil o manejo desta criança. Quando há hiper-atividade ela está presente em todos os níveis do cotidiano, sendo necessário quase que um constante acompanhamento por parte de um adulto. Se a criança é letárgica é muito difícil motivá-la a alguma atividade. 14 – GRAU E CONSISTÊNCIA DAS RESPOSTAS DA INTELIGÊNCIA Pontos Sintomas 1 Normal: A criança é inteligente como uma criança normal desua idade não havendo nenhuma habilidade não-usual ou problema. 1,5 2 Grau leve de anormalidade: A criança não é tão inteligente quanto uma criança de mesma idade e suas habilidades apresentam um atraso global em todas as áreas, de forma equitativa. 2,5 3 Grau moderado: Em geral a criança não é tão inteligente quanto outra de mesma idade, entretanto há algumas áreas intelectivas que o funcionamento beira o normal. 3,5 4 Grau severo: Mesmo em uma criança que geralmente não é tão inteligente quanto uma normal de mesma idade, pode haver um funcionamento até melhor em uma ou mais áreas. Podem estar presentes certas habilidades não- usuais como p.ex: talento para música, ou facilidade com números. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 59 15 – IMPRESSÃO GERAL Pontos Sintomas 1 Não há autismo: A criança não apresentou nenhum sintoma característico de autismo. 1,5 2 Autismo de grau leve: A criança apresentou somente alguns poucos sintomas ou grau leve de autismo. 2,5 3 Autismo de grau moderado: A criança apresentou um número de sintomas ou um moderado grau de autismo. 3,5 4 Autismo de grau severo: A criança apresentou muitos sintomas ou um grau severo de autismo. CHILDHOOD AUSTISM RATING SCALE (CARS) Escala de Pontuação para Autismo na Infância Schopler, E., Reichler, R. J., Renne, B. R. Nome: Prontuário: sexo: M F Idade: data nasc: Data da aplicação: Resultado: Resultado por item 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 T RESULTADO FINAL Normal: 15 – 29,5 Autismo leve/moderado: 30 – 36,5 Autismo grave: acima 37 MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 60 PONTUANDO O CARS: A pontuação pode ser feita durante os testes psicométricos, na sala de aula, através de entrevista com pais ou através de vídeos, desde que tenham as informações necessárias para responder todos os itens da escala. O entrevistador deve estar familiarizado com todas as questões e possíveis respostas. A proposta da escala é AVALIAR O COMPORTAMENTO independentemente do fator causal, daí a importância de se ater aos comportamentos sem promover um julgamento explicativo dos comportamentos/fatos observados. Pode ser interessante anotar observações adicionais durante a coleta de dados. Complete todas as questões e deixe para o final a contagem total do teste. Durante a coleta das informações tenha em mente que o comportamento da criança deve ser balizado com outra (normal) de mesma idade. Quando o comportamento estudado é normal (quando comparado a outra de mesma idade) um dos aspectos de maior importância é avaliar o grau (quantidade) de diferença, freqüência, intensidade e duração. Lembre-se que quanto mais este quantitativo for diferente do padrão normal mais comprometida a criança estará e consequentemente maior será seu score. As “notas” variam de 1 a 4: A “nota” 1 significa que o comportamento está dentro dos limites da normalidade para outra criança de mesma idade. A “nota” 2 é “dada” para quando houver pequena anormalidade, quando comparada a outra criança de mesma idade. A “nota” 3 indica que a criança examinada apresenta um grau moderado de MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 61 comprometimento no assunto pesquisado. A “nota” 4 é para aquela cujo comportamento é severamente anormal para a idade. Os meios pontos são para serem usados quando o comportamento situar-se entre dois itens, como por exemplo se o comportamento for classificado entre o leve e o moderado a pontuação será de 2,5. Antes de passa os resultados dos itens para a folha de resultado é interessante que o examinador dê uma folheada geral nas respostas. 10. AUTISMO E CONTEMPORANEIDADE A palavra “autismo” deriva do grego “autos”, que significa “voltar-se para sí mesmo”. A primeira pessoa a utilizá-la foi o psiquiatra austríaco Eugen Bleuler para se referir a um dos critérios adotados em sua época para a realização de um diagnóstico de Esquizofrenia. Estes critérios, os quais ficaram conhecidos como “os quatro ‘A’s de Bleuler, são: alucinações, afeto desorganizado, incongruência e autismo. A palavra referia-se a tendência do esquizofrênico de “ensimesmar-se”, tornando-se alheio ao mundo social – fechando-se em seu mundo, como até hoje se acredita sobre o comportamento autista. Em 1943 o psicólogo norte americano Leo Kanner estudou com mais atenção 11 pacientes com diagnóstico de esquizofrenia. Observou neles, o autismo como característica mais marcante; neste momento, teve origem a expressão “Distúrbio Autístico do Contato Afetivo” para se referir a estas crianças. O psicólogo chegou a dizer que as crianças autistas já nasciam assim, dado o fato de que o aparecimento da síndrome era muito precoce. A medida em que foi tendo contato com os pais destas crianças ele foi mudando de opinião. Começou a observar que os pais destas crianças estabeleciam um contato afetivo muito frio com MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 62 elas, desenvolvendo então o termo “mãe geladeira” para referir-se as mães de autistas, que com seu jeito frio e distante de se relacionar com os filhos promoveu neles uma hostilidade inconsciente a qual seria direcionada para situações de demanda social. As hipóteses de Kanner tiveram forte influência no referencial psicanalítico da síndrome que pressupunha uma causa emocional ou psicológica para o fenômeno, a qual teve como seus principais precursores os psicanalistas Bruno Bettelheim e Francis Tustin. Bettelheim, em sua terapêutica, incitava as crianças a baterem, xingarem e morderem em uma estátua que, pelo menos para ele, simbolizava a mãe delas. Tustin, por outro lado, acreditava em uma fase autística do desenvolvimento normal, na qual a criança ainda não tinha aprendido comportamentos sociais e era chamada por ela de fase do afeto materno, funcionando como uma ponte entre este estado e a vida social. Se a mãe fosse fria e suprimisse este afeto, a criança não conseguiria atravessar esta ponte e entrar na vida social normal, ficando presa na fase autística do desenvolvimento. Em 1960, no entanto, a psicanalista publica um artigo no qual desfaz a ideia da fase autística do desenvolvimento. Naquela época a busca pelo tratamento psicanalítico era muito intensa. Muitas vezes as crianças passavam por sessões diárias, inclusive no domingo. O preço pago era muito alto. Muitas famílias vendiam seus bens na esperança de que aquele método as ajudasse a corrigir o erro que haviam cometido na criação de seus filhos. Com o advento da década do cérebro, no entanto, estas ideias começaram a ser deixadas de lado – além de não estarem satisfazendo as expectativas dos pais. A partir de 1980 foram surgindo novas tecnologias de estudo, as quais permitiam investigação mais minuciosa do funcionamento do cérebro da pessoa com exames como tomografia por emissão de pósitrons ou ressonância magnética. Doenças que anteriormente eram estudadas apenas a partir de uma perspectiva psicodinâmica passaram a ser estudadas de maneiras mais cuidadosas, deixando delado o cogito cartesiano. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 63 Já na década de 60 o psicólogo Ivar Lovaas e seus métodos analítico comportamentais começaram a ganhar espaço no tratamento da síndrome. Seus resultados apresentavam-se de maneira mais efetiva do que as tradicionais terapias psicodinâmicas. E já naquela época as psicologias comportamentais sofriam forte preconceito por parte dos psicólogos de outras abordagens. Durante as décadas de 60 e 70 os psicólogos comportamentais eram consultados quase que apenas depois que todas as outras possibilidades haviam se esgotado e o comportamento do autista tornava-se insuportável para os pais e muito danoso para a criança. 10.1. Como o AUTISMO é visto hoje? . É característico do autista apresentar alguns déficits e excessos comportamentais em diversas áreas, conforme explicado anteriormente. O grau de comprometimento destes déficits podem variar de uma criança para outra e na mesma criança ao longo do tempo. Por este motivo, a expressão TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA tem sido mais utilizada em detrimento da palavra AUTISTA. Manuais diagnósticos como o DSM – IV TR e o CID – 10 caracterizam o autismo como um transtorno pervasivo do desenvolvimento no qual existe comprometimento severo em áreas como: diminuição do contato ocular; dificuldade de mostrar, pegar ou usar objetos; padrões repetitivos e esteriotipados de comportamento; agitação ou torção das mãos ou dedos, movimentos corporais complexos; atraso ou ausência total da fala. A National Society for autistic children o encara como um distúrbio do desenvolvimento que se manifesta de forma incapacitante por toda a vida, aparecendo tipicamente nos três primeiros anos de vida. Define como critérios para diagnóstico do autismo o precoce comprometimento na esfera social e de comunicação. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 64 Este Transtorno Invasivo do Desenvolvimento acomete apenas cinco entre cada dez mil nascidos, ocorre em famílias de todas as configurações raciais, étnicas ou sociais. Gauderer (1993) afirma que maioria das crianças com diagnóstico do Transtorno de Espectro Autista tem fisionomia normal, e sua expressão séria pode passar a ideia, geralmente errada, de inteligência extremada. Apesar da estrutura facial normal, no entanto, estão quase sempre ausentes a expressividade das emoções e receptividade presentes na criança com desenvolvimento típico. Nem sempre o autismo está associado a deficiência mental. Às vezes ele ocorre em crianças com inteligência classificada como normal. O chamado “déficit intelectual” é mais intenso nas habilidades verbais e menos evidente em habilidades viso- espaciais. É muito comum, no entanto, crianças com este diagnóstico apresentarem desempenho além do normal em tarefas que exigem apenas atividades mecânicas ou memorização, ao contrário das tarefas nas quais é exigido algum tipo de abstração, conceituação, sequenciação ou sentido. 10.2. Incidência . Existem várias definições e critérios diagnósticos diferentes do que vem a ser o autismo. Em decorrência disto é difícil traçar um nível de incidência confiável, pois conforme variam as definições e critérios diagnósticos, variam também a quantidade de pessoas diagnosticadas. Os índices mais aceitos e divulgados, no entanto, trazem uma média de 5 a 15 casos em cada 10 000 pessoas. Pesquisas epidemiológicas identificam o dobro deste numero. Quando os critérios médicos são deixados de lado em detrimento dos educacionais, a média aumenta para 21 casos em cada 10 000 pessoas. Quando a MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 65 síndrome é mais rigorosamente classificada e diagnosticada, entretanto, encontra-se uma prevalência de 2 casos para cada 10 000 pessoas. Independentemente de qual critério diagnostico seja adotado, sabe-se que pessoas do sexo masculino são em geral mais atingidas. De acordo com o DSM – IV, ele ocorre três ou quatro vezes mais em meninos do que em meninas. Estas, no entanto, tendem a apresentar limitacões mais severas. 10.3. Algumas hipóteses etiológicas Embora diversos tipos de alterações neurológicas e/ou genéticas tenham sido descritas como prováveis etiologias do autismo, não há nada comprovado ainda. O transtorno pode estar diretamente associado a problemas cromossômicos, genéticos, metabólicos, e até mesmo doenças transmitidas ou adquiridas durante a gestação, durante e após o parto. A dificuldade em elaborar um diagnóstico de autismo é grande, quando se pensa que diversas síndromes possuem sintomatologia semelhante. Uma quantidade de 75 a 80% das crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista apresenta algum tipo de retardo mental, o qual pode estar associado a inúmeros fatores biológicos. Alguns autores, como Gauderer afirmam que algumas alterações encefálicas em fases críticas do desenvolvimento embrionário podem dar origem a algum tipo de transtorno que se enquadre no diagnóstico de transtorno do espectro autista, mas os exames clínicos que vem sendo realizados não demonstram correlação significativo entre estas alterações e o transtorno. Este texto trata-se de um resumo discutido do artigo Abordagem Comportamental do Autismo, de autoria de Alexandre Costa e Silva.http://www.psicologiaeciencia.com.br/autismo-um-breve-historico/) “Aprenda a conhecer! Para então começar a nós amar" MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 66 11. O AUTISMO E ALGUMAS CURIOSIDADES O autismo é uma doença física vinculada à biologia e à química anormais no cérebro. As causas exatas dessas anomalias continuam desconhecidas, mas essa é uma área de pesquisa muito ativa. Provavelmente, há uma combinação de fatores que leva ao autismo. Os fatores genéticos parecem ser importantes. Por exemplo, é muito mais provável que dois gêmeos idênticos tenham autismo do que gêmeos fraternos ou irmãos. Da mesma forma, as anomalias de linguagem são mais comuns em parentes de crianças autistas. Anomalias cromossômicas e outros problemas do sistemas nervoso (neurológicos) também são mais comuns em famílias com autismo. Já houve suspeitas de várias outras causas possíveis, mas nenhuma foi comprovada. Elas incluem: Dieta Alterações no trato digestório Contaminação por mercúrio A incapacidade do corpo de utilizar vitaminas e minerais de forma adequada Sensibilidade a vacinas AUTISMO E VACINAS: Muitos pais têm medo de que alguma vacina não seja segura e que possa prejudicar seu bebê ou criança. Eles podem pedir ao médico ou enfermeira que esperem ou até mesmo recusar a aplicação da vacina. No entanto, é importante pensar também nos riscos de não vacinar a criança. Algumas pessoas acreditam que uma pequena quantidade de mercúrio (chamada de timerosal), que é um conservante comum em vacinas multidose, causa autismo ou TDAH. No entanto, as pesquisas NÃO indicam que esse risco seja verdadeiro. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com67 A American Academy of Pediatrics e The Institute of Medicine (IOM) dos EUA concordam que nenhuma vacina ou componente dela é responsável pelo número de crianças que atualmente são diagnosticadas com autismo. Eles concluíram que os benefícios das vacinas são maiores do que os riscos. Todas as vacinas de rotina da infância estão disponíveis em formas de dose única em que não foi adicionado mercúrio. O site dos Centers for Disease Control and Prevention (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) oferece mais informações. QUANTAS CRIANÇAS TÊM AUTISMO? O número exato de crianças com autismo é desconhecido. Um relatório publicado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA sugere que o autismo e seus distúrbios relacionados são muito mais comuns do que se imaginava. Não está claro se isso se deve a um aumento na taxa da doença ou à maior capacidade de diagnóstico do problema. O autismo afeta 3 a 4 vezes mais meninos do que meninas. Renda familiar, educação e estilo de vida parecem não influenciar no risco de autismo. Alguns médicos acreditam que a maior incidência de autismo se deve a novas definições do transtorno. O termo "autismo" agora inclui um espectro mais amplo de crianças. Por exemplo, hoje em dia, uma criança diagnosticada com autismo altamente funcional poderia ser simplesmente considerada estranha há 30 anos. OUTROS TRANSTORNOS DE DESENVOLVIMENTO INCLUEM: SÍNDROME DE ASPERGER (como o autismo, mas com desenvolvimento normal da linguagem) SÍNDROME DE RETT (muito diferente do autismo e só ocorre no sexo feminino) MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 68 TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA INFÂNCIA (doença rara em que uma criança adquire as habilidades e depois esquece tudo antes dos 10 anos de idade) TRANSTORNO DE DESENVOLVIMENTO PERVASIVO - NÃO ESPECIFICADO (TPD-NE), também chamado de autismo atípico EXAMES: Todas as crianças devem fazer exames de desenvolvimento de rotina com o pediatra. Podem ser necessários mais testes se o médico ou os pais estiverem preocupados. Isso deve ser feito principalmente se uma criança não atingir os seguintes marcos de linguagem: Balbuciar aos 12 meses Gesticular (apontar, dar tchau) aos 12 meses Dizer palavras soltas antes aos 16 meses Dizer frases espontâneas de duas palavras aos 24 meses (não só repetir) Perder qualquer habilidade social ou de linguagem em qualquer idade Essas crianças poderão fazer uma avaliação auditiva, teste de chumbo no sangue e teste de triagem para autismo (como a lista de verificação de autismo em crianças [CHAT] ou o questionário para triagem de autismo). Um médico experiente no diagnóstico e tratamento de autismo normalmente é necessário para fazer o diagnóstico. Como não há testes biológicos para o autismo, o diagnóstico muitas vezes será feito com base em critérios muito específicos de um livro chamado Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 4º ed. Uma avaliação de autismo normalmente inclui um exame físico e neurológico completo. Pode incluir também alguma ferramenta de exame específica, como: ENTREVISTA DIAGNÓSTICA PARA AUTISMO REVISADA (ADIR) PROGRAMA DE OBSERVAÇÃO DIAGNÓSTICA DO AUTISMO (ADOS) ESCALA DE CLASSIFICAÇÃO DO AUTISMO EM CRIANÇAS (CARS) ESCALA DE CLASSIFICAÇÃO DO AUTISMO DE GILLIAM TESTE DE TRIAGEM PARA TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO, ESTÁGIO 3 MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 69 As crianças com autismo ou suspeita de autismo normalmente passarão por testes genéticos (em busca de anomalias nos cromossomos). O autismo inclui um amplo espectro de sintomas. Portanto, uma avaliação única e rápida não pode indicar as reais habilidades da criança. O ideal é que uma equipe de diferentes especialistas a avalie. Eles podem avaliar: Comunicação Linguagem Habilidades motoras Fala Êxito escolar Habilidades de pensamento Às vezes, as pessoas relutam em fazer o diagnóstico porque se preocupam em rotular a criança. No entanto, sem o diagnóstico, a criança pode não receber os tratamentos e os serviços necessários. A maioria dos pais de crianças com autismo suspeita que algo está errado antes de a criança completar 18 meses de idade e busca ajuda antes que ela atinja 2 anos. As crianças com autismo normalmente têm dificuldade em: Brincar de faz de conta Interações sociais Comunicação verbal e não verbal Algumas crianças com autismo parecem normais antes de 1 ou 2 anos, mas de repente "regridem" e perdem as habilidades linguísticas ou sociais que adquiriram anteriormente. Esse tipo de autismo é chamado de autismo regressivo. 11.1. Uma pessoa com AUTISMO pode: Ter visão, audição, tato, olfato ou paladar excessivamente sensíveis (por exemplo, eles podem se recusar a usar roupas "que dão coceira" e ficam angustiados se são forçados a usá-las) MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 70 Ter uma alteração emocional anormal quando há alguma mudança na rotina Fazer movimentos corporais repetitivos Demonstrar apego anormal aos objetos OS SINTOMAS PODEM VARIAR DE MODERADOS A GRAVES. Os problemas de comunicação podem incluir: Não poder iniciar ou manter uma conversa social Comunicar-se com gestos em vez de palavras Desenvolver a linguagem lentamente ou não desenvolvê-la Não ajustar a visão para olhar para os objetos que as outras pessoas estão olhando Não se referir a si mesmo de forma correta (por exemplo, dizer "você quer água" quando a criança quer dizer "eu quero água") Não apontar para chamar a atenção das pessoas para objetos (acontece nos primeiros 14 meses de vida) Repetir palavras ou trechos memorizados, como comerciais Usar rimas sem sentido INTERAÇÃO SOCIAL: Não faz amigos Não participa de jogos interativos É retraído Pode não responder a contato visual e sorrisos ou evitar o contato visual Pode tratar as pessoas como se fossem objetos Prefere ficar sozinho, em vez de acompanhado Mostra falta de empatia MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 71 RESPOSTA A INFORMAÇÕES SENSORIAIS: Não se assusta com sons altos; Tem a visão, audição, tato, olfato ou paladar ampliados ou diminuídos; Pode achar ruídos normais dolorosos e cobrir os ouvidos com as mãos; Pode evitar contato físico por ser muito estimulante ou opressivo; Esfrega as superfícies, põe a boca nos objetos ou os lambe;Parece ter um aumento ou diminuição na resposta à dor. BRINCADEIRAS: Não imita as ações dos outros; Prefere brincadeiras solitárias ou ritualistas; Não faz brincadeiras de faz de conta ou imaginação. COMPORTAMENTOS: Tem acessos de raiva intensos; Fica preso em um único assunto ou tarefa (perseverança); Tem baixa capacidade de atenção; Tem poucos interesses; É hiperativo ou muito passivo; Tem comportamento agressivo com outras pessoas ou consigo; Tem uma necessidade intensa de repetição; Faz movimentos corporais repetitivos. BUSCANDO AJUDA MÉDICA: Os paisnormalmente suspeitam que há um problema de desenvolvimento muito antes que o diagnóstico seja feito. Ligue para o seu médico se tiver dúvidas sobre o autismo ou se achar que seu filho não está se desenvolvendo de forma adequada. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 72 TRATAMENTO DE AUTISMO: Um programa de tratamento precoce, intensivo e apropriado melhora muito a perspectiva de crianças pequenas com autismo. A maioria dos programas aumentará os interesses da criança com uma programação altamente estruturada de atividades construtivas. Os recursos visuais geralmente são úteis. O tratamento tem mais êxito quando é direcionado às necessidades específicas da criança. Um especialista ou uma equipe experiente deve desenvolver o programa para cada criança. Há várias terapias disponíveis, incluindo: Análise aplicada do comportamento (ABA) Medicamentos Terapia ocupacional, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Pedagogia, Psicologia, Psicomotricidade... Terapia do discurso/linguagem, dentre outros. Terapias de integração sensorial e da visão também são comuns, mas há poucas pesquisas que comprovam sua eficácia. O melhor plano de tratamento pode usar uma combinação de técnicas. ANÁLISE APLICADA DO COMPORTAMENTO (ABA): Este programa é para crianças pequenas com algum distúrbio dentro do espectro do autismo. Pode ser eficaz em alguns casos. A ABA usa uma abordagem de aprendizado individual que reforça a prática de várias habilidades. O objetivo é que a criança se aproxime do funcionamento normal do desenvolvimento. Os programas de ABA normalmente são feitos na casa da criança sob a supervisão de um psicólogo comportamental. Esses programas podem ser muito caros e não foram amplamente adotados pelos sistemas escolares. Os pais muitas vezes procuram financiamento e auxílio profissional em outros lugares, o que pode ser difícil em muitas comunidades. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 73 TEACCH: Outro programa é o Tratamento e educação para autistas e crianças com déficits relacionados à comunicação (TEACCH). O TEACCH foi desenvolvido como um programa estadual na Carolina do Norte, EUA. Ele utiliza programas com imagens e outros recursos visuais que ajudam a criança a trabalhar de forma independente e a organizar e estruturar seu ambiente. O TEACCH tenta melhorar as habilidades e a adaptação de uma criança, ao mesmo tempo que aceita os problemas associados aos distúrbios dentro do espectro do autismo. Diferente dos programas de ABA, os programas TEACCH não esperam que as crianças atinjam o desenvolvimento normal com o tratamento. MEDICAMENTOS: Muitas vezes são usados medicamentos para tratar problemas comportamentais ou emocionais que os autistas apresentem, incluindo: Agressividade Ansiedade Problemas de atenção Compulsões extremas que a criança não pode controlar Hiperatividade Impulsividade Irritabilidade Alterações de humor Surtos Dificuldade para dormir Ataques de raiva Atualmente, somente a RISPERIDONA foi aprovada para tratar a irritabilidade e a agressividade do autismo que podem ocorrer em crianças de 5 a 16 anos. Outros medicamentos que também podem ser usados incluem ISRSs, DIVALPROATO DE SÓDIO e outros estabilizadores de humor e possivelmente MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 74 estimulantes, como o METILFENIDATO. Não há medicamentos para tratar o problema subjacente do autismo. DIETA: Algumas crianças com autismo parecem responder a uma dieta sem glúten ou sem caseína. O glúten é encontrado em alimentos que contêm trigo, centeio e cevada. A caseína é encontrada no leite, no queijo e em outros produtos lácteos. Nem todos os especialistas concordam que as mudanças na dieta fazem diferença, nem todas as pesquisas sobre esse método mostraram resultados positivos. Se você está considerando essas ou outras alterações alimentares, fale com um médico especialista no sistema digestório (gastroenterologista) e com um nutricionista. Você deve garantir que a criança continue ingerindo calorias e nutrientes suficientes e que tenha uma dieta balanceada. Outras abordagens: Existem muitos tratamentos anunciados para o autismo que não têm base científica e histórias de "curas milagrosas" que não atendem às expectativas. Se seu filho tem autismo, pode ser útil falar com outros pais de crianças autistas e com especialistas em autismo. Acompanhe o avanço das pesquisas na área, que está se desenvolvendo rapidamente. EXPECTATIVAS: O autismo continua sendo um distúrbio difícil para as crianças e suas famílias, mas a perspectiva atual é muito melhor do que na geração passada. Naquela época, a maioria das pessoas com autismo era internada em instituições. Hoje, com o tratamento correto, muitos dos sintomas do autismo podem melhorar, mesmo que algumas pessoas permaneçam com alguns sintomas durante toda a vida. A maioria das pessoas com autismo consegue viver com suas famílias ou na comunidade. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 75 A perspectiva depende da gravidade do autismo e do nível de tratamento que a pessoa recebe. COMPLICAÇÕES POSSÍVEIS: O autismo pode estar associado a outros distúrbios que afetam o cérebro, como: Síndrome do X frágil Retardo mental Esclerose tuberosa Algumas pessoas com autismo desenvolvem convulsões. O estresse de lidar com o autismo pode levar a complicações sociais e emocionais para a família e os cuidadores, bem como para a própria pessoa com autismo. 12. TIPOS DE TGD / AUTISMO Desde que o autismo é um espectro, que engloba uma ampla gama de níveis de funcionamento e transtornos que vão do autismo não-verbal, de baixo funcionamento até a Síndrome de Asperger, altamente verbal. Estes distúrbios têm algumas características em comum, mas têm diferenças importantes também. Tipos de Transtornos do Espectro do Autismo Compreender os diferentes tipos de autismo pode ajudar os professores e as expectativas dos pais de forma e trabalhar em áreas de desafio. Se você está preocupado que você ou seu filho pode ter um desses transtornos de desenvolvimento, é importante falar com o seu médico ou profissional de educação especial imediatamente. De acordo com um estudo publicado na revista Pesquisa em deficiências de desenvolvimento, a intervenção precoce e o tratamento pode melhorar drasticamente o funcionamento de uma criança, não importa que tipo de autismo que ela tenha. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 76 1. AUTISMO CLÁSSICO Caracterizada por problemas com a comunicação, interação social e comportamentos repetitivos, autismo clássico é tipicamente diagnosticado antes dos três anos. Sinais de alerta incluem o desenvolvimento da linguagem atrasada, sinais de apontador ou gesticulando, mostrando objetos, falta de auto-estimulação e comportamento como balançar ou bater as mãos repetidamente. Na maioriados casos, a doença provoca atrasos significativos no desenvolvimento e os pais ou cuidadores irão notar que há algo acontecendo durante os anos iniciais da criança. No entanto, em casos de alto grau de funcionamento, a criança pode ter cinco anos de idade ou mais, antes que ele ou ela receba um diagnóstico. AUTISMO CLÁSSICO - Pode variar de leve ou de alto funcionamento a grave ou de baixo funcionamento Autismo de alto funcionamento envolve sintomas como competências linguísticas em atraso ou não-funcional, comprometendo o desenvolvimento social, ou a falta da capacidade de "role play" com os brinquedos e fazer outras atividades lúdicas que as crianças imaginativas neurotípicas fazem. No entanto, as pessoas com autismo de alto funcionamento tem um QI na faixa normal e podem exibir nenhum dos comportamentos compulsivo ou auto-destrutivo, muitas vezes visto em autismo de baixo funcionamento. Autismo de baixo funcionamento é um caso mais grave da doença. Os sintomas do autismo são profundos e envolvem déficits graves em habilidades de comunicação, habilidades sociais pobres, e movimentos repetitivos estereotipados . Geralmente, o autismo de baixo funcionamento está associado com um QI abaixo da média. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 77 2. SÍNDROME DE ASPERGER Apesar de não ser incluída como um diagnóstico separado na última revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), muitas pessoas têm sido marcadas com Síndrome de Asperger. Este tipo de autismo de alto funcionamento tem algumas características distintas, incluindo excepcionais habilidades verbais, problemas com o jogo simbólico, problemas com habilidades sociais, desafios que envolvam o desenvolvimento da motricidade fina e grossa, e intenso, ou mesmo obsessivo interesses especiais. Síndrome de Asperger se diferencia do autismo clássico em que não implica qualquer atraso de linguagem significativo ou prejuízo. No entanto, crianças e adultos com Asperger pode encontrar no uso funcional da linguagem, um desafio. Por exemplo, eles podem ser capazes de rotular milhares de objetos, mas podem lutar para pedir ajuda usando um desses itens. 3. TRANSTORNO INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO - SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO (PDD-NOS) Transtorno Invasivo do Desenvolvimento - Sem Outra Especificação (PDD-NOS) é outro transtorno do espectro do autismo, que não mais realiza um diagnóstico oficial separado no DSM-V. Em vez disso, profissionais de saúde mental irão diagnosticar esses indivíduos com autismo de alto funcionamento ou de baixo. Também conhecido como autismo atípico, PDD-NOS envolve alguns, mas não de todas as características clássicas de autismo. As pessoas diagnosticadas com PDD-NOS podem lutar com a linguagem ou as habilidades sociais e comportamentos repetitivos, mas eles não podem encontrar desafios em todas as três áreas. Esta desordem difere de Síndrome de Asperger por causa das habilidades linguísticas; algumas pessoas com PDD-NOS podem ter atrasos de linguagem. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 78 4. TRANSTORNO DE RETT Uma vez considerado um transtorno do espectro do autismo, Síndrome de Rett não será incluída no espectro do autismo no DSM-V. Isto é porque Transtorno de Rett é causado por uma mutação genética. Apesar de os sintomas da desordem, que incluem a perda de habilidades sociais e de comunicação, imitar o autismo clássico, a doença passa por diversas fases diferentes. Normalmente, as crianças diagnosticadas com Transtorno de Rett superam muitos dos desafios que são semelhantes ao autismo. Podem enfrentar outros desafios, incluindo a deterioração de habilidades motoras e problemas com a postura, que não afetam a maioria das pessoas do espectro do autismo. 5. TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA INFÂNCIA Outro transtorno do espectro do autismo, que não vai levar um diagnóstico separado no DSM-V, Transtorno Desintegrativo da Infância (CDD) é caracterizado por uma perda de comunicação e habilidades sociais entre as idades de dois e quatro anos. Este transtorno tem muito em comum com o autismo regressivo, e será classificado como um transtorno do espectro do autismo em geral. Procure ajuda se você está preocupado Compreender os diferentes tipos de autismo, se esses transtornos têm um diagnóstico oficial separado ou não, pode ser muito útil ao formar expectativas, projetando um plano de tratamento, e experimentar com estratégias comportamentais. Com todos os transtornos do espectro do autismo, é importante procurar ajuda logo que você suspeitar que algo pode não estar certo. Sendo ativamente envolvido no tratamento é a maior coisa que você pode fazer para ajudar seu filho ou você mesmo superar alguns dos desafios de transtornos do espectro do autismo. Fonte: http://autism.lovetoknow.com/Autism_Types MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 79 13. DIAGNÓSTICO DO AUTISMO No Brasil, o diagnóstico do autismo oficial é organizado pelo CID-10, código internacional de doenças, décima edição. No entanto, é importante saber que o diagnóstico do Autismo e de outros quadros do espectro são obtidos através de observação clínica e pela história referida pelos pais ou responsáveis. Assim, não existem marcadores biológicos que definam o quadro. Alguns exames laboratoriais podem permitir a compreensão de fatores associados a ele, mas ainda assim o diagnóstico do autismo é clínico. Além da CID-10, outros manuais procuraram organizar o entendimento das doenças. Entre eles, tem sido bastante utilizado o Manual de Classificação de Doenças Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM, que está na 4a edição. O DSM-IV é relativamente parecido com o CID-10. Sua nova edição, porém, o DSM-V, que foi lançado em 2013, prevê muitas modificações na organização do diagnóstico do autismo. A principal será a eliminação das categorias Autismo, síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância e Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. Existirá apenas uma denominação: TRANSTORNOS DO ESPECTRO AUTISTA. Essa decisão baseia-se principalmente no conhecimento acumulado. Por meio dele sabemos que é relativamente fácil reconhecer que uma pessoa pertence ao grupo de transtorno global do desenvolvimento. Nem sempre, porém, é possível determinar se o quadro é compatível com autismo, Asperger, etc. A seguir apresentamos a proposta atual para o DSM-V e as justificativas dos seus proponentes. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 80 DSM-V: TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO Deve preencher os critérios 1, 2 e 3 abaixo: 1 - Déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e nas interações sociais, manifestadas de todas as maneiras seguintes: a. Déficits expressivos na comunicação não verbal e verbal usadas para interação social; b. Falta de reciprocidade social; c. Incapacidade para desenvolver e manter relacionamentos de amizade apropriados para o estágio de desenvolvimento. 2 - Padrões restritos e repetitivosde comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos duas das maneiras abaixo: 1. Comportamentos motores ou verbais estereotipados, ou comportamentos sensoriais incomuns; 2. Excessiva adesão/aderência a rotinas e padrões ritualizados de comportamento; 3. Interesses restritos, fixos e intensos. 3 - Os sintomas devem estar presentes no início da infância, mas podem não se manifestar completamente até que as demandas sociais excedam o limite de suas capacidades. JUSTIFICATIVAS: A. O NOVO NOME PARA A CATEGORIA, TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO, QUE INCLUI TRANSTORNO AUTÍSTICO (AUTISMO), TRANSTORNO DE ASPERGER, TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA INFÂNCIA, E TRANSTORNO GLOBAL OU INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 81 A diferenciação entre Transtorno do Espectro do Autismo, desenvolvimento típico/normal e de outros transtornos “fora do espectro” é feita com segurança e com validade. No entanto, as distinções entre os transtornos têm se mostrado inconsistentes com o passar do tempo. Variáveis dependentes do ambiente, e frequentemente associadas à gravidade, nível de linguagem ou inteligência, parecem contribuir mais do que as características do transtorno. Como o autismo é definido por um conjunto comum de sintomas, estamos admitindo que ele seja melhor representado por uma única categoria diagnóstica, adaptável conforme apresentação clínica individual, que permite incluir especificidades clínicas como, por exemplo, transtornos genéticos conhecidos, epilepsia, deficiência intelectual e outros. Um transtorno na forma de espectro único reflete melhor o estágio de conhecimento sobre a patologia e sua apresentação clínica. Previamente, os critérios eram equivalentes a tentar “separar joio do trigo”. B. TRÊS DOMÍNIOS SE TORNAM DOIS: 1. Deficiências sociais e de comunicação; 2. Interesses restritos, fixos e intensos e comportamentos repetitivos. Déficits na comunicação e comportamentos sociais são inseparáveis, e avaliados mais acuradamente quando observados como um único conjunto de sintomas com especificidades contextuais e ambientais. Atrasos de linguagem não são características exclusivas dos transtornos do espectro do autismo e nem universais dentro dele. Podem ser definidos, mais apropriadamente, como fatores que influenciam nos sintomas clínicos de TEA, e não como critérios do diagnóstico do autismo para esses transtornos. Exigir que ambos os critérios sejam completamente preenchidos, melhora a especificidade do diagnóstico do autismo sem prejudicar sua sensibilidade. Fornecer exemplos a serem incluídos em subdomínios, para uma série de idades cronológicas e níveis de linguagem, aumenta a sensibilidade ao longo dos níveis de gravidade, de leve ao mais grave, e ao mesmo tempo mantém a especificidade que MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 82 temos quando usamos apenas dois domínios. A decisão foi baseada em revisão de literatura, consultas a especialistas e discussões de grupos de trabalho. Foi confirmada pelos resultados de análises secundárias dos dados feitas pelo CPEA e pelo STAART, Universidade de Michigan, e pelas bases de dados da Simons Simplex Collection. Muitos critérios sociais e de comunicação foram unidos e simplificados para esclarecer os requerimentos do diagnóstico do autismo. No DSM IV, critérios múltiplos avaliam o mesmo sintoma e por isso trazem peso excessivo ao ato de diagnosticar. Unir os domínios social e de comunicação, requer uma nova abordagem dos critérios. Foram conduzidas análises sobre os sintomas sociais e de comunicação para estabelecer os conjuntos mais sensíveis e específicos de sintomas, bem como os de descrições de critérios para uma série de idades e níveis de linguagem. Exigir duas manifestações de sintomas para comportamento repetitivos e interesses fixos e focados, melhora a especificidade dos critérios, sem perdas significativas na sensibilidade. A necessidade de fontes múltiplas de informação, incluindo observação clínica especializada e relatos de pais, cuidadores e professores, é ressaltada pela necessidade de atendermos uma proporção mais alta de critérios. A presença, via observação clínica e relatos do(s) cuidador(es), de uma história de interesses fixos, rotinas ou rituais e comportamentos repetitivos, aumenta consideravelmente a estabilidade do diagnóstico do autismo do espectro do autismo ao longo do tempo, e reforça a diferenciação entre TEA e os outros transtornos. A reorganização dos subdomínios aumenta a clareza e continua a fornecer sensibilidade adequada, ao mesmo tempo em que melhora a especificidade necessária através de exemplos de diferentes faixas de idade e níveis de linguagem. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 83 Comportamentos sensoriais incomuns são explicitamente incluídos dentro de um subdomínio de comportamentos motores e verbais estereotipados, aumentando a especificação daqueles diferentes que podem ser codificados dentro desse domínio, com exemplos particularmente relevantes para crianças mais novas. C. O TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO É UM TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO NEUROLÓGICO, E DEVE ESTAR PRESENTE DESDE O NASCIMENTO OU COMEÇO DA INFÂNCIA, MAS PODE NÃO SER DETECTADO ANTES, POR CONTA DAS DEMANDAS SOCIAIS MÍNIMAS NA MAIS TENRA INFÂNCIA, E DO INTENSO APOIO DOS PAIS OU CUIDADORES NOS PRIMEIROS ANOS DE VIDA. Fonte: http://www.autismoerealidade.org/informe-se/sobre-o- autismo/diagnosticos-do-autismo/ 14. DSM-V E O TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO Uma das mudanças mais importantes da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) é o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O diagnóstico revisto apresenta novidades cientificamente úteis e mais precisas na maneira de diagnosticar e medicar pacientes com desordens relacionadas ao Espectro do Autismo. Usando o DSM-IV, os pacientes podiam ser diagnosticados em quatro níveis de comorbidades diferentes: Autismo Clássico, Síndrome de Asperger , Transtorno Desintegrativo da Infância ou Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação Os pesquisadores perceberam que esses diagnósticos separados não eram razoavelmente considerados nas clínicas e nos centros de tratamento. Qualquer pessoa diagnosticada com uma das quatro formas dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (PDD) do DSM-IV ainda deverá cumprir os critérios para TEA no DSM-5 ou outro manual mais preciso para o diagnóstico. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 84 Enquanto o DSM não delinear procedimentos de tratamento e recomendações para transtornos mentais, determinando um diagnóstico ainda mais preciso, esse é o primeiro passo para o profissional clínico estabelecer um plano de tratamento para o paciente. O Neurodevelopmental Work Group, liderado pela Doutora Susan Swedo pesquisadora sênior do National Institute of Mental Health, recomendou os critérios do DSM-5 para TEA com o objetivo de que ele represente uma melhoria acentuada no nível de conhecimento sobre o autismo. O Grupo de Trabalhoacredita que essas alterações facilitarão o diagnóstico do TEA sem limitar a sensibilidade dos critérios, ou alterar substancialmente o número de crianças diagnosticadas. Pessoas com TEA tendem a ter déficits de comunicação, tais como responder inadequadamente a conversação , interpretando mal as interações não-verbais, ou ter dificuldade em construir amizades adequadas à sua idade. Além disso, as pessoas com TEA podem ser excessivamente dependente de rotinas, altamente sensíveis a mudanças em seu ambiente ou intensamente focada em itens inadequados. Mais uma vez os sintomas das pessoas com TEA, coincidirá tanto com os de pacientes que apresentam poucos sintomas leves como de outros com muitos sintomas mais graves. Este espectro vai permitir que os médicos possam perceber as variações nos sintomas e comportamentos de cada paciente individualmente. De acordo com os critérios do DSM-5, os pacientes com TEA devem apresentar sintomas desde a infância, mesmo se esses sintomas não forem mais reconhecidos mais tarde ao longo da vida. Esta mudança de critérios possibilita não só o diagnóstico precoce do TEA mas também permite que as pessoas, cujos sintomas não podem ser plenamente MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 85 reconhecido até que as demandas sociais superam a capacidade para receber o diagnóstico. Uma importante mudança nos critérios do DSM-IV recebeu atenção especial: Os critérios anteriores haviam sido trabalhados no sentido de facilitar a identificação de crianças em idade escolar com distúrbios relacionados com o autismo, mas não era tão útil no diagnóstico de crianças mais novas. Os critérios do DSM-5 foram testados em situações clínicas da vida real como parte do trabalho do DSM-5 em ensaios de campo e análise, onde ficou claro que não haverá alterações significativas na prevalência da doença. Antes do trabalho de avaliação mais abrangente do DSM-5, o maior e mais atualizado estudo que havia sido publicado a esse respeito era o de Huerta, et al, publicado em outubro 2012 em um artigo do American Journal of Psychiatry. Os critérios para o TEA foram baseados na extração dos sintomas a partir dos dados coletados anteriormente. O estudo constatou que os critérios utilizados no DSM-5 identificou 91% das crianças com diagnóstico do DSM-IV, sugerindo que a maioria das crianças com diagnóstico de Transtorno Global do Desenvolvimento baseados no DSM-IV irá manter o seu diagnóstico de TEA com os novos critérios. Diversos outros estudos, utilizando diversas metodologias, têm sido inconsistentes em suas descobertas. O DSM é o manual usado por médicos e pesquisadores para diagnosticar e classificar os transtornos mentais. O American Psychiatric Association (APA) publica o DSM-5 em 2013, culminando um processo de revisão de 14 anos. APA é uma Sociedade Médica Especializada que tem como membros mais de 36 mil médicos especialistas no diagnóstico, tratamento, prevenção e pesquisas de doenças mentais, incluindo transtornos por uso de substâncias. Visite o APA no www.psychiatry.org. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 86 15. TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO PSICOEDUCACIONAL Por Olivia Porto - Psicologa e Psicopedagoga Até pouco tempo atrás, as crianças que recebiam o diagnóstico de autismo eram consideradas intratáveis, pois pouco se conhecia sobre a síndrome. Por conta da diversidade e gravidade dos sintomas apresentados pelos autistas, tanto os profissionais como os pais acreditavam que eles eram inacessíveis. Atualmente, sabe-se que, com tratamento adequado, crianças com autismo podem desenvolver suas potencialidade e habilidades, mesmo que de forma diferente das demais crianças. Podemos perceber que: Tratamentos psicoeducacionais propiciam melhoras substanciais nos sintomas do autismo, pois combinam os princípios comportamentais com a educação especial, priorizando o ensino estruturado que, de acordo com Gauderer (1993), é de fundamental importância para a eficácia do tratamento da criança, uma vez que, o autista necessita de uma estrutura externa para aprimorar uma situação de aprendizagem, diferente das demais crianças que, à medida em que vão se desenvolvendo, vão aprendendo a estruturar seu ambiente. As técnicas educacionais mais usadas para a educação da pessoa com autismo são: TEACCH (Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com Distúrbios Correlatos da Comunicação), PECS (Sistema de Comunicação Através da Troca de Figuras) e a ABA (Análise Aplicada do Comportamento). Estas técnicas proporcionam para o indivíduo com autismo a aquisição de habilidades da vida diária, o conjunto de atividades cotidianas como banhar-se, alimentar-se, vestir-se... que é conhecido como atividade de vida diária (AVD). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 87 Os métodos psicoeducacionais também proporcionam a organização do ambiente, alternativas de comunicação, melhora na interação social, e principalmente a possibilidade de diminuição dos comportamentos inadequados como auto e heteroagressividade, estereotipias, maneirismos, entre outros. MÉTODO TEACCH: O método TEACCH foi validado em 1972, no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina na Universidade da Carolina do Norte – EUA. Ele foi o primeiro programa estadual nos EUA destinado ao atendimento de crianças autistas e com deficiência na comunicação. O TEACCH foi resultado de muitos estudos e pesquisas do Dr. Eric Schopler e colaboradores (Schopler, Mesibov, Shigley&Bashford, 1984, citado por Vatavuk, 1997). Em 1967, Alpern desconfiou da tese de que as crianças com diagnóstico de autismo tinham bom potencial cognitivo e de que não poderiam ser testadas. Alpern comprovou por meio de suas investigações científicas que as crianças autistas eram testáveis, e que o desenvolvimento das mesmas além de se apresentar retardado, era também desarmônico. Desta forma, revelou que em muitos casos estavam presentes dificuldades reais de aprendizagem e de comunicação que precisavam de uma atenção especial nas salas de aula (Marques & Mello, 2005). A partir de então, o TEACCH foi implantado em salas especiais em muitas escolas públicas dos Estados Unidos. Para que ocorresse tal feito, tanto os professores das escolas públicas quanto os do Centro TEACCH da Carolina do Norte se dedicaram ao aprimoramento do método por meio de intercâmbio permanente entre a teoria do Centro e a prática nas salas de aula. É bom enfatizar que os pais das crianças autistas também se envolveram neste processo de desenvolvimento do programa em cada um dos três ambientes: casa, escola e comunidade. Os mesmos sempre foram incentivados a atuarem como co- terapeutas no tratamento de suas crianças (Vatavuk, 1997 ) MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 88 De acordo com Marques e Mello (2005), é fundamental para a eficácia do método a individualização dos programas e a participação da família. É significativa a diferença existente entre crianças com autismo que tem uma rotina familiar estruturada daquelas que têm atividades livre a domicílio, isto é, sem nenhuma rotina definida e acompanhada. Para conhecero indivíduo e suas necessidades educacionais, o método usa a avaliação PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado), como já citado serve para avaliar a criança e determinar seus pontos fortes, de maior interesse e suas dificuldades, para a partir desses pontos montar um programa individualizado que proporcionará um aprendizado compatível com a faixa etária do indivíduo com autismo em áreas como: comunicação, autonomia, socialização, aprendizagem formal e atividade profissionalizante (Schopler&Reichler, 1976, citado por Vatavuk, 1997). O TEACCH busca, na organização do ambiente físico, facilitar a compreensão da criança em relação a seu local de trabalho. Como dito anteriormente, a estruturação externa (ambiente) proporciona à criança autista comportamentos mais funcionais, isso porque a criança sente-se segura ao saber o que o meio espera dela. Um bom exemplo disso é quando são levados para lugares desconhecidos. Geralmente ficam irritadiços, inquietos, por vezes agressivos, tudo porque a situação fugiu daquilo que eles estavam habituados. Com o tempo, o terapeuta buscará minimizar essa rigidez, expondo-o de várias maneiras a outros contextos, assim com o tempo novos contextos passarão a fazer parte do repertório dessa criança e ela passará a enfrentar com menos temor mudanças no ambiente. Isso pode ser ampliado para outras habilidades, como as habilidades sociais. Primeiro, a criança é ensinada a ter contato visual com o terapeuta, com os pais, irmãos, professores, vizinhos e, por fim, o atendente da padaria. Ainda na terapia poderá aprender uma forma de comunicação alternativa; aprenderá a acenar “tchau”, cumprimentar e assim por diante. Para que esses comportamentos sejam instalados, o terapeuta deve conhecer os MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 89 pontos fortes e os déficits da criança para criar estratégias de aprendizagem. Geralmente, no primeiro momento, uma instrução seguida de um reforço, por exemplo, o terapeuta fala “senta” e faz o movimento, depois auxilia a criança a fazer o mesmo. Sempre que ela obedecer ao comando “sentar” o terapeuta fornecerá um chocolate ou outro item da preferência da criança. Esse reforço também pode ser social (“muito bem!”, “Parabéns!”) dependendo da criança. Na sala de terapia, o ambiente deve ser organizado de forma que tenha um local com área de aprendizado, ou seja, no ambiente onde acontecerá a terapia deve ter uma mesa adequada para o tamanho da criança, duas cadeiras, uma para a criança e outra para o terapeuta, armários para guardar os materiais utilizados. Todos os objetos da sala devem estar nomeados. Em um outro espaço da sala, deve existir uma mesa para a realização de trabalhos independentes, ou seja, que a criança consiga realizar sem ser monitorada (tapeçaria, quebra-cabeça, jogos de encaixes), e ainda um outro espaço de descanso (um tapete com almofadas ou uma poltrona). A rotina deve estar disponível de modo claro para a criança, por exemplo, o terapeuta logo no início da sessão coloca em ordem as atividades que serão realizadas no dia; para isso, pode utilizar um quadro de tarefas, painel ou agenda, por exemplo, 1ª atividade: motricidade fina e reconhecimento do nome. 2ª atividade: descanso e 3ª atividade: área independente. Essa forma de organização faz com que a criança crie uma rotina, e assim diminua a tensão diante do desconhecido, além de a criança saber o que o ambiente espera dela. O TEACCH pode ser realizado tanto na casa da criança quanto na escola e a carga horária do programa varia de 10 a 20 horas semanais (Marques & Mello, 2005). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 90 Através da organização do ambiente e das tarefas da criança, o TEACCH busca desenvolver a autonomia da mesma, de modo que ela necessite do professor ou terapeuta para o aprendizado, mas que possa também passar grande parte de seu tempo, ocupando-se de forma independente. Desta forma, o principal objetivo do TEACCH é ajudar o indivíduo com autismo a atingir a idade adulta com o máximo de autonomia possível. Isto inclui ajudá-lo a compreender o mundo que o cerca através da aquisição de habilidades de comunicação que lhe permitam relacionar-se com outras pessoas propiciando-lhe, até onde for possível, condições de escolher de acordo com suas próprias necessidades (Mello, 2001). O método baseia-se na Teoria Comportamental e em pressupostos da psicolinguística. Ele foi implantado no Brasil, mais especificamente, em São Paulo, em 1991, na Associação de Amigos do Autista – AMA, com a ajuda do Dr. Thomas E. Mates. A AMA de São Paulo fez adaptações do método para a cultura do país e da própria equipe. no entanto, não deixou de utilizar os princípios básicos do método (Marques & Mello, 2005). Conforme Vatavuk (1997), o TEACCH tem sido bastante usado nacionalmente e internacionalmente para a estruturação de locais de atendimento a indivíduos autistas. A autora ressalta que muitas pessoas com autismo têm se beneficiado quando tratadas adequadamente com o programa, visto que aprendem a trabalhar frente a atividades acadêmicas com organização e entendimento, e podem fazer uso do computador como apoio para aprendizagem da leitura, escrita e utilização do tempo livre através de jogos, além de realizarem tarefas vocacionais que são bastante valiosas para a vida adulta MÉTODO PECS: O método PECS (Picture Exchange Communcation System ou em português, Sistema de Comunicação por Troca de Figuras), foi criado em 1994, nos EUA, por Bondy e Frost. Ambos perceberam que muitas MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 91 crianças com autismo tinham dificuldade para imitar, principalmente imitar palavras, e mesmo aquelas que eram capazes de imitar, geralmente não usavam as palavras para se comunicar espontaneamente. Baseados nessas observações criaram uma maneira de ajudar as crianças com autismo a se comunicarem de uma forma fácil e socialmente aceitável(Miguel, Braga-Kenyon&Kenyon, 2005). O objetivo do PECS é ensinar o indivíduo a se comunicar por meio de troca de figuras. Ou seja, o professor ou terapeuta sabendo de um item de preferência da criança, como suco de uva, por exemplo, faz uma figura do suco e instrui a criança a entregar a figura na mão da pessoa que está segurando o suco, que deve dizer “você quer o suco de uva?” e, logo em seguida, entregá-lo à criança. Assim, à medida que a criança vai entendendo a troca da figura pelo item, as ajudas são reduzidas até que a própria criança passa a entregar a figura com autonomia. Por meio desta técnica, é possível ensinar a criança com autismo a expressar aquilo que deseja de uma forma espontânea, além de propiciar a interação com outros indivíduos (Sampaio, 2005). No primeiro momento o método utiliza-se de reforço primário para propiciar a aprendizagem. O reforço primário é aquele que tende a ser um reforçador para todas as espécies, como a água, o alimento ou afeto. Segundo Cabral e Nick (2003) reforço primário é “a apresentação de uma situação de estímulo que reforça ou recompensa qualquer sujeito experimental de uma espécie, sem necessidade de treino prévio” (p. 275). Desta maneira quando o terapeuta seleciona os alimentos prediletos da criança está usando reforço primário. Quando o terapeutapassa a usar o reforço social na terapia, por exemplo, “muito bem! Você acertou!” ele esta usando o reforço secundário. De acordo com Myers (1999) reforços secundários são aprendidos. Adquirem seu poder por meio da associação com os reforços primários. Assim reforço secundário MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 92 é aquele que usado em associação com o reforço primário passa a ter a capacidade de condicionar após um processo de aprendizagem ou condicionamento. Em 1996, Frost e Bondy editaram o manual do PECS, com a apresentação de seis fases, sendo que cada uma delas é composta por objetivos específicos, instruções de aplicação e procedimentos de treinamento, podendo ser utilizado de forma individual ou em grupo, em vários lugares como em casa, na sala de aula ou na comunidade. Assim, o PECS foi dividido em: FASE 1- ENSINAR A TROCA DE FIGURA ou “COMO” COMUNICAR; FASE 2 – ESPONTANEIDADE ou DISTÂNCIA E PERSISTÊNCIA; FASE 3 – DISCRIMINAÇÃO DE FIGURAS; FASE 4 - ESTRUTURAÇÃO DE SENTENÇAS; FASE 5 - RESPONDER À QUESTÃO COMO “O QUE VOCÊ QUER?” FASE 6 – COMENTAR. A FASE 1 é caracterizada por ensinar a troca de figuras. O objetivo dessa fase como exposto acima é ensinar o indivíduo a trocar a figura de um item por seu referente. No primeiro momento, o terapeuta irá separar os itens preferidos da criança (chocolate, biscoito, suco) e deixar disponíveis somente estes na frente dela. Quando o indivíduo tentar obter o item, o terapeuta colocará a figura do item em sua mão e o guiará até a outra pessoa que está com o item referente à figura do cartão. Assim que a criança soltar o cartão na mão da pessoa, esta deverá imediatamente entregar o item a criança. NA FASE 2, busca-se ensinar a espontaneidade. O objetivo dessa fase é ensinar a criança a se direcionar ao quadro de comunicação, selecionar a figura do item desejado e entregar a figura para o MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 93 terapeuta. Nessa fase, apenas a figura do item favorito deve esta disponível no quadro. No início, o terapeuta deve ensinar a criança a remover a ficha do quadro. A distância entre o terapeuta e a criança deve ser ampliada gradualmente. NA FASE 3, discriminação de figura, o terapeuta ensinará a criança a distinguir entre diferentes figuras. Primeiramente, o terapeuta colocará duas figuras no quadro de comunicação: a figura do item favorito e um cartão em branco. Se a criança pegar a figura do item favorito e entregar para o terapeuta, ela receberá o item desejado, caso ocorra o contrário, o terapeuta gentilmente moverá a mão do indivíduo na direção do outro cartão. O passo seguinte dessa fase é substituir o cartão em branco pela figura de um item menos preferido e gradualmente adicionar mais figuras (até cinco). Já a FASE 4 é caracterizada pela estruturação de sentenças. A criança será ensinada a estruturar sentenças. Inicialmente o terapeuta incluirá um cartão (cartão sentença) e Eu quero”, que ficará localizado no quadro de comunicação. Quando a criança pedir um item, o terapeuta deverá fisicamente guiar a criança a colocar a figura selecionada à direita do cartão sentença. O indivíduo deverá ser guiado a entregar o cartão sentença para o terapeuta para só assim receber o item desejado. Posteriormente, a criança deverá colocar a figura “eu quero” mais a figura do item desejado no cartão sentença para então entregar ao terapeuta. Por fim, o objetivo da FASE 5 é ensinar a criança a selecionar a figura “Eu quero”, e o item desejado, colocá-los no cartão sentença e entregá-los ao terapeuta quando este perguntar “o que você quer?”. No início, o terapeuta deve apontar para a figura “eu quero” e ao mesmo tempo perguntar “o que você quer?”. Gradualmente, o terapeuta vai aumentando o intervalo entre a pergunta e a dica visual (apontar a figura). Ao completar a quinta fase, a criança deverá ser capaz de pedir e nomear por volta de 30 a 50 itens que serão inclusos no quadro de comunicação a cada fase vencida. Com esse MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 94 repertório, é possível ensinar à criança outras habilidades, como as de utilizar adjetivos, nomear ações, utilizar conceitos de “sim” e “não”, etc. Essas habilidades devem ser desenvolvidas individualmente e o tempo de aprendizagem varia de criança para criança (Miguel e cols, 2005). Esse método em muitos casos é o único meio de comunicação que o autismo tem para demonstrar suas necessidades e desejos. O método não deve se restringir só ao âmbito escolar, mas sim por onde a criança transitar, possibilitando deste modo maior ganho de habilidades de comunicação, redução de problemas de comportamento e, também, integração social. Para isso, o indivíduo tem que ter à sua disposição o material de comunicação, e que pelo menos a família esteja preparada para responder prontamente ao que é solicitado pela criança (Aspeflo, 2005). O programa PECS baseia-se nos princípios comportamentais e utiliza técnicas desenvolvidas dentro da Análise Aplicada do Comportamento, tais como reforçamento positivo e modelagem. De acordo com esses princípios, o comportamento depende das consequências que produzem. Ou seja, se uma criança nas fases inicias do programa PECS indica a ficha do suco, e o recebe de pronto, o comportamento de indicar a ficha do suco foi reforçado pelo acesso ao suco. Desta forma, no futuro quando a criança quiser suco, ela apontará a figura que no passado produziu suco (Camargos, 2002). O PECS tem sido bem aceito em vários lugares do mundo, pois os materiais são simples, de baixo custo, pode ser aplicado em qualquer lugar e, quando bem aplicado, apresenta resultados surpreendentes na comunicação de crianças que não falam, e na organização da linguagem verbal de crianças que falam (Mello, 2001) DICAS DE FILMES SOBRE AUTISMO 2. Rain Man (1988) 3. Gilbert Grape: Aprendiz de Um Sonhador (1993) 4. Testemunha do Silêncio (1994) 5. À Sombra do Piano (1996) MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 95 6. Código Para o Inferno (1998) 7. Ressurreição (1998) 8. Experimentando a Vida (1999) 9. Uma Viagem Inesperada (2004) 10. Loucos de Amor (2005) 11. Um Certo Olhar (2006) 12. O Nome dela é Sabine (2007) 13. Ben X: A Fase Final (2007) 14. Sei Que Vou Te Amar (2008) 15. Mary e Max: Uma Amizade Diferente (2009) 16. O Menino e o Cavalo (2009) 17. A Mother’s Courage: Talking Back to Autism (2009). 18. Adam (2009) 19. Temple Grandin (2010) 20. Um Time Especial (2011) fonte: http://www.reab.me/2013/10/19-filmes-que-trazem-o- autismo-e-o-asperger-preparados-para-assistir/ LIVROS 1. Autismo — Não espere, aja logo! Editora: M. Books (COMPRAR) Autor: PAIVA JUNIOR - Ano: 2012 2. Autismo Infantil: Fatos e Modelos Editora: Papirus Autor: MARION LEBOYER - Ano: 2002 3. O Mundo da Criança Com Autismo Editora: Porto Autor: BRYNA SIEGEL - Ano: 2008 4. Autismo e Outros Atrasos do Desenvolvimento Editora: Revinter Autor: ERNEST CHRISTIAN GAUDERER - Ano: 1997 5. Autismo e Inclusão: Psicopedagogia e Práticas Educativasna Escola Editora: Wak Autor: EUGÊNIO CUNHA - Ano: 2009 6. Dificuldades de Relacionamento Pessoal, Social e Emocional MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 96 Editora: Artmed Autor: MICHAEL FARRELL - Ano: 2008 7. Autismo e Educação: Reflexões e Propostas de Intervenção Editora: Artmed Autor: CARLOS ROBERTO BAPTISTA - Ano: 2002 8. Autismo Infantil: Novas Tendências e Perspectivas Editora: Atheneu - Ano: 2007 Autor: FRANCISCO BAPTISTA ASSUMPÇÃO JÚNIOR & EVELYN KUCZYNSKI 9. Vivências Inclusivas de Alunos com Autismo Autor: Suplino, Maryse Editora: Inovacao Distribuidora de Livros Ltda - Edição : 1 / 2009 10. 150 Jogos para a Estimulação Infantil Editora: Ciranda Cultural Autor: JORGE BATLLORI - Ano: 2003 11. Autismo Esperança pela Nutrição Editora: M. Books Autor: CLAUDIA MARCELINO - Ano: 2010 12. Autismo Infantil Editora: Memnon Autor: JOSE SALOMAO SCHWARTZMAN - Ano: 2003 13. Comunicação Alternativa Editora: Memnon Edições Científicas - Ano: 2009 Autoras: Débora Deliberato; Maria de Jesus Gonçalves; Eliseu Coutinho de Macedo. 14. Eu Falo Sim Livro: Eu falo sim Autoras: Silmara RascalhaCasadei e Vera Lucia Mendes Bailão = Edição: 1ª edição 15.Não Fala Comigo – A História de um Autista Autor: Rômulo Nétto Editora: Carlini&Caniato Editorial - Ano: 2011 16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APA, 2002. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4ª ed. Texto Revisado. DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artmed.. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 97 BERNARDINO, L.M.F. A questão da psicose na infância, seu diagnóstico e tratamento diante do seu “desaparecimento” da atual nosografia. In A. Jerusalinsky e S. Fendrik(org.) O livro negro da psicopatologia contemporânea. São Palo: Via Lettera, 2011, p. 205-217. CHACÓN, P. DSM-5 e o universo psi: diagnósticos à medida do mercado? Disponível emhttp://kanzlermelo.wordpress.com/2012/04/02/clarin-com-dsm-5-e-o- universo-psi-diagnosticos-a-medida-do-mercado/. Acesso em 12.03.2013 DUNKER, C. I. L. e KYRILLOS NETO, F. 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CliniCAPS, vol. 5, nº 15 (2011) – Artigos. OLIVEIRA, S.L. e OLIVEIRA, J. L. O poder da indústria farmacêutica em recompensar e ser referência. Disponível emhttp://www.ead.fea.usp.br/semead/paginas/artigos%20recebidos/marketing/MKT6 7. Acesso em 14.03.13. PRAÇA, É. T, P. O. Uma Reflexão acerca da Inclusão de Aluno Autista no Ensino Regular. Disponível emhttp://www.ufjf.br/mestradoedumat/files/2011/05/Disserta%C3%A7%C3%A3o-E- lida.pdf. Acesso em 20.03.2013. ROCHA, P. S. (org.) Autismos. São Paulo: Escuta, 1997. SARANSON, I.G. e SARANSON, B. R. Psicologia anormal: el problema de la conduta inadaptada. Disponível em http://www.metabase.net/docs/unibe/00970.html. Acesso em 14.03.13 SAUVAGNAT, F. Considerações críticas acerca da classificação DSM e suas implicações na diagnóstica contemporânea. Disponível emhttp://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/analytica/article/viewFile/231/281, acesso em 02.03.2013 SIBEMBERG, N. Autismo e psicose infantil. In A. Jerusalinsky e S. Fendrik (org.) O livro negro da psicopatologia contemporânea. São Paulo: via Lettera, 2011, p. 93- 101. TAFURI, M. I. Dos sons à palavra: Explorações sobre o Tratamento Psicanalítico da Criança Autista. Brasília: ABRAFIPP, 2003. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 99 CAPÍTULO ii- ASPECTOS PSICOLÓGICOS DAS FAMÍLIAS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Adaptação: Prof. Esp. Wilson Candido Braga INTRODUÇÃO O presente material tem por objetivo analisar os desdobramentos envolvendo a família de pessoas com deficiência. O núcleo familiar engloba, em seu cerne, uma vasta gama de condutas e sentimentos que são determinantes para explicar os seus funcionamentos e o funcionamento de seus membros. A chegada de uma criança com deficiência ou situações semelhantes, geralmente torna-se um evento bastante traumático e um momento de mudanças, dúvidas, incertezas e confusão. A maneira como cada família lida com esse evento influenciará decisivamente na construção da identidade do grupo familiar e, consequentemente, na identidade individual de seus membros. Em nossa sociedade, é comum não sermos estimulados a pensar no que não é padrão, naquilo que não é constituído e aceito socialmente como regra, naquilo que possivelmente desafia a suposta ordem estabelecida. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 100 O impacto que uma criança com deficiência causa sobre a família fará com que o próprio grupo familiar seja obrigado a desconstruir seus modelos de pensamento e a recriar uma nova gama de conceitos que absorva essa realidade. Neste sentido, a superação do conceito de doença e da visão patológica é um dos primeiros desafios a serem ultrapassados. Quando a criança com deficiência deixa de ser vista pelo seu déficit e passa a ser entendida como uma pessoa integral e plena de significado, decorrem desse novo olhar atitudes e posturas que possibilitarão o desenvolvimento global da mesma. Nos deteremos nas fases que permeiam esse processo, desde os momentos que antecedem a chegadade uma nova criança, a revelação do diagnóstico, as atitudes diante do fato até o desafio da inclusão social e escolar. 1. FAMÍLIA: GÊNESE DAS RELAÇÕES SOCIAIS A família é o primeiro grupo social no qual somos recebidos. É por meio da família que, num primeiro momento, temos acesso ao mundo. Somos apresentados a uma série de informações que nos dirão quem somos e o que esperam de nós. Trata-se da unidade básica de desenvolvimento e experiência, onde ocorrem situações de realização e fracasso, saúde e enfermidade. Família, no seu conceito mais atualizado, apresenta-se hoje com outro conceito: pessoas que vivem no mesmo espaço físico e estão ligadas afetivamente por laços de parentesco, afinidades ou consaguinidade, independente de como se compõe esse grupo. É um sistema de relação complexo dentro do qual se processam interações que possibilitam ou não o desenvolvimento saudável de seus componentes. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 101 A família, segundo Buscaglia (1997, p. 78), [...] desempenha importante papel na determinação do comportamento humano, na formação da personalidade, no curso da moral, na evolução mental e social, no estabelecimento da cultura e das instituições. Como influente força social, não pode ser ignorada por qualquer pessoa envolvida no estudo do crescimento, desenvolvimento, da personalidade ou do comportamento humanos. Nos últimos anos, a família vem apresentando mudanças em sua estrutura organizacional. Hoje, é comum observarmos famílias geridas somente por mães ou pais oriundos de casamentos desfeitos e outras capitaneadas por pais ou mães solteiros, homossexuais, etc. Enfim, há uma multiplicidade de estruturas familiares, um reflexo da sociedade flexível que tenta adequar-se ao ritmo acelerado das mudanças sociais. No entanto, é possível observar que, em meio a essa diversidade de estruturas chamada família, a maior parte apresenta uma organização razoavelmente estável, na qual os papéis de cada membro são definidos e as regras de convivência estabelecidas, evidenciando valores comuns. Buscaglia (1997, p. 79) afirma que “[...] quando estes aspectos são coerentes, verifica-se uma redução dos problemas, da carga da tomada de decisões e da necessidade de modificações básicas na estrutura familiar”. Outra constatação importante a ser observada é que, embora a família se constitua como um grupo único, ela se encontra dentro de um contexto social maior, sendo que a comunidade em que está inserida seria seu primeiro prolongamento imediato, até a sociedade como um contexto social maior. A família é afetada pelas determinantes sociais e também reage a essa influência. Os valores e os costumes aceitos e disseminados por esse contexto social maior exercerão influência direta sobre a família e os seus membros. Alguns desses valores e costumes podem estar apoiados em preconceitos, o que indubitavelmente trará dor e sofrimento a determinados grupos. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 102 De acordo com Buscaglia (1997, p. 80), “O preconceito pode ser dirigido à raça, cor, religião, condição, ao status social e até mesmo a diferenças físicas e mentais e se constituirá em uma força potente e influente no comportamento da família.” 2. TIPOS DE FAMÍLIA: A ESTRUTURAÇÃO DA TRAMA FAMILIAR Os estudos sobre os tipos de família e suas classificações são amplos. No entanto, para entendermos a dinâmica das relações psicológicas intra e extra familiar num contexto mais conciso, porém esclarecedor, usaremos a tipificação de Magalhães (1997), que cita os seguintes tipos de família: Famílias Rígidas: famílias perfeccionistas, que mantêm normas rígidas e sanções desproporcionais; em geral apresentam dificuldades para manejar as crises evolutivas de seus elementos; Famílias Laissez-faire: famílias em que os limites não são estabelecidos, em que tudo pode; geralmente não oferecem condições que possibilitem a aprendizagem; Famílias Aglutinadas: famílias em que os limites interpessoais são difusos, muito voltadas para si, que apresentam certo isolamento da comunidade e dificultam a individuação e a identificação; e Famílias Desorganizadas: famílias em que não existem estrutura e coesão familiar; a autonomia exagerada pode provocar sentimentos de abandono. A família saudável apresenta espaços de apoio, compreensão e aceitação. Sua organização oferece um ambiente que garante a individualidade e a busca da auto- realização de seus membros. Ela serve como um campo de treinamento seguro onde se realizarão experiências que serão significativamente importantes a todos os seus integrantes. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 103 Basicamente, então: o papel da família estável é oferecer um campo de treinamento seguro, onde as crianças possam aprender a serem humanas, a amar, a formar sua personalidade única, a desenvolver sua auto-imagem e a relacionar- se com a sociedade mais ampla e mutável da qual e para a qual nascem. (BUSCAGLIA, 1997, p. 84). A chegada de um novo membro na família é sempre um momento de expectativas e de reestruturação na trama familiar. Começa um lento e gradual movimento de preparação do espaço familiar para a chegada de um novo ente. São mudanças que ocorrem nos aspectos: Emocional, Comportamental, Físico, Social e Econômico. Da mesma forma que a família vem sendo construída historicamente e se estrutura nas formas que a conhecemos hoje, a dimensão afetiva também se constrói historicamente e socialmente, desde que a perspectiva da chegada de um bebê se apresenta no enredo familiar. Inicia-se muito antes de o novo membro chegar à gestação de um sentimento de pertencimento desse novo ente a esse núcleo de relações elementares chamado família. Cooper (1989) descreve esse sentimento como algo mútuo, interpessoal e compartilhado na maneira como os filhos se sentem ‘pertencendo’ e vice-versa. O mundo é então desenhado e recortado pela ótica dos sentimentos da intimidade familiar. É um sentimento que está articulado ao que o ‘outro significa para mim’ e ao que ‘eu significo para o outro’. Esse sentimento pode se alargar e expandir para incluir os pais, os irmãos, membros da família, amigos e outros relacionamentos que venham a se tornar importantes. (CAVALCANTE, 2003, p. 26). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 104 Antes mesmo do nascimento de um bebê, ele já existe nos pensamentos, fantasias e desejos de seus pais. É comum que essas fantasias estejam ligadas aos conteúdos emocionais dos genitores e que atendam a uma idealização dentro dos padrões de nossa sociedade; padrões que enfatizam o perfeito, o saudável, o bonito. A mãe já imagina seu filho aconchegado em seu seio com os traços que lhe são familiares e atrativos. O pai, por sua vez, pode imaginar, em seus devaneios, o filho correndo atrás de uma bola saltitante e feliz. Não só é corriqueiro como perfeitamente saudável que os pais e demais membros da família exercitem essa produção de imagens, que nada mais é do que a materialização de um futuropróximo e desejável. Vários estudiosos, entre eles a psiquiatra argentina Soifer (1984), fala em sonhos (estado onírico) típicos da gestação, que são específicos a cada fase da gravidez. Esses sonhos, em geral, relacionam-se ao estado emocional da gestante com relação ao momento gestacional em que se encontra (primeiros meses, início dos movimentos fetais, final da gestação), sendo comum, inclusive, sonho sobre o próprio parto. Além do desejo manifestado em pensamentos, fantasias (conscientes) e sonhos (inconscientes) de conteúdo positivo em relação ao bebê que chegará, é comum que esses mesmos condutores internos possam expressar temores em relação à maternidade. UM DOS TEMORES MAIS COMUNS E UNIVERSAIS DIZ RESPEITO AO MEDO DE DAR À LUZ UM FILHO COM DEFICIÊNCIA. É muito frequente a gestante ter expectativas em relação à criança que está para nascer. Algumas sonham com uma criança idealizada, dentro de seus valores, ou seja, bonita como o bebê da propaganda da TV; esperta como o filho da vizinha, etc. Mas outras têm verdadeiros pesadelos em relação a esse ser desconhecido que, por vezes, é sentido como ameaçador. (REGEN, 1993, p. 18). Decorre desses temores o medo de gerar uma criança que, por alguma limitação, não possa ser adaptada ao meio social e cultural; uma criança que dependerá exclusivamente de sua família que, nesse momento, não se acha preparada para um desafio dessa natureza. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 105 Além da deficiência em si e suas dificuldades inerentes, outra situação que torna o cenário mais complexo é a atitude da sociedade diante dela. A ideia de deficiência instituída no imaginário social gera instantaneamente a imagem de incapacidade, de dependência, de sofrimento, de trabalho, de culpa e de dor. Não é raro observarmos, nas falas de pais e mães que esperam um bebê, a esperança de que seu filho possa, de alguma forma, realizar coisas que eles não alcançaram. É evidente que pensamentos que ameaçam esses sonhos sejam prontamente rechaçados e que a expectativa de uma criança sem maiores problemas permaneça como imagem central do desejo familiar. O mundo, segundo a ONU, abriga cerca de 500 milhões de pessoas com deficiência, das quais 80% vivem em países em desenvolvimento. Os dados do Censo de 2009 informam que mais de 25 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência, cerca de 14,5 % da população, número bastante superior aos levantamentos anteriores. O dado apresentado sugere que a incidência da deficiência não é um episódio relativamente raro (14,5%); porém, ainda é um fenômeno com pouca visibilidade, denotando um caráter de excepcionalidade ao fato, o que apenas escamoteia uma realidade que aí está. Os pais podem entrar em contato com a deficiência de seu filho de várias maneiras. Isso pode ocorrer muito antes de o bebê nascer, quando, nos exames relativos à fase pré-natal, o pediatra encontra indícios clínicos de que algo não está bem. É comum, nessa fase, a ocorrência de problemas referentes à malformação, síndromes e infecções oportunistas que levam à deficiência. Boa parte das deficiências pode ser diagnosticada logo após o parto, com a observação direta da criança e com exames clínicos imediatos. Partos demorados e traumáticos podem trazer consequências danosas ao bebê. A paralisia cerebral, por exemplo, é uma dessas consequências. A criança pode nascer sem apresentar nenhum problema e, mais tarde, ser acometida MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 106 por uma deficiência causada por uma série de fatores, tais como traumatismo craniano, infecções, carência nutricional e afetiva, tumores, etc. Independente do momento em que os pais entram em contato com a deficiência de seu filho e de quão fortes e maduros possam ser, essa é sempre uma situação envolta de muita dor, medo e incerteza. O que pode ser ainda mais dolorido é se essa notícia for dada de maneira imprópria pelo profissional que faz o diagnóstico. Não é raro encontrarmos depoimentos de pais que receberam inadequadamente a informação sobre a deficiência do filho, fato que inevitavelmente gerará mais desconforto e insegurança. Não só a família tem dificuldades emocionais de lidar com a deficiência, como também alguns profissionais da área da saúde que se apresentam emocionalmente despreparados para lidar com o diagnóstico e sua transmissão aos interessados. Segundo Regen (1993), esses profissionais apresentam atitudes as mais diversas, tais como: Omissão e/ou transferência para terceiros: tanto por não reconhecerem os sinais relativos ao problema apresentado pela criança, como por falta de coragem para enfrentar a situação, temendo a reação dos pais; Transmissão de notícia de forma destrutiva: como se os pais nada devessem esperar daquela criança em termos de desenvolvimento e/ou alertando-os para a fragilidade e morte precoce. É muito frequente a colocação: “Seu filho é como um vegetal, não espere respostas”, ou então: “Não adianta fazer nada, pois ele viverá só alguns meses”. Esses profissionais provavelmente estão colocando seus próprios sentimentos de frustração e desconhecem o que é possível realizar por meio de um trabalho de habilitação. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 107 Minimização dos problemas: alguns profissionais começam um discurso prometendo aos pais um futuro fantasioso, fora da realidade, iludindo-os. Em geral a intenção é poupar os pais e a si próprio, uma vez que o profissional não apresenta condição emocional para enfrentar a angústia que eles vivenciarão; e Transmissão de notícia de forma impessoal e distante: sem maiores explicações quanto ao problema e sem envolvimento afetivo, causando a impressão de desinteresse. É uma forma de o profissional se defender e não entrar em contato com o sofrimento que causará. O ideal é que o profissional tenha conhecimento técnico de sua área e possa ter uma atitude de empatia com a família, entendendo o momento delicado da situação. Essa família precisa ser prontamente informada sobre o problema e quais os encaminhamentos que serão necessários para a dada situação. A clareza e o tom da conversa propiciam que as pessoas envolvidas, no caso os pais, possam se sentir encorajados a questionamentos. 3. FASES VIVENCIADAS: NEGAÇÃO, ADAPTAÇÃO E ACEITAÇÃO É muito comum que, inicialmente, os pais não acreditem no diagnóstico e procurem negar, de diversas maneiras, a si mesmos e às demais pessoas que os cercam, a existência da deficiência. Chamamos esse momento de fase de NEGAÇÃO. Nessa fase, a família não se encontra preparada para conviver com algo dessa natureza, até porque, no caso de um nascimento, estava esperando um bebê saudável, sem problemas. Ocorre um choque frente ao inesperado, que suscita dúvidas quanto a um futuro imprevisível. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 108 Algumas famílias se lançam numa interminável busca por outros diagnósticos que possam negar aquela constatação inicial. Muitos especialistas são consultados e diagnósticos são comparados. Resultados que se apresentam mais incômodos são preteridospelos mais amenos. Com essas atitudes, buscam a negação de uma realidade que se mostra como algo assustador. Fecham-se na sua própria dor, negando-se, muitas vezes, o contato com outras pessoas. Apresentam dificuldade de interagir com o bebê. Esperam, nesse caso, que as pessoas próximas e os profissionais que acompanham o caso apresentem disponibilidade para ouvi-los. Muito mais do que críticas por sua postura, a família precisa de um canal empático de comunicação. Outra característica comum nessa fase é que geralmente o pai é quem demonstra maior dificuldade em lidar com a constatação da deficiência. A mãe normalmente intui que seu filho apresenta algum tipo de problema; o pai nega com maior veemência. A fase de negação pode se prolongar por dias, meses ou anos. Depois de superado esse momento, os pais começam a perceber que seu filho apresenta necessidades que precisam ser atendidas prontamente. Começam a perder o medo de serem inadequados frente à criança. Chamamos esse momento de fase de ADAPTAÇÃO, quando a família já elaborou a perda da “criança saudável” e começa a tentar descobrir maneiras de adequar-se ao novo momento existencial. Buscam maiores informações sobre o diagnóstico, agora não para negar a existência da deficiência, mas para entendê-la melhor. Iniciam uma tentativa para estabelecer contatos com outras famílias que compartilham o mesmo problema. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 109 Restabelecem seu vínculo social com as amizades antigas, diminuindo seu isolamento. Os profissionais tem um papel importante nessa fase, aproveitando o momento em que a família demonstra necessidade de informação e apoio. Eles serão cruciais ao ajudá-la a identificar e a compreender as necessidades desse filho. É nesse momento que a família o perceberá como um ser humano genuíno, efetivamente integral e pleno de significado. A próxima etapa vivenciada pela família é chamada de fase de ACEITAÇÃO, na qual o maior contato possibilitou uma visão mais realista da criança e de sua deficiência. Os pais vão conhecendo melhor o seu filho e este também os vai conhecendo melhor. O vínculo emocional já está devidamente estabelecido e inquebrantável. A evolução da criança é percebida gradativamente, e os pais já se tornam mais participativos, buscando cada vez mais apoio, sugestões e esclarecimento. Alguns já reconhecem que tristeza e frustração são sentimentos que devem ser encarados com naturalidade. Estabelecem novos parâmetros de comparação e expressam satisfação com as conquistas do filho. Em geral ainda apresentam uma postura superprotetora, mas que com o tempo tende a diminuir. 4. INCLUSÃO SOCIAL: UM NOVO DESAFIO A inclusão social se apresenta como um processo de atitudes afirmativas, públicas e privadas, no sentido de inserir, no contexto social mais amplo, todos aqueles grupos MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 110 ou populações marginalizadas historicamente ou em consequência das radicais mudanças políticas, econômicas ou tecnológicas da atualidade. Uma das dimensões do processo de inclusão social é a inclusão escolar, conjunto de políticas públicas e particulares de levar a escolarização a todos os segmentos humanos da sociedade, com ênfase na infância e juventude. Nesse contexto, recebem atenção especial a inclusão de pessoas com deficiências (físicas, intelectuais, auditivas e visuais) nas escolas regulares, o ensino voltado para a formação profissionalizante e a constituição da consciência cidadã. (CONTEÚDO ESCOLA, 2004, p. 01). O processo de desenvolvimento humano envolve a apropriação dos instrumentos psicológicos e culturais criados pela humanidade. A criança nasce em um mundo repleto de significações, conceitos e estruturas constituídas pelo grupo social. É pela apropriação dessas significações que a criança vai se incorporando ao enredo que faz dela uma pessoa. O sujeito se forma, portanto, pela apropriação gradual dos instrumentos culturais e pela internalização progressiva de operações psicológicas já constituídas na vida social. O processo não é uma simples acumulação, mas uma reorganização da atividade psicológica do sujeito, que se dá como produto de sua participação em atividades em situações sociais. Esta organização tem como uma das suas principais características a construção do domínio de si, o controle e regulação do próprio comportamento. (BARTALOTTI, 2004, p. 42). Portanto, o desenvolvimento de uma pessoa não é um processo solitário, individual e retilíneo, mas algo que acontece no plano social, entre as pessoas e de maneira dinâmica. A criança vai se constituindo enquanto pessoa e compreendendo o mundo ao seu redor por meio da internalização de conceitos e significações que são partilhados socialmente. O espectro social não é algo que se apresenta como um elemento entre outros, mas é a condição primeira para que o desenvolvimento humano ocorra. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 111 No caso de uma criança com deficiência, o processo não difere. A família, como foi dito, é o primeiro grupo responsável, por criar, num primeiro momento, situações nas quais a criança assimilará quem ela é e como é o mundo que a cerca. Ora, se é socialmente que as pessoas se constituem e se desenvolvem, mais do que nunca, a pessoa com deficiência necessita do acesso irrestrito aos meios sociais de apropriação de conhecimento. Só assim ela poderá superar suas limitações e ter um real desenvolvimento. A autonomia e a independência da criança com deficiência serão constituídas a partir das suas interações sociais e, principalmente, a partir de interações que sejam favorecedoras dessa autonomia e independência. Para haver aprendizagem e, consequentemente, desenvolvimento, é preciso que ocorra uma mediação que leve em conta o processo daquele sujeito a quem se pretende ensinar, sabendo que aprendizado não compreende apenas cognição, mas outros aspectos, tais como a MOTIVAÇÃO, a AFETIVIDADE, as HABILIDADES, os INTERESSES. A ‘boa mediação’ é aquela que se adianta ao desenvolvimento; não se volta, portanto, a aspectos do passado daquele que aprende, concentrando apenas no que não pode ser feito; ao contrário, considera e incorpora, na prática pedagógica, a avaliação das dificuldades, de modo a organizar o processo de desenvolvimento. (BARTALOTTI, 2004, p. 58). Como qualquer cidadão, a pessoa com deficiência tem os mesmos direitos à educação, saúde, assistência social, acessibilidade, lazer, esporte, cultura e trabalho. Portanto, o acesso aos recursos da comunidade tem que estar garantido para que possa viver com independência e autonomia. Para que ocorra a inclusão em todos os segmentos, é necessário adequar as estruturas humanas, físicas e técnicas. As barreiras, tanto atitudinais (noções preconceituosas e discriminatórias, desinformação a respeito da deficiência) quanto estruturais e arquitetônicas (falta de rampas, meios de comunicação, móveis, utensílios e equipamentos adaptados), devem ser derrubadas para que todos, sem exceção, tenham as mesmas oportunidades. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com112 No caso da pessoa com deficiência, a sociedade pode se considerar inclusiva quando reconhece a diversidade que a constitui, identifica as necessidades desse segmento populacional, oferece os serviços de que necessitam e promove os ajustes que lhe viabilizam o acesso, a permanência e a utilização do espaço público comum. [...] O paradigma de suporte constitui-se da disponibilização, ao cidadão com deficiência, de todo e qualquer apoio que se mostre necessário para a otimização de seu potencial para uma vida de qualidade, e que permita sua real participação em todas as áreas de sua existência: vida doméstica, escolar, familiar, social mais ampla, profissional e econômica. Os suportes são dedicados a atender aos desejos e às necessidades individuais a partir de um processo de planejamento do futuro do cidadão. Refere-se a todo e qualquer tipo de ajuda que permita à pessoa com deficiência o maior nível de autonomia e de independência, na administração e no gerenciamento de sua própria vida, em ambiente o menos restritivo possível (ARANHA, 2003, p. 15). Seja na família, na escola, no trabalho, na comunidade em geral, o que deve permanecer como ideia primordial é o princípio de equidade, o qual implica respeito às diferenças. A família, como grupo social, deve se constituir como elemento essencial na promoção e garantia desse direito, seja por meio da atuação direta com a pessoa com deficiência, seja exigindo junto à sociedade organizada políticas eficazes na promoção do bem-estar de todos. O tema até aqui tratado objetiva uma reflexão sobre o processo caracterizado pela presença da deficiência em um membro da família. O que, num primeiro momento, pode ser encarado como uma experiência extremamente penosa e desgastante, e poderá se modificar desde que seja criado, nessa mesma família e na comunidade em que está inserida, um espaço para o desenvolvimento da pessoa com deficiência; um espaço caracterizado não pela doença, e sim pela saúde. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 113 Nessas circunstâncias, a pessoa com deficiência, a família e a sociedade se influenciarão mutuamente. À medida que a família e a sociedade necessitam construir um novo conhecimento sobre a pessoa com deficiência, desenvolvem padrões de interação e um conjunto de ações favoráveis aos seus membros, sejam eles deficientes ou não. O fomento dessa interação, aliado ao esclarecimento de profissionais que lidam com a pessoa com deficiência, oportuniza alternativas ligadas à inclusão social. Entendemos, portanto, que os desafios e os enfrentamentos encontrados pela família estão ancorados na história da humanidade, revelando que a sociedade bem-sucedida é aquela que favorece, em todas as áreas, a convivência humana e o respeito à diversidade que a constitui. 5. MÃES E FILHOS ESPECIAIS: REAÇÕES, SENTIMENTOS E EXPLICAÇÕES À DEFICIÊNCIA DA CRIANÇA. O nascimento de uma criança com deficiência traz uma nova realidade para a família. De acordo com MacCollum (1984) os pais experimentam a perda das expectativas e dos sonhos que haviam construído em relação ao futuro descendente. A extensão e a profundidade do impacto deste nascimento são indeterminadas, depende da dinâmica interna de cada família e do significado que este evento terá para cada um (Faber, 1972). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 114 No entanto, a família acaba procurando meios de se adequar à nova realidade. Dessa forma desenvolvem duas maneiras de lidar com a informação: enfrentando e reagindo (Miller, 1995). Enfrentar significa fazer aquilo que é preciso, lidar com problemas e avançar. Reagir significa lidar com emoções que incluem desde confusão até o medo da incompetência. Todos vivenciam o choque e o medo com relação ao evento ou ao reconhecimento da deficiência, bem como a dor e a ansiedade de se imaginar quais serão as implicações futuras. Todos experienciam a perda que gera desapontamento, frustração, raiva, à medida que desaparecem a liberdade e o tempo para o lazer (Vash, 1988). Enfim, sentir-se responsável pelo problema do filho, conformado ou revoltado, é uma forma de tentar elaborar o que deu errado. Assume-se a culpa, o conformismo e a raiva porque quando existe um culpado, ao menos existe uma explicação. Ao contrário, os pais podem se defender simplesmente negando. A negação é um mecanismo de proteção amplamente discutida na literatura (Buscaglia, 1993; Petean, 1995; Petean & Pina-Neto, 1998). Apresentando-se quase sempre de duas formas: A negação escolhida, caracterizada por um pensamento do tipo "se eu ignorá-la, talvez vá embora". A negação inconsciente, quando realmente se olha para os fatos e não consegue percebê-los como verdadeiros (Miller, 1995). Esses sentimentos e processos pelos quais passam os pais vão interferir diretamente na aceitação da criança. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 115 Os pais ao perderem o filho desejado podem, imersos em seu sofrimento e não elaborando o luto, estarem impedidos de estabelecer um vínculo com o bebê real. Podem fazê-lo, por exemplo, com o bebê desejado e perdido, ficando, assim, prisioneiros da melancolia. Ou podem, paradoxalmente, estabelecer o vínculo com a deficiência e não com o filho deficiente, ou seja, suas relações estarão baseadas no fenômeno e não na criança, nas práticas terapêuticas e não nas necessidades humanas (Amaral, 1995). Torna-se, assim, de suma importância, a maneira pela qual os pais vão explicar a causa da deficiência de seus filhos - a compreensão do significado do problema. Conforme vão superando e sobrevivendo à deficiência, começam a criar expectativas que vão de positivas a negativas. Esperam desde o desenvolvimento da criança até a completa incredibilidade em relação à situação do filho (Omote, 1980). É interessante notar que essas expectativas também podem ser influenciadas pelas explicações que constroem como causa da deficiência (Brunhara & Petean, 1998). Independente da explicação que possuem, as mães esperam que o desenvolvimento do filho melhore, ou seja normal. O desejo de cura é uma constante (Petean, 1995). Para os profissionais envolvidos com as famílias de pessoas com deficiência, é de suma importância que tenham o maior conhecimento possível das dinâmicas pelas quais passam estas famílias para se instrumentalizarem emocional e racionalmente, uma vez que a literatura (Regen e cols., 1993; Omote, 1980; Petean, 1995; Petean & Pina-Neto, 1998) tem enfatizado a necessidade de que esses pais recebam o maior número possível de informações, que tenham suas dúvidas esclarecidas para que possam decidir com maior segurança os recursos e condutas primordiais para o bom desenvolvimento de seu filho. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 116 5.1. Entrevistas com mães de pessoas com deficiências A análise das entrevistas demonstrou que as mães reagiram à notícia da possível deficiência do filho intensamente. As reações eram concomitantes à notícia, mas não seguiram uma ordem pré-estipulada, sendo que uma não excluía necessariamente a outra.As mães passaram por: Choque Tristeza Resignação Revolta Busca Explicações Científicas Incorretas Castigo Crendice Popular Não sei Negação Conformismo Premonição Confusão Culpas Positivas Desenvolvimento da Criança Cura Negativa Ansiedade / Insegurança Futura Descendência .... Choque: "Quando a médica falou fiquei chocada. Fui ao telefone e liguei para ele (marido). Pedi para ele vir para o hospital." (Síndrome de Sottos) O choque pode ser definido como um abalo emocional (Ferreira, 1988). Para Drotar (1975) é uma interrupção abrupta dos estados emocionais usuais, que rompe com o equilíbrio de cada um. É descrito como uma situação de torpor, uma sensação de impotência e sentimento de desamparo. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 117 A análise dos dados das entrevistas demonstrou que qualquer dúvida levantada em relação às condições de saúde física e/ou mental da criança deixou as mães chocadas. Elas relataram esta reação aliando-a a sentimentos de perda e de pesar. Perda do filho sonhado e pesar pelo próprio desapontamento, pois se sentiam logradas ao direito do filho perfeito, ficando sem saber como proceder no momento da notícia. Tristeza: "Fiquei triste, a gente estava preparado para uma coisa e aconteceu outra... a gente esperava um filho perfeito, faz lembrancinhas, as pessoas vão visitar e ela (criança) não estava em casa." (Hidrocefalia). A tristeza é um aspecto revelador de mágoa ou aflição (Ferreira, 1988). No momento da notícia, as mães disseram-se tristes, decepcionadas e frustradas frente à ausência da satisfação do desejo do filho idealizado. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 118 Como na amostra de Miller (1995) as mães lastimaram as mudanças concretas que estavam precisando fazer na sua vida. Outro aspecto importante é a "tristeza crônica", um sentimento que nunca é superado e frequentemente revivido: aniversários, idade de entrada da criança na escola, etc, trazem à tona o que poderia ser e não é. Resignação: "Deus quis assim, a gente tem que se conformar... Se Deus quiser liberta ele" (Distrofia Muscular Progressiva Tipo Duschenne) Algumas famílias, em virtude da nova situação vivenciada, preferem acreditar em algumas possibilidades ou simplesmente não acreditar em possibilidade nenhuma, pois talvez assim consigam lidar de forma menos dolorosa com essa nova experiência. Chegam a acreditar que não é necessário buscar nenhum tipo de ajuda de especialistas, pois se isso aconteceu é porque Deus tem uma missão para eles e só Deus poderá trazer a cura para tal deficiência. A resignação é encontrada como a renúncia espontânea de uma graça; a submissão paciente aos sofrimentos da vida (Ferreira, 1988). Apareceu acompanhada por sentimentos de passividade, de conformismo, de valores religiosos e misticismos. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 119 Pode estar influenciando na aceitação da criança e na visão que a mãe construirá da deficiência do filho. O risco se faz presente a partir da crença de que não há mais nada a se fazer pela criança omitindo-se, minimamente, aos tratamentos necessários. Revolta: "a égua (médica) falou que ele (criança) tinha Down, que não ia andar, não ia falar. Quase bati nela, quase joguei ela pela janela..." (Síndrome de Down) A revolta, grande perturbação moral causada por indignação, aversão e repulsa (Ferreira, 1988) é uma reação manifestada frente a uma situação não esperada sobre a qual não se tem controle. Esta revolta foi expressa pela aversão à criança, ao cônjuge, a Deus, aos profissionais que estavam envolvidos com a família, enfim, à terceiros. Funciona como uma válvula de escape para a cólera que sentiram pela injustiça do problema de seus filhos. Busca: "Quando fiquei sabendo, queria saber de tudo: risco de vida da criança, consequências, como a criança seria, quis conhecer as instituições que trabalham com esse tipo de criança..." (Síndrome de Rett). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 120 A busca resulta na necessidade de procurar respostas e formas de auxiliar frente a algo que incomoda ou requer cuidados. Boyd (1950), pai de uma moça excepcional, coloca a busca como uma etapa em que parou de pensar menos em si próprio, para passar a pensar em sua filha. Como as mães entrevistadas, começaram a apresentar necessidade de enfrentar a anomalia da criança, fazendo com que procurassem especialistas e instituições, ou seja, respostas aos seus mais variados questionamentos, crendo, assim, na volta de um certo controle para suas vidas. Em relação à causa da deficiência, as mães buscam fundamentos científicos, religiosos e populares para explicá-la: Científicas corretas: "os médicos falaram: um problema na hora que o espermatozóide encontra o óvulo. Aconteceu algo, deu um acidente" (Síndrome de Down) São respostas que se fundamentam nas Leis e Princípios aceitos na Biologia Humana e na Medicina (Pina-Neto, 1983). Foram as explicações que as mães ofereceram corretamente tais quais as explanações dos profissionais que lidam com a criança. No entanto, observou-se MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 121 que apesar das mães relatarem tais explicações, não deixaram de acreditar em seus próprios argumentos. Um dado que fala por si só é o do RDNPM - retardo do desenvolvimento neuropsicomotor: a mãe explicou a problemática da criança em termos científicos - "porque ele é prematuro, nasceu de 6 meses " — mas não deixou de colocar também como causa "porque quando estava com 4 meses caiu na creche e isso causou o problema " - resposta categorizada como Crendice Popular - demonstrando, assim, a força dos crenças pessoais de cada um. Explicações Científicas incorretas: "ele (criança) é assim por ter sofrido várias cirurgias de hérnia intestinal " (Síndrome de Prader-Willi). São as explicações com fundamentos científicos verbalizados erroneamente, equivocadamente ou com terminologia incorreta (Pina-Neto, 1983). Essas explicações oferecidas pelas mães demonstraram a tentativa da procura de algo concreto e visível (características familiares comuns, problemas físicos palpáveis, dados da idade da mãe) que justificasse a deficiência. Aliadas a tais explicações vinham também embutidas expectativas concretas que sanassem a problemática da criança, como algum medicamento ou tratamento que melhorasse ou até mesmo curasse os traços da síndrome. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 122 Castigo: "acho que o cigarro colaborou, sei lá, o organismo estava pré- disposto." (Síndrome de Silver-Russel). As explicações não encontram fundamento nos princípios ou leis científicas, mas em princípios religiosos ou em algum ato condenável social oucientificamente. As mães entrevistadas argumentaram a anomalia da criança em atos que executaram, reprováveis, que às levaram a ser castigadas. O castigo apresenta-se aliado ao sentimento de culpa. Quando as mães realmente cometiam algum ato, direta ou indiretamente, que julgavam errado ou que estavam contra as normas da sociedade em que viviam, emergiram os sentimentos de auto recriminação e de remorso. Crendice Popular: "Porque quando estava com 4 meses caiu na creche e isso causou o problema. " (RDNPM). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 123 São as explicações que não apresentam fundamentos em leis científicas ou princípios religiosos, mas acham-se fundamentadas em conceitos enraizados na cultura popular (Pina-Neto, 1983). Demonstrou o processo mental que algumas mães construíram como hipótese da causa da deficiência da criança, corroborando a observação de que elas procuram algo concreto como explicação, que satisfaça, independente das curiosas associações que fazem. Não sei: "não encontro explicação nenhuma, não fiz nada que pudesse causar isso, fico sem saber o que pensar." (Sem Diagnóstico). As mães não conseguiram explicar a deficiência do filho. Demonstraram sentirem-se confusas e perdidas frente a tantas coisas novas que passaram a enfrentar. Esse fato pode relacionar-se à complexidade das vivências que as mães devem estar experienciando: De um lado todo o jargão médico, exames, profissionais específicos para cada problema. Do outro lado sentimentos conflitantes e falta de controle, enfrentamento de novas realidades que promovem estresse, dor e tristeza, aliados ao amor e carinho que sentem pela criança e medo do que pode vir à acontecer. Outra hipótese decorreu do sentimento de negação, uma vez que o que não existe não precisa ser explicado. O tema sentimentos abarcou o que as mães estavam sentindo no momento em que foram entrevistadas, ou seja, qual sentimento estava ali presente, resultante principalmente, do enfrentamento da deficiência do filho. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 124 Negação: "eu acho que não tem problema, o pai também era baixinho. A única coisa é que ela não engorda" (Síndrome de Cornélia de Lange). A negação é encontrada como resultado de uma falta ou ausência (Ferreira, 1988). É uma atitude que encobre a não aceitação da deficiência, ou seja, a pessoa se recusa a enxergar a realidade como ela se apresenta, fantasiando ou fingindo que o problema não existe (Ardore e cols., 1988). Decorrente dessa amostra, a negação da condição de deficiência do filho foi expressa de várias formas, explícitas ou implícitas. As mães: Negaram a problemática da criança como um todo, como se esta simplesmente não existisse. Negaram baseadas no funcionamento fisiológico da criança, como se algo externo, cirurgias ou doenças congênitas, impedisse o organismo de se desenvolver. E negaram também baseadas nos traços físicos e/ou mentais, procurando na família traços que se assemelhem aos traços característicos da síndrome. Este sentimento foi intenso, sendo frequentemente relatado. Apresentou-se quase sempre aliado a todos os outros sentimentos manifestados. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 125 Conformismo: "não tem cura, ele (criança) tem (a deficiência) e pronto. Temos que ajudar ele..." (Síndrome de Moebius) As mães entrevistadas relataram sentimento de resignação e de conformismo atrelados a princípios religiosos. Como no estudo de Vale (1997), esta categoria configurou-se por discursos que as mães não mostravam rancor e sentimento de impotência, ao contrário, apresentavam sentimento de que não esperavam mais nada da medicina, que fizeram e estão fazendo tudo que é humanamente possível, e que nesse momento só lhes resta extrapolar a situação terrena para buscar conforto num Ser superior. Revolta: "A gente faz tudo que pode, repouso, parei de trabalhar para ter o filho... e aí a gente perde? " (Futura Descendência). A revolta, perturbação moral causada por indignação, foi outro sentimento evidente. Os relatos da amostra indicaram a indignação que as mães estavam experienciando frente à deficiência da criança, verbalizando as várias perdas que sofreram, bem como as mudanças pessoais e a decepção frente ao ocorrido com o filho. Observa-se que esse sentimento não foi estanque, alternando-se com sentimento de resignação. Essa dualidade demonstra claramente a turbulência do processo, levando as mães a situações de extremo conflito. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 126 Premonição: "não sei, pensava sempre que ia nascer com problema." (Sem diagnóstico). A premonição é definida como uma sensação ou advertência antecipada do que vai acontecer, um pressentimento (Ferreira, 1988). As mães entrevistadas relataram que sentiram, que de alguma forma haviam sido avisadas que estavam prestes a ter uma criança com problemas. No entanto, Soifer (1980) alerta que toda gestante apresenta sonhos típicos da gravidez, que exprimem os temores em relação à maternidade e a incapacidade de criar e educar os filhos. No geral, a tendência é o de expulsar esses sentimentos. Porém, como no caso dessa amostra, quando nasce uma criança com problema o sonho torna-se realidade tomando a característica da premonição, passando as mães a associarem os fatos e a sentirem que foram avisadas que algo sucederia com o filho. Discute-se também se a premonição não poderia ser considerada um mecanismo de defesa. O sentimento das mães de que algo de errado estava para acontecer com a criança foi concretizado, assim, não teria porque se decepcionar com o ocorrido, uma vez que de alguma maneira haviam sido alertadas. Confusão: "Estou com a cabeça atordoada... não consigo expressar o que estou sentindo, minha cabeça está toda enrolada..." (Síndrome de Williams). A confusão é a incapacidade de reconhecer diferenças ou distinções. É uma falta de clareza (Ferreira, 1988). As mães relataram conflitos com relação ao que estavam sentindo, uma vez que encaravam um fato inesperado com o qual tinham que lidar. É o sentimento de dúvida, expresso pelas mães, sob as mais variadas formas, no qual tudo lhes parece extremamente difícil. Ao mesmo tempo relataram a inquietação que sentem diante dessas dúvidas. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 127 Segundo Reagen e cols. (1993) esse é um momento que de nada adiantam as informações dos profissionais, uma vez que as mães demonstram-se bloqueadas emocionalmente e incapazes de absorverem-nas. Assim, elas passam a revelar muito mais dúvida e temor do que confiança em relação ao tratamento. Entretanto, ao mesmo tempo em que esse traz dúvidas e incertezas ele é tido em última instância como uma possibilidade de melhora e cura. È o momento em que a mãe faz por fazer, no qual as questões emocionais apresentam-se de forma intensa. Culpa: "O pai se sente culpado, ele (pai) fica calado, acho queele pensa... que se sente culpado." (Síndrome de Seckell) A culpa é o sentimento de ter sido o responsável por uma ação ou por uma omissão prejudicial, reprovável ou criminosa. É a violação ou inobservância de uma regra de conduta, de que resulta lesão do direito alheio (Ferreira, 1988). As mães demonstraram através de seus relatos que se sentiram culpadas por atos que acreditavam serem os prováveis responsáveis total ou parcialmente pela deficiência do filho. Como no estudo de Valle (1997), também nessa amostra, seguido à reação inicial de choque vem o sentimento de culpa. Implicitamente, as afirmações contêm também sentimentos de vergonha. Como diz Buscaglia (1993), os pais juntamente com o sentimento de pecado e repugnância pelo que fizeram, sentem-se indignos de terem o filho perfeito já que erraram. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 128 E esperam que seus filhos de certa forma se tornem um reflexo do melhor de si próprios, sentem-se envergonhados quando isso não acontece, principalmente se acreditam que esse não acontecer é fruto de algum ato que cometeram. Os dados relativos às expectativas relatadas em relação ao futuro da criança apontam para alguns aspectos positivos, crendo no desenvolvimento da criança e na cura. As mães justificavam essas expectativas, demonstrando a capacidade de selecionarem os pontos que seus filhos podem estar desenvolvendo. Positivas: "é uma criança que vai inspirar cuidados o resto da vida, mas eu espero que ela supere e fique o melhor possível..." (Paralisia Cerebral, Autista) Expectativas Positivas foram compostas com as verbalizações que expressavam esperança de um futuro promissor para a criança com deficiência. As mães relataram a necessidade de concretizarem o que idealizaram para seu bebê independente das dificuldades que possa apresentar. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 129 Petean (1995) relata que as mães tentam superar a problemática do filho valorizando as características físicas e de personalidade da criança. Atentam para as reais possibilidades em detrimento dos pontos tidos como prejudicados. Desenvolvimento da criança: "acho que ele (criança) vai recuperar o atraso... ele está indo bem..." (Síndrome de Angelman, Síndrome de Asperger) O desenvolvimento da criança foi visto como uma expectativa de progresso relativo tanto ao físico, quanto ao intelecto. As mães da amostra esperam que seus filhos tornem-se maiores ou mais fortes, ou que progridam, aumentando sua capacidade intelectual. Cura: "quando a gente procura o médico quer cura..." (Síndrome de Tourette) A cura é um meio de debelar uma doença, um tratamento (Ferreira, 1988). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 130 As mães demostraram expectativas em sanar a problemática da criança, independente dos meios que levassem a este fim. Foi uma crença vocalizada livremente. Crepaldi (1999) relata que: "a esperança de cura é um sentimento permanente, ainda que os pais conheçam a gravidade da doença, e que é remota a possibilidade de recuperação". As mães relataram também, expectativas negativas e ansiedade/insegurança relacionadas ao futuro de seus filhos. Ao mesmo tempo em que crêem na melhora verbalizam sentimentos que expressam a dúvida, medo e temor do futuro, desde perda e morte do filho ate mesmo como esses irão sobreviver frente à falta delas próprias: Negativas: "Tínhamos medo e temos de que ele (criança) não sobreviva..." (Deficiência Múltipla) As expectativas Negativas configuraram-se com a descrença em relação ao futuro do filho como promissor. As entrevistadas demostraram desencanto quanto ao futuro, ao tratamento, à cura, etc. Essa expectativa vem atrelada ao sentimento de dúvida que bloqueia os pais que não percebem que cada criança tem um ritmo diferente de maturação e desenvolvimento. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 131 Além disso, a ansiedade decorrente do desenvolvimento retardatário faz com que não deem atenção ao que já foi obtido. Assim, se a criança fala, os pais preocupam- se, pois ainda não anda. Há sempre uma frustração por alguma habilidade ou progresso que o filho com deficiência ainda não conseguiu alcançar. Ansiedade / insegurança: "aí é que tá o meu medo... Tenho medo de que ela (filha) venha a depender da gente para tudo... " (Deficiência Visual). A ansiedade é uma ânsia, um estado afetivo caracterizado por um sentimento de insegurança. É a condição daquele que não tem segurança, confiança ou garantia. As mães relataram a preocupação com o futuro de seus filhos deficientes frente à morte dos progenitores principalmente pelo fato desses filhos serem relativamente dependentes. Sentem-se inseguras, pois não sabem quem poderia estar assumindo os cuidados de seus filhos quando estiverem ausentes ou se estes indivíduos serão capazes de conduzir suas vidas de forma independente. Assim o envelhecimento dos pais passa a ser vivificado como uma fase de sofrimento, no qual os temores novos juntam-se aos antigos. Futura descendência: "estou com esperanças de que encontrem alguma coisa, porque isso vai responder o porquê aconteceu com as crianças. Vai me tranquilizar. Primeiro quero saber o motivo, depois planejar nova gravidez... MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 132 Se o exame não der nada vai permanecer na incógnita do porquê, não tenho, não arrisco... nem se for de 5% não engravido. " (Futura Descendência). As mães que buscaram Aconselhamento genético por terem tido história de abortos de repetição ou natimorfos, aqui definida como Futura Descendência, demonstraram em relação ao futuro a vontade de esclarecer o diagnóstico, as dúvidas sobre as causas diagnosticas e a resposta sobre a possibilidade de engravidar novamente. Tendo a causa dos abortos de recorrência definida, tentará gravidez de uma maneira mais tranquila. Petean (1995) também observou em seus dados que a decisão de uma nova gravidez está condicionada ao risco de repetição. Observou-se que esses casais nutrem o sentimento de esperança na resposta negativa de algum risco para futuras gestações por parte dos profissionais, crendo sempre na realização do sonho de serem pais mais uma vez, porém de um filho não deficiente. A amostra constituiu-se somente de mães, é fato natural, pois na população aqui representada, a um dos membros do casal, quase sempre à mãe, é atribuída a função de "cuidar" da criança, principalmente nas questões relacionadas à saúde e educação. Esses dados corroboram o de Pina-Neto (1983) que também encontrou maior atenção das mães ao lidar com os filhos, pois na maioria dos casos, os pais são menos presentes. As reações das mães, num primeiro momento foram de choque, tristeza, revolta, resignação, culpa, bem como busca de ajuda para o filho. Essas reações são as comumente encontradas na literatura que abarca a questão da deficiência. Porém nesse estudo diferentes síndromes estiveram presentes, o que leva a supor que, independentementeda problemática, as reações manifestadas são as mesmas. O fato de grande parte das mães explicarem a causa do problema com base em argumentos não científicos leva a supor que a maioria das pessoas possui dificuldade em compreender os mecanismos causadores da deficiência. Assim, as MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 133 crendices populares, ou dogmas religiosos que passam de geração a geração tornam-se mais compreensíveis e confortadoras para elas. Essa observação remete-se à caracterização da amostra. A carência de argumentos tidos como científicos pode relacionar-se com o fato das mães da amostra possuir baixo nível cultural. Salvo as explicações tidas como Científicas Corretas, as mães demonstram dificuldade em estar assimilando os argumentos médicos em detrimento de suas próprias justificativas reais e palpáveis, porém nem sempre verdadeiras em termos científicos. Esta foi uma discussão também apresentada por Pina-Neto (1983). Segundo o autor os fundamentos de explicação que os pais usam dependem do estado social a que pertencem, deixando clara as fronteiras de penetração da Medicina Científica junto às camadas populares. Conclui-se que provavelmente a baixa escolaridade e a distância social entre as pessoas das camadas populares e os agentes do processo de Aconselhamento Genético devem ser os principais responsáveis pela dificuldade de assimilação dos princípios científicos pela maioria das pessoas. No entanto, como Regen e cols (1993), ressalta-se aqui a necessidade de saber por que o filho é deficiente de tal ou qual anomalia, como forma de aliviar certos conflitos relacionados à culpa, inferioridade, vergonha, confusão e raiva. No estudo sobre representação das causas das doenças, observou-se que ao definir a doença os familiares pautam-se nos sintomas apresentados e a partir daí revelam suas representações sobre o mal, delimitando-o, bem como suas relações e seu significado, excluindo das suas representações a gravidade da doença (Crepaldi, 1999) Observou-se que um dos mecanismos de defesa mais utilizados pelas mães foi a negação, manifestada de forma explícita ou implícita. Utilizaram-se desse mecanismo como forma de minimizar ou encobrir a problemática da criança no intuito de conseguir um maior tempo para se reestruturarem. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 134 Como afirma Buscaglia (1993) a cruel dolorosa realidade de ser subitamente presenteado com uma criança com alguma deficiência permanente e o sentimento de total incapacidade para mudar a situação não são coisas fáceis de aceitar. Portanto, é normal, a princípio questionar, culpar, rejeitar e até mesmo odiar a si mesmos e a criança. É normal tentar evitar a dor, expulsando-a da mente, fugindo ou disfarçando, negando a sua existência e fantasiando seu fim. Sabendo que um aspecto essencial para a evolução da criança é a conduta dos pais como detentora de benefícios e prejuízos no processo de desenvolvimento, em relação às expectativas ao futuro dos filhos as mães demonstraram-se preocupadas com o desenvolvimento geral desse e com a perspectiva de cura. A busca de cura mostrou-se como uma necessidade normal dos pais que permanece presente independente do tipo de deficiência ou da compreensão destes sobre o diagnóstico. Crepaldi (1995) também conclui em seu estudo que a esperança de cura é um sentimento permanente, ainda que os pais conheçam a gravidade da doença e que é remota a possibilidade de recuperação. Em função aos pontos aqui salientados considera-se fundamental que: Os profissionais envolvidos com a questão da deficiência tomem conhecimento não só das condições emocionais dos pais, mas também que conheçam suas expectativas e principalmente conheçam quais são as explicações que estão dando para o problema. Outro fator a ser salientado é o da adequação da linguagem dos profissionais, oferecendo aos pais informações claras e objetivas, permitindo-lhes uma melhor compreensão dos fatos. Desta forma, acredita-se que o profissional efetivamente estará trabalhando com a realidade de cada família, contribuindo para a sua reestruturação. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 135 6. A FAMÍLIA NO BRASIL: ESTRUTURA E DINÂMICA As transformações ocorridas na contemporaneidade, aliadas à extensão e à complexidade do nosso continente, remetem-nos aos seguintes questionamentos: Será que temos uma “família brasileira”? Ou o que temos são “famílias brasileiras”? Entre as famílias brasileiras, onde se situam as famílias “de pessoas com deficiência”? O Brasil é um país extenso e com regiões em estágios de desenvolvimento diferentes, o que repercute nas experiências das famílias. É nessa perspectiva que uma família ribeirinha da região amazônica vai se diferenciar de uma família da região urbana de uma cidade como Fortaleza, por exemplo. Vivemos uma fase de transição entre o tradicional, o moderno e o pós-moderno, variando segundo as regiões deste País. Esse é o contexto em que apresentaremos as famílias denominadas de “especiais”, na medida em que pertencem ao movimento desenvolvido em grande parte do território brasileiro: o das famílias de pessoas com deficiência. Inicialmente apresentaremos as principais características da estrutura e da dinâmica familiar tradicional e apontaremos para mudanças ocorridas nessas esferas nos dias atuais. A família, como toda a sociedade, passa por profundas transformações ao longo da história da humanidade. Quando observamos as histórias das famílias constatamos as mudanças que vão surgindo ao longo das novas gerações numa mesma linhagem. Cada família faz sua própria história, que é oriunda das histórias familiares de origem de cada um dos cônjuges. Com a chegada dos filhos, a união conjugal é consolidada, e a formação de uma nova família dá continuidade às famílias de origem de cada um dos pais. Partimos da definição de família como “um sistema aberto constituído por muitas unidades ligadas no conjunto por regras de comportamento e funções dinâmicas, em MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 136 constante interação entre elas e em intercâmbio com o exterior” (ANDOLFI, 1981, p. 20). A família tem se caracterizado pela presença dos pais e dos filhos, sendo, nesse contexto, denominada família nuclear, ou pode se caracterizar pela presença dos avôs, tios e outros parentes, constituição que chamamos de família extensa. Essas famílias têm uma relação de pertença (por aliança ou filiação), e seus membros vivem uma circularidade permanente de emoções e afetos tanto positivos quanto negativos e um envolvimento vital entre seus membros. Nessa perspectiva, de acordo com Relvas (1996, p. 17), “a família terá que resolver com sucesso duas tarefas, também a elas essenciais: a criação de um sentimento de pertença ao grupo e individuação e autonomia de seus membros”. A estrutura da família é reforçada pelas regras que ela cria para a sua organização e por uma estrutura hierárquica. Para regular o contato com os outros, a família demarca fronteiras interpessoais caracterizadas como barreiras invisíveis entre os seus membros e entre elese o mundo externo. Essas fronteiras podem ser rígidas, difusas ou ainda claramente definidas, agindo, neste último caso, como facilitadoras de intercâmbio entre os seus membros. Essa é uma síntese das características da família dita como família tradicional. Mas, o que está ocorrendo nas famílias em nossos dias? Uma das primeiras mudanças observadas é a das separações conjugais. Enquanto numa sociedade tradicional o casal se une “até que a morte os separe”, numa sociedade moderna o casal se mantém unido enquanto o amor durar ou até que apareça a primeira situação-problema, que poderá desestruturar a dinâmica do casal, levando-os a questionar a sua união. Nessa perspectiva, novas configurações e arranjos conjugais estão surgindo, desafiando uma ordem pré-estabelecida, o que leva, muitas vezes, a família a ser vista como um grupo em mutação. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 137 Vemos surgir o declínio da família tradicional, a perda da autoridade e da respeitabilidade paternas, antes mais verticalizadas e hierarquizadas. Hoje temos uma família considerada mais democrática, mais horizontalizada e fundamentada no amor. Por ser o amor um sentimento frágil que deve ser conquistado no dia a dia, essa conquista só surge muitas vezes antes do casamento. Quem se casa o faz por acreditar que vai dar certo, que terá uma bela família, e muitas são as expectativas criadas em torno da vida conjugal e familiar. Vemos igrejas e cartórios com agendas cheias de solicitações para realização de enlaces conjugais. Mas o casamento durável e estável exige grandes sacrifícios, que nem sempre os cônjuges estão dispostos a fazê-lo. As pesquisas que estudam as famílias constatam a perda paulatina do poder do pai e do seu papel de provedor, que passam a ser divididos com a esposa, mãe de seus filhos. Hoje, até no Direito se enfatiza a diferença entre o pai biológico (aquele que gera o filho) e o pai afetivo (aquele que educa, proporciona afeto). Com as novas configurações familiares, os conceitos de pai e de mãe se confundem, como no caso das famílias constituídas por casais homossexuais. O aumento da monoparentalidade materna, quando a família é constituída pela mãe e por seus filhos, está em ascensão segundo as estatísticas do IBGE. A hierarquia se inverte em muitos campos domésticos. Hoje os filhos sabem mais que seus pais e seus avôs, por exemplo, no campo da informática. A nova geração é denominada de nativos, e as gerações anteriores de imigrantes para essas novas tecnologias. Os nativos se apropriam da nova cultura desde muito cedo, já os imigrantes saem de uma cultura antiga e têm que aprender a nova, muito diferente da sua. Essa “incompetência” dos pais transforma a hierarquia das interações entre eles e os filhos nesse campo, podendo refletir também em outros campos interacionais. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 138 Outro exemplo de hierarquia invertida é o desejo exacerbado de eterna juventude por parte da geração dos pais, que têm dificuldade de aceitar o seu próprio envelhecimento, procurando agir e viver como os filhos jovens. Essas transformações podem gerar fragilidade quando rompem o equilíbrio entre as gerações, caso não haja respeito, solidariedade e confiança. 7. A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA DEFICIÊNCIA: ESTRUTURA E DINÂMICA No contexto atual, no qual a família procura sobreviver, encontra-se a família com filhos com necessidades educacionais especiais, que participam do movimento inclusivo, dentro de uma Perspectiva da Educação Inclusiva, promovida pelo Governo Federal, de acordo com as políticas Nacionais de Educação para Todos e de uma Escola de acesso a todos. Mais do que os problemas enfrentados pela família de um modo geral, as famílias que têm em sua constituição um de seus membros com deficiência (necessidades educacionais especiais) enfrentam inúmeros desafios. O casal cria expectativas em relação ao seu filho que vai nascer, e quando essa expectativa não se realiza (particularmente se esta é severa), o impacto causado pode ser muito grande, e as interações que se estabelecem na família podem, com frequência, produzir intensa ansiedade e frustração, levando ao fortalecimento das relações familiares ou à sua desestabilização. Famílias resilientes lidam melhor com a situação inesperada do que as outras famílias, que em geral, são menos preparadas para aceitar e lidar com a situação. Gosselin e Gagnier (2009), em sua pesquisa com avôs de crianças com deficiência intelectual, apontam a importância dos avôs na aceitação dessas crianças na família. A estrutura e a dinâmica nessas famílias têm muitas vezes que ser readaptadas às novas condições de vida de seus membros, e os pais devem ficar atentos aos outros MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 139 filhos, que não têm uma deficiência, pois estes podem desenvolver outros tipos de deficiência, no âmbito psicológico. Novas regras são estabelecidas entre os membros da família, novas fronteiras são organizadas e surgem novas formas interacionais. Não é raro surgirem segredos, quando a família procura negar o evento não aceito, sobretudo pelos adultos. O contexto familiar no qual a criança com necessidades educacionais especiais se desenvolverá é importante não só para ela, como para todos os membros da família. 7.1. A família integrada por pessoas com deficiência A família, como já afirmado, tem sido reconhecida como um sistema essencial para o desenvolvimento dos seus membros, exercendo um papel preponderante na promoção dos direitos humanos e na inclusão social das pessoas com deficiência como primeiro universo social da criança. Sua influência torna-se muito significativa, devido, principalmente, à natureza emocional e afetiva que caracteriza suas relações singulares (SILVA; DESSEN, 2001). Para Dessen e Lewis (1998) o desenvolvimento das pessoas está associado ao desenvolvimento de suas famílias, tendo em vista a qualidade das interações e a profundidade das relações que caracterizam o contexto familiar. A Convenção sobre os Direitos das pessoas com Deficiência afirma a importância da família, preconizando no seu preâmbulo, item X: o Convencidos de que a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito a receber a proteção da sociedade e do Estado e de que as pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência [...]. (BRASIL, 2007, p. 17) MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 140 A teoria e a pesquisa de abordagem sistêmica defendem que a família é um sistema aberto de influência mútua, em que o comportamento de um membro influencia e é influenciado pelo comportamento de todos os demais (MINUCHIN, 1982). Dificuldades vivenciadas por um filho podem mobilizar todos os membros da família e requererem desse sistema flexibilidade e capacidade de se reestruturar para continuar atendendo às suas necessidades (ZARANZA, 2008). Nesse sentido, considerando famílias integradas por filhos(as) com deficiência, Fávero (2005)identificou reações de seus membros em diferentes aspectos, dentre os quais podem ser destacados: As características físicas que os(as) filhos(as) podem apresentar em seu fenótipo, A estranheza provocada pelo seu comportamento, A dificuldade dos pais para exercer outros papéis (conjugal ou de pais dos demais filhos) bem como em dedicar-se à carreira profissional ou cuidar de si mesmos. Em estudo sobre autismo, a autora identificou aspectos que as famílias associaram à condição de seus filhos: Comportamental (estereotipias e falta de limites); Discriminação da sociedade; Situação pessoal (falta de tempo para si, para o companheiro(a) e para os outros filhos); Restrições sociais (ausência de diversão, dificuldades de aceitação pelas escolas, dentre outros); Vivências familiares (excesso de papéis desempenhados pelos membros e dificuldade de cuidar da família como um todo e de cada um de seus membros). Especialistas na área identificam outros aspectos que dificultam a dinâmica familiar. Dentre eles, o acesso tardio da criança com deficiência à escola, bem como a demanda de atuação da família no sentido de propiciar o crescimento e o MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 141 desenvolvimento de todos os seus membros, proporcionando-lhes um ambiente estimulador e de interações e relações saudáveis. Grotberg (2006) considerou dificuldades relacionadas ao diagnóstico tanto da realização do processo como dos modos de comunicação, dando ênfase às emoções que o acompanham. Relacionou também medidas de intervenção e de apoio à família e modos de promover sua resiliência. Para a autora, famílias integradas por filhos com desenvolvimento “atípico” (termo que emprega) têm seu curso alterado, devido às incertezas sobre sua felicidade, saúde e independência. A família precisa dedicar-lhes tempo e atenção adicional de longo prazo, demandando apoio em, pelo menos, uma das seguintes áreas: educativa, social, física, de saúde, atenção psicológica/emocional. Modelos teóricos adotados pela Psicologia, de concepções sistêmicas e contextualistas sobre família, consideram os seguintes aspectos na dinâmica das relações familiares em geral: A família como fonte de recursos, como mecanismo protetor para lidar com condições adversas; A existência de mecanismos de vulnerabilidade da família diante de situações de risco ao longo do ciclo de vida familiar; O estresse vivido pelas famílias com membro(s) em situação de deficiência e seu confronto com modelos de competências que põem em evidência os efeitos dos eventos estressores em relação às estratégias de enfrentamento que adotam; O ciclo de desenvolvimento familiar com suas particularidades, a exigir da família criatividade, dinamismo e competências para lidar com as novas situações que vão surgindo sucessivamente. Por sua vez, no caso de famílias integradas por pessoa(s) com deficiência, as parcerias são importantes nos processos de intervenção, de modo que o intercâmbio entre profissionais e familiares potencialize as medidas de enfrentamento dos MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 142 desafios que se associam às condições da deficiência, a exemplo dos seguintes aspectos: Vivência de conflitos e dificuldades relacionadas à história da família e da pessoa com deficiência: diagnóstico (modo de transmitir a informação aos pais, precisão do processo, natureza do prognóstico, diagnóstico precoce ou tardio, dentre outros); Condições de desenvolvimento da criança anteriores ao ingresso na escola e durante o processo de escolarização; Condições próprias do desenvolvimento pessoal e social da pessoa ao longo do ciclo de vida; Importância das relações interpessoais, intrafamiliares e comunitária. A Psicologia enfatiza a influência positiva de emoções, habilidades e instituições como democracia, liberdade de expressão, entidades, etc. para o fortalecimento das famílias e de sua resiliência. Valoriza o protagonismo familiar e ressalta a importância da família como parceira e alvo de atenção, mediante a promoção da autoestima e a motivação do núcleo familiar, bem como estratégias que favoreçam o fortalecimento de suas competências como grupo e individualmente. Considera que a diversidade de situações, concepções e significações dentro da família tem impacto sobre seu funcionamento e dinâmica, contribuindo para a formação de laços e de resiliências da família como contexto constituinte de seus membros (MARQUES, 2000). Frente a essa realidade, algumas propostas de investigação científica, que se fundamentam nos pressupostos de que o fortalecimento e a resiliência da família integrada por um ou mais membros com deficiência contribuem para que alcancem maior autonomia, autocompetência e adaptabilidade (tanto internamente quanto socialmente), e que os processos de intervenção têm um papel importante nessa construção. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 143 Defende-se, ainda, que os pais são construtores ativos das significações do núcleo familiar e que necessitam de apoio mútuo e, muitas vezes, externo para sua constituição subjetiva e interpessoal. 8. DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E FAMÍLIA: IMPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA Durante a antiguidade, as crianças deficientes eram abandonadas ao relento (Aranha, 1995; Casarin, 1999; Pessoti, 1984; Schwartzman, 1999). Esta atitude era congruente com os ideais morais da sociedade clássica e classista da época, em que a eugenia e a perfeição do indivíduo eram extremamente valorizadas. Segundo Pessoti (1984), em Esparta, crianças portadoras de deficiências físicas ou mentais eram consideradas subhumanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono (p. 3). Na Idade Média, a deficiência era concebida como um fenômeno metafísico e espiritual devido à influência da Igreja; à deficiência era atribuído um caráter ou “divino” ou “demoníaco” e esta concepção, de certa forma, conduzia o modo de tratamento das pessoas deficientes. Com a influência da doutrina cristã, os deficientes começaram a ser vistos como possuindo uma alma e, portanto, eram filhos de Deus. Desta forma, não eram mais abandonados, mas, sim, acolhidos por instituições de caridade. Ao mesmo tempo em que imperava esse ideal cristão, os deficientes intelectuais eram considerados como produtos da vida que levava as suas famílias. Ao longo das gerações muitos conceitos foram atribuídos às pessoas com DI e consequentemente muitas formas de tratamento foram dispensadas a essas pessoas. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 144 8.1. Deficiência Intelectual: Conceituação e Caracterização É importante conhecer as ideias que norteiam a concepção acerca da deficiência intelectual em cada período histórico, para que possamos compreender melhor o lugar da criança com DI na sociedade contemporânea. Para isso, recorremos a dois autores, cujas ideias resumimos a seguir. O primeiro: a união entre a mulher e o demônio, o que justificava a queima de ambos, mãe e criança (Schwartzman, 1999). Além dessa prática, usava-se tambémoutras mais “amenas” como punições, torturas e diversos tipos de maus-tratos no lidar com essas pessoas (Aranha, 1995). Era essa a postura da sociedade daquela época, em que a ambivalência caridade- castigo constituía, de acordo com Pessoti (1984, p. 6) a marca definitiva da atitude medieval diante da deficiência intelectual. No final do século XV, houve a revolução burguesa e, com ela, uma mudança na concepção de homem e de sociedade, o que proporcionou também uma mudança na concepção de deficiência. Esta passou a ter uma conotação mais direta com o sistema econômico que se propunha, sendo considerada atributo dos indivíduos não produtivos economicamente. Além disso, com o avanço da medicina, houve uma prevalência da visão organicista sobre a DI, sendo esta vista como um problema médico e não mais, apenas, como uma questão espiritual. Nos séculos XVII e XVIII, ampliaram-se as concepções a respeito da deficiência em todas as áreas do conhecimento, favorecendo diferentes atitudes frente ao problema, isto é, da institucionalização ao ensino especial. Mas, foi somente no século XIX que se observou uma atitude de responsabilidade pública frente às necessidades da pessoa com deficiência. No século XX, houve uma multiplicação das visões a respeito da pessoa com deficiência, com a prevalência de vários modelos explicativos: o metafísico, o MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 145 médico, o educacional, o da determinação social e, mais recentemente, o sócio-construtivista ou sóciohistórico (Aranha, 1995). Segundo Nunes e Ferreira (1994), apesar da existência desses modelos, a deficiência intelectual ainda continua sendo considerada como um fenômeno que ocorre no sujeito; portanto, ele é o portador da deficiência. A análise histórico-crítica do conceito de deficiência proposta por Aranha (1991, 1995) rompe com as visões tradicionais e mecanicistas. Essa autora ressalta a importância dos ideais e pressupostos que o sistema sócio-econômico (capitalista) possui na construção da deficiência, uma vez que esta é tratada como sendo sinônimo de improdutividade e desvio. No sistema capitalista, a produção é exigida igualmente para todos os indivíduos e aqueles que não conseguem atingir as expectativas dos detentores da produção são vistos como desviantes, estando a condição de deficiência incluída nesta categoria. Para essa autora, a deficiência é multideterminada por fatores que, aliados aos valores do sistema vigente na sociedade, levam à segregação e estigmatização dos indivíduos deficientes. Estes, por sua vez, são considerados incapazes e fracos, pois não se enquadram nos moldes produtivos do sistema capitalista. Portanto, a deficiência é vista como uma condição desvalorizada em nosso contexto social. O rótulo de deficiente intelectual apresenta, por sua vez, uma dupla função, isto é, a de determinar como a pessoa com DI vai se comportar na sociedade e, também, os padrões de conduta dos outros ao interagirem com esta pessoa (Glat, 1995). Esta ideia coloca em evidência a questão de que a deficiência é construída pelo contexto social em que a pessoa vive. Segundo Omote (1995), o deficiente intelectual é uma pessoa que possui algumas limitações em suas capacidades e desempenhos; porém, há outras pessoas em nossa sociedade que também são limitadas e que não são consideradas deficientes. Esse autor afirma que: MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 146 ... o nome ‘deficiente’ refere-se a um status adquirido por estas pessoas. Daí, temos preferido utilizar o termo ‘pessoa com deficiência’ a utilizar o termo ‘pessoa portadora de deficiência’. Nesse modo de encarar a deficiência, uma variável crítica é a audiência, porque é ela que, em última instância, vai determinar se uma pessoa é deficiente ou não. (p. 57) Atualmente, utiliza-se o termo “necessidades educacionais especiais”, incluindo todas as crianças avaliadas como apresentando algum tipo de necessidade especial; porém, este conceito, apesar de muito abrangente, perde na precisão e pode estar significando a incorporação de um grande número de crianças, sobre as quais temos grandes dúvidas se teriam, efetivamente, algum tipo de necessidade especial (Bueno, 1997, p. 41). Outra noção construída socialmente e que merece ser destacada aqui, por estar impregnada na própria noção de deficiência intelectual, refere-se à posição de desviante. Para Omote (1995) e Martins (1996), a concepção de desvio tem uma relação direta com as práticas coletivas no trato com as pessoas deficientes. Segundo Glat (1995), a rejeição da sociedade às pessoas com deficiência intelectual reflete a própria fragilidade social, pois tudo que é diferente e anormal, chama a atenção e pode causar variadas reações. Para Crochík (1997), a “diferença” é parte inerente ao conceito de deficiência e traz em si mesmo a possibilidade do preconceito, uma vez que este caracteriza-se pela aversão ao diferente. Contudo, essa diferença poderia não traduzir esta forma de preconceito se ela (a diferença) fosse reconhecida como fazendo parte da essência humana. Para Biklen e Duchan (1994), os comportamentos julgados como desviantes advêm de uma concepção de DI pautada pelo modelo médico, o qual classifica os indivíduos em categorias diagnósticas baseadas em seus sintomas e na estrutura psicológica que presume que o comportamento reflete habilidades fixas (p. 173). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 147 Essa noção de desvio é congruente com os pressupostos de normalidade que são adotados como comparativos à deficiência intelectual. Esses autores fazem uma crítica a essa visão normativa de DI, em que as pessoas não deficientes (“normais” ou pessoas não deficientes) são consideradas como parâmetro de comparação e diagnóstico da deficiência intelectual. Alguns estudos destacam o caráter orgânico como causa da DI; dentre eles os trabalhos de Burack, Hodapp e Zigler (1988) e de Simonoff, Bolton e Rutter (1996). O primeiro deles enfatiza a existência de dois grupos distintos de indivíduos deficientes intelectuais: A. Aqueles que possuem uma etiologia orgânica conhecida e B. Aqueles cuja deficiência se deve a fatores culturais e familiares. Apesar da existência de diversas causas, grande parte dos registros de deficiência intelectual não possui uma causa conhecida (Kovács, 1992). Mesmo assim, o fator orgânico ainda predomina em muitas concepções de deficiência intelectual, prevalecendo, nos diversos espaços institucionais, as visões clínica e patológica da DI como enfoque central no lidar com as pessoas com deficiência intelectual. Diante desse contexto, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) adotou um enfoque multidimensional para a caracterização da DI, inspirado no modelo proposto pela Associação Americana de Deficiência Mental (AAMR), incluindo a função intelectual e as habilidades adaptativas, a função psicológico-emocional, as funções física e etiológica e o contexto ambiental (MEC, 1995). Este modelo enfatiza a funcionalidade do sujeito e o aspecto orgânico da deficiência, o que não deixa de estar coerente com as concepções que prevalecem na nossa sociedade, as quais refletem os valores estabelecidos pelo sistema vigente, conforme ressaltado por Aranha (1991, 1995). Assim, observamos que aindahá questões que precisam ser aprofundadas com relação ao conceito de DI. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 148 Apesar dos esforços de alguns autores, o discurso da maior parte dos órgãos públicos e dos programas de formação de pessoal mostra que a DI continua sendo considerada como estando dentro do indivíduo, descontextualizada e sem nexo social (Nunes & Ferreira, 1994), quando, na verdade, este conceito deveria englobar o contexto sócio-econômico e político de nossa época, bem como as influências culturais que estão presentes na construção deste sujeito concreto. Neste sentido, é importante compreendermos qual o tipo de relação que a criança estabelece com o seu ambiente, em cada momento de seu desenvolvimento global. 9. A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE E DA CULTURA PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Uma das características distintivas dos seres humanos em relação a outros animais é a sua capacidade de habitar e desenvolver-se em um ambiente organizado culturalmente através de suas crenças, valores e padrões sociais. É nesse ambiente que a criança se desenvolve e adquire suas habilidades e é, também, nesse meio social que se dá a construção da deficiência intelectual. 9.1. O ambiente e o desenvolvimento infantil O papel que o ambiente representa no desenvolvimento infantil varia muito, dependendo da idade da criança. À medida que esta se desenvolve, seu ambiente também muda e, consequentemente, a sua forma de relação com este meio se altera. Assim, para o recém-nascido, o mundo que se relaciona imediatamente com ele é um mundo limitado e ligado aos fenômenos conectados ao seu corpo e aos objetos que o rodeiam. Depois, gradualmente, este mundo começa a se ampliar, embora ainda se trate de um mundo restrito que inclui a sala, o quintal próximo e a rua onde ele vive. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 149 Quando o bebê começa a andar, seu ambiente se expande e novos relacionamentos são formados entre a criança e as pessoas que a circundam (Vygotsky, 1994, p. 339). Portanto, o ambiente é mutável e dinâmico, não devendo ser encarado como uma entidade estática e periférica em relação ao desenvolvimento humano. É dentro desse contexto que inserimos a nossa criança com deficiência, a qual apresenta limitações em suas capacidades, porém sem estar imune às transformações de seu ambiente. O ambiente possui as fontes necessárias para o desenvolvimento da criança, bem como apresenta traços humanos específicos que são característicos do desenvolvimento social e histórico da humanidade (Vygotsky, 1994). Na concepção desse autor, o ambiente já possui uma forma apropriada, a qual deve estar em relação com a forma rudimentar da criança, para que o desenvolvimento possa ocorrer sem falhas. Se uma forma ideal apropriada não é encontrada no ambiente, se não há uma interação da criança com esta forma, então, surge a possibilidade de um fracasso em algum aspecto do desenvolvimento infantil. A relação entre o ambiente e o desenvolvimento humano é também enfatizada por Bronfenbrenner (1996), para quem a pessoa é concebida como um todo funcional onde os diversos processos psicológicos – cognitivo, afetivo, emocional, motivacional e social – relacionam-se de forma coordenada um com o outro. Para ele, existem conexões sociais entre os vários ambientes, incluindo a participação conjunta, a comunicação e a existência de informações a respeito do outro, em cada ambiente. Isto permite que a pessoa no microsistema familiar, por exemplo, possa ser influenciada por todos os outros sistemas e se desenvolva nessa interação. Os genitores e sua criança têm acesso ao ambiente, sobretudo, através das crenças e das normas construídas pela cultura, as quais medeiam a relação entre eles. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 150 Existem diferentes culturas e cada qual caracteriza-se por seu código de valores e crenças específicas. O modo como a criança pensa e usa uma habilidade intelectual depende dos modelos culturais de competência, enquanto o que ela sente e como atua em direção às pessoas com as quais possui vínculo depende dos modelos culturais de relações interpessoais (LeVine, 1989, p. 57). Nesse sentido, não há diferenciação entre crianças DI e crianças não DI, pois ambas estão inseridas nesse processo de transmissão cultural, encontrando-se em contínua interação com o meio social. A diversidade cultural propicia a construção de diferentes modos de criação e educação de crianças. Porém, os genitores possuem, também, objetivos universais em relação aos filhos, que independem da cultura em que estão inseridos, tais como a saúde da criança, a sobrevivência física e sua satisfação pessoal e auto-realização (Sinha, 1995). No entanto, o nascimento de uma criança com DI pode provocar várias reações e sentimentos dentro da família, bem como mudar a estrutura familiar estabelecida antes de seu nascimento. A literatura tem demonstrado uma grande variedade de reações e sentimentos vivenciados pela família, sugerindo que cada uma apresenta recursos diferentes para enfrentar as dificuldades com suas crianças deficientes. 9.2. A família como contexto de desenvolvimento para a criança com deficiência intelectual A família constitui o primeiro universo de relações sociais da criança, podendo proporcionar-lhe um ambiente de crescimento e desenvolvimento, especialmente em se tratando das crianças com deficiência intelectual, as quais requerem atenção e cuidados específicos. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 151 A influência da família no desenvolvimento de suas crianças se dá, primordialmente, através das relações estabelecidas por meio de uma via fundamental: a comunicação, tanto verbal como não verbal. Como afirmam Rey e Martinez (1989), a família representa, talvez, a forma de relação mais complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme carga emocional das relações entre seus membros (p. 143). A gama de interações e relações desenvolvidas entre os membros familiares mostra que o desenvolvimento do indivíduo não pode ser isolado do desenvolvimento da família (Dessen & Lewis, 1998). A família constitui um grupo com dinâmicas de relação muito diversificadas, cujo funcionamento muda em decorrência de qualquer alteração que venha a ocorrer em um de seus membros ou no grupo como um todo. Para Kreppner (1992), a rede de relações da família possui características específicas de unicidade e complexidade, constituindo um contexto em desenvolvimento. Segundo este autor, a complexidade das relações familiares pode, também, ser entendida por meio da perspectiva da família como um ambiente não compartilhado, onde as relações desenvolvidas entre seus membros geram experiências diferenciadas para cada um. Portanto, cada membro da família vivencia, de maneira particular, a chegada de uma criança com deficiência. O impacto sentido pela família com a chegada de uma criança com algum tipo de deficiência é intenso. Segundo Brito e Dessen (1999), esse momento é traumático, podendo causar uma forte desestruturaçãona estabilidade familiar. O momento inicial é sentido como o mais difícil para a família (Petean, 1995), a qual tem que buscar a sua reorganização interna (Taveira, 1995) que, por sua vez, depende de sua estrutura e funcionamento enquanto grupo e, também, de seus membros, individualmente. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 152 A família passa, então, por um longo processo de superação até chegar à aceitação da sua criança com deficiência intelectual: do choque, da negação, da raiva, da revolta e da rejeição, dentre outros sentimentos, até a construção de um ambiente familiar mais preparado para incluir essa criança como um membro integrante da família. Segundo Casarin (1999), a reorganização familiar fica mais fácil quando há apoio mútuo entre o casal. Nesse caso, o ambiente familiar pode contribuir para o desenvolvimento e crescimento da criança DI. Contudo, o ambiente pode também dificultar essa reorganização interna da família, principalmente porque o nascimento de uma criança, por si só, já acarreta alterações que constituem um desafio para todos os membros familiares (Dessen, 1997; Kreppner, 1989, 1992). As famílias restabelecem o seu equilíbrio de maneira variada, dependendo dos recursos psicológicos utilizados para tal fim. Gallimore, Coots, Weisner, Garnier e Guthrie (1996) mostram que as adaptações das famílias de crianças pré-escolares com atraso no desenvolvimento apresentam um panorama misto de continuidades e mudanças em seus padrões de interação até a segunda infância da criança. De acordo com estes autores, em todas as idades, a adaptação da família está relacionada às características da criança, as quais exercem um impacto direto na rotina diária dos membros familiares. São muitas as variáveis que afetam o desenvolvimento da criança: Para Zamberlan e Biasoli-Alves (1996), tanto fatores macrosistêmicos – renda familiar, grau de instrução dos pais e profissão, como microsistêmicos – qualidade das interações e relações entre os membros familiares e pessoas próximas, particularmente no que tange às práticas psicossociais de cuidados implementadas nesses contextos, associam-se na promoção de um desenvolvimento adequado e saudável da criança. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 153 Aprofundar o conhecimento sobre o funcionamento de famílias de crianças deficientes intelectuais constitui um caminho promissor para a compreensão do desenvolvimento destas crianças e de sua adaptação ao meio. Assim, destacamos, a seguir, algumas pesquisas que descrevem aspectos das relações dessas crianças com suas famílias. 9.3. Pesquisas Sobre Crianças com DEFICIÊNCIA INTELECTUAL no Contexto Familiar: Um Panorama Geral Neste tópico, apresentamos os resultados de algumas pesquisas conduzidas com crianças com deficiência intelectual e suas famílias. Primeiramente, focalizamos estudos referentes aos sentimentos e estado emocional dos genitores em relação à sua criança DI. Em seguida, enfatizamos alguns trabalhos que descrevem os efeitos dessas crianças no contexto familiar, incluindo os problemas de comportamento apresentados por elas. Finalmente, tecemos algumas considerações sobre a importância das interações e relações das crianças DI com seus genitores. 9.3.1. Sentimentos, estresse e expectativas de pais e mães de crianças com Deficiência Intelectual. Os sentimentos dos genitores em relação à sua criança com deficiência constituem fatores preponderantes para a adaptação e o bem-estar da família. Segundo Leary e Verth (1995), as mães de seu estudo relataram mágoa e sofrimento em relação à difícil situação de suas crianças deficientes intelectuais. A culpa foi também relatada por essas mães, porém, com uma frequência menor. No estudo de Ali, Al-Shatti, Khaleque, Rahman, Ali e Ahmed (1994), esse sentimento foi relatado tanto pelos pais como pelas mães, os quais se responsabilizavam pela deficiência intelectual de suas crianças. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 154 Em geral, as pressões vindas do meio social geram sentimentos desagradáveis, levando os genitores a limitarem as atividades culturais de seus filhos deficientes, bem como os contatos com amigos, parentes e vizinhos (Ali & cols., 1994; Brito & Dessen, 1999). Ali e seus colaboradores identificaram vários fatores que poderiam constituir uma sobrecarga para os genitores, como: a) O tempo – os genitores gastam muito tempo no cuidado e atenção às suas crianças deficientes, reduzindo seus contatos sociais e culturais; b) Os recursos financeiros – os genitores arcam financeiramente com a maioria dos atendimentos à sua criança; c) Os limites sociais e psicológicos – as atitudes da sociedade em relação às pessoas com deficiência intelectual, geralmente, não são positivas. Alguns estudos demonstram níveis altos de estresse em genitores de crianças DI, com as mães apresentando níveis superiores aos dos pais (Dyson, 1997; Hornby, 1995; Lamb & Billings, 1997; Sloper & cols., 1991). Devido ao fato de as mães ficarem, geralmente, responsáveis pela maior parte dos cuidados adicionais dispensados à criança DI, elas tendem a relatar níveis mais altos de estresse. Em contraposição os pais relatam, frequentemente, menor satisfação com a vida familiar, como um resultado de demandas extras de acomodação à criança deficiente. Os resultados de Hornby revelam que o estresse experienciado pelos pais de crianças com Síndrome de Down está relacionado ao status empregatício, à satisfação marital e as variáveis de personalidade, apresentando uma relação inversa com o nível educacional e a condição financeira. Já os dados de Dyson mostram que o estresse parental está relacionado à própria avaliação do genitor e do seu cônjuge a respeito do funcionamento da família, em aspectos como educação, promoção do crescimento pessoal e habilidade para manter o sistema familiar. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 155 Portanto, tanto variáveis internas como externas colaboram para aumentar o estresse vivenciado pelos genitores e exercem, direta ou indiretamente, influência nas interações e relações familiares. Nem sempre os genitores adotam uma forma adequada para lidar com as situações advindas de se ter uma criança deficiente na família, mostrando-se ora condescendentes, ora impacientes e, às vezes, revelando atitudes de depreciação em relação ao próprio filho (Petean, 1995). As estratégias de enfrentamento adotadas por eles são diversificadas. As mais utilizadas, segundo Rodrigue, Morgan e Geffken (1992), são a procura por informações sobre a deficiência e as fantasias de satisfação de desejos, de como eles poderiam lidar com as situações difíceis e de como seria o progresso no desenvolvimento de sua criança. Lamb e Billings (1997) afirmam que os pais frequentemente têm expectativas mais altas em relação aos filhos do que às filhas; eles ficam particularmente desapontados quando um filho é diagnosticado como tendo DI (p. 181). Porém, Hornby (1995) não encontrou diferença significativa com relação à adaptação dos pais de meninos e meninas com Síndrome de Down.Esses dados mostram a necessidade de pesquisas sobre os aspectos psico- emocionais dos genitores de crianças DI. 10. COMO A FAMÍLIA PERCEBE SUA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL? Considerando a perspectiva do funcionamento da família, Carr (1988) efetuou um estudo longitudinal com uma amostra de 41 crianças com Síndrome de Down e 30 não deficientes, que foram acompanhadas em sete ocasiões, desde a sexta semana de vida até os quatro anos de idade e, novamente, aos 11 e aos 21 anos. Foi enviado, também, por correio, um questionário às famílias das crianças com Síndrome de Down quando elas completaram 16 anos de idade. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 156 Este estudo visou investigar aspectos do desenvolvimento cognitivo e acadêmico da criança, além dos aspectos relativos ao funcionamento da família. A respeito deste último, foram analisadas duas categorias gerais: A) O manejo prático da criança, englobando as habilidades para a realização de atividades diárias (tomar banho, enxugar-se, vestir-se etc.), o manejo dos comportamentos da criança e o consequente monitoramento por parte dos pais; B) Os efeitos da criança sobre a família como um todo, particularmente sobre os irmãos e o casamento dos pais. Os resultados mostraram que as mães consideram que, aos 21 anos, os filhos são mais fáceis de manejar, sendo o domínio das habilidades apropriadas para a realização das atividades diárias visto como significativo, tanto para a família como para o deficiente em questão. Nenhuma desvantagem advinda do fato de se ter uma criança com Síndrome de Down na família foi constatada, principalmente em relação aos efeitos sobre os irmãos. No entanto, esses dados são contraditórios aos encontrados por Turnbull e Ruef (1996), em uma amostra de famílias que possuía uma criança com deficiência intelectual. Segundo esses autores, seus respondentes afirmaram haver problemas específicos de relacionamento entre irmãos e, também, em relação à família extensa, principalmente nos casos de crianças com deficiência intelectual que apresentavam problemas de comportamento. Os genitores dessas crianças relataram que permaneciam 24 horas por dia “a serviço” da criança: em supervisão, intervenção e tentativas para prevenir os seus problemas de comportamento. No estudo de Leary e Verth (1995), 45% das mães de crianças com deficiência intelectual relataram que seus outros filhos aceitavam inteiramente a criança com MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 157 deficiência, enquanto 27% percebiam problemas de comportamento, que foram atribuídos à presença da criança deficiente. Já Cuskelly e Dadds (1992) apontaram a depressão como um problema de comportamento frequentemente observado nos irmãos das crianças com Síndrome de Down, e Bagenholm e Gillberg (1991), por sua vez, descreveram as percepções dos irmãos de crianças DI, autistas e crianças não deficientes, na perspectiva dos próprios irmãos. Os resultados mostram que todos eles foram positivos em suas expressões ao se referirem a seus irmãos com deficiência, embora 65% dos irmãos do grupo de DI não soubessem explicar o porquê de seu irmão ser diferente dos outros. Não foram relatados problemas de solidão entre os irmãos das crianças DI, embora no grupo de autistas, 35% tenham relatado sentir solidão. Os dados também revelam que os irmãos do grupo de crianças DI brincavam mais que os outros grupos de irmãos. Os estudos realizados com o pai de crianças DI são escassos (Herbert & Carpenter, 1994; Hornby, 1995; Rodrigue & cols., 1992). A maioria deles procura enfatizar a percepção do pai a respeito de sua criança; no entanto, há outros estudos cuja ênfase é dada ao engajamento do pai na vida familiar. O estudo de Rodrigues e seus colaboradores, por exemplo, descreve a adaptação psicossocial de pais de crianças com autismo, Síndrome de Down e com desenvolvimento normal, evidenciando maiores desequilíbrios no planejamento familiar nas famílias de crianças com autismo e síndrome de Down e, também, um crescente desajuste financeiro por causa dessas crianças. Esses pais revelaram, ainda, níveis de competência parental, satisfação marital e apoio social compatíveis àqueles relatados pelos pais de crianças com desenvolvimento normal. Segundo Sloper e seus colaboradores (1991), para os pais de crianças deficientes, a qualidade do relacionamento marital está, primordialmente, relacionado à satisfação com a vida e com a família como um todo. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 158 Os pais de sua amostra sentiam-se mais satisfeitos com a paternidade, porém, apresentavam baixos níveis de satisfação financeira, sugerindo que os efeitos da criança sobre eles eram menores que os efeitos ambientais externos. Esses autores concluíram que fatores como a criança, o ambiente social e os aspectos parentais interagem, produzindo a satisfação e o estresse familiar. Contudo, para as mães, os fatores como baixa resistência e alta excitabilidade da criança estão fortemente relacionados à baixa satisfação com a vida. Com relação aos problemas de comportamento apresentados por crianças DI, a literatura é relativamente vasta (Cuskelly & Dadds, 1992; Leary & Verth, 1995; Lemanek, Stone & Fishel, 1993; Turnbull & Ruef, 1996). Os problemas de comportamento relatados são, em geral, diversificados e dependem do tipo de deficiência e do grau de comprometimento da criança. Por exemplo, as crianças com síndrome de Down, no estudo de Cuskelly e Dadds, apresentaram mais problemas de comportamento que seus irmãos, destacando-se os problemas de atenção e imaturidade. Já Turnbull e Ruef encontraram crianças deficientes intelectuais com problemas comportamentais mais graves, tais como agressão a outros, comportamentos de destruição e de auto lesão, entre outros. Para Cuskelly e Dadds (1992), há divergências entre as percepções da mãe, do pai e da professora quanto aos problemas de comportamento observados em meninas e meninos DM. Segundo as mães, meninos e meninas apresentam os mesmos tipos e intensidades de problemas; porém, para os pais, são as meninas que apresentam mais problemas, enquanto a professora sente mais dificuldades em lidar com os meninos. Para esses autores, as percepções parentais e da professora não explicam, por si só, a complexidade da questão e não devem ser consideradas determinantes na classificação do distúrbio da criança. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 159 Para compreender melhor a dinâmica e o funcionamento destas famílias e o processo de desenvolvimento de suas crianças, é preciso, sobretudo, conhecer como se desenvolvem as interações e as relações entre elas e seus genitores e irmãos. 11. ESTUDOS SOBRE INTERAÇÕES DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL COM SEUS GENITORES As interações desenvolvidas no microsistema familiar são, provavelmente, as que trazem implicações mais profundas para o desenvolvimento infantil. Os estudos sobre interações familiares de crianças DI são escassos, especialmente no Brasil. Dada a importância do tema e a complexidade das interações e relações para o desenvolvimentodas famílias de crianças DI, Dessen e Pereira-Silva realizaram um estudo sobre as produções científicas nacional e estrangeira a respeito de crianças pré-escolares com deficiência intelectual e suas famílias, confirmando a escassez de estudos nesta área, principalmente em se tratando das interações e relações dos membros familiares em ambiente natural. A análise destas autoras (Dessen & Pereira-Silva) compreendeu o período de 1986 a 1999, sendo realizada uma pesquisa bibliográfica através do Psychological Abstracts e das bases de dados PsyClit e ProQuest, bem como uma consulta aos Anais da Reunião Anual de Psicologia / SBP e às seguintes revistas brasileiras: Cadernos de Psicologia e Educação Paidéia, Psicologia: Reflexão e Crítica, Psicologia: Teoria e Pesquisa, Revista Integração e Temas em Psicologia. Além destas fontes, realizou-se também pesquisa bibliográfica através da internet, junto ao site da Universidade de São Paulo (sistema Dedalus). Foram registrados um total de 304 produções, incluindo artigos teóricos e de pesquisas, teses, livros e capítulos de livros. A “definição de deficiência intelectual” foi o assunto mais enfatizado nos artigos consultados (41%), seguido pelo tema “família e sua criança deficiente intelectual” (33,7%). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 160 As “interações no contexto familiar” foram investigadas com mais frequência (18,7%) que as “interações em outros contextos” (6,6%). Em se tratando do primeiro contexto, as interações entre a mãe e a criança foram mais estudadas (39%) que outras, tais como pai-criança ou criança-irmãos. As autoras (Dessen & Pereira-Silva) concluíram que os artigos publicados no Brasil tratam das “interações no contexto familiar” com menor frequência que os estrangeiros, quadro que precisa ser modificado, principalmente no que se refere à inclusão da figura do pai. Na verdade, há necessidade de implementar pesquisas envolvendo todos os membros da família, isto é, os diversos subsistemas familiares: mãe-criança, pai- criança, criança-irmão, mãe-pai-criança etc., particularmente em se tratando de famílias que possuem uma criança com algum tipo de deficiência, o que por sua vez facilitará as abordagens de orientação e apoio oferecidos pelos profissionais que lidam de forma direta com essa clientela, consequentemente promoverá maiores possibilidades de crescimento global para essas crianças. Diante deste panorama geral, Pereira-Silva (2000) descreveu as interações criança- mãe, criança-pai e criança-mãe-pai, em situação de atividade livre, de seis famílias que possuíam uma criança com síndrome de Down, com idades variando entre dois e três anos e cinco meses. Estas crianças participavam do Programa de Estimulação Precoce oferecido pela Fundação Educacional do Distrito Federal, em Brasília. Para a coleta de dados, foram utilizados três instrumentos: questionário, entrevistas semi-estruturadas e observação direta do comportamento. As sessões de observação foram efetuadas nas residências das famílias, perfazendo um total de 18 sessões de observação, gravadas em videoteipe, com duração média de 9 min. e 51 seg., totalizando 171 min. e 33 seg. de gravação. As filmagens ocorreram durante a realização de “Atividades Livres”, nas situações em que estavam presentes a criança e um ou ambos os genitores. Os dados observacionais foram analisados segundo as atividades realizadas, a estrutura de participação dos membros familiares nas atividades, a iniciativa das MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 161 interações, a qualidade das interações e os comportamentos específicos emitidos pela criança em direção aos genitores e destes em direção à criança. Os genitores engajaram-se mais frequentemente em atividades ‘Lúdicas’ com suas crianças, ‘Brincando com objetos’ e ‘Conversando sobre estímulos presentes’. As atividades foram desenvolvidas, geralmente, em ‘Grupo’, havendo predominância da participação ‘Conjunta’: O pai foi o maior responsável pelo início das interações e foi ele, também, quem mais negociou com a criança durante as mudanças de uma atividade para outra. Estas mudanças ocorreram, frequentemente, de forma ‘Direta’, mais do que pela ‘Dissolução do grupo’. As interações caracterizaram-se pela ‘Sincronia’, ‘Supervisão’, ‘Amistosidade’ e ‘Liderança’. Os genitores emitiram, com mais frequência, o comportamento de ‘Solicitar/Sugerir’ e as crianças responderam, predominantemente, com o comportamento de ‘Rejeitar’, seguido pelo de ‘Obedecer’. Foram pouco frequentes os comportamentos de ‘Ordenar’ e ‘Solicitar/Sugerir’ emitidos pelas crianças, indicando que estas respondiam mais às demandas de seus genitores do que exigiam deles. Os genitores descreveram as suas crianças como sendo birrentas, calmas ou agitadas, irritadas e como tendo facilidades de adaptação ao meio. As expectativas dos genitores em relação ao futuro de seus filhos são de que eles se tornem adultos independentes, estudem, tenham uma profissão e que possam até ter um relacionamento íntimo com uma pessoa do sexo oposto. Os resultados sugerem que, nestas famílias, a MÃE é a maior responsável pelos cuidados e pela transmissão de regras às crianças com síndrome de Down. O PAI, por sua vez, desempenha um papel secundário, envolvendo-se menos com a rotina da casa, embora inicie interações com sua criança com uma frequência similar à da mãe. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 162 Assim, a elaboração de programas preventivos, com ênfase nas interações familiares e no papel do pai, e a implementação de pesquisas incluindo todos os membros familiares contribuiriam para uma melhor compreensão do desenvolvimento das crianças com síndrome de Down ou outras deficiências, e do funcionamento de suas famílias. A compreensão dos aspectos mais amplos que cerceiam as famílias que possuem crianças DI passa por questões relacionadas aos conceitos de deficiência intelectual e de família e sua importância para o desenvolvimento infantil. Com relação ao conceito de deficiência intelectual, verificamos uma multiplicidade de concepções, as quais acabam por não delimitar com clareza o fenômeno que se pretende estudar. Sobre o conceito de família, observamos uma mudança ocorrida ao longo dos anos, indicando que, com o desenvolvimento e mudanças nas sociedades, os estilos de família mudaram. Portanto, considerar a família como uma unidade nuclear tradicional já não satisfaz, tendo em vista as diversas variáveis que se combinam para a caracterização da família atual (Brito & Dessen, 1999; Dessen & Lewis, 1998; Petzold, 1996). As mudanças ocorridas e que vem ocorrendo no contexto social e histórico (Crouter & Seery, 1994) têm acarretado modificações nos diversos padrões de relacionamento dentro do contexto familiar. Além desses aspectos, Menaghan (1994) ainda inclui os fatores econômico e ocupacional como afetando drasticamente as relações familiares, principalmente aquelas entre os genitores e a sua criança. Dada a importância do ambiente para o desenvolvimento da criança, tanto “normal” quanto “deficiente”, no que tange à organização de suas atividades de vida diária e ao processo de estimulação, torna-se fundamental compreender como o ambiente influencia o desenvolvimento dascrianças, principalmente daquelas que apresentam algum tipo de deficiência. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 163 Vygotsky (1994) afirma que a influência do ambiente sobre o desenvolvimento infantil, ao lado de outros tipos de influências, também deve ser avaliada levando em consideração o grau de entendimento, a consciência e o insight do que está acontecendo no ambiente em questão (p. 343). Essa afirmativa traz às nossas mentes indagações importantes do tipo: A criança DI recebe menos influência do ambiente por ter menos condições cognitivas para a compreensão e consciência das situações vivenciadas? Para este autor, as crianças deficientes intelectuais consideradas com quadro global mais severo, que não têm as aquisições cognitivas preservadas, acabam sendo poupadas e protegidas de situações que, para as crianças não deficientes, poderiam causar extremo sofrimento. É interessante destacar que a vivência da criança DI, em comparação à criança não DI, ocorre de forma diferenciada devido às suas limitações, mas isso não significa que os acontecimentos do ambiente não tenham um impacto sobre ela. Na verdade, ainda não há respostas prontas para as indagações que nós nos fazemos, enquanto pesquisadores. O microsistema da família não é o único que precisa ser estudado. Há também o ambiente da escola, que constitui mais um espaço de socialização para a criança com deficiência. Em relação a isso, muito se tem discutido a respeito da inclusão da criança deficiente em ambiente coletivo, mostrando a sua importância e necessidade. Aranha (1995) afirma que, ao impedir a integração social do deficiente, há perdas tanto para a pessoa (deficiente) em desenvolvimento como para a sociedade. Com isto, todos perdemos em consciência, em comportamento e, consequentemente, em possibilidade de transformação (p. 70). Apesar da importância da escola, não devemos esquecer que as intervenções devem ocorrer, primeiramente, na família enquanto um grupo em desenvolvimento. Contudo, não basta somente estudar a família, é preciso focalizá-la inserida dentro MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 164 de um contexto ecológico mais amplo, se quisermos, de fato, compreender a sua dinâmica e funcionamento. Em relação a este aspecto, muito ainda tem que ser feito em se tratando de famílias com crianças que apresentam algum tipo de deficiência. É importante ainda ressaltar a necessidade de mais orientação para as famílias de crianças DI, as quais devem ser melhor informadas sobre o tipo de deficiência e suas consequências para o desenvolvimento da criança, bem como dos recursos necessários para favorecê-lo. Nesse contexto, as políticas públicas têm um papel muito importante, especialmente para as famílias de baixa renda, uma vez que o gasto com profissionais e com atendimento educacional especializado torna-se oneroso. O Ministério da Educação do Brasil (MEC) é o responsável, em nosso país, pela organização e administração do ensino especial, juntamente com a participação estadual e, às vezes, municipal (MEC, 1994). Esse atendimento é garantido por lei; contudo, ele ainda é deficitário em algumas regiões do país e conta com o despreparo dos profissionais, que em algumas situações demonstram pouco interesse em capacitar-se para essa compreensão maior acerca desse público. Além disso, os currículos escolares não contemplam com grande seriedade o ensino especial como uma disciplina necessária nos cursos de magistério e pedagogia. Mas, merece ser destacado aqui um programa de estimulação precoce, que faz parte dos diversos tipos de atendimentos planejados para beneficiar as crianças de zero a três anos com atraso no desenvolvimento ou com deficiências (física, mental, visual, auditiva, múltipla). Esse programa tem, em sua essência, um papel preventivo, buscando intervir nas diversas áreas do desenvolvimento infantil: motora, cognitiva, sensório-perceptiva, socioafetiva e da linguagem. Assim, considerando a necessidade desse tipo de atendimento, entendemos ser de fundamental importância mais investimentos nessa área, atingindo mais estados e MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 165 municípios brasileiros que, concomitantemente ao aumento do número de pesquisas sobre crianças DI e suas famílias, proporcionariam uma compreensão mais profunda do seu desenvolvimento. A família em si mesma constitui uma unidade social significativa. Ela é parte de uma unidade social maior, a comunidade imediata e a sociedade. Ocorrências sóciopatológicas dentro da sociedade mais ampla também exercerão efeitos sobre a família; entretanto esta deverá assumir parte da responsabilidade, pois é dentro dos limites desta unidade social que a criança aprenderá a ser o tipo de pessoa que a sociedade determina como normal. É na família que se aprende a ser único, a desenvolver a individualidade e a tornar-se uma pessoa criativa, em busca da auto- realização. (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 1993). As famílias possuem uma estrutura razoavelmente estável, papéis bem definidos, suas próprias regras estabelecidas em comum acordo e os seus próprios valores. Porém, mesmo em tais famílias saudáveis, uma ocorrência brusca exigirá dos membros uma redefinição de seus papéis e o aprendizado de novos valores e padrões de comportamento, a fim de se ajustarem ao novo estilo de vida. Em outras palavras, a cada impacto a família deve ser reestruturada (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 1993). Certa dotação e forças maturativas predispõem fortemente ao apego e a intimidades, que trazem o bebê para a raça humana, relacionamento após relacionamento, mas é a família que, em última análise, encampa a promessa de amadurecimento da criança, através de poderosas forças interativas recíprocas, convertendo tecidos e instintos em desenvolvimento humano (PRUETTI, 1995). A família é o primeiro campo de treinamento significativo da criança. É neste campo de treinamento que a criança descobre a existência de outras pessoas (pai, mãe, irmão, irmã, avós e outros), cada qual com um papel previamente definido, que por suas experiências únicas e uma personalidade essencial torna-se uma pessoa diferente das demais, com forças e fraquezas, temores e amores, fixações e necessidades, desejos e sonhos. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 166 A criança aprende sobre o mundo e a vida através de cada pessoa na família. Assim, se os integrantes da família, como um grupo, reagirem a elas de modo positivo, é provável que as crianças se vejam sob uma luz positiva, pois cada pessoa na família diz às outras quem elas são e se, provavelmente, serão bem sucedidas ou não, mesmo antes de entrarem em contato com a sociedade maior, além dos limites do lar (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 1993). Dessa forma, a melhor coisa que uma família pode fazer por seus filhos é expressar a sua condição humana em todas as acepções do termo. Seres humanos que buscam e lutam pelo seu próprio crescimento, uma vez que a palavra chave para o processo de crescimento encontra-se na oportunidade que a família oferece à criança de ter um lugar seguro para descobrir a si mesma e as outras pessoas no seu mundo (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 1993). Onascimento de uma criança deficiente, seja qual for o tipo de deficiência, traz à tona uma série de complicações advindas de sentimentos de culpa, rejeição, negação ou desespero, modificando as relações sociais da família e sua própria estrutura (BLASCOVI-ASSIS, 1997). Os integrantes da família, que até determinado momento estiveram seguros em seus papéis bem definidos, quando se defrontam com um indivíduo deficiente terão de passar por uma mudança significativa, ou seja, as redefinições de papéis e mudanças de atitudes e valores e novos estilos de vida (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 1993). Por vezes, a presença da criança deficiente pode suspender certos componentes do ciclo familiar, podendo, por exemplo, ocupar permanentemente a posição social do filho mais novo na família, não desenvolvendo a independência e autonomia da idade adulta. As reações a esta criança podem trazer à tona vários tipos de comportamentos, como encarar o problema de um modo realista; negação da realidade da deficiência; lamentações e comiseração dos pais para com a sua própria sorte; ambivalência em relação à criança, ou seja, rejeição e projeção da dificuldade como causa da MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 167 deficiência; sentimentos de culpa, vergonha e depressão e padrões de mútua dependência (TELFORD, 1976). Entretanto, nenhuma dessas reações é peculiar aos pais em geral, ou aos pais de crianças deficientes; são reações comuns de pessoas normais à frustração e conflito. Os pais, no decorrer de suas vidas, também manifestarão ou sentirão essas mesmas reações com seus filhos não deficientes, como parte do processo da vida, sendo, portanto, fundamental que os pais de crianças deficientes tomem ciência destes fatos, pois muitos de seus conflitos e sentimentos são compartilhados por outros pais em alguma fase da vida (TELFORD, 1976). Muitos pais de crianças deficientes não só experimentam sentimentos de culpa e vergonha, mas sentem-se culpados e envergonhados por experimentá-los; ou seja, além de se sentirem culpados, eles se sentem culpados por se sentirem culpados. Essa culpa é uma fonte secundária de perturbação emocional para os pais, que já suportam uma sobrecarga emocional. A presença de uma criança deficiente na família constitui um motivo adicional de tensão, sendo provável que as reações defensivas ocorram mais frequentemente e em um grau mais elevado do que naquelas cujos membros são razoavelmente normais (TELFORD, 1976). Além das pressões internas com as quais a família terá que lidar com o nascimento de uma criança deficiente, esta também terá de enfrentar as pressões exercidas pelas forças sociais externas, uma vez que a sociedade tem dificuldade em conviver com as diferenças, sendo este talvez um dos principais conflitos vividos pelas famílias. A maneira como esta criança deficiente será aceita na família e o resultante clima emocional posterior dependerão, em grande parte, da atitude da mãe. Se ela for capaz de lidar com o fato com aceitação e segurança razoáveis, de uma forma bem ajustada, a família será capaz do mesmo (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 1993). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 168 A mãe tem sido, historicamente, considerada a figura central da família; ela é considerada o foco dos mais significativos alinhamentos familiares. Quando a criança age a mãe reage e, por sua vez, a criança reage à mãe, de um modo circular. Em muitas famílias, ainda hoje, o pai, em seu papel, reage à sua percepção da interação mãe-criança, influenciando tanto no comportamento da criança como na interação mãe-criança. À medida que as relações intrafamiliares vão se estabelecendo, as relações interfamiliares tornam-se mais acessíveis, facilitando a aceitação social desta criança (TELFORD, 1976). O comportamento da criança deficiente é talhado pelas ações e atitudes de outros e os ajustamentos da família de uma criança deficiente tanto podem limitar e distorcer como encorajar e facilitar a potencialidade de desenvolvimento da criança. Esses ajustes familiares geram ansiedade que, segundo Amaral (1994) é resolvida sob duas grandes formas, lidar com a realidade ou fazer uso de mecanismos de defesa. Após o nascimento da criança deficiente, praticamente inexiste um aconselhamento psicológico aos confusos pais e grande parte do que farão com as crianças basear- se-á em ensaio e erro. Nos períodos cruciais do nascimento, quando os pais mais precisam de ajuda, esta não existe ou é muito pequena. É vital que os pais sejam conscientizados da importância dos primeiros meses de vida e dos problemas e ansiedades que podem ser criados. Devem ser informados de sua responsabilidade e dos efeitos profundos e duradouros de suas ações ou omissões sobre o crescimento e desenvolvimento de seus filhos, pois é nesta tenra idade que os pais deverão iniciar a estimulação e buscar o apoio e serviços de profissionais de habilitação e reabilitação, com o objetivo de detecção precoce de processos que poderão tornar-se altamente incapacitantes, de avaliação integral da criança e do ambiente, assim como de um programa de intervenção onde considere principalmente a família como co-terapeuta do processo de diagnóstico e intervenção (AMARAL, 1994). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 169 O nascimento é um milagre, pois cada criança ao nascer tem possibilidades ilimitadas. Cada indivíduo tem o poder de criar, compartilhar, descobrir novas alternativas e trazer novas esperanças à humanidade. O nascimento de uma criança para a maior parte das famílias é um momento de alegria, de orgulho, de reuniões de pessoas queridas e de celebração da renovação da vida. Para outras famílias o nascimento de uma criança pode não ser um momento de tanta alegria. Ao contrário, pode representar um momento de lágrimas, desespero, confusão e medo. Pode vir a ser uma mudança brusca no estilo de vida de todos os envolvidos, cheia de mistérios e problemas especiais. A sociedade tem dificuldade em conviver com diferenças e deixará isso claro, de muitas formas sutis, dissimuladas e mesmo inconscientes, através do modo como isola as pessoas deficientes, olhando-as abertamente em público e evitando o contato com elas sempre que possível. O preconceito social, de parte da comunidade em relação a um ou todos os membros da família, imporá seu peso. O preconceito se constituirá em uma força potente e influente no comportamento da família. A principal diferença na família de criança com deficiência é que seus problemas são intensificados pelos muitos pré-requisitos necessários e atitudes que lhe são impostas, devido à deficiência. Após a passagem pelo luto, ou seja, a morte do(a) filho(a) desejado(a), esperado(a) e idealizado(a), inicia-se uma nova estrutura familiar, de maneira a ajustar- se à criança com deficiência suprindo as necessidades básicas e o seu relacionamento com o meio social de maneira holística e coordenada. A importância desta nova reestruturação familiar encontra-se no fato de que será inicialmente na família, através dos relacionamentos intrafamiliares, que esta criança aprenderá a conviver e descobrir a vida e o mundo. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com170 O fracasso em ajudar as crianças deficientes e suas famílias a compreenderem a natureza e as implicações da deficiência, frequentemente proporciona a todos os envolvidos mais dor e sofrimento do que a própria deficiência em si. CONCLUI-SE QUE: A família é uma rede complexa de relações e emoções”. (Gameiro 1992) e nesse contexto percebe-se o grande movimento turbulento que acontece após o nascimento de uma criança deficiente, pois essa situação, até então nova, força a família a confrontar seus próprios sonhos e aspirações com as idealizações a respeito do seu filho. A flexibilidade da família ao lidar com o evento está relacionada às experiências prévias, aprendizado e personalidade dos seus membros. As reações são as mais diversas, no entanto a vida de cada um dos membros sofre modificações a partir do momento em que se conhece esta realidade. O período de adaptação varia de família para família. Como já relatado anteriormente: No primeiro momento, o choque inicial gera incapacidade de raciocínio, seguido da ambiguidade de sentimentos (rejeição, frustração, culpa, raiva, desânimo, entre outras). Só com o tempo os pais conseguem se reorganizar emocionalmente e possivelmente aceitar. Algumas vezes a situação difícil não gera resultados negativos, pode ser uma experiência enriquecedora. Em relação à irmandade, autores citam como aspectos positivos: os irmãos demonstrarem aumento na maturidade, responsabilidade, altruísmo, tolerância, preocupações humanitárias, senso de proximidade na família, autoconfiança e independência. Outros citam como aspecto negativo que irmãos de deficientes podem estar expostos a cobranças excessivas que se disseminam por outras áreas de suas vidas. Todas as famílias passam por diversas etapas em seu ciclo vital (entrada e saída de um membro, adolescência, etc.). Contudo, famílias com filhos deficientes enfrentam MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 171 momentos de grande tensão, como por exemplo, os descritos Mackeith (1973 ) citado por Powell e Ogle (1991). Quando chega o momento de proporcionar educação à criança há necessidade de encarar as possibilidades escolares; Quando a criança deixa a escola e tem necessidade de enfrentar as confusões e frustrações pessoais como todos os outros adolescentes; Quando os pais envelhecem e não podem dar continuidade de assumir a responsabilidade de cuidar do seu filho. Alguns autores assinalam que os altos níveis de estresse estão relacionados a baixos níveis de progresso, ao comportamento social e ao aumento dos cuidados necessários, não se podendo deixar de mencionar as condições sócio-econômicas da família, uma vez que a limitação da criança pode exigir gastos incompatíveis com a renda familiar. Alguns casais não sobrevivem à presença de um filho com limitações e se separam; Outros, pelo contrário, mantém-se unidos na luta pela superação. Um dos fatores negativos consiste no preconceito que acaba levando ao isolamento social. A família é o principal local da aprendizagem e da construção da auto-estima, portanto o desenvolvimento de uma identidade positiva de uma criança deficiente será proporcional à maneira como cada um dos membros interage um com o outro. Para que se possa construir uma sociedade inclusiva é preciso antes de qualquer coisa, de toda uma mudança no pensamento das pessoas e na estrutura da sociedade, isso requer certo tempo, mas o que irá realmente nortear e desencadear essas mudanças nas pessoas é em um primeiro momento a real aceitação das pessoas com necessidades educacionais especiais, essa aceitação deve começar pela própria família. Quando nasce uma criança diferente do que os pais imaginavam, esses ficam desesperados, sem rumo, sem saberem como agir, é como se o mundo caísse sobre suas costas, como se todos os seus planos fossem por água abaixo, ficam se MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 172 sentindo culpados por terem tido um filho (a) especial. Alguns, no início acabam tendo depressão, não aceitam a criança, as rejeitam etc. Mas, como se diz, não dá pra rejeitar por toda a vida, afinal, é sangue do seu sangue, é fruto de uma relação de amor, é uma vida nova que inicia, é uma benção de Deus e não se pode simplesmente desistir. É preciso erguer a cabeça, aceitar e procurar toda ajuda possível, para oferecer o que estiver ao seu alcance para facilitar a vida dessa pessoa especial. Apoio da família, de médicos, especialistas, professores, município, estado, etc. para que a criança possa se desenvolver por completo. Quanto mais cedo iniciar esse processo de consciência e apoio de todas as entidades a essa criança, maior e melhor será com certeza seu desenvolvimento e ela será feliz. O que ocorre muitas vezes é um afastamento da família, e uma situação de total dependência dos médicos e demais profissionais, como ressalta Aranha, 2004: "Sabe-se, entretanto, que a família tem se encontrado, historicamente, numa posição de dependência de profissionais em diferentes áreas do conhecimento, no sentido de receberem orientações de como proceder em relação às necessidades educacionais especiais de seus filhos". A família deve buscar toda orientação que conseguir, no entanto, não podem transferir toda a responsabilidade de criação do filho a esses profissionais, tirando-a de suas costas, afinal de contas, o trabalho dos profissionais só irá obter sucesso se tiver o apoio e participação da família em casa. É difícil, sabe-se disso, com certeza não é fácil mesmo, mas é preciso haver esse enfrentamento e essa vontade para que se possa auxiliar essa criança que irá esperar e confiar plenamente nos pais para que possa melhor se desenvolver. O poder público, por sua vez deve assegurar todo o atendimento nas áreas de saúde e educação para essa pessoa com deficiência, e deve, além disso, promover a saúde física e mental não só da criança, mas de toda a família. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 173 O atendimento à gestante deve começar desde o pré-natal (onde já se podem detectar possíveis problemas) e deve seguir durante e após o parto e sempre que a família necessitar dos serviços. Os sistemas de saúde devem divulgar, através de campanhas que atinjam a toda a população, os cuidados que toda gestante deve ter para que possa ter uma criança saudável e para que já possa saber das possíveis limitações que seu bebê possa vir a ter, mas isso tudo é extremamente importante para que a mãe e toda a família em si já possam se acostumar com a ideia de ter uma pessoa com deficiência na família, para que possam aceitar e o quanto antes estudar a melhor forma de atender a todas as necessidades do novo membro da família. Antigamente os pais não colocavam seus filhos especiais desde cedo na escola, pois achavam que não teriam capacidade de aprender, de se desenvolver, viviam no achismo de que a criança era repleta de limitações, que o máximo que poderiam fazer era levá-la regularmente a médicos para acompanhar seu estado de saúde. Quando descobriam que eles precisavam também frequentar as escolas, espaços sociáveis, de interação, muitas vezes já era um pouco tarde e diversas habilidades que poderiam ter sido desenvolvidas, limitações que poderiam ter sido superadasnão foram, pois o acesso a esses ambientes especializados foi tardio. Neste sentido, Soares apud Gil (2001) ressalta: "Hoje na tentativa de assegurar a permanência de algumas crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular/comum, percebo mais fortemente a importáncia de um trabalho junto às mães, especialmente da população de baixa renda, uma vez que a pobreza, infelizmente, está associada à falta de escolaridade e de acesso a determinadas informações, visando ao esclarecimento acerca da deficiência de seus filhos.” Em meu dia-a-dia, tenho encontrado desde mães que acham que o problema de seu filho não tem solução, àquelas que acham que seu filho não tem problema algum, o que é muito mais grave. “Os pais que não aceitam a deficiência de seu filho e nem acreditam em sua capacidade para superar as limitações, impedem que este filho tenha acesso à estimulação em tempo adequado e ao atendimento educacional MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 174 especializado tão necessário ao seu processo de desenvolvimento sócio- educacional". Hoje alguns médicos já fornecem os diagnósticos necessários e orientam as famílias a procurarem as escolas, APAEs, instiutições especializadas, centros de AEE, etc para fazerem o acompanhamento da criança desde sua mais tenra idade até o momento que for considerado necessário. As APAEs, principalmente, trabalham com bebês com poucos dias de vida, fazendo o trabalho que chama-se de estimulação precoce e também apoio aos pais. Conforme Aranha, 2004: "[...] A estimulação sensorial é essencial para seu desenvolvimento e contribui para a prevenção de parte dos comprometimentos, quando ele tem, por exemplo.” 12. DEFICIÊNCIA E FAMÍLIA Quando analisamos a vida de uma pessoa com deficiência, é inevitável falarmos sobre o apoio familiar. Ele é fundamental para a vida e o progresso desta pessoa. São inúmeros os casos que foram relatados aqui e que com certeza poderemos encontrar ao longo de nossa vida pessoal e profissional. Aqui mesmo no nosso módulo sobre família de pessoas com deficiência já falamos sobre a profunda relação entre as mães e os filhos com deficiência, alvo de admiração de muitas outras pessoas. Mas o apoio da família não deve se restringir apenas às mães. É preciso que pais, irmãos, tios, primos, profissionais da saúde e educação, entre outros, estimulem a pessoa com deficiência no cotidiano, seja nos estudos ou em outras opções que ela escolha ao longo da vida. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 175 12.1. Como estimular? O apoio à pessoa com deficiência nas atividades e escolhas que ela faz em sua vida deve partir do princípio de que quem possui algum tipo de deficiência, mesmo com limitações, é capaz de seguir pelo caminho que optou. Por isso, é importante que a família e o profissional que acompanha diretamente esse indivíduo incentivem-no, dando apoio nessas situações. 12.2. Quando incentivar? O estímulo pode acontecer em várias situações, quando, por exemplo, a pessoa com deficiência optar por fazer alguma faculdade ou determinado curso extra, através – se possível – do apoio financeiro e da garantia de meios para que a pessoa com deficiência possa sair de casa com tranquilidade. Mas há algo mais importante do que apoio material: as palavras. Palavras de incentivo, aliados a conselhos, em algumas situações, são um estímulo e tanto para a pessoa com deficiência, pois ela também precisa acreditar e sentir-se capaz, mesmo com as suas limitações. É preciso que se saiba que o apoio familiar é muito importante na vida desta pessoa, pois pode garantir no futuro o surgimento de pessoas de bem, que poderão fazer a diferença no mundo. 13. A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA INCLUSÃO ESCOLAR A Constituição Federal de 1988 prevê o direito à vida. Mas não é qualquer vida que é assegurada em nossa Lei Maior e sim a existência de vida digna. Inegavelmente, tem-se que a família, em regra, representa o primeiro contato do ser humano com a sociabilidade e assim, essa vida digna deve começar a ser construída dentro da célula familiar. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 176 Hoje a educação inclusiva tem recebido crescente reconhecimento e assume importância cada vez maior. Nesse contexto, a família do indivíduo com deficiência deve tomar consciência da importância de participar e cobrar cidadania acessível, influindo em mudanças de ideias, de atitudes, de relacionamentos com as diferenças individuais sendo respeitadas. A metodologia utilizada neste documento está baseada na legislação vigente - nacional e internacional - para que se demonstre que existe todo um aparato legislativo que apoia a efetivação desse direito e que, apesar das várias leis e de alguns avanços, na prática ainda precisamos lutar para a efetivação da educação inclusiva no Brasil. 13.1. A importância da dinâmica familiar para a promoção do desenvolvimento global e inclusão social do indivíduo com NEE. O homem é um ser social por natureza, necessitando para sua sobrevivência física e emocional de estar integrado e participando da vida comunitária de um grupo. É a partir das normas, valores e representações do grupo social ao qual pertence que a pessoa desenvolve sua personalidade, auto-imagem, e maneira de ser no mundo (Glat, 1989; 1995). E a família, como grupo social primário, desempenha uma função formativa e determinativa no desenvolvimento cognitivo-afetivo do indivíduo e no modo como este se situa e interage na sociedade, mesmo em idade adulta. É através da identificação com os primeiros “outros significativos” - mãe, pai e demais membros da família -- e das reações destes ao seu comportamento que a criança tem seu primeiro contato com o mundo e aprende a desenvolver os papeis e atitudes essenciais para seu processo de socialização. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 177 Quando nasce um filho especial, com características distintas do padrão culturalmente reconhecido como “normal”, a estrutura de funcionamento familiar básico se rompe, os sentimentos e as representações anteriores se deterioram, e instala-se uma crise de identidade grupal. Por mais harmônica que seja uma família essa crise é inevitável, pois todas as expectativas, planos e sonhos gerados durante a gestação desse filho são destruídos face a essa inesperada e desconcertante realidade. “É como se toda a família (imaginária) construída por esses pais desaparecesse, e uma nova família (real) tenha que ser criada (Glat e Duque, 2003, pg.16)”. A presença de um indivíduo com alguma deficiência (ou qualquer outra condição especial grave e/ou permanente) implica, portanto, invariavelmente, para sua família, além da decepção inicial, em uma série de situações críticas, geralmente acompanhadas de sentimentos e emoções dolorosas e conflitantes. Nesse processo, as famílias passam por diversas fases cíclicas, incluindo o choque inicial da descoberta, a negação do diagnóstico e busca por “curas milagrosas”, o luto e a depressão, até que possam entrar no estágio de aceitação e adaptação. Neste percurso, tanto a famíliaquanto o indivíduo especial precisarão enfrentar a cada dia seus medos, suas frustrações e suas limitações --- efeitos diretos do estigma social a que toda a família está exposto. A relação com esse filho poderá ter como eixo principal ambivalência de sentimentos (Amaral, 1995), oscilando entre as condições reais do indivíduo e os estereótipos a ele impugnados, a crença nas suas possibilidades de desenvolvimento e a resignação e sustentação de sua condição de dependente. A extensão das adaptações e acomodações impostas à família pela presença de um membro com necessidades educacionais especiais inclui desde transformações internas de caráter afetivo, temporal e/ou econômico, até as requisitadas pela interação com as forças externas, oriundas da sociedade mais ampla. Estas são geralmente engendradas na falta de oportunidades, nas atitudes preconceituosas e nos rótulos aos quais o indivíduo, assim como os demais membros estão sujeitos MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 178 nas suas relações sociais extra familiares. Pois, devido às dificuldades ainda hoje encontradas para a inclusão social da pessoa com deficiência, a marginalização a ela imposta se estende para sua família que, passa a ser estigmatizada “por contaminação” (Glat, 1995). Tal situação acaba provocando o isolamento de muitas famílias, o que, por sua fez, reforça os padrões de superproteção, fazendo com que a condição especial do indivíduo seja hiperdimensionada, em detrimento de suas capacidades e aptidões. Mais grave ainda, frequentemente, a família se estrutura de tal forma em torno desse membro dito especial, que todas as necessidades e dificuldades dos outros são minimizadas ou, até mesmo, descuidadas (Glat, 1996). Nas palavras de Glat e Duque (2003): “A família passa a se organizar em função dessa condição patológica encarnada pelo indivíduo com necessidades educacionais especiais”. Ele se torna, por assim dizer “o cartão de visita da família”, o rótulo que identifica todos os demais membros: PAIS DE DEFICIENTES... Em termos psicodinâmicos pode-se dizer que ele é o depositário da doença familiar, pois sua problemática ofusca e absorve todos os demais conflitos (pg.20). Como consequência desse tipo de comportamento, observa-se a restrição ainda maior do papel social desse sujeito no seio de sua família, assim como das suas possibilidades de inserção na comunidade onde vive. Ou seja, quando a família age de maneira superprotetora, dificulta a autonomia e a independência que o filho deveria conquistar como condição para o desenvolvimento de suas capacidades. É comum os pais agirem, inconscientemente, para impedir o crescimento do filho, na tentativa de se preservarem e, ao mesmo tempo, de preservá-lo de possíveis “derrotas” diante de dificuldades. Isso não significa que se esteja aqui negando os problemas reais que a presença que um indivíduo com deficiência traz para a sua família como um todo, e para cada um dos membros individualmente, tanto sobre o aspecto objetivo, quanto subjetivo. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 179 Não há dúvida que a necessidade de cuidado maior imposta por sua condição restringe e transforma, em maior ou menor grau, a vida de todos os que lhe são próximos. No entanto, é importante que a atenção que lhe é dada seja no sentido de estimular e incentivar ao máximo sua autonomia e crescimento, para que ele possa aprender a melhor lidar com suas dificuldades. Só assim ele poderá viver uma vida o mais semelhante possível aos demais membros de sua família, tornando-se um peso menor para todos. Diante de tal quadro, o papel dos profissionais é fundamental para minimizar esses sentimentos e promover orientações e esclarecimentos sobre as capacidades do filho especial, bem como provocar um olhar dos pais sobre si mesmos. Os profissionais --- mesmo não sendo da área “psi” – devem abrir espaço para que os pais possam trazer suas dúvidas, frustrações e ansiedades, a fim de que esses sentimentos sejam trabalhados e não os imobilizem. Ao mesmo tempo é necessário também fornecer a essas famílias, independente de sua condição socioeconômica e cultural, informações precisas e atualizadas sobre a condição de seu filho, buscando com eles alternativas de atendimento e orientando-os nas situações-problema do dia a dia (Glat e Duque, 2003. pg.18-19). Um trabalho desse tipo deveria ser parte integrante das políticas sociais preventivas, principalmente dos programas educacionais e clínicos. E deve ter início o mais cedo possível, de preferência já na hora de dar a notícia aos pais sobre o nascimento do filho com deficiência. Esse momento é crucial, pois, frequentemente, os médicos e demais profissionais da área da saúde, têm uma atitude defensiva ou mesmo pouco cuidadosa ao transmitir o diagnóstico, enfatizando a deficiência como uma doença crônica, não fazendo qualquer referência a suportes terapêuticos e educacionais que deem alguma esperança às famílias e as auxiliem no planejamento da vida de seu filho (Glat e Duque, 2003; Nunes, Glat, Ferreira e Mendes, 1998). Porém, uma vez orientados e sensibilizados para a nova situação, os pais podem influenciar positivamente na autoconfiança do filho para o desenvolvimento de suas capacidades. Além disso, se tornam mais preparados para lidar com suas próprias MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 180 emoções, revendo expectativas, valores e crenças a respeito da condição do filho que nasceu. Assim sendo, o apoio dado à família minimiza as ansiedades frente ao filho com deficiência, e promove a busca de novas alternativas para a organização da vida dessa criança, possibilitando um enfrentamento dos problemas cotidianos. Vale ressaltar, também, a importância dos grupos e associações de pais, como a APAE, que podem proporcionar, sobretudo às “novas famílias especiais”, uma rede de apoio, troca de experiências e ajuda mútua de valor inestimável, e que deve ser incentivado pelos profissionais. Certamente, as acomodações que ocorrem na estrutura familiar sempre apresentam especificidades conforme o caso; porém não resta dúvida que a influência familiar é determinante para facilitação ou impedimento do processo de integração social do indivíduo com deficiências. Pois, como já comentado, é através do seu relacionamento familiar que ele desenvolverá os seus critérios valorativos, percebendo o mundo e construindo a sua identidade. Em outras palavras, o nível de integração social que uma pessoa com NEE pode vir a desenvolver dependerá em grande parte da disponibilidade de sua família em permitir-lhe participar e usufruir dos recursos oferecidos pela comunidade, apesar de todas as barreiras (físicas e sociais). Por outro lado, quanto maior for a participação deste indivíduo no contexto social, maior será a sua chance de assumir um novo papel na trama familiar. Não mais exclusivamente o papel do coitado, do dependente, do incapacitado, mas sim o papel de uma pessoa que atua no mundo, com suas possibilidades e limitações, Cada família enfrenta a deficiência de acordo com sua história, suas representações, crenças, valores culturais, condições objetivas e materiais, além da personalidade individual de cada membro. MÓDULO II Prof. Wilson Candido BragaEmail: prof.wilsoncandido@gmail.com 181 como as demais, e que pode contribuir e enriquecer com sua experiência a vida cotidiana de sua família e de outras pessoas. (Glat, 1996; Glat e Duque, 2003). A compreensão da dinâmica das relações familiares, portanto, é essencial para a compreensão do indivíduo especial. Minha experiência de 15 anos na área de Educação Especial mostra que para que um programa de atendimento clínico ou educacional tenha possibilidade de êxito é necessário que seja realizado algum tipo de atendimento ou trabalho paralelo com a família, pois, a família e o indivíduo com deficiência exercem efeitos recíprocos entre si e as mudanças e transformações em qualquer um dos elementos afetam a todos. Dessa forma, urge em nossas instituições, a implementação e efetivação de programas de orientação baseados não só nas necessidades das pessoas com deficiências --- nossa “clientela” tradicional, mas também nas necessidades dos seus pais, irmãos, e demais familiares, para que esses possam lidar com seus sentimentos e melhor construir alternativas de aceitação, adaptação e integração familiar. Como dito, é importante que o indivíduo com NEE ocupe um espaço na dinâmica familiar que não seja exclusivamente “o deficiente”, “o problemático”, “o incapaz”, “o dependente”, mas sim partícipe, na medida de suas possibilidades, na vida familiar cotidiana, inclusive nas situações sociais. Não se trata de negar a deficiência ou os limites, mas sim, de aceitar e incorporar esse filho à vida familiar, apesar de suas deficiências e limites. Nesse sentido, reproduzo abaixo, falas de dois pais que bem expressam essa aceitação realista que deve ser buscada nas famílias com filhos especiais (Glat e Duque, 2003): Eu sou da seguinte opinião, eu sei dos limites do meu filho. Eu sei que eu não posso pegar o meu filho e meter o meu filho dentro de uma boate. Eu sei que não posso pegar o meu eu filho e meter meu filho num lugar, numa peça de teatro pra assistir três horas de uma peça de teatro. Eu tenho plena consciência disso. Mas onde eu puder levar o meu filho, eu vou levar meu filho. Eu não tenho vergonha! (pg.99)... eu tenho que introduzir ele. Eu não posso chegar, porque meu filho é especial, é uma criança especial, e botar ele dentro de uma redoma de vidro e andar com ele feito um passarinho preso na gaiola... MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 182 Pelo contrário, eu acho que para o desenvolvimento dele, inclusive, ele tem que ver outras pessoas... às vezes ele está vendo uma criança fazer um negócio ali, que ele sente vontade de fazer, e sente dificuldade, mas que ele vendo.. ele acaba imitando e daqui há pouco acaba fazendo também... (pg. 97-98) O trabalho com a família e o estímulo ao seu envolvimento constitui um fator decisivo no processo de inclusão de pessoas com NEE, sendo indispensável para a construção da individualidade do sujeito como participante ativo da sociedade. Contudo, esse processo requer, para sua efetivação, a ação de múltiplos esforços e a participação de todos os segmentos da sociedade, de modo a se promover uma verdadeira mudança cultural em relação à diversidade e às potencialidades humanas. 14. TERMINOLOGIA SOBRE DEFICIÊNCIA NA ERA DA INCLUSÃO Romeu Kazumi Sassaki Usar ou não usar termos técnicos corretamente não é uma mera questão semântica ou sem importância, se desejamos falar ou escrever construtivamente, numa perspectiva inclusiva, sobre qualquer assunto de cunho humano. E a terminologia correta é especialmente importante quando abordamos assuntos tradicionalmente eivados de preconceitos, estigmas e estereótipos, como é o caso das deficiências que aproximadamente 14,5% da população brasileira possuem. Os termos são considerados corretos em função de certos valores e conceitos vigentes em cada sociedade e em cada época. Assim, eles passam a ser incorretos quando esses valores e conceitos vão sendo substituídos por outros, o que exige o uso de outras palavras. Estas outras palavras podem já existir na língua falada e escrita, mas, neste caso, passam a ter novos significados. Ou então são construídas especificamente para designar conceitos novos. O maior problema decorrente do uso de termos incorretos reside no fato de os conceitos obsoletos, as ideias equivocadas e as informações inexatas serem inadvertidamente reforçados e perpetuados. Este fato pode ser a causa da MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 183 dificuldade ou excessiva demora com que o público leigo e os profissionais mudam seus comportamentos, raciocínios e conhecimentos em relação, por exemplo, à situação das pessoas com deficiência. O mesmo fato também pode ser responsável pela resistência contra a mudança de paradigmas como o que está acontecendo, por exemplo, na mudança que vai da integração para a inclusão em todos os sistemas sociais comuns. Trata-se, pois, de uma questão da maior importância em todos os países. Existe uma literatura consideravelmente grande em várias línguas. No Brasil, tem havido tentativas de levar ao público a terminologia correta para uso na abordagem de assuntos de deficiência a fim de que desencorajemos práticas discriminatórias e construamos uma verdadeira sociedade inclusiva. A seguir, apresentamos várias expressões incorretas seguidas de comentários e dos equivalentes termos corretos, frases corretas e grafias corretas, com o objetivo de subsidiar o trabalho de estudantes de qualquer grau do sistema educacional, pessoas com deficiência e familiares, profissionais de diversas áreas (reabilitação, educação, mídia, esportes, lazer etc.), que necessitam falar e escrever sobre assuntos de pessoas com deficiência no seu dia a dia. Ouvimos e/ou lemos esses termos incorretos em livros, revistas, jornais, programas de televisão e de rádio, apostilas, reuniões, palestras e aulas. A enumeração de cada expressão incorreta servirá para direcionar o leitor de uma expressão para outra quando os comentários forem os mesmos para diferentes expressões (ou pertinentes entre si), evitando-se desta forma a repetição dos comentários. 1. Adolescente normal: Desejando referir-se a um adolescente (uma criança ou um adulto) que não possua uma deficiência, muitas pessoas usam as expressões: adolescente normal, criança normal e adulto normal. Isto acontecia muito no passado, quando a desinformação e o preconceito a respeito das pessoas com deficiência eram de tamanha magnitude que a sociedade MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 184 acreditava na normalidade das pessoas sem deficiência. Esta crença fundamentava- se na ideia de que era anormal a pessoa que tivesse uma deficiência. A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável e ultrapassado. TERMOS CORRETOS: adolescente (criança, adulto) sem deficiência ou, ainda, adolescente (criança, adulto) não-deficiente. 2. Aleijado; defeituoso; incapacitado; inválido: Estes termos eram utilizados com frequência até a década de 80. A partir de 1981, por influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começa-se a escrever e falar pela primeira vez a expressão pessoa deficiente. O acréscimo da palavra PESSOA, passandoo vocábulo deficiente para a função de adjetivo, foi uma grande novidade na época. No início, houve reações de surpresa e espanto diante da palavra pessoa: “Puxa, os deficientes são pessoas!?” Aos poucos, entrou em uso a expressão pessoa portadora de deficiência, frequentemente reduzida para portadores de deficiência. Por volta da metade da década de 90, entrou em uso a expressão PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, que permanece até os dias de hoje. 3. “apesar de deficiente, ele é um ótimo aluno”: Na frase acima há um preconceito embutido: ‘A pessoa com deficiência não pode ser um ótimo aluno’. FRASE CORRETA: “ele tem deficiência e é um ótimo aluno”. 4. “aquela criança não é inteligente”: Todas as pessoas são inteligentes, segundo a Teoria das Inteligências Múltiplas. Até o presente, foi comprovada a existência de nove tipos de inteligência: lógico-matemática, verbal-linguísticas, interpessoal, intrapessoal, musical, naturalista, corporal-cinestésica e visual-espacial (GARDNER, 2000). Consultar ANTUNES (1998, 1999). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 185 FRASE CORRETA: “aquela criança é menos desenvolvida na inteligência [por ex.] lógico matemática”. 5. Cadeira de rodas elétrica: Trata-se de uma cadeira de rodas equipada com um motor. TERMO CORRETO: cadeira de rodas motorizada. 6. Ceguinho: O diminutivo ceguinho denota que o cego não é tido como uma pessoa completa. TERMOS CORRETOS: cego; pessoa cega; pessoa com deficiência visual. Ver o item 59. 7. Classe normal TERMOS CORRETOS: classe comum; classe regular. No futuro, quando todas as escolas se tornarem inclusivas, bastará o uso da palavra classe sem adjetivá-la. Ver os itens 25 e 51. 8. Criança excepcional: Excepcionais foi o termo utilizado nas décadas de 50, 60 e 70 para designar pessoas com deficiência intelectual. Com o surgimento de estudos e práticas educacionais nas décadas de 80 e 90 a respeito de altas habilidades ou talentos extraordinários, o termo excepcional passou a referir-se tanto a pessoas com inteligências múltiplas acima da média (pessoas superdotadas ou com altas habilidades e gênios) quanto a pessoas com inteligência lógico- matemática abaixo da média (pessoas com deficiência intelectual) daí surgindo, respectivamente, os termos excepcionais positivos e excepcionais negativos, de raríssimo uso. Consultar SASSAKI (2003). TERMOS CORRETOS: criança com deficiência intelectual. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 186 9. Defeituoso físico: Defeituoso, aleijado e inválido são palavras muito antigas e eram utilizadas com frequência até o final da década de 70. O termo deficiente, quando usado como substantivo (por ex., o deficiente físico), está caindo em desuso. TERMO CORRETO: pessoa com deficiência física. Ver os itens 10 e 11. 10. Deficiências físicas (como nome genérico englobando todos os tipos de deficiência). TERMO CORRETO: deficiências (como nome genérico, sem especificar o tipo, mas referindo-se a todos os tipos). Alguns profissionais, não familiarizados com o campo da reabilitação, acreditam que as deficiências físicas são divididas em motoras, visuais, auditivas e mentais. Para eles, deficientes físicos são todas as pessoas que têm deficiência de qualquer tipo, o que é um equívoco. A deficiência física, propriamente dita, consiste na “alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções ” (arts. 5º e 70, Decreto nº 5.296, 02/12/04). Consultar BRASIL (2004). Ver os itens 9 e 11. 11. Deficientes físicos (quando se referir a pessoas com qualquer tipo de deficiência). TERMO CORRETO: pessoas com deficiência (sem especificar o tipo de deficiência). Ver os itens 9 e 10. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 187 12. Deficiência mental leve, moderada, severa, profunda TERMO CORRETO: deficiência intelectual (sem especificar nível de comprometimento). A partir da Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual, aprovada em 06/10/04 pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2004), em conjunto com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o termo “deficiência mental” passou a ser “deficiência intelectual”. Antes, em 1992, a Associação Americana de Deficiência Mental adotou uma nova conceituação da deficiência intelectual (até então denominada “deficiência mental”), considerando-a não mais como um traço absoluto da pessoa que a tem e sim como um atributo que interage com o seu meio ambiente físico e humano, o qual deve adaptar-se às necessidades especiais dessa pessoa, provendo-lhe o apoio intermitente, limitado, extensivo ou permanente de que ela necessita para funcionar em 10 áreas de habilidades adaptativas: comunicação, autocuidado, habilidades sociais, vida familiar, uso comunitário, autonomia, saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, lazer e trabalho. A classificação em leve, moderada, severa e profunda foi instituída pela OMS em 1968 e perdurou até 2004. Consultar BRASIL (2004). Ver os itens 35 e 50. 13. Deficiente mental (quando se referir a uma pessoa com transtorno mental) TERMOS CORRETOS: pessoa com transtorno mental, paciente psiquiátrico. Consultar BRASIL (2001), “lei sobre os direitos das pessoas com transtorno mental”. 14. Doente mental (quando se referir a uma pessoa com deficiência intelectual) TERMO CORRETO: pessoa com deficiência intelectual (esta deficiência ainda é conhecida como deficiência mental). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 188 O termo deficiente, usado como substantivo (por ex.: o deficiente intelectual), tende a desaparecer, exceto em títulos de matérias jornalísticas por motivo de economia de espaço. Consultar RIO DE JANEIRO (c. 2001). 15. “ela é cega, mas mora sozinha”: Na frase acima há um preconceito embutido: ‘Todo cego não é capaz de morar sozinho’. FRASE CORRETA: “ela é cega e mora sozinha” 16. “ela é retardada mental, mas é uma atleta excepcional”: Na frase acima há um preconceito embutido: ‘Toda pessoa com deficiência mental não tem capacidade para ser atleta’. FRASE CORRETA: “ela tem deficiência intelectual e se destaca como atleta” 17. “ela é surda (ou cega), mas não é retardada mental”: A frase acima contém um preconceito: ‘Todo surdo ou cego tem retardo mental’. Retardada mental, retardamento mental e retardo mental são termos do passado. O adjetivo “mental”, no caso de deficiência, mudou para “intelectual” a partir de 2004. Ver o item 12. FRASE CORRETA: “ela é surda (ou cega) e não tem deficiência intelectual”. 18. “ela foi vítima de paralisia infantil”: A poliomielite já ocorreu nesta pessoa (por ex., ‘ela tevepólio’). Enquanto a pessoa estiver viva, ela tem sequela de poliomielite. A palavra vítima provoca sentimento de piedade. FRASES CORRETAS: “ela teve (flexão no passado) paralisia infantil” e/ou “ela tem (flexão no presente) sequela de paralisia infantil”. 19. “ela teve paralisia cerebral”: (quando se referir a uma pessoa viva no presente). A paralisa cerebral permanece com a pessoa por toda a vida. FRASE CORRETA: “ela tem paralisia cerebral”. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 189 20. “ele atravessou a fronteira da normalidade quando sofreu um acidente de carro e ficou deficiente”: A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável. A palavra sofrer coloca a pessoa em situação de vítima e, por isso, provoca sentimentos de piedade. FRASECORRETA: “ele teve um acidente de carro que o deixou com uma deficiência”. 21. ”ela foi vítima da pólio”: A palavra vítima provoca sentimento de piedade. TERMOS CORRETOS: pólio, poliomielite e paralisia infantil. FRASE CORRETA: ”ela teve pólio” 22. “ele é surdo-cego” GRAFIA CORRETA: “ele é surdocego”. Também podemos dizer ou escrever: “ele tem surdocegueira”. Ver o item 55. 23. “ele manca com bengala nas axilas” FRASE CORRETA: “ele anda com muletas axilares”. No contexto coloquial, é correto o uso do termo muletante para se referir a uma pessoa que anda apoiada em muletas. 24. “ela sofre de paraplegia” (ou de paralisia cerebral ou de sequela de poliomielite): A palavra sofrer coloca a pessoa em situação de vítima e, por isso, provoca sentimentos de piedade. FRASE CORRETA: “ela tem paraplegia” (ou paralisia cerebral ou sequela de poliomielite). 25. Escola normal: No futuro, quando todas as escolas se tornarem inclusivas, bastará o uso da palavra escola sem adjetivá- la. TERMOS CORRETOS: escola comum; escola regular. Ver os itens7 e 51. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 190 26. “esta família carrega a cruz de ter um filho deficiente”: Nesta frase há um estigma embutido: ‘Filho deficiente é um peso morto para a família’. FRASE CORRETA: “esta família tem um filho com deficiência”. 27. “infelizmente, meu primeiro filho é deficiente; mas o segundo é normal”: A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável, ultrapassado. E a palavra infelizmente reflete o que a mãe pensa da deficiência do primeiro filho: ‘uma coisa ruim’. FRASE CORRETA: “tenho dois filhos: o primeiro tem deficiência e o segundo não tem”. 28. Intérprete do LIBRAS TERMO CORRETO: intérprete da Libras (ou de Libras). GRAFIA CORRETA: Libras. Libras é sigla de Língua de Sinais Brasileira: Li = Língua de Sinais, bras = Brasileira. “Libras é um termo consagrado pela comunidade surda brasileira, e com o qual ela se identifica.” Ele é consagrado pela tradição e é extremamente querido por ela. A manutenção deste termo indica nosso profundo respeito para com as tradições deste povo a quem desejamos ajudar e promover, tanto por razões humanitárias quanto de consciência social e cidadania. Entretanto, no índice linguístico internacional os idiomas naturais de todos os povos do planeta recebem uma sigla de três letras como, por exemplo, ASL (American Sign Language). Então será necessário chegar a uma outra sigla. Tal preocupação ainda não parece ter chegado na esfera do Brasil”, segundo CAPOVILLA (2001). É igualmente aceita a sigla LSB (Língua de Sinais Brasileira). A rigor, na grafia por extenso, quando se tratar da disciplina Língua de Sinais Brasileira, escreve-se em maiúsculo a letra inicial de cada uma dessas palavras. Mas, quando se referir ao substantivo composto, grafa-se “língua de sinais brasileira”, tudo em caixa baixa. Ver os itens 31, 32 e 33. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 191 29. Inválido (quando se referir a uma pessoa que tenha uma deficiência): A palavra inválida significa sem valor. Assim eram consideradas as pessoas com deficiência desde a Antiguidade até o final da Segunda Guerra Mundial. TERMO CORRETO: pessoa com deficiência. 30. Lepra; leproso; doente de lepra TERMOS CORRETOS: hanseníase; pessoa com hanseníase; doente de hanseníase. Prefira o termo as pessoas com hanseníase ao termo os hansenianos. A lei federal nº 9.010, de 29/03/95, proíbe a utilização da palavra lepra e seus derivados, na linguagem empregada nos documentos oficiais. Alguns dos termos derivados e suas respectivas versões oficiais são: “leprologia (hansenologia), leprologista (hansenologista), leprosário ou leprocômio (hospital de dermatologia), lepra lepromatosa (hanseníase virchoviana), lepra tuberculóide (hanseníase tuberculóide), lepra dimorfa (hanseníase dimorfa), lepromina (antígeno de Mitsuda), lepra indeterminada (hanseníase indeterminada)”. A palavra hanseníase deve ser pronunciada com o h mudo (como em haras, haste, harpa). Consultar BRASIL (1995). Mas, pronuncia-se o nome Hansen (do médico e botânico norueguês Armauer Gerhard Hansen) com o h aspirado. 31. LIBRAS - Linguagem Brasileira de Sinais GRAFIA CORRETA: Libras. TERMO CORRETO: Língua de sinais brasileira. Trata-se de uma língua e não de uma linguagem. Segundo CAPOVILLA (comunicação pessoal), “Língua de Sinais Brasileira é preferível a Língua Brasileira de Sinais por uma série imensa de razões. Uma das mais importantes é que Língua de Sinais é uma unidade, que se refere a uma modalidade linguística quiroarticulatória-visual e não oroarticulatória-auditiva. Assim, MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 192 há Língua de Sinais Brasileira porque é a língua de sinais desenvolvida e empregada pela comunidade surda brasileira. Não existe uma Língua Brasileira, de sinais ou falada”. Observe-se o título do livro Dicionário enciclopédico trilíngue da língua de sinais brasileira, v. I e II (CAPOVILLA & RAPHAEL, 2001). Ver os itens 28, 32 e 33. 32. Língua dos sinais TERMO CORRETO: língua de sinais. Trata-se de uma língua viva e, por isso, novos sinais sempre surgirão. A quantidade total de sinais não pode ser definitiva. Ver os itens 28, 31 e 33. 33. Linguagem de sinais TERMO CORRETO: língua de sinais. A comunicação sinalizada dos e com os surdos constitui um língua e não uma linguagem. Já a comunicação por gestos, envolvendo ou não pessoas surdas, constitui uma linguagem gestual. Uma outra aplicação do conceito de linguagem se refere ao que as posturas e atitudes humanas comunicam não-verbalmente, conhecido como a linguagem corporal. Ver os itens 28, 31 e 32. 34. Louis Braile GRAFIA CORRETA: Louis Braille. O criador do sistema de escrita e impressão para cegos foi o educador francês Louis Braille (1809-1852), que era cego. Ver os itens 52 e 53. 35. Mongolóide; mongol TERMOS CORRETOS: pessoa com síndrome de Down, criança com Down, uma criança Down. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 193 As palavras mongol e mongolóiderefletem o preconceito racial da comunidade científica do século 19. Em 1959, os franceses descobriram que a síndrome de Down era um acidente genético. O termo Down vem de John Langdon Down, nome do médico inglês que identificou a síndrome em 1866. “A síndrome de Down é uma das anomalias cromossômicas mais frequentes encontradas e, apesar disso, continua envolvida em ideias errôneas”... “Um dos momentos mais importantes no processo de adaptação da família que tem uma criança com síndrome de Down é aquele em que o diagnóstico é comunicado aos pais, pois esse momento pode ter grande influência em sua reação posterior.” (MUSTACCHI, 2000). Consultar PROJETO DOWN (s/d). Ver os itens 12 e 50. 36. Mudinho: Quando se refere ao surdo, a palavra mudo não corresponde à realidade dessa pessoa. O diminutivo mudinho denota que o surdo não é tido como uma pessoa completa. TERMOS CORRETOS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. Há casos de pessoas que ouvem (portanto, não são surdas), mas têm um distúrbio da fala (ou deficiência da fala) e, em decorrência disso, não falam. Ver os itens 46, 56 e 57. 37. Necessidades educativas especiais TERMO CORRETO: necessidades educacionais especiais. “A palavra educativo significa algo que educa. Ora, necessidades não educam; elas são educacionais, ou seja, concernentes à educação” (SASSAKI, 1999). O termo necessidades educacionais especiais foi adotado pelo Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica (Resolução nº 2, de 11-09-01, com base no Parecer CNE/CEB nº 17/2001, homologado pelo MEC em 15-08-01). Esta Resolução, durante o ano de 2005, está sendo reformulada pelo CNE. Consultar CNE (2001). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 194 38. O epilético (ou a pessoa epilética) TERMOS CORRETOS: a pessoa com epilepsia, a pessoa que tem epilepsia. Evite “o epilético”, “a pessoa epilética” e suas flexões em gênero e número. 39. O incapacitado (ou a pessoa incapacitada) TERMO CORRETO: a pessoa com deficiência. A palavra incapacitado é muito antiga e era utilizada com frequência até a década de 80. Evite “o incapacitado”, “a pessoa incapacitada” e suas flexões em gênero e número. 40. O paralisado cerebral (ou a pessoa paralisada cerebral) TERMO CORRETO: a pessoa com paralisia cerebral. Evite “o paralisado cerebral”, “a pessoa paralisada cerebral” e suas flexões em gênero e número. 41. “Paralisia cerebral é uma doença” FRASE CORRETA: “paralisia cerebral é uma condição” Muitas pessoas confundem doença com deficiência. 42. Pessoa normal TERMO CORRETO: pessoa sem deficiência; pessoa não deficiente. A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável e ultrapassado. 43. Pessoa presa (confinada, condenada) a uma cadeira de rodas. TERMOS CORRETOS: pessoa em cadeira de rodas; pessoa que anda em cadeira de rodas; pessoa que usa cadeira de rodas. Os termos presa, confinada MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 195 e condenada provocam sentimentos de piedade. No contexto coloquial, é correto o uso dos termos cadeirante e chumbado. 44. Pessoas ditas deficientes TERMO CORRETO: pessoas com deficiência. A palavra ditas, neste caso, funciona como eufemismo para negar ou suavizar a deficiência, o que é preconceituoso. 45. Pessoas ditas normais TERMOS CORRETOS: pessoas sem deficiência; pessoas não deficientes. Neste caso, o termo ditas é utilizado para contestar a normalidade das pessoas, o que se torna redundante nos dias de hoje. 46. Pessoa surda -muda GRAFIAS CORRETAS: pessoa surda ou, dependendo do caso, pessoa com deficiência auditiva. Quando se refere ao surdo, a palavra mudo não corresponde à realidade dessa pessoa. Diferencia-se entre deficiência auditiva parcial (perda de 41 decibéis) e deficiência auditiva total (ou surdez, cuja perda é superior a 41 decibéis), perdas essas aferidas por audiograma nas frequências de 500Hz, 2.000Hz e 3.000Hz, segundo o Decreto nº 5.296, de 02/12/05, arts. 5º e 70 (BRASIL, 2005). Ver os itens 36, 56 e 57. 47. Portador de deficiência TERMO CORRETO: pessoa com deficiência. No Brasil, tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996, o uso do termo portador de deficiência (e suas flexões no feminino e no plural). MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 196 Pessoas com deficiência vêm ponderando que elas não portam deficiência; que a deficiência que elas têm não é como coisas que às vezes portamos e às vezes não portamos (por exemplo, um documento de identidade, um guarda-chuva). O termo preferido passou a ser pessoa com deficiência. Aprovados após debate mundial, os termos “pessoa com deficiência” e “pessoas com deficiência” são utilizados no texto da Convenção Internacional de Proteção e Promoção dos Direitos e da Dignidade das Pessoas com Deficiência, em fase final de elaboração pelo Comitê Especial da ONU. Consultar SASSAKI (2003). Ver os itens 2 e 48. 48. PPD’s GRAFIA CORRETA: PPDs. Não se usa apóstrofo para designar o plural de siglas. A mesma regra vale para siglas como ONGs (e não ONG’s). No Brasil, tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996, o uso do termo pessoas portadoras de deficiência. Hoje, o termo preferido passou a ser pessoas com deficiência, motivando o desuso da sigla PPDs. Devemos evitar o uso de siglas em seres humanos. Mas, torna-se necessário usar siglas em circunstâncias pontuais, como em gráficos, quadros, colunas estreitas, manchetes de matérias jornalísticas etc. Nestes casos, a sigla recomendada é PcD, significando “pessoa com deficiência ”, ou PcDs para “pessoas com deficiência”. Esta construção é a mesma que está sendo um consenso atualmente em âmbito mundial. Em espanhol: PcD (persona condiscapacidad), tanto no singular como no plural, sem necessidade do “s” após PcD. Em inglês: PwD, também invariável em número (person with a disability, persons with disabilities, people with disabilities). Consultar SASSAKI (2003). Ver os itens 2 e 47. 49. Quadriplegia; quadriparesia TERMOS CORRETOS: tetraplegia; tetraparesia. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 197 No Brasil, o elemento morfológico tetra tornou-se mais utilizado que o quadri. Ao se referir à pessoa, prefira o termo pessoa com tetraplegia (ou tetraparesia) no lugar de o tetraplégico ou o tetraparético. Consultar BRASIL (2004). 50. Retardo mental, retardamento mental TERMOS CORRETOS: deficiência intelectual. São pejorativos os termos retardado mental, mongolóide, mongol, pessoa com retardo mental, portador de retardamento mental, portador de mongolismo etc. Tornaram-se obsoletos, desde 1968, os termos: deficiência mental dependente (ou custodial), deficiência mental treinável (ou adestrável), deficiência mental educável. Ver os itens 12 e 35. 51. Sala de aula normal TERMO CORRETO: sala de aula comum. Quando todas as escolas forem inclusivas, bastará o termo sala de aula sem adjetivá-la. Ver os itens 7 e 25. 52. Sistema inventadopor Braile GRAFIA CORRETA: sistema inventado por Braille. O nome Braille (de Louis Braille, inventor do sistema de escrita e impressão para cegos) se escreve com dois l (éles). Braille nasceu em 1809 e morreu aos 43 anos de idade. Ver os itens 34, 53 e 58. 53. Sistema Braille GRAFIA CORRETA: sistema braile. Conforme MARTINS (1990) grafa-se Braille somente quando se referir ao educador Louis Braille. Por ex.: ‘A casa onde Braille passou a infância (...)’. Nos demais casos, devemos grafar: [a] braile (máquina braile, relógio braile, dispositivo eletrônico braile, sistema braile, biblioteca braile etc.) ou MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 198 [b] em braile (escrita em braile, cardápio em braile, placa metálica em braile, livro em braile, jornal em braile, texto em braile etc.). NOTA: Em 10/07/05, a Comissão Brasileira do Braille (CBB) recomendou a grafia “braille”, com “b” minúsculo e dois “l” (éles), respeitando a forma original francesa, internacionalmente empregada (DUTRA, 2005), exceto quando nos referirmos ao educador Louis Braille. Ver os itens 34, 52 e 58. 54. “sofreu um acidente e ficou incapacitado” FRASE CORRETA: “teve um acidente e ficou deficiente”. A palavra sofrer coloca a pessoa em situação de vítima e, por isso, provoca sentimentos de piedade. 55. Surdez-cegueira GRAFIA CORRETA: surdocegueira. No que se refere à comunicação das (e com) pessoas surdocegas, existem a libras tátil (libras na palma das mãos) ou o tadoma (pessoa surdocega coloca sua mão no rosto do interlocutor, com o polegar tocando suavemente o lábio inferior e os outros dedos pressionando levemente as cordas vocais). O método tadoma foi utilizado pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1926, quando Sophia Alcorn conseguiu comunicar-se com os surdocegos Tad e Oma, nomes que deram origem à palavra “tadoma”. Ver o item 22. 56. Surdinho TERMOS CORRETOS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. O diminutivo surdinho denota que o surdo não é tido como uma pessoa completa. Os próprios cegos gostam de ser chamados cegos e os surdos de surdos, embora eles não descartem os termos pessoas cegas e pessoas surdas. Ver os itens 36, 46 e 57. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 199 57. Surdo-mudo GRAFIAS CORRETAS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. Quando se refere ao surdo, a palavra mudo não corresponde à realidade dessa pessoa. Ver os itens 36, 46 e 56. 58. Texto (ou escrita, livro, jornal, cardápio, placa metálica) em Braille GRAFIAS CORRETAS: texto em braile; escrita em braile; livro em braile; jornal em braile; cardápio em braile; placa metálica em braile. Consultar DUTRA (2005). Ver NOTA no item 53. 59. Visão sub-normal GRAFIA CORRETA: visão subnormal. TERMO CORRETO: baixa visão. Existem quatro condições de deficiência visual: 1. Cegueira (acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica); 2. Baixa visão (acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica); 3. Casos cuja somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; 4. Ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores, de acordo com o Decreto nº 5.296, de 02/12/04, arts. 5º e 70 (BRASIL, 2004). Ver o item 6. 15. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brito, A.M.W. & Dessen, M.A. (1999). Crianças surdas e suas famílias: um panorama geral. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12, 429-445. Amaral, L. A. ( 1995). Conhecendo a Deficiência (em companhia de Hércules} São Paulo: Robe Editorial. AMARAL, L. A. Pensar a diferença/deficiência. Brasília, DF: CORDE, 1994. MÓDULO II Prof. Wilson Candido Braga Email: prof.wilsoncandido@gmail.com 200 Aranha, M.S.F. (1991). A interação social e o desenvolvimento de relações interpessoais do deficiente em ambiente integrado. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo. Aranha, M.S.F. (1995). Integração social do deficiente: análise conceitual e metodológica. Temas em Psicologia, 2, 63-70. Ardore, M.; Regen, M. & Hoffmann, V. M. B. (1998). Eu Tenho um irmão Deficiente... Vamos Conversar Sobre Isso? 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