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Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA MENINGITES: As meningites representam as principais doenças infecciosas do sistema nervoso, acometendo não só suas camadas de proteção, como também o espaço entre elas. Organização anatômico-estrutural das meninges No que se refere à sua etiologia, esses quadros podem ter caráter bacteriano, viral ou fúngico. Há também diversas doenças sistêmicas com sintomas similares com a meningite, como a neurotuberculose, neurossífilis e a infecção por HIV. MENINGITE BACTERIANA: A meningite bacteriana, que na realidade também acomete o parênquima cerebral, é descrita como uma infecção purulenta, tendo como manifestações comuns o rebaixamento do nível de consciência, convulsões e o aumento da pressão intracraniana. Ainda que possa acometer todas as faixas etárias, as crianças < 5 anos representam a maior parte dos casos. No que se refere à etiologia desse quadro, para as meningites adquiridas na comunidade, as bactérias mais comumente identificadas são: Streptococcus pneumoniae: é o patógeno mais comum em adultos, e o mais frequente no exterior. Suas infecções apresentam maior gravidade, podendo causar sequelas importantes o Fatores de risco para o contágio: pneumonia, traumatismo cranioencefálico, asplenia, etilismo, diabetes, anemia falciforme, deficiências na produção de imunoglobulinas, etc. Neisseria meningitidis: o meningococo é a bactéria mais frequentemente associada à meningite no Brasil. É menos letal e raramente causa déficits após a cura. Existem diferentes sorogrupos para esse patógeno, sendo os mais relacionados à doença os A, B, C, Y, W e X. o Fatores de risco para o contágio: deficiência em um ou mais fatores do sistema complemento. Haemophilus influenzae B: tem tido cada vez menos participação no desenvolvimento das meningites, graças ao bloqueio vacinal. Mesmo que apresente baixa letalidade, pode implicar em sequelas importantes, como a surdez neurossensorial; Listeria monocytogenes: representa a segunda principal causa de meningite em idosos, atrás apenas dos pneumococos. Por esse fator, apresenta letalidade significativa. o Fatores de risco para o contágio: gestação e imunodeficiências (transplantes, neoplasias ou terapias imunossupressoras). Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis: associam-se ao desenvolvimento de infecções após procedimentos neurocirúrgicos diversos. Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA O S. aureus, juntamente ao Pseudomonas aeruginosa, também pode desencadear meningite pós- punção lombar. Etiologias principais 0-3 meses Streptococus agalactiae, Listeria monocytogenes, enterobactérias (E. coli, Klebsiella pneumoniae, etc.) 3 meses – 18 anos Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae, Hamophilus influenzae B 18-50 anos Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae B > 50 anos Streptococcus pneumoniar, Listeria monocytogenes, e enterobactérias Principais bactérias causadoras de meningite por faixa etária FISIOPATOLOGIA: O surgimento da meningite bacteriana está diretamente associado ao desequilíbrio entre fatores de virulência e as defesas do hospedeiro, culminando no cruzamento da barreira hematoencefálica (BHE) e na multiplicação destes no líquor. A colonização de mucosas respiratórias é o primeiro passo para o desenvolvimento de infecções, sendo associada à fixação de pili ou fímbrias em sítios celulares diversos (ex.: PAFR, receptores β2-adrenérgicos). Outro processo importante é a evasão imune pela secreção de IgA protease, enzima que degrada anticorpos típicos do epitélio mucoso. Já na corrente sanguínea, a sobrevivência dos patógenos é dependente da evasão da via alternativa do sistema complemento, mediada principalmente pelos polissacarídeos capsulares dos microrganismos. Assim, sobrevivendo às respostas bactericidas do hospedeiro, os patógenos podem cruzar a BHE e penetrar o líquor. O SNC, ao contrário da circulação sistêmica, promove intensa ativação inflamatória e migração leucocitária, contribuindo para a injúria tecidual observada na meningite. No entanto, observa-se que esse é um ambiente propício à multiplicação intensa de bactérias, graças a respostas humorais ineficientes (baixa opsonização). Respostas imunes à invasão bacteriana na barreira hematoencefálica, e consequências da inflamação local A lise bacteriana resultante dessas reações leva à liberação de diversas substâncias presentes em sua parede celular (ex.: lipopolissacarídeos e proteoglicanos), que estimulam a produção de citocinas inflamatórias (IL-1 e TNF-α, por exemplo), Após a fixação inicial, são desencadeadas vias intra e extracelulares de invasão, disseminando o patógeno a partir da ligação de adesinas a estruturas previamente saudáveis. O foco de entrada no SNC não é bem definido, podendo ser associado tanto à quebra da integridade endotelial, à fixação em receptores endógenos ou à disseminação direta para fibras nervosas Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA que desempenham diversos papéis na patogênese da meningite: Aumento da permeabilidade capilar na BHE: induz o surgimento de edema cerebral vasogênico; O exsudato formado por leucócitos e proteínas pode causar bloqueio na reabsorção de LCR, promovendo hidrocefalia e edema intersticial. Surgimento de selectinas no endotélio: esses receptores estimulam a já mencionada migração de leucócitos, cuja degranulação e produção de EROS agrava ainda mais o dano celular; Perda da autorregulação cerebrovascular: torna o indivíduo mais susceptível a alterações na pressão arterial média, desenvolvendo isquemias (hipotensão) ou piora do edema (hipertensão); Lesões vasculares: induzem não só trombose, como também a disseminação bacteriana ao parênquima, criando abcessos cerebrais. Eventos fisiopatológicos na meningite bacteriana APRESENTAÇÕES CLÍNICAS: A meningite bacteriana tem sintomas que são contemplados por três síndromes simultâneas, sendo que a presença de ao menos duas já é bastante sugestiva do diagnóstico. Elas são: Síndrome toxêmica: é presente em múltiplas infecções graves, cursando com febre alta (presença do sinal de Faget), prostração, mal-estar e agitação psicomotora; Síndrome de irritação meníngea: caracterizada pela presença de sinais semiológicos específicos. o Rigidez de nuca: ao tentar fletir o pescoço do paciente, em decúbito dorsal, há contratura reflexa dos músculos cervicais posteriores; o Sinal de Kernig: pode ser determinado por dor ao tentar estender a perna fletida; Execução de manobra com sinal de Kernig positivo o Sinal de Brudzinski: há flexão involuntária da perna após fletir a cabeça do paciente; Sinal de Brudzinski positivo Possíveis isquemias decorrentes da compressão de vasos subaracnóideos podem gerar AVE, convulsões e edema citotóxico Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA o Sinal do desconforto lombar: sensação de choque na região lombar ao solicitar que o paciente empurre a perna fletida contra resistência. Síndrome de hipertensão intracraniana: conta com cefaleia holocraniana intensa, náuseas, vômitos (precedidos por náusea ou em jato), fotofobia e confusão mental No que se refere ao quadro e evolução clínica da meningite bacteriana, por sua vez, há instalação súbita da tríade clássica de febre, cefaleia e rigidez de nuca, observada na maioria dos casos. O supracitado edema cerebral é frequentemente associado ao rebaixamento do nível de consciência, observado em ¾ dos pacientes. A elevação da pressão intracraniana,por sua vez, pode ocasionar papiledema, paralisia do VI par craniano e reflexo de Cushing (bradicardia, hipertensão arterial e arritmia respiratória). A fotofobia também é uma alteração comum, associada a distúrbios na reatividade pupilar. Cerca de 40% dos pacientes podem apresentar convulsões durante o curso da doença, sejam focais (por isquemia ou trombose), ou generalizadas (hiponatremia, anóxia ou reação ao tratamento). A meningocococcemia (sepse meningocócica) pode levar ao desenvolvimento de petéquias semelhantes às de uma doença exantemática viral, ainda nas primeiras horas do quadro. Apresentação do rash cutâneo em pacientes com infecção meningocócica De acordo com o nível de comprometimento ao encéfalo, o indivíduo pode ainda desenvolver tremores, paralisia, hipoacusia, transtornos pupilares, ptose e oftalmoplegia, esta última mais frequente em quadros pneumocócicos. Crianças < 2 anos normalmente não apresentam sinais de irritação meníngea, porém a hipótese diagnóstica é mantida pela presença de sintomas como grito meníngeo (irritação ao ser manipulada na troca de fralda), febre e choro persistente. O abaulamento da fontanela pode ser um sinal importante observado no exame físico. DIAGNÓSTICO: O exame para confirmação diagnóstica da meningite, independentemente de sua etiologia, é a punção lombar, que deve ser realizada primariamente nos espaços L3- L4, L4-L5 ou L5-S1. Observa-se que, no entanto, uma hemocultura deve ser coletada como exame inicial, de forma a evitar a influência de tratamentos empíricos. Em casos de meningite associada à meningocococcemia, a hemocultura costuma ser positiva, e biópsias das lesões revelam a presença de bactérias, identificáveis pelo método de Gram Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Na população adulta, são indicações para a punção lombar: Febre (com sinais de síndrome toxêmica ou de origem indeterminada); Cefaleia associada a vômitos; Sinais de irritação meníngea; Comprometimento do estado mental. A única contraindicação absoluta à coleta de LCR é a presença de infecções cutâneas no sítio escolhido para puncionar. Até mesmo pacientes com hipertensão intracraniana podem ser submetidos a essa análise, desde que conte com profissional especialista e manometria. Em algumas situações, a punção deve ser precedida por exames de neuroimagem, de forma a excluir a presença de massas que provoquem herniações no primeiro procedimento. Esses casos são: Pacientes com neoplasias ou outras formas de imunocomprometimento; TCE recente; Alterações do nível de consciência; Papiledema; Déficits neurológicos focais. Fluxograma geral para a avaliação diagnóstica da meningite bacteriana Após a punção lombar, ocorre o estudo do LCR, que tem como pontos mais importantes os seguintes: Pressão de abertura: medida com o paciente em decúbito lateral, sugere rompimento da BHE quando aumentada (> 18 cmH2O); Coloração: a presença de elementos figurados torna o líquor turvo (normalmente é límpido) e potencialmente purulento; Acidentes durante a punção podem causar xantocromia, que cessa após centrifugação do líquor. Contagem de células: normalmente há pleocitose (> 100 células/mm³) e predomínio de polimorfonucleares (neutrófilos) na fase aguda, posteriormente evoluindo com aumento de linfócitos e eosinófilos; Infecções por Listeria monocytogenes podem cursar com predomínio de mononucleares. Dosagem de proteínas: encontra-se elevada (> 45 mg/dL) em decorrência do rompimento da BHE, revelando fragmentos de mediadores imunes; Dosagem de glicose: deve ser analisada com a razão glicose liquórica/glicose do soro, estando diminuída (< 40 mg/dL OU relação < 0,4) como reflexo da fagocitose bactericida; Pesquisa de antígenos bacterianos: Justifica-se a realização de punção lombar em caso de se sinais de sepse em crianças de até 2 anos pois o quadro clínico é bastante inespecífico A captação difusa de contraste nas meninges é o principal achado na ressonância magnética, porém pode ser causada por qualquer disfunção que aumente a permeabilidade da BHE Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA o Aglutinação pelo látex: utiliza partículas sensibilizadas por antissoros em placas para determinar a presença de antígenos em diversos fluidos. Há especificidade de até 100% para meningococo (resultados positivos podem confirmar etiologia), ainda que a sensibilidade geral não seja tão elevada. o PCR: apresenta boa sensibilidade e especificidade, promovendo a detecção do material genômico de bactérias pouco reativas aos meios de cultura. Não é influenciada pelo início do tratamento empírico. Coloração de Gram: permite identificar características bacterianas relevantes para o diagnóstico etiológico, além de ser um exame barato e de rápida execução; Bactéria Características microbiológicas Streptococcus pneumoniae Diplococos Gram- positivos Neisseria meningitidis Cocos/diplococos Gram- negativos Haemophilus influenzae B Cocobacilos Gram- negativos Listeria monocytogenes Bacilos/bastonetes Gram- positivos Estaphilococcus Cocos “em cacho” Gram- positivos Particularidades microbiológicas na meningite bacteriana Cultura: a semeadura em placas de ágar costuma ser positiva em 80-90% dos pacientes (resultados negativos não descartam o diagnóstico), consolidando a etiologia do patógeno. Resumo das alterações liquóricas na meningite bacteriana Os perfis bioquímicos básicos, assim como o hemograma, também podem ser solicitados como forma de avaliar possíveis diagnósticos diferenciais, tais como: Doenças exantemáticas virais; Infecções de vias aéreas superiores; Sepse por outras etiologias; Febre hemorrágica (ex.: dengue); Febre maculosa; Malária; Neurossífilis; Tuberculose. TRATAMENTO: A meningite bacteriana, por ser uma emergência infecciosa, requer tratamento imediato com antibioticoterapia empírica, que pode ser iniciada pouco antes da coleta do líquor, reduzindo drasticamente a mortalidade da doença. A mesma regra deve ser aplicada aos pacientes que necessitam de exames de imagem antes da punção lombar. Essa terapia inicial deve ser baseada no uso de drogas com alta cobertura para pneumococo, como as cefalosporinas de 3ª geração (cefotaxima ou ceftriaxona). Ressalta-se que a adição empírica de vancomicina não é necessária de Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA acordo com as referências nacionais. Tratamento empírico das meningites por faixa etária Frente a uma cultura positiva para S. pneumoniae, a cefalosporina pode ser administrada em monoterapia, ou ser substituída por penicilina cristalina. De acordo com o Ministério da Saúde, os pneumococos resistentes à penicilina devem ser tratados por meio da combinação cefalosporina + vancomicina. Na necessidade de combate a Pseudomonas, podem ser empregados o carbapnêmicos (meropenem), e outras cefalosporinas de 3ª e 4ª geração (ceftazidime e cefepima, respectivamente). A cobertura para Listeria monocytogenes requer a adição de ampicilina (ou sulffametoxazol/trimetropima) ao esquema básico para pneumococos. A rifampicina, por sua vez, tem indicação de aplicação clínica nas seguintes situações: Piora clínica após 24-48h de tratamento com cefalosporina e vancomicina; Falha na esterilização do líquor; Identificação de pneumococos altamente resistentes às cefalosporinas. Medicamentos para o tratamento específico das meningites bacterianas O uso de corticoides, como a dexametasona, pode ser indicado como forma de minimizar exacerbações e sequelas,principalmente na meningite pneumocócica. Sua administração deve ser feita preferencialmente antes da primeira dose de antimicrobianos, persistindo por 4 dias (40 mg IV em adultos, 0,6 mg/kg IV em crianças). As contraindicações ao uso desses glicocorticoides são: Insegurança quanto à etiologia bacteriana; Histórico recente de uso de antibióticos endovenosos; Hipersensibilidade medicamentosa; Trauma cranioencefálico; O uso de ceftriaxona em neonatos é contraindicado, pois pode causar kernicterus (optar por cefotaxima) Não deve ser feito uso da vancomicina como monoterapia, pois ela apresenta baixa penetração ao LCR quando isolada A resposta terapêutica costuma ser rápida, com regressão da confusão e da febre em até 12h, ainda que a irritação meníngea persista por mais alguns dias Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Instalação prévia de sistemas de derivação de líquor; Meningite bacteriana de origem hospitalar. Além do tratamento com antimicrobianos, algumas medidas gerais que devem ser implementadas durante o tratamento são: Isolamento respiratório por 24 horas (se causada por pneumococo ou Haemophilus); Hidratação com solução isosmolar; Administração de manitol (0,5-1,0 g/kg IV, com manutenção de 0,25 g/kg a cada 4 horas); Uso de diazepam e hidratoína/fenobarbital (em caso de convulsões); Início de ventilação mecânica (se coma ou alterações respiratórias importantes). Após 72 horas de tratamento, uma nova punção lombar pode ser indicada para avaliação terapêutica sobre a composição do líquor. Contudo, algumas situações, como a evolução clínica adequada, descartam a necessidade de repetição do exame. COMPLICAÇÕES DA MENINGITE BACTERIANA: A presença de febre prolongada suscita a necessidade de investigar possíveis complicações da meningite, como: Coma (decorrente de lesões vasculares ou herniação pelo aumento da PIC); Choque séptico (principalmente na meningite meningocócica); Comprometimento do VII e VIII par craniano; Secreção inapropriada do ADH (agravamento do edema cerebral por hiponatremia); Efusão subdural estéril e empiema (retorno da febre e piora clínica com coleções de secreção, estéril ou purulenta, respectivamente); Ventriculite (comum na meningite por enterobactérias, causa hidrocefalia em decorrência da inflamação local); Hidrocefalia; Sequelas (surdez, hemiplegia, cefaleia e atrasos no desenvolvimento intelectual e neuropsicomotor). Cabe ressaltar que algumas situações induzem maior risco de prognósticos negativos na meningite, como o rebaixamento do nível de consciência, convulsões, extremos etários, elevação da PIC, necessidade de suporte avançado de vida, retardo na antibioticoterapia e líquor com alterações exacerbadas. PROFILAXIA: A quimioprofilaxia para meningite meningocócica, apesar de não implicar em proteção absoluta, é indicada para prevenir casos secundários em contactantes íntimos do paciente, bem como nele mesmo, no período imediato após a alta. Idealmente, deve ser realizada de forma precoce, porém ainda apresenta eficácia quando usada em até 30 dias após o contato. A droga de escolha é a rifampicina (600 mg para adultos e 10 mg/kg para crianças, 12/12h), mantida por dois dias. Referências internacionais sugerem o uso de ceftriaxone em dose única para gestantes, porém o MS não emprega essa recomendação em seus protocolos. São considerados contactantes íntimos todos aqueles que possam ter sido expostos à saliva do doente, como crianças (compartilhamento de brinquedos em creches), familiares e profissionais de saúde (durante a IOT) Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Outras opções, ambas em dose única por via oral, são a azitromicina (500 mg) e o Ciprofloxacino (500-700 mg). Em casos de meningite por Haemophilus influenzae B, recomenda-se a quimioprofilaxia aos familiares somente na presença de crianças susceptíveis (não vacinadas e menores de 5 anos) ou outros imunocomprometidos. Nessa condição, todos os membros deverão receber o medicamento, assim como o paciente, de forma a erradicar reservatórios na orofaringe (exceto se o tratamento empregar ceftriaxona). A rifampicina também é o medicamento escolhido, porém em dosagem distinta, com 600 mg para adultos e 20 mg/kg/dia em crianças, por 4 dias (uma dose diária). A vacina antimeningocócica para o sorogrupo C está incluída no calendário nacional de imunização, com doses aos 3 e 5 meses, e reforço aos 12 meses, podendo ser expandida para outros grupos em caso de surtos ou epidemias, para bloqueio vacinal. Também há vacinas contra o hemófilo tipo B, a ser aplicada em todas as crianças com até 5 anos de idade, preferencialmente aplicadas aos 2, 4 e 3 meses de idade, porém podendo ser usada em dose única em crianças maiores de 1 ano. Indivíduos de 5 a 19 anos que apresentam susceptibilidade elevada a essa infecção (anemia falciforme, asplenia, imunossupressão e neoplasia) também devem ser vacinados. As infecções por pneumococos são cobertas pela vacina pneumocócica (23- valente ou VPC10), administrada em idosos institucionalizados e crianças, respectivamente, sendo esse último esquema dividido em doses aos 2, 4 e 12 meses. OUTRAS MENINGITES: MENINGITES VIRAIS: As meningites virais são frequentemente causadas por enterovírus (coxsackie, por exemplo), mas também podem ser associadas ao EBV, herpes-simplex (principal causa de episódios recorrentes), varicela-zóster, vírus do sarampo e, mais recentemente, Zika vírus. Indivíduos com vida sexual ativa devem ser triados para infecções por HIV. O quadro clínico costuma ter menor gravidade, marcado pela mesma tríade de cefaleia, febre e irritação meníngea, ainda que esta última não seja acompanhada pelos sinais de Kernig e Brudzinski na maioria dos casos. Outras manifestações observadas são mialgia, dor abdominal, fotofobia, sonolência, náusea, vômitos e diarreia. Confusão mental não é comum. O diagnóstico é feito a partir da análise liquórica, que revela aspecto límpido e transparente, com aumento leve de proteínas totais, sem elevação da glicose. Além disso, técnicas de detecção genômica podem ser usadas para estabelecer o agente viral responsável pelo quadro, tanto com líquor quanto pelo soro. Não há recomendação para a profilaxia medicamentosa contra meningite pneumocócica Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Comparação das características do líquor na meningite viral O tratamento é basicamente voltado a medidas de suporte, como a reposição hidroeletrolítica e o uso de sintomáticos. Em caso de dúvidas no diagnóstico, antibioticoterapia empírica deve ser iniciada até que a etologia seja especificada. O uso de antivirais, como aciclovir, pode apresentar benefícios na meningite herpética e em casos graves decorrentes do EBV e do varicela-zóster, durante 7 a 14 dias, idealmente por via oral. Em caso de meningite por HIV, a terapêutica deverá ser mediada por antirretrovirais. É recomendada a repetição da punção lombar em 12 horas após o início do tratamento, na qual se espera mudança na celularidade do LCR para mononucleares. MENINGITES TUBERCULOSA: A meningite tuberculosa reflete uma das formas mais graves da infecção pelo Mycobacterium tuberculosis, com elevado potencial de mortalidade e desenvolvimento de sequelas nos sobreviventes. Em crianças, essa manifestação costuma ser parte da tuberculose primária, ao passo que os adultos desenvolvem essa complicação muito depois do contato inicial com o bacilo. No que se refere ao quadro clínico, sua instalação é semelhante à meningite subaguda, com três fases evolutivas: Pródromo (1 a 2 semanas): febre, mal- estar, mialgia, sonolência, irritabilidade/apatia (em crianças), inapetência, cefaleia, anorexia, dor abdominal e sintomas respiratórios inespecíficos; Fase meníngea: presença de febre, cefaleia e sinais de irritação meníngea, bem como hemiparesia, desorientação e acometimento de nervos cranianos; Fase avançada: coreoatetose (movimentos involuntários), crises convulsivas, hemiplegia, torpor e coma. Essa forma de tuberculose também pode cursar como uma encefalite, marcada por cefaleia, alteração do nível de consciência e convulsões, com irritação meníngea pouco significativa ou ausente. O diagnóstico é inicialmente presuntivo, a partir de exames de imagem e da análise do líquor, sendo essa última a prova confirmatória. A radiografia de tórax revela achados compatíveis com tuberculose pulmonar, ao passo que a tomografia de crânio aponta hidrocefalia (geralmente com hipercaptação basal) e tuberculomas. Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA Presença de hiperdensidade em cisternas basaia (A) e tuberculomas (B) em pacientes com meningite tuberculosa O processamento do líquor revela pressão de abertura elevada, hiperproteinorraquia (entre 100 e 500 mg/dL), pleocitose linfocitária (também entre 100 e 500 células/mm³) e hipoglicorraquia (< 40 mg/dL). Normalmente a baciloscopia nesse líquido não é positiva, mas a cultura revela a presença do bacilo. Comparação liquórica entre meningites bacterianas e a apresentação tuberculosa O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causas de meningite subaguda, envolvendo infecção por criptococos, linfoma e sífilis, bem como com a meningite bacteriana. O tratamento da meningite tuberculosa deve seguir um esquema básico de ao menos 9 meses, com dose de ataque de rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol durante dois meses, e um período de manutenção de sete meses apenas com rifampicina e isoniazida. Seu início deve ser feito tão logo for levantada a suspeita clínica para infecção por tuberculose. Esquema terapêutico básico para a meningite tuberculosa Punções lombares de controle devem ser feitas a cada duas semanas em caso de proteinorraquia acentuada, até a normalização desses parâmetros. Normalmente, quando diagnosticada precocemente, o prognóstico é bom, porém nas fases meníngea e avançada, há elevado risco de sequelas importantes, como deficiências auditivas e visuais, alterações motoras e atraso no desenvolvimento. MENINGITES FÚNGICAS: As meningites fúngicas são consideradas infecções oportunistas do SNC, ocorrendo principalmente em condições de imunossupressão (neoplasias, uso de drogas, AIDS). Seus agentes etiológicos mais comuns são Cryptococcus sp., Candida sp., e Aspergillus sp.. Os sinais clínicos são semelhantes aos quadros anteriores, ressaltando que a febre pode não estar presente. Há também Júlia Figueirêdo – DISTÚRBIOS SENSORIAIS E DA CONSCIÊNCIA ocorrência de demência progressiva, comprometimento visual, hidrocefalia e paralisia permanente de nervos cranianos. O diagnóstico é realizado pela coleta do LCR, que apresenta proteínas totais aumentadas, com hipergamaglobulinemia e pleocitose linfocítica, além da diminuição de glicose. Podem ser realizados testes de cultura e provas bioquímicas específicas, como a tinta da China, para determinação do agente etiológico. Aspectos do líquor na meningite fúngica, comparada à meningite bacteriana O tratamento dessa infecção consiste no uso de antifúngicos intravenosos, como a anfotericina B, fluconazol, flucitosina e itraconazol.
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