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Dimensões Culturais da Globalização (Arjun Appadurai)

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:;' , 
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ARJUN APPADURAI é professor de antropologia e de línguas e 
civilizações da Ásia meridional na Universidade de Chicago, cidade 
onde foi a'nteriormente director do Chicago Humanities Institute, 
Entre as suas muitas publicações contam-se: Worship a.nd Conflict 
under Colonial Rule (Cambridge, 1981), The Social Life of Things 
(director de edição na Cambridge University Press, 1986) e Gender, 
, Genre and Power (como co-editor da University of Pennsylvania 
Press, '1991). É director do Globalization Project na Universidade 
de Chicago e trabalha actualmente sobre a relação entre violência , 
étnica e representações do território nos modernos estados-nação. 
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I 
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I', 
ARJUN APPADURAI 
Dimensões Culturais 
da Globalização 
A modernidade sem pelas , 
Tradução de 
TeIma Costa 
Revisão científica 
Conceição Moreira 
teorema 
. (JOO 
· . 
© 1996. Regents of the Uni versity of Minnesota 
Título originaI: Modernity at Large - Cultural Dimensions oJ Globalizacion 
Tradução: Telma Costa 
Revisão científica: Conceição Moreira 
Capa: Fernando Mateus ' 
Composição e paginação: Rui Miguens de Almeida 
lmpressão e Rainha & Neves. Ldao 1 Santa Maria da Feira 
I;ste livro foi impresso no mês de Dezembro de 2004 
:S BN: .972-695-612-9 
Depósito legal no' 219595104 
;\õdos os direitos reservados por 
EDITORIAL TEOREMA. LDAo 
Padre Luís Aparício o 9 - la Frente 
I : 50-148 Li sboa 1 Portugal 
"relef.: 213129131 - Fax:::1 352 14 80 
t ornail: mail @editorialteorema.pt 
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Para o meu filho Alok, 
meu abrigo no mundo 
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Agradecimentos 
Este livro foi escrito ao longo de um peqodo de seis anos e durante esse 
tempo, benefiCiei docontacto com muitas pessoas e instituições. A ideia do 
livro tomou formadurante 1989-90, os anos em que fui MacArthur FelIow 
no Instituto de Estudps Avançados, em Princeton. Partes dele foram escritas 
enquanto estive na Universidade da Pensilvânia como co-director do Centro 
de Estudos Culturais Transnacionais. Foi terminado na Universidade de 
Chicago, onde participei em um sem-número de conversas interdisciplina:-
res no Instituto'de Humanidades, em ChÍcago, e onde beneficiei das ener-
gias do Projecto Globalização. Ainda em Chicago e durante este período, 
as conversas e debates no Centro de Estudos Transculturais (antigo Centro , 
. de Estudos Psicossociais) foram fonte de frutuos.as perspectivas nacionais 
e internacionais. 
Recebi proveitosas críticas e sugestões sobre as várias partes e versões 
\ dos capítUlos deste livro das seguintes pessoas: Lila Abú-Lughod, Shahid 
Arriín, Tala! Asad, Fredrik Barth, Sanjiv Baruah, Lauren Berlant, John 
Brewer, Partha ChatteIjee, Fernando Coronil, Valentine Daniel, Micaela 
di Leonardo, Nic.holas Dirks, Virginia Dominguez, Richard Fardon, Mi-
chael Fischer, Richard. Fox, Sandria Freitag, S,:!san Gal, Clifford Geertz, 
Peter Geschiere, Michael Geyer, Akhil Gupta, Michael Hanchard, Miriam 
7 
ARJUN APPADURAI 
Hansen, Marilyn Ivy, Orvar Lofgren, David Ludden, John MacAloon, 
Achille Mberribe, Ashis Nandy, Gyanendra Pandey, Peter Pels,Roy Por-
ter, Moishe Postone, Paul Rabinow,.Bruce Robbins, Roger Rouse, Mars-
hall Sahlins, Lee Schlesiriger, Terry Smith, Stanley J. Tambiah, Charles 
, . 
Taylor, Michel-Rolph Trouillot, Gieg Urban, Ashutosh Varshney, Toby 
- Volkman, Myron Weiner e Geoffrey White. Aos que inadvertidamente es-
queci, as minhas sinceras desculpas. 
Um pequeno número de pessoas merece uma menção especial pelo 
seu apoio mais generalizado e O meu professor, amigo e co-
lega Bernard S. Cohn deu-me, em 1970, o sinal de partida para uma via-
gem através da antropologia e da história e tem sido desde então uma 
inesgotável fonte de ideias, de amizade e de crítica realista. Nancy Far-
riss manteve-me sempre atento aos desafios da comparação histórica e 
, ao significado da fidelidade ao arquivo. Ulf Hannerz é o meu parceiro 
para o estudo da res global desde '1984, ano que passámos juntos no 
Centro de Estudos Avançados em Ciências do Corriportamento (PaIo 
Alto). Peter van der Veer, em Filadélfia como em Amesterdão, é uma 
fonte inesgotável de amizade, humor e debate de ideias. John e Jean Co-
maroff, graças à sua cultura e à sua estimulante presença no departamen-
to de Antropologia da Universidade de Chicago, contribuíram de muitas 
formas para a elaboração deste livro. Sherry Ortner apoiou o projecto 
desde o princípio e proporcionou uma das duas cuidadosas e sugestivas 
leituras do manuscrito para a University of Minnesota Press. Estou 
igualmente grato ao seguIldo leitor, anónimo. Dilip Gaonkar e Benjamin 
Lee (os directores da colecção que inclui este 'livro) foram amigos, co-
legas e interlocutores sob muitas e variadas formas. Homi Bhabha, Jac-
queline Bhabha, Dipesh Chakrabarty, Steven Collins, PrasenjitDuara e 
Sheldon Pollock proporcionaram-me uma comunhão de ideias que, ao 
mesmo tempo que se ia formando, me ajudava a completar este livro 
a imaginar muitos outros para o futuro. 
Lisa directora da University of Minriesota Press, e Janaki 
Bakhle (àrHeriormente na Press) estiveram sempre ao meu lado, num mis-
to de paciência e estímulo, sugestões críticas e saber editorial. 
8 
DIMENSÕES CULTURAIS DA .GLOBALIZAÇÃO ur 
Muitos foram os alunos que, tanto na Universidade da Pensilvânia r 
como na de Chicago, constituíram uma fonte de inspiração e de énergia. , .1, 
Devo fazer menção espeéial daqueles cujo trabalho enriqueceu as ideias Ü l; I 
contidas neste livro: Brian Axel, William BisseU, Caroline Cleav.es, Ni-
cholas De Genova, Victoria Farmer, Gautam Ghosh, Manu Goswami, O t 
Mark Liechty, Anne Lorimer, Caitrin Lynch, Jacqui McGibbon, Vy- ' 
J. ayanthi Rao, Frank RomaoO'osa, Philip Scher, Awadendhra Sharan, Sarah r" I .. ) ,I Strauss, RacheI Tolen, Amy Trubek e Miklos Votos. Eve Darian-Smith, Ç) : Ritti Lukose e Janelle Taylor merecem menção especial, quer pelo con- . 1 
tributo intelectual dado a este livro, quer pela sua assistência Cai- , O i 
trin Lynch fez um esplêndido trabalho no índice. Entre outros, participa-: O, 
ram também no complexo processo de produção deste texto Namita Gupta O 
Wiggers e Lisa McNair. 
A minha família viveu com este livro, sempre generosamente mas por 
vezes sem saber que o fazia. A. minha mulher e colega; Carol A. Brec-
kenridge, est'á de certo modo presente em tOdas as páginas: este livro é 
mais um documento da aventura das nossas vidas. O meu filho Alok, a 
quem este livro é tornou-se adulto com ele. A sUa capacidade 
de amare a sua paixão pela vida têm velado para que eu nunca esqueça 
que os livros não são o mundo: são sobre o mundo. 
9 . 
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Aqui e agora 
A modernidade pertence a essa" pequena fariulia dé teorias que simul-
taneamente se declara e se deseja de aplicabilidade universal. O que tem 
de novo a modernidade (ou a ideia de que a sua novidade é um novo tipo 
de novidade) decorre desta dualidade. Para além de tudo o que criou, o 
projecto iluminista aspirou a criar pessoas que, postfestum, viessem a 
querer ser modernas. Esta ideia que em si própria se consuma e" se justifica 
provocou muitas críticas e muita resistência, tanto na teoria como na vida 
Nos meus tempos de juventude, em"Bombaim, o contacto com a mo-
dernidade enl uma experiência nitidamente sinestésica e largamente an-
teteórica. Via " e cheirava a modernidade lendo a Life e catálogos" de uni-
versidades americanas na biblioteca do United States Information Service, 
vendo filmes da série B(e alguns da série A) de Hollywood no Cinema 
Eros, a quinhentos metros do meu prédio. Pedi para Stanford, ao meu ir-
mão (no princípio dos anos sessenta), que me trouxesse umasjeans e 
rei a América no que trazia a sua bagagem quando ele regressou. Grad; a1-
mente, fui perdendo a Inglaterra que antes assimilara a p'artir dos livros 
11 
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, I, , 
ARJUN APPADURAI 
escolares vitorianos, do que diziam os meus colegas de faculdade que ti-
nham bolsas Rhodes e dos livros de Billy Bunter e Biggles devorados in-
discriminadamente, a par de outros de Richmal Crompton e Enid 
. Franny e·Zooey, Holden Caulfield e Rabbit Angstrom foram limando len-
tamente essa parte de mim que até então era só vivas à Inglaterra. São es-
tas as pequenas derrotas que explicam como a Inglaterra perdeu o império 
na Bombaim pós-colonial. . 
. Não sabia então que estava a afastar-me de uma espécie de subjecti-
vldade pós-colonial (dicção anglófona, pseudodebates na Oxford U nion 
umas espreitadelas à Encounter, um interesse patrício pelas humanidades) 
para outra: o Novo Mundo mais áspero, mais sedutor, mais viciante das 
reprises de Humphrey Bogart, de Harold Robbins, da Time e das ciências 
socjáis em estilo americano. Quarido mergulhei nos prazeres do cosmo-
P?litismo, no Elphinstone College, já ia equipado com tudo o que é pre-
. CISO: uma educação anglófona, um endereço da classe alta de Bombaim 
(emboracof9. o rendimento. de uma faffil1ia da classe média), relaciona-
social .com manda-chuvas da academia, um irmão famoso Uá fa-
que tinha sido lá aluno, uma irmã com amigas bonitas já na uni-
versidade. tinha sido picado pelo bichinho americano. Estava já 
.entrado na VIagem que me levou à Universidade de Brandeis (em 1967, 
quando os estudantes eram uma categoria étnica irrequieta nos Estados 
Unidos) e depois até à Universidade de Chicago. Em 1970 ainda eu an-
dava à deriva, a caminho de um encontro com as ciências sociais ameri-
canas, com os estudos de área e com essa forma triunfal de teoria da mo-
dernização que era. ainda produto certificado do americanismo num 
mundo bipolar. . . 
Os que se seguem podem ser vistos como um esforço para 
dar sentIdo a uma viagem que começou com a modernidade como sen-
. sação materializada nos filmes de Bombaim e terminou num frente-a-
-frente com a modernidade-corno-teoria nas minhas aulas de ciências so- . 
ciais, na Universidade de Chicago, nos primeiros anos setenta. Nestes 
capítulos, procurei te matizar certos factos culturais e para ex-
·por ·a relação entre a modernização como facto e a modernização como 
12 
\ 
I 1 ! . 
. .. . 
_ _ • _ -DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALlZAÇÃO g \ 
teoria 1. Esta inversãÇl do p·rocesso que me deu a conhecer o ser- O I. 
ve para explicar algo que de outro modo poderia uma preferên- : 
disciplinar e ,arbitrária pelo cultural como mera deformação profis- O . 
slOnal do antropologo. . . . O fC'\t \J t- .• 
O r 
O global hoje O . ' . () I 
Todas as grandes forças sociais têm percursores, precedeI1tes, análogos . : 
e. fontes no passado. São estas as profundas e múltiplas gen'ealogias (ver ! 
capítulo 3) que têm frustrado a modernizadores inseridos em sociedades U " 
. muito diferentes a aspiração de ·sincronizar os seus relógios históricos. () 
\ Este livro defende também a presença de·Uma ruptura geral no teor das O 
.. relações intersocietais destas últimas décadas. Há que explicar esta pers- O 
pectiva de mudança - melhor, de ruptura - e distingui-la de algumas O 
das anteriores teorias da transformação radical. > . . 
Um dos mais problemáticos legados da ciência social do Oci- () 
dente (Auguste Comte, Karl Marx, Ferdinand TonÍ1ies, Max Weber, O 
Émile Durkheim) é nunca ter deixado de reforçar o sentido de um mo- O 
mento singular - chamemos-lhe o momento moderno - que pela sua C) 
aparência abre. uma brecha profunda é sem precedentes entre o passado O· 
e o presente. Reencarnada como o corte· entre tradição e modernidade e O 
tipificada comCa ·;;tre sõciedades ostensivamente fraCf0io-
nais e sociedades por demais demonstrado po- Ü 
os sig1Ü.ficados da tiãn-:SJôrmação e da política do () 
\ No entanto, o mundo em que hoje vivemos - em que a modernidade.O 
\anda decididamente à solta, por vezes acanhada e sentida de· forma de- Q 
. sigual - implica seguramente um corte com todo o tipo· de passados . O 
! Que espécie de corte é este, senão o identificado pela teoria da moder- o. 
1 nização (e criticado no capítulo 7)? . 
Implícita neste livro está uma teoria de ruptura que toma os meios O 
de comunicação social e a migração como os seus dois diacríticos prin- O 
cipais e interligados, e explora o seu efeito conjunto sobre a obra da C; o 
.< " 
AI.UUN APPADURAI 
como característica constitutivá da subjectividade moderna. 
pnmeIro passo o provar é que os meios de comunicação electró-
lllCOS mudaram decIsIvamente o campo mais ·vasto dos meios de comu-
nicação de massas e outros meios de comunicação tradicionais. Isto não 
é uma fetichização monocausal da electrónica. Esses meios de comuni-
o campo da mediatização de massas porque ofere-
cem a construçao de eus imaginados e de mundos imaginados novos re-
novas disciplinas. É uma tese relaciona!. A comunicação 
marca. e um campo muito mais vasto em que a, 
escnta e outras formas de comunicação oral, visual e au-
dItIva podem continuar a ser importantes. Através de processos c'omo a 
ondensação de notícias em bytes audiovisuais, através da tensão entre 
s espaços públicos do cinema e os espaços mais exclusivos do vídeo 
través .imediatidade.da sua absorção no discurso público e 
d ten?enCIa para os associar a sedução, a cosmopolitismo e a novidade, . 
m.elOs electrónicos (estejam eles ligados a notícias, . 
Ifuca, vIda famIlIar ou diversão e espectáculos) tendem a interrogar, 
ubverter e transfo,rmar outras literacias contextuais. Nos capítulos que 
eguem vou atras dos modos como a comunicação electrónica trans-
ma mundos de comunicação e conduta preexistentes. 
A comunicação electrónica dá uma tessitura nova ao contexto em que 
oderno e o global aparecem como faces opostas da 
ma moeda. Sempre portadora do sentido da distância entre observa-
8.contecimento, provoca, não obstante, a transformação do discurso 
Ao mesmo tempo, fornece recursos para a espécie de 
de construção dó eu em todo o tipo de sociedades e para 
tIpO de pessoas. Permite enredos de vidas possíveis imbuídas da 
o das estrelas de Cinema e de fantásticos argumentos de filmes . 
u o seu caráctet de plausibilidade, como noticiários, 
ntários e outras formas de telemediatização informativa e de texto 
o. Graças à mera multiplicidade de formas que assume (cinema, 
o, computadores e telefones) e à maneira rápida como se move 
das rotinas da vida quotidiana, a comunicação electrónica é uma . 
DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALIZAÇÃO 
ferramenta para que cada indivíduo se imagine como um projecto social 
em curso. 
Passa-se com o movimento o mesmo que se passa na mediatização. 
A questão das migrações de massas (voluntárias e forçadas) não é nada 
de novo na história humana: Mas se a colocarmos' em justaposição com 
o rápido fluxo de imagens, textos e sensações mediatizados, temos uma 
nova ordem de instabilidade na moderna produção de subjectividades, 
Quando os turcos que trabalham na Alemanha vêem filmes nos 
seus apartamentos alemães, os coreanos de Filadélfia vêem as Olimpíadas 
de Seul-1988 através de emissões satélite da .Coreia e em Chicago os ta-
xistas paquistaneses ouvem cassetes de sermões ' gravados em mesquitas 
no ou no Irão, vemos imagens que vão ter com "espectadores 
desterritorializados. E estes criam esferas públicas de diáspora, fenóme-
nos que invalidam as teorias ancoradas na hegemonia continuada do Es-
tado-nação.como principal árbitro de importantes transformações sociais. 
',' Em suma, a corn.unicação electrónicae as migrações marcam o mundo 
'do presente, não 'como forças tecnicamente novas, mas como aquelas que 
. parecem impelir (e, por vezes, compelir) a obra da imaginação. Juntas, 
criam irregularidades específicas porque espectadores e imagens estão em 
circulação simultânef Nem as imagens nem os espectadores cabem em cir-
cuitos ou audiências que facilmente se confinam a espaços locais, nacionais 
ou regionais. Claro que muitos espectadores podem não emigr;rr. E muitos 
acontecimentos mediatizados são de alcance fortemente local, como a tele-
visão por cabo em algumas partes dos Estados Unidos. Mas poucos são os 
filmes, notícias radiofónicas, ou espectáculos de televisão importantes que 
se mantêm üúeiramente incólumes a outros acontecimentos mediáticos vin-
dos de longe. E, no .mundo de hoje,poucas são as pessoas que não têm um 
amigo, um parente, um çolega de trabalho que não esteja a caminho de qual-
quer outro lugar oujá de voita para casa, portador de histórias e de possi-
bilidades. Neste sentido; tanto pés soas como imagens encontram-se muitas 
vezes por acaso, forà' das certezas do cordão sanitário de efeitos me-'. diáticos locais enácionais. Esta relação amovível e imprevisível entre acon-
tecimentos e audiências migratórias define o âmago da liga-
., 15 
ARJUN APP 
, ção entre a globalização e o modernolNos capítulos que seguem, mostro 
que a obra da neste contexto, nem é puramente emanci- , 
padora nem inteiramente disciplinada: é um espaço de contestação no qual 
indivípuos e grupos procuram anexar o global às suas próprias práticas do 
. -_ ... -
Obra da imaginação 
de Durkheim e do trabalho do grupo dos Années Sociologiques, 
os' antropólogos aprenderam à considerar as representações colectivas fac-
tos sociais, isto é, a vê-las transcender a volição individ.ual, carregadas 
com a força da moral social e como realidades sociais que 
eu quero sugerir é que houve nestas últimas décadas uma transformação 
com base nas transformações do século em que a ima-
ginaçãose tornou um facto colectivo, social. E estaeY9lução está por sua 
, vez na base da pluralidade de mundos ' 
Nesta conformidade, absurdo âventar que há algo de novo no 
papel que a imaginação ocupa no mundo contemporâneo. Afinal, esta-
mos habituados a pensar que todas as sociedades produziram ·as suas 
versões da arte, . do mito, da lenda, expressões que implicavam a poten-
cial evanescência da vida social Nestas formas de 
todas as sociedades se mostraram capazes' de reenquadrar 
a ,vida social corrente recorrendo a mitologias de \vários tipos em que a 
" ,vida social surgia imaginativamente deformada. E nos sonhús, os 
"víduos, mesmo os das sociedades mais simples, acharam o terreno onde 
reconfigurar a sua vida social, superar estados emocionais e sensações 
,' iriterditos e ver coisas que. depois roram integrar no seu sentido da vida 
corrente. Além'disso, todas estas expressões estiveram na base de um 
diálogo complexo entre a imaginação e o ritual em muitas sociedades 
humanas, 'através do qual a força das normas sociais correntes de certo 
m do se aprofundou, pela inversão, pela ironia ou pela intensidade ac-
tu' nte e p I trabàlho de colaboração que muitos tipos de ritual exigem. 
DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBAL/ZA ' 
:- .-. 
Tudo isto é o mais seguro 49., que o melhor da antropologia 
nica do nos incu1cQu .. t _':, 
.\ Quando afirm? , que a imaginaçãp , no mundo pós-electrónico ten 
novo papel significativo, baseio-me em três ·distinções. Primeiro, a 1111 
ginação saiu do particular espaço expressivo da arte, mito e ritual 
passar a fazer parte da actividade mental .quotidiana da gente vulg \J 
muitas sociedades. Entrou para a lógica da vida corrente de que con I 
sucesso tinha sido segregada. Clar-o que encontra preced I 
para tal nas grandes revoluções, nos cultos de personalidade e nos m V , r mentos messiânicos de outrora, em que chefes ferozes implantavam . 11 
Rerspectiva na vida social 'oriando assim enérgicos movimentos de trllJl 
formação.sqcial. Mas agora já ,.não se trata de indivíduos partiçtilarm 111 . . 
dotados (carismáticos) a injectar imaginação onde ela não cabe. A p 
, soas' vulgares começaram a dar prova$ de imaginação na sua prática quo 
tidiana vida. Exemplo deste facto é a mútua contextualização d mil 
vimento e mediatização. 
Nunca como agora tantas pessoas parecem imaginar rotineirament 
possibilidade de elas ou os seus filhos viverem e trabalharem em lug 11 
diferentes daqude em que nasceram: é esta a fonte do aumento da t I 
de migrações a todos os níveis da vida social, nacional e global. OUlJ'll 
são arrastados para novos cenários, como nos recordam os campos d J 
fugiadosda Tailândia, Etiópia, TàInil Nadu e Palestina. É que estas p 
soas deslocam':'se e têm que arrastar consigo a imagi.nação para novas lTll 
neiras de viver. E depois há os que se deslocam em busca de trabalh I , 
, riqueza e oportunidades, muitas vezes porque as circunstâncias em qu 
encontram são intoleráveis. Transformando e alargando ligeiramente d 
termos importantes de Albert'Hirschman, lealdade e saída, podemos f II I! 
de diásporas de esperança, 'diásporas de terror e diásporas de desesp 1'( I 
Mas em todos os casos estas' diásporas trazem a força ' da imaginaç ( I 
como 'memória e como deseJb , para as vidas de muita gente vulgar, p \I 
mitografias diferentes das disciplinas e do ritual de tipo clássi 'o 
O cerne desta diferença é que estás novas rnitografias são atestados ,de no 
vos projectos sociais e não apenas contraponto das certezas da vida' qu I 
ARJUN APPADURAI 
tidiana. Para um grande de pessoas, levam a força glacial do há-
bito ao ritmo acelerado da improvisação. Aqui, as imagens, os textos, os 
modelos e as narrativas que chegam pelos meios de comunicação 'de mas-
sas (nos,- seus IpodoS realista e ficcional) traçam a diferença entre as mi-
graçõescÍe h.oje eas do passado. Quem quer mudar-se, quemjá se mudou, 
quem já e quem preferiu ficar raramente formula os planos 
fora da esfera da rádio e da televisão, das cassetes 'e dos vídeos, dos jornais 
e do ,tel,efooe. Para os mjgrantes, tanto as fórmulas de adaptação à novos 
ambientes como o estímulo para sair ou voltar são profundamente afec-
tados por um imaginário mediático que frequentemente o es-
p,ço nacional. . ' . , 
A segunda distinção é entre imaginação e fantasia. ,Existe' um vasto 
respeitável corpo de textos, nomeadamente dos críticos da cultura 
de assas pertencentes ã Escola de Frankfurt e já avançado na obra de 
Max Weber, que considera que o mundo moderno está em 'vias de se 
transformar numa jaúla de ferro por obra das' forças da nierdmtilização 
O capitalismo industrial e da regulamentação e secularização genera-
lizadas do mundo. Entre os teó,ricos da modernização das ú1timas três 
d6cada's (de Weber, passando por Talcott Parsons e Edward Shils até 
aniel Lerner, Alex lnkeles e muitos e utros) teve larga aceitação a 
id ia de que o mundo moderno é um espaço de religiosidade decres-
nte (e maior cientismo), menos diversão (e lazer cada vez mais re-
ulamentado) e de inibição a todos os níveis. Há 
linhas nesta ideia, linhas que unem teóricos tão diferentes com9 
N rbert Elias e Robert Bell, mas há também nela algo de fundamen-
t lmente errado. O erro funciona a dois níveis. Erinlellih.baseia:;sê...lli!!P-
quiemprematuro à morte::da religião e à vItória Há novas 
ligiosidades de toda a espécie que Gemonstram que-ã-religião não 
nas não morreu como pode até ter mais consequências do que nun-
n s pol ítica; g'lobais de hoje, tão inJerligadas e dotadas de tão gran-
mobilidade. 'A'um outro nível, é errado presumir que a comunicação 
...... . ----. I o ópio Esta posIção, que apenas começa a ser 
rri gidà, na noção de que os processos mecânicos de repro-
\ 
DIMENSÕES CULTURAIS DA GL lJAUZ • 
dução reprimem severamente a gente comum que busca trabalh in-
dustrial.É demasiado simplista.; 
vez há mais provas de que o consumo de comunicação de massas 
origina em todo o mundo resistência, ironia, selectividade e, em geral, im-
pulso para a acção. Os terroristas que modelam a sua figura pela de Ram-
bo (que já deu origem a uma porção de contrapartidas fora do Ocidente), 
as donas de casa para quem a leitura de romances e folhetins faz parte do 
seu esforço de construção de vida própria, famílias muçulmanas reu-
nidas a ouvir dirigentes islâmicos gravados em cassete, as criadas do Sul 
da Índia fazem excursões organizadas a Caxemira, são exemplos do -
modo activo' como os meios de . comunicação são apropriados por gente 
de todo o T-shirts, o's cartazes publicitários, os grafitos,bem 
'como a música rap, a dança de rua e os bairros de lata, tudo isso demonstra 
, que as .. imagens dos meios de comunicação entram rapidamente para os 
repertórios locais de ironia, ira, humor e resistência.J . 
, E não-se traiá- apenas de gente do Terceiro Mundo que reage à comu-
nicação de massas americana, pois o mesmo é verdadeiro para pessoas de 
todo o mundo como reacção à sua comunicação electrónica nacional. Tan-
to basta para que a teoria dos meios de comunicação como ópio do povo 
, tenha que ser encarada com grande cepticismo. Não se pretende" sugerir 
que os consumidores são sujeitos livres que vivem felizes num mundo de 
, . centros- comerciais seguros, refeições gratuitas e estimulantes rápidos. 
Como sugiro no capítulo 4, no mundo contemporâneo o consumo é muitas 
vezes uma forma de corveia, faz parte do processo civilizacional capita-
lista. Não obstante, onde há consumo há prazéi,e onde há prazer há acção. 
Por outro lado, a liberdade é uma mercadoria um tanto mais fugaz. 
Além disso, a ideia de fantasia traz consigo a inevitável conotação do 
pensamento divorciado dos projectos e das atções e tem também o seu 
quê de privado, de individualista. A imaginação, pelo contrário, tem em 
si um sentido projectivo, o sentido de ser o prelúdio a um qualquermQdo 
expressão, seja estético ou outro. A fantasia pode dispersar (porque a 
lógica é muitas vezes autotélica), mas a imaginação, especialmente 
quando colectiva, pode tomar-se carburante da acção. É a imaginação, nas 
ARJUN APPADURAI 
suas formas colectivas, que cria ideias de comunidade de bairro e de na-
ção, de economias morais e governos , injustos, de salários mais altos e 
perspectivas 'çle trabalho no IA imaginação é hoje um 
para a acção e não apenas para a evasã<0' ' 
A terceira distinção é entre o sentido individual e o. sentido colectivo 
da imaginação. Neste passo, é importante salientar que falo de imaginação 
como' colectivos e não apenas como uma faculdade do in-
divíduo dotado (que é o sentido em que tacitamente é tomada desde o flo-
rescimento do Romantismo europeu). Parte do que os meios de comuni-
cação de massas tornam possível, por causa das condições de leitura, 
crítica e prazer colectivos, é o noutro lugar chamei «comunidade de 
sentimentos» (Appadurai, 1990), um grupo que começa a imaginar e a 
sentir coisas em conjunto. Como tão bem demonstrou Benedict Anderson 
(1983), o capitali smo impresso pode ser um meio muito importante de 
grupos que nunca se conheceram começarem a pensar-se como Indoné-
sios, Indianos ou Malaios. Mas outras forinas de capitalismo electrónico 
podem terereitos semelhantes oU mesmo mais fortes , pois não operam 
apenas ao nível do Estado-nação.\A recepção colectiva dos meios de co-
municação de massas, especialmente do cinema e do vídeo, pode criar 
confrarias de veneração e carisma, como as que se formaram regional-
mente em torno da deusa indiana Santochi Ma, nos anos setenta e oitenta, , 
e internacionalmente em torno do aiatolá Khomeini mais ou menos pela 
mesma altura. Tais confrarias podem constituir-se a propósito do desporto 
e do internacionalismo, como tão claramente demonstram os efeitos 
nacionais dos Jogos Olímpicos. Os condomínios e os prédios albergam 
videoclubes em sítios como Catmandu ou Bombaim. Clubes de Ias, co-
missões de apoio político, emergem em culturas çomunicacionais provin-
cianas ,. como no Sul da Índia,.:J 
" Estas confrarias assemelham-se ao que Diana Crane (1972) chamou 
«colectivos invisíveis» referindo-se ao mundo da ciência, mas são mais 
voláteis, menos profissionalizadas, menos sujeitas a critérios de prazer, 
gosto ou relevância mútua partilhados colectivamente. São comunidades 
em si, maS' sempre potencialmente comunidades por si capazes de transitar 
20 
DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALIZA Ç 
da imaginação partilhada para a acção colectiva. O mais importante, com I 
defenderei na conclusão deste capítulo, é que estas confrarias são muit , 
vezes transnacionais, até pós-nacionais, e operam frequentemente pa , 
além dos limites da nação. Estas confrarias mediatizadas ' pela comunic \ 
ção de massas acrescem ainda em complexidade porquanto nelas se en 
trecruzam diferentes experiênciÇls locais de gosto, prazer e política, cri n 
do assim a possibilidade de convergências na acção social translocal qu 
de outro modo seria difícil imaginar. 
Não há episódio que melhor capte estas realidades do que o caso, qu 
hoje nos deixa perplexos, Salman Rushdie, em que entra um livro proibi-
do, uma sentença de morte de fundamento religioso e um autor empenh 
doem ter voz e liberdade estética. Os' Versículos Satânicos incitou mu-
çulmanos (e outros) do mundo inteiro a debater as políticas de leitura, 
relevância cultural da censura, a "dignidade da religião e a liberdade de c -
, tos grupos para julgarem os autores sem um conhecimento independent 
do texto. O caso Rushdie é um caso de texto-em-movimento que uma tr • 
jectória mercantilizada fez sair do porto seguro das normas ocidentais s -
bre liberdade artística e direitos estéticos para o espaço da sanha rel igio 
e da autoridade dos teólogos nas suas próprias esferas transnacionai . 
Aqui, os mundos transnacionais da estética liberal e do islão radical en-
trechocaram-se nos cenários muito diferentes de Bradfàrd e CarachI, 
Nova Iorque e Nova Deli. Neste episódio, vemos também como é que O 
processos globais relativos a textos com mobilidade e públicos migrant , 
criam eventos implósivos que reduzem as pressões globais a diminuta 
arenas já politizadas (ver capo 7), produzindo 'localidade (cap. 9) segund 
novas formas globalizadas. 
Esta teoria de um corte - ou ruptura - que tem o seu vector mai 
saliente na comunicação electrónica e na migração de massas, é nece -
sariamente uma teoria do passado recente (ou do presente alargado), 
porque sÇ>mente nestas duas últimas décadas os meios de càmunicaçã 
e as rnlgrações foram tão largamente globalizados, ou seja, operaram em 
irregularmente transnacionais . Porque penso eu que esta 
teoria é algo mais que uma actualização das velhas teorias sociais da 
21 
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ARJUN APPADURAI 
rupturas da modernizaçãoO Primeiro, a minha teoria não é teleológica, 
. \ , d d' . I uma receita que ensina como a modernização ha- e pro UZlr umversa -
mente racionalidade, pontualidade, democracia, mercados livres e um 
Produto Nacional Bruto maior. Segundo, o eixo da minha teoria não é . 
um projecto de engenharia social em larga escala (seja ele organizado 
por por instituições internacionais ou outras elites tecnocráti-
cas), mas sim uma prática cultural de todos os dias através da qual se 
transforma a obra da imaginação. Terceiro, a minha abordagem deixa in-
teiramente em aberto a questão de saber se as experiências com a mo-
dernidade proporcionadas pela comunicação electrónica podem dominar 
em termos de nacionalismo, violência e justiça social. Por outras pala-
vras, sou mais profundamente ambivalente quanto ao prognóstico do 
que qualquer variante da teoria clássica da modernização que conheça. 
Quarto e mais importante, a minha abordagem do corte causado pela for-
ça conjuntada comunicação e1ectrónica e das migrações de massas é ex- . 
plicitamente transnacional '- mesmo pós-nacional -, como sugiro na 
última parte do livro. Assim, afasta-se radicalmente da arquitectura da 
teoria clássica da modernização, que podemos classificar de fundamen-
talmente realista, na medida em que assume a supremacia, tanto meto-
dológica como ética, do Estado-nação .. > 
Não podemos simplificar as coisas imaginando que o global está para 
o espaço como o moderno está para o tempo. Para muitas sociedades, a 
modernidade é urr:t alhures, tal como o global é uma vaga temporal que 
elas têm que conhecer no seu presente. A globalização estreitou a dis-
tância entre elites, deslocou relações essenciais entre produtores e con-
sumidores, quebrou muitos laços entre o trabalho e a vida familiar, obs-
as linhagens entre locais temporários e vínculos nacionais 
imaginários. A modernidade parece agora mais prática e menos peda-
gógica, mais experimental e menos disciplinar do que nos anos cinquen-
ta e sessenta, quando era sentida sobretudo (especialmente para quem 
não pertencesse à elite nacional) através dos aparelhos de propaganda 
dos Estados-nações que acabavam de adquirir a sua e dos 
seus crrandes diriaentes como Jawaharlal Nehru, Gamal Abdel Nasser, . o o . 
i 22 D \ 
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DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALIZAÇÃO 
Kwame Nkrumah e Sukarno. A mega-retórica modernização para o 
desenvolvimento (crescimento económico, alta tecnologia, agricultl,lra 
industrializada, ensino,militarizaç,ão) está ainda presente em muitos 
países. Mas é frequentemente pontuada, interrogada e domesticada pelas 
micronarrativas do cinema, da televisão, da música e de outras formas 
de expressão que permitem que a modernidade seja reescrita mais c<?mo 
globalização vernacular e menos como uma concessão em larga escala 
às políticas nacionais e internacionais. Referi já que aqueles que, como 
eu nasceram no seio das classes dirigentes dos novos países, nos anos 
e sessenta, tiveram acesso a algo deste experimental, 
mas, para muitos 'trabalhadores e para os pobres, este compromisso ex-
perimental com a modernidade é um facto relativamente recente. . 
Estas micro narrativas subversivas alimentam também movimentos 
oposicionistas que vão desde o Sendero Luminoso, no Peru, até ao Ha-
bitat for Humanity, dos movimentos dos Verdes na Europa até ao na-
cionalismo tâmil no Sri Lanka, dos grupos islâmicos do Egipto àsguer.: 
rilhas nacionalistas separatistas da Tchetchénia. Néstes movimentos, 
alguns dos quais são repressivos e violentos enquanto outros são demo-
cráticos e pacíficos, podemos ver que a comunicação electrónica de 
massas e a mobilização transnacional quebraram o monopólio dos Es-
tados-nações autónomos sobre o projectoda modernização. A transfor": 
mação das subjectividades quotidianas através da comunicação electró-
nica e da obra da imaginação não é apenas um facto cultural. Está 
profundamente ligada à política através dos novos modos como os vín-
culos, os interesses e as aspirações individuais cada. vez mais intersec-
tam os do Estado-nação. 
As esferas públicas da diáspora criadas por esses confrontos já não 
são pequenas, nem marginais, nem excepcionais. Integram-se na dinâ-
mica cultural da vida urbana na maior parte dos países e continentes nos 
quais a migração e a comunicação de massas criam conj l,lntamente um 
novo sentido do global como moderno e do moderno como global. O fi l-
me de Mira Nair, Mississipi Masala, por exemplo, é um duplo épico da 
diáspora e da raça que explora o modo como os indianos transformados . . 
23 
ARJUN APPADURAI 
e deslocados pela relações raciais no Uganda encaram as complexidades 
da raça no Sul dos Estados Unidos sem perderem um sentido de india-
nismo-em-movimento. Assistir a encontros de críquete entre a Índia e o 
Paquistão é, para os que emigraram desses países para os estados do 
Golfo (ver capo 5), algo que tem a ver com as peculiaridades do nacio-
'nalismo ,da diáspora 'numa política emergente no oceano Índico. Os de-
bates intensos sobre língua inglesa e direitos dos imigrantes actualmente 
a acender-se (de novo) nos Estados Unidos não são apenas mais uma va-
riante das políticas do pluralismo: são acerca da capacidade da política 
americana para conter as políticas de diáspora dos mexicanos no Sul da 
Califórnia, dos haitianos em Miami, dos colombianos em Nova Iorque , 
'e dos coreanos em Los Angeles. Na verdade, como proporei nas minhas 
observações conclusivas, é' a aparência largamente difundida de vários 
tipos de esferas públicas de diáspora que constitui um diacrítico especial 
do moderno global. . 
Basta por ora de global. Há também um aqui, nestes capítulos. De certo 
" modo, foram escritos a parti.r do encontro entre a minha equcação angló-
do pós-guerra e as estórias de modernização na ciência social ame-
ricana como teoria do verdadeiro, do bom e do inevitável. Foram também 
escritos de uma perspectiva profissional moldada essencialmente por duas 
formaturas americanas em investigação dentro das quais fiz o grosso da 
minha formação e em que passei grande parte da minha vida de académi-
. co: são elas a antropologia e os estudos de área. Embora seja sobre glo-
balização, este livro é marcado e restringido pelas disputas das duas últi-
mas décadas no seio de ambas estas formações académicas americanas. 
Por isso as suas ansiedades epistemológicas são decididamente locais, 
mesmo que a localidade já não seja o que era (cap. 9). 
o olhar da antropologia 
A antropologia é o meu arquivo das realidades vividas, toda 
a espécie de etnografias sobre povos que viveram vidas muito diferentes 
24 
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DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALIZAÇÃO I, , , u i 
da minha, hoje e no passado. O arquivo de antropologié!- é uma t' 
-sombra em todos os capítulos que se seguem. Mas não é por'çste ser in- ) t 
trinsecamente melhor do que qualquer outro arquivo disciplinar. Na \, 
lidade, nos últimos anos as, críticas a este arquivo até têm sidC) r 
severas e incansáveis. E, porém, o que eu sei ler melhor. Como arquiv00 t,:' tem também a vantagem de nos recordar que toda a similitude esconde", I 
mais que uma diferença e que similitudes e diferenças se escondem uma"L 
às outras sem cessar, por isso o último da fila ainda é uma questão de conr" ) 
veniência ou de garra metodológica. Este arquivo e a sen'sibilidade que elt:'J 't. 
favorece no antropólogo predIspõem-me fortemente para '1 ideia de que O,, \ 
globalização não é uma 'questão de homogeneização Esta últimq' \ 
noção é o mínimo que ,posso esperar que o leitor tire deste livrq. Mas 
antropologia traz consigo uma profissional para p,!ivilegiar á ) , 
cultural como diacrítico-chave em muitas práticas (que' a outros 1 
parecer simplesmente humanas, estúpidas, calculistas, ou qual() ',. \ 
quer outra coisa). Como este livro se pretende acerca das dimensões cuia " " 
turais da globalização, deixem-me definir a especial força que este adjec"(.) , ,I 
tivo comporta na utilização que lhe dou. .... " I 
Muitas vezes me tem intrigado a palavra cultura comÇ> substantivb"",,,i 
eminentemente ligado à sua forma adjectiva, ou seja, cultural. Quandó:J é 
penso nas razões deste facto, entendo que 'grande parte do problema da-:J 
forma substantiva tem a ver com o facto implícito dea cultura ser uma.:,J 
de objecto, coisa ou substância, seja física ou A subs-O : tancIahzação parece remeter a cultura para o espaço dIscurSIVO da raça, . ! 
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precisamente a ideia que na origem ela se destinava a combater. Como,j \ 
implica substância mental, o substantivo' cultura favorece a partilha, aO " 
concordância e a vinculação que contrasta com factos, como a desigual , 
dade de conhecimentos e as diferenças de prestígio entre estilos de vida,Q . 
e retira atenção às visões do ,mundo e à acção dos marginalizados do-O' 
minados. Vista como substânciafísica, cultura começa logo a cheIrar a . 
biologismos vários, raça inclusive, certamente já superados como cate-\J 
gorias científicas. Superorgânico, o termo de Alfred Kroeber, capta bemO 
ambos os lados deste substancialismo, coisa com que não simpatizo. Os O 
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ARJUN APPAD URAI 
esforços das décadas mais recentes, nomeadamente na antropologia 
americana, de escapar a esta ratoeira encarando a cultura como uma for-
ma em grande medida linguística (entendida sobretudo nos termos do es-
truturalismo saussuriano) só em parte evita os perigos de tal substancia-
lização. 
. Se cultura como substantivo parece suscitar a associação com uma 
substância de um modo que esconde mais do que revela, cultu-
ral, o.adjectivo, transporta-nos para um reino de diferenças, contrastes e 
comparações bem mais útil. Este sentido adjectivo de cultura, que se for-
ma no cerne de uma linguísticá. saussuriana sensível ao contexto e focada 
nos contrastes, parece-me ser uma das virtudes do estruturalismo que ten-
demos a esquecer na nossa pressa de o atacar pelas suas conotações a-his-
. tóricas, formais, binárias, intelectualistas e lextualistas. 
A característica mais valiosa do conceito de cultura é o conceito de di-
ferença, uma propriedade de certas coisas mais contrastiva do que subs-
tantiva. Embora o termo diferença se tenha apropriado de um vastç> leque 
. de associações (principalmente por causa do Uso especial que Jacques 
Derrida e os seus seguidores lhe deram), a sua principal virtude é ser .uma 
heurística útil, capaz de destacar pontos de semelhança e contraste entre 
qualquer tipo de categorias: classes, géneros, papéis, grupos e nações. As-
sim, quando apontamos numa prática, distinção, concepção, objecto ou 
ideologia, uma dimensão cultural (note-se o uso adjectivo), estamos a sub-
linhar a ideia de diferença situada, isto é, diferença em relação a uma coisa 
local, com corpo e significado. Podemos resumir isto mesmo da seguinte 
forma: não vale a pena encarar a cultura como substância, é melhor en-
cará-la como uma dimensão dos fenómenos, uma dimensão que releva da 
diferença situada e concretizada. Salientar este dimensionamento da cul-
tura em vez da suasubstancialidade permite-nos pensar a cultura não tanto 
como propriedade de indivíduos e grupos, mas como um instrumento heu-
rístico ao nosso alcance para falarmos de diferença. . . 
Contudo, há muitos tipos de diferença no mundo e apenas algumas de-
las são culturais. E introduzo uma segunda componente da minha .. 'I proposta sobre a forma àdjectiva da palavra cultura. Sugiro que conside-
26 
. 
DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALlZAÇÃO 
remos culturais apenas as diferenças que exprimem, ou servem de funda-
mento, à mobilização de identidades de grupo. Esta qualifiáção propor-
ciona um princípio bruto de selecção que incide sobre uma série de dife-
renças relacionadas com a identidade de grupo, dentro. e fora de qualquer t 
grupo social. Ao colocar a mobilização das identidades de grupo no ârtla- . li 
go doadjectivo cultural, faço na realidade um movimento que, à primeira 
vista, parece regressivo, pois é corrio se começasse a pôr a palavra cultura 
desconfortavelmente perto da ideia de etnicidade. E isso traz-me a novos 
. problemas que ·têm que ser destrinçados. 
Antes de ensaiar a destrinça que me permitirá avançar :para a ideia de 
vamos rever o caminho percorrido. Ao resistir à ideia de cul-
tura que nos tenta a pensar grupos sociais existentes como culturas, resisti -
. também à forma substantiva cultura e sugeri uma abordagem adjectiva da 
cultura que reforça as suas dimensões contextual, heurística e comparativa 
e nos orienta para a ideia de cultura como diferença, diferença especial-
mente IJO domínio da identidade de grupo. Sugiro, portanto, que a cultura 
é uma dimensão penetrante do discurso humano que explora a diferença 
para gerar diversas concepções da identidade de grupo. · .-
Depois de rumar para tão perto da ideia de etnia - a ideia de identi-
dade de grupo natUralizada -, é importante que sejamos claros quanto à 
relação entre cultura e identidade de grupo que aqui procuro articular. Cul-
tura, sem itálico, pode continuar a usar-se para referir ·a pletora de dife-
renças que caracterizam o mundo actual, diferenças a vários níveis, com 
valências diversas e maior ou menor grau de consequências sociais. Pro-
ponho, porém, restringirmos o termo cultura em itálico ao su.bconjunto 
destas diferenças, que foi mobilizado para articular os limites da 
ça. Como questão definidora de limites, cultura torna-se então uma ques-
tão de identidade de grupo enquanto constituída por certas diferenças en-
tre outras. 
Mas não será isto simplesmente uma maneira de tornar etnia equiva-
lente a cultura? Sim e não. Sim, porque nesta acepção cultura não destaca 
simplesmente a posse de determinados atributos (materiais, linguísticos 
ou territoriais), mas a consciência desses atributos e a sua naturalização 
27 
ARJUN APP AD URAI 
como essenciais à identidade de grupo (ver capo 7). Ou seja, em vez de 
cair no pressuposto, pelo menos tão velho como Weber, de que a etnia 
assenta numa espécie de extensão da ideia primordial de parentesco (que, 
por sua vez, é biológica e genealógica), a ideiao de etnia que proponho gira 
em tomo de um centro que é a construção e mobilização conscientes e 
imaginativas das diferenças. Cultura 1, constituindo um arquivo de dife-
renças em aberto, molda-se conscientemente em Cultura 2, o subconjunto 
dessas diferenças que constitui o diacrítico da identidade de grupo. 
Mas este processo de mobilizar certas diferenças e de as ligar à iden-
tidade de grupo é também diferente da etnia, pelo menos no sentido mais 
antigo, porque não depende da extensão dos sentimentos primordiais a 
unidades cada vez maiores, numa espécie de processo unidireccional, nem 
comete o erro de supor que unidades sociais maiores simplesmente vão 
buscar os sentimentos de família e parentesco para dar força emocional 
às identidades de grupo em larga escala. Assim, demonstrarei no capítulo 
·5 que o críquete na Índia, longe de ir buscar o repertório de emoções exis-
tente e o deslocar para um terreno mais vasto, é uma forma em larga escala 
que acaba por se inscrever no corpo através de uma série de práticas de 
escala progressivamente menor. Esta lógica é apenas o reverso da velha 
ideia primordialista (ou extensionista) de identidade étnica. 
A ideia de cultura, enquanto extensiva à organização naturalizada de 
certas diferenças nos interesses da identidade de grupo através e dentro 
do processo histórico, e através e dentro das tensões entre agentes e es-
truturas, aproxima-se do que já se chamou concepção instru°mental de et-
nia por oposição à concepção primordial. Tenho duas qualificações a fa-
o zer quanto a esta convergência, qualificações que conduzem à 
análise do culturalismo. Uma, é que os fins para que se formam as con-
cepções instrumentais de identidade étnica podem ser já de si respostas 
contra-estruturais a valorizações existentes da diferença: podem ser, 
portanto, da ordem da razão-valor e não da razão-instrumental, no sen- . 
tido weberiano. Podem ter uma instrumentalidade puramente voltada 
para a identidade em vez de instrumentalidade que, como tantas ve-
zes tem sido sugerido, seja extracultural (económica, política ou emo-
28 
(-) 
DIMENSÕES CULTURAIS DA 
U I 
cional). Por outras palavras, a mobilização dos marcadores das 
ças de grupo pode fazer parte de uma contestação de valores relátivo' 
à diferença, independentemente das consequências da diferença para "0 
riqueza, a segurança ou o poder. A minha segunda qualificação quanto . 
a explicações mais instrumentais é que elas não esclarecem o processoU 
pelo qual certos critérios de diferença mobilizados .para a idé'ntidadede:) 
grupo (por sua vez instrumental para outros objectivos) são (re)inscritos.J 
em sujeitos corpóreos para assim serem sentidos ao mesmo tempo como ' 
naturais e profundamente incendiários. U 
Demos agora mais um passo, da cultura como a culturau como dimensão da diferença, para a cultura como identidade de grupo ba- . 
seada na diferença, para a cultura como processo de naturalizar um sub-:J 
conjunto de diferenças que foram mobilizadas ao serviço da articulação-l 
da identidade de grupo. Neste ponto, estamos em posição de avançar para,,) 
a questão do culturalismo. . . o . o . o' . U 
Raramente encontramos a palavra culturalismosozinha: surge normal-, 
mente acoplada como substantivo com certos prefixos como "bi, eU 
inter, para citar apenas os mais frequentes. Mas pode ser útil começar aU _ 
usar culturalismo para designar uma característica dos movimentos que'J 
envolvam identidades em construção consciente. Estes movimentos, nos j 
Estados Unidos ou noutros lugares, vão normalmente na direcção de Es- ..J 
tados-nações modernos que distribuem vários direitos, por mesmo 
de vida e de morte, de acordo com "classificações e políticas relativas à".J 
identidade de grupo. Em todo o mundo, perante as actividades de ...J 
interessados em enquadrar as suas diversidades étnicas em conjuntos fixos .J 
e fechados de categorias culturais a que os indívíduos são muitas vezeos '--J 
consignados à força, há muitos grupos a mobilizarem-se conscientemente IJ 
segundo critérios identitários. Em termos simples, culturalismo é política 
de identidade mobilizadá ao nível do Estado-nação. 'J 
Este culturalismo é o meu tema princi pai no capítulo 7, onde procedo IJ 
a uma crítica fundamentada da visão primordialista da violência étnica na 'J 
década de 1980. Aquilo .que parece um renascimento mundial dos nacio- IJ 
nalismos e separatismos étnicos não é na realidade o mesmo a que os jor- J 
0-.> 
29 [ \ 
--' 
Jj. 
ARJUN APPADURAI 
nalistas e os panditas com demasiada frequência chamam «tribalismo» e 
que implica histórias antigas, rivalidades locais e ódios profundos. Não, 
a violência étnica que vemos em muitos sítios faz parte de uma transfor-
mação, mais vasta: a que o termo culturalismo sugere. O culturalismo, 
como já referi, é a mobilização consciente das diferenças culturais ao ser-
viço de uma política nacional ou transnacional mais ampla. Anda muitas 
vezes associado a histórias e memórias extraterritoriais, por vezes ao es-
tatuto de refugiado e ao exílio e quase sempre a lutas por um melhqr re-
conhecimento por parte de Estados-nações existentes ou .de váriosorga-
nismos transnacionais. 
Os movimentos culturalistas (pois são quase sempre esforços -de mo-
bilização) são a forma mais geral da obra da imaginação e radicam mui-
tas vezes no facto ou na possibilidade de migração ou secessão. O mais 
importante' é que são tímidos quanto a identidade, cultura e herança, 
tudo noções que tendem a integrar o vocabulário deliberado dos movi-
mentos culturalistas quando lutam com Estados e outros focos e grupos 
,culturalistas. É esta mobilização deliberada, estratégica e populista do 
material cultural que justifica chamar culturalistas a esses movimentos, 
embora possam ter muitas variantes. Os movimentos culturalistas, quer 
envolvam afro-americanos; paquistaneses na Grã-Bretanha, argelinos 
em França, havaianos nativos, siques ou francófonos do Canadá, tendem 
a ser antinacionais e metaculturais. No sentido mais lato, como defen-
derei na última parte deste livro, O culturalismo é a forma que as dife-
renças culturais tendem a assumir na era da comunicação de massas, da 
migração e da globalização. 
Como se processam os estudos de área 
O realce antropológico do cultural, que é a principal inflexão que que-
ro dar ao debate sobre globalização, é, no meu caso, reforçado pela minha 
formação e prática em estudos de área, especificamente estudos da Ásia 
Meridional nos Estados Unidos. Não está ainda feita uma análise funda-
30 
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DIMENSÕ,ES CULTURAIS DA GLOBALlZAÇÃO 
me'ntada da relação entre a emergência da ideia de áreas culturais em an-
tropologia, nos Estados Unidos, entre as Grandes Guerras e a formação 
plena, após a Segunda Guerra Mundial, dos estudos de área como um 
meio importante de olhar ' as partes estrategicamente significativas do 
mundo em desenvolvimento. Contudo, não r:estam dúvidas de que ambas 
as perspectivas nos inclinam para' Um tipo particular de em que os 
grupos e o tipo de vida que têm são marcados por diferenças de cultura; 
e na formação de estudos de área estas diferenças transitam para uma to-
pografia de diferenças culturais nacionais. Portanto, as divisões geográfi-
cas, diferenças culturais e fronteiras nacionais tendem a t0I11fI'-se isomór-
ficas e desenvolveu-se uma forte corrente que refracta os processos 
mundiais através desta espécie de mapa nacional-cultural do mundo. Os 
estudos de área trazem para este imaginário espacial um sentido forte, em-
bora por vezes tácito, da importância da informação adquirida 
nesta perspectiva. É esta a razão para as ligações tantas vezes apontadas 
entre Guerra Fria financiamento aovernativo e expansão universitária na " c , 
organização dos centros de estudos de área após a Segunda Guerra Mun-
diaL Não obstante, dos estudos de área veio o maior contraponto à ilusão 
que' é ver sem ponto de vista, subjacente a muita da ciência social canó-
nica. Foi este aspecto da minha formação que me impeliu a situar a minha 
genealogia do presente global na área que melhor conheço: a Índia. ' 
Uma especial ansiedade rodeia agora as estruturas e ideologias dos es-
, tudos de área nos Estados Unidos. Reconhecendo que os estudos de área 
andam de certo modo ligados a um quadro mundial estra-
teaicamente submetido às necessidades de política externa dos Estados c , 
Unidos entre 1945 e 1989, figuras de proa do mundo das universidades, 
fundações, painéis de sábios e mesmo do governo tornaram claro que a 
velha maneira de realizar estudos de área não faz sentido no mundo pos-
terior a 1989. Assim, aos 'críticos de esquerda dos estudos de área, muito 
influenciados pelos trabalhos de Edward Said sobre orientalismo, junta-
ram-se os liberalistas e advogados da liberalização, impacientes com o 
que, pejorativamente, designam por estreiteza e fetichismo histórico dos 
especialistas de estudos de área_, É costume considerar os es'pecialistas em 
31 
:l , 
ARJUN APPADURAI 
estudos de área obstáculos a todos os estudos, sejam eles comparativos ou 
da contemporaneidade, versem a sociedade civil ou o mercado livre. Claro 
que uma crítica tão demolidora e tão súbita não pode ser inteiramente justa 
e a estranha miscelânea dos seus críticos sugere que a formação em estu-
dos de área pode estar a ser vítima de uma falha mais importante da aca-
demia americana: a incapacidade de mostrar uma imagem mais alargada 
e mais presciente do mundo após 1989. 
Em estudos de área, a tradição é uma espada de dois gumes. Numa so-
ciedade que notoriamente a excepção e uma infinita preocupação 
com a «América», esta tradição tem sido parco refúgio para um estudo 
sério das línguas estrangeiras, de visões do mundo alternativas e de pers-
pectivas das grandes transformações socioculturais fora da Europa e dos 
Estados Unidos. pemonizados por uma certa tendência para a filologia 
(no sentido restrito, lexical) e para um excesso de identificação com as 
regiões da sua especialidade, os estudos de área, não obstante, têm sido 
um dos poucos contrapesos sérios à incansável tendência para marginali-
zar partes substanciais do mundo na academia americana e na sociedade 
americana em geral. Contudo, talvez os estudos de área tenham por tra-
dição instalar-se demasiado confortavelmente nos seus mapas do mundo, 
sempre seguros das suas práticas especializadas, insensíveis aosprocessos 
transnacionais, tanto hoje como no passado. Por isso, impõem-se semdú-
vida a crítica e a reforma, mas como podem os estudos de área contribuir 
para melhorar o modo como normalmente se geram as imagens do mundo 
nos Estados Unidos? 
Da perspectiva avançada aqui e no resto deste livro, os estudos de área 
são uma maneira salutar de nos lembrarmos de que a globalização é em 
si um processo profundamente histórico, desigual e mesmo localizador. 
Globalização não implica necessariamente ou sequer frequentemente ho-
mogeneização ou americanização e, na medida em que sociedades dife-
rentes têm modos diferentes de apropriar os materiais da modernidade, é. 
amplo o espaço para o estudo aprofundado de geografias, histórias e lín-
guas específicas. A minha análise, nos capítulos 3 e 4, da relação entre 
, - história e genealogia não pode ser feita sem um forte sentido das realida-
32 
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DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALIZAÇÃO o 'i v I' 
des da longue durée que sempre produzem geografiás esp:cíficas: tanto 0 \ 
, reais como imaginárias. Se a genealogia das formas culturaiS trata da s'ua' O \ 
circulação nas regiões, a história destas formas trata da () I 
as vai integrando nas práticas locais. A própria interacção de formas hiS-
tóricas e genealógicas é desigual, 'diversíficada e contingent.e. Neste O, 
tido, a história, a impiedosa disciplina do contexto (na O ' 
de E. P. Thômpson) é tudo. Mas reconhecê-lo não é uma garantia 0 
de localismo do tipo que por vezes se 'associa aos estudos de área .. Seja () 
como for, os estudos de área são uma técnica de investigação especlfica- () 
mente ocidental, dificilmente poderão assumir-se como simpÍ'es espelho 
do Outro civilizacional. O que é preciso reconhecer, se quisermOS revi ta- () , 
lizar a tradição dos estudos de área, é que a própria' localidade éum pro- O 
histórico e que as histórias que permitem a emergência de localidades U 
acabam por ficar sujeitas à dinâmica do global. Desta te.se, cujo ponto,cul- "() ' 
minanteé recordar que o local em nada é simples, se encarrega o capItulo o final deste 'livro. 
A revisão múltipla dos estudos de uma tradição em que tenho es-
tado mergulhado nos últimos vinte e cinco anos, está subjacente à presen-
ça de dois capítulos sobre a Índia na parte central deste livro. Estes capí-
tulos sobre o censo e sobre o críquete, servem de contraponto a esses 
outr;s que de outro modo pod,eriam parecer, .bem ... globais. 
Mas apresso-me a rogar que a lndia - neste lIvro - nao seja como 
um mero caso, exemplo ou modelo de algo mais lato do que ela. E antes 
um sítio para examinarmos como emerge a localidade num mundo glo-
balizado, como os processos coloniais subscrevem as políticas contempo-
râneas, como a história e a genealo§ia se mutuamen,te e como , 
factos globais assumem forma local . Nesse sentido, estes capItulos - e 
" as frequentes invocações da .Índia ao longo do livro - não são sobre. a 
Índia (tomada como facto natural), são sobre os processos de que emergIU 
a Índia contemporânea. Estou ciente da ironia (até contradição) de usar 
um Estado-nação como âncora de referência num livro dedicado à 
" !ização e 'animado pelo sentido do fim da era do Mas aqUi 
a minha competência e as minhas limitações são dOIS lados da mesma 
33 
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ARJUN APPADURAI I 
moeda e convido o leitor a ver a Índia como uma ópúca, e não' como uJ ' 
facto social reificado ou um reflexo nacionalista em bruto, ! 
Fiz esta digressão em do facto de que qualquer livro so-' 
bre globalização é um suave exercício de megalomania, em especial quando 
produzido nas circunstâncias relativamente privilegiadas da investigação 
universitária americana. Afigura-se importante identificar as formas de co-
nhecimento que permitem que essa megalomaniase articule. No caso, 
estas formas - a antropologia e os estudos de área - predispõem-me, por 
hábito, a fixar práticas, espaços e paises num mapa de diferenças estáticas. 
Isto é, à revelia da intuição, um perigo, mesmo num livro como este, cons-
cientemente concebido dentro do interesse pela diáspora, a desterritoriali-
zação e a irregularidade das relações entre nações, ideologias e movimentos 
sociais. . . . 1 
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Ciências sociais depois do patriotismo · 
A parte final do aqui e agora é um facto do mundo moderno que tem ' 
desafiado alguns dos melhores pensadores contemporâneos das ciências 
sociais e humanas: a questão do Estado-nação, a sua história, a sua crise ' 
actual, as suas prospectivas. Não comecei a escrever este livro com a cri- ' 
se do Estado-nação como preocupação principal. Mas nos · seis anos em 
que foram escritos os seus capítulos, fui-me convencendo de que o Esta-
do-nação, como forma política moderna complexa, está a dar as últimas. 
Não é de modo algum uma evidência nem se colhem daí os frutos. Sei 
que nem todos os Estados-nações são iguais no que respeita ao imaoinário . D nacIOnal, aos aparelhos de Estado ou à solidez do hífen entre os dois. Mas 
hájustificação para o que pode parecer uma visão ·reificada deste Estado-
-nação neste livro. Os com todas as suas importantes di-
ferenças (e só um louco misturaria o Sri Lanka com a Grã-Bretanha), só 
fazem sentido se fizerem parte de um sistema. Este sistema se 
considerado um sistema de diferenças) mostra-se mal ,equipado para lidar 
com as diásporas combinadas de pessoas e imagens que marcam o aqui 
34 I , 
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I 
DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALlZAÇÃO 
e agora. Os Estados-nações, enquanto unidades num complexo sistema in-
teractivo, não têm granqes .hipóteses de servir de árbitros a lan'go prazo 
da relação entre globalidade e modernidade. Por isso insinuo, no meu tí-
tulo, que a modernidade não tem peias. 
. A ideia de que alguns Estados-nações,.estão em crise é um cavalo-de-
-batalhà nó campo da política comparada e foi, em certo sentido, a justi-
ficação de muita teoria da modernização, especialmente nos anos sessen-
ta. A ideia de que há Estàdos fracos, doentes, corruptos ou moles anda no 
ar há várias décadas (lembram-se de Gunnar Myrdahl?). Mais recente-
mente, tem tido aceitação geral a ideia do nacionalismo como uma doen-
r 
ça, em particular quando se trata do nacionalismo alheio. A ideia de que 
todos , os Estados-nações foram de algum modo demonizados por movi- , 
mentos globais de armas, dinheiros, doenças e ideologias também não é 
novidade nenhuma mi era das multinacionais. Mas a ideia de que o próprio 
sistema de Estado-nação está em risco não é lá muito popular. Neste livro, 
a minha atenção permanente ao hífen que liga Estado a nação integra-se 
na construção da: tese do fim próximo do Estado-nação. Esta ideia, que se 
situa algures entre um diagnóstico e um prognóstico, entre uma intuição . 
e uma convicção, precisa de ser clarificada. 
Primeiro, tenho que distinguir entre as componentes ética e analítica 
da minha tese. Na frente ética, sinto-me cada vez mais inclinado a ver nos 
modernos aparelhos governamentais uma propensão. para se perpetuarem, 
se empolarem·, para se tomarem violentos e corruptos. Aqui, tenho com-
panhia, à esquerda e à direita.(A questão ética com que muitas vezes me 
confronto é: se o Estado-nação desaparece, que mecanismo irá assegurar 
a protecçãodas minorias, a distribuição mínima de direitos democráticos 
e as razoáveis possibilidades de um crescimento da sociedade civil? Res- . 
pOI1do que não sei, mas admiti-lo não é bem recomendar eticamente um 
sistema que enferma de doença crónica. Quanto às formas e possibilidades 
sociais alternativas, existem hoje formas e combinações sociais que po-
deriam conter a de formas mais dispersas e cttxersas de fidelidade 
e filiação transnacional) Esta ideia faz parte da tese do" capítulo 8, embora ' 
eu esteja pronto a admitir que O caminho que levam os diversos movimen-
35 
\ , 
" . 
ARJUN APPADURAI 
tos transnacionaisem direcção a formas sustentadas de governação trans-
nacional não é muito claro. Prefiro, porém, o exercício de procurar - ou 
melhor, imaginar - estas possibilidades alternativas a uma estratégia que 
considere uns Estados-nações mais saudáveis do que outros, assim suge-
rindo diversos mecanismos de transferência de ideologia. Esta última es-
tratégia repõe a política de modernização-e-desenvolvimento, com o mes-
mo triunfalismo subjacente e as mesmas perspectivas nadasaudáyeis. 
. Se a frente ética da minha tese é necessariamente difusa, a frente ana-
lítica é um tanto mais nítida. Um exame, mesmo apressado, das relações 
dentro e entre os mais de 150 Estados-nações'que são membros actuais 
das Nações Unidas as guerras fronteiriças, as guerras culturais, 
a inflação galopante, a imigraçãoem massa de populações ou as fugas gra-
ves de capital ameaçam a soberania em muitas delas. Mesmo onde a so-
berania do Estado está aparentemente intacta" a legitimidade do Estado é, 
muitas vezes, incerta. E mesmo em Estados-nações tão aparentemente se-
guros como os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha, as discussões sobre 
raça e direitos, nacionalidade e lealdade, cidadania eautoridade já não são 
culturalmente periféricas. Enquanto o argumento da longevidade da forma 
Estado-nação se baseia nestes casos aparentemente sólidos e legítimos, o 
outro argumento é inverso e baseia-se nos novosetnonacionalismos do 
mundo, nomeadamente os da Europa de Leste. Nos Estados Unidos, a 
Bósnia-Herzegovina é quase sempre apontada como o principal sintoma 
do facto de o nacionalismo estar vivo e doente, embora se invoquem ao 
mesmo tempo as democracias ricas para mostrar que o Estado-nação está 
vivo e de saúde. 
Dada a frequência com que se usa a Europa Ocidental para demonstrar 
que o tribalismo é profundamente humano, que o nacionalismo dos outros 
povos é tribalismo com maiúsculas e que a soberania territorial continua 
a ser o grande objectivo dos grupos étnicos, deixem-me propor uma in-
terPretação alternativa. A meu ver, a Europa de Leste tem sido singular. 
mente distorcida em populares análises do nacionalismo na imprensa e na 
. academia nos Estados Unidos . Em vez de caso modal das complexidades 
de todos os etnonacionalismos contemporâneos, a Europa de Leste, e a sua 
36 
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DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALIZAÇÃO 
face sérvia em particular, têm sido usadas para demonstrar o contiI}uado 
viaor-dos nacionalismos em que terra, língua, religião, história e sangue 
conaruentes, um exemplo de antologia do que é o nacionalismo. Claro 
que o é fascinante na Europa de Leste, é que alguns dos seus ideól.ogos 
de direita convencera'm os jornais do Ocidente liberal de que o naCIOna-
lismo é política dos primórdios, quando' a verdadeira questão é por-
que o fizeram parecer isso mesmo. Assim, a Europa de t?rna-.se por 
certo um caso fascinante e urgente de muitos pontos de VIsta, mclumdo 
facto de precisarmos de ser cépticos quando os especialistas aqrmam ter 
encontrado tipos ideais em casos reais. 
Na maior parte dos casos de antinacionalismo, secessão, supranacio-
nalismo ou revivalismo étnÍco em larga escala, ofactor comum é mais a 
autodeterminação doque a soberania territorial propriamente dita. Mesmo 
nos casos em que o parece ser um factor fundamental, como a _ 
Palestina, poder-se-ia afirmar que as discussões sobre terra e território são 
de facto motes para teses que substancialmente se ocupam do poder, da 
justi,ça e da autodeterminação. Num mundo de gente em de 
mercantilização global e Estados incapazes de outorgar dIreItos baslcos 
até às suas populaçÕes de maioria étnica (ver capo 2), a soberania territo-
rial é uma justificação cada vez mais difícil para esses Estados-nações que 
cada vez mais dependem da mão-de-obra, dos cérebros, ,das armas e dos 
,soldados estrangeiros. É que, para os movimentos contranacionalistas, a 
soberania territorial é o idioma plausível das suas aspirações, mas não po-
demos confundi-la com uma lógica fundadora ou com a sua inquietação 
última. Fazê-lo é cometer o que chamarei a Falácia Bósnia, um erro que 
(a) tomar as lutas ,étnicas da Europa de Leste por tribalistas.e pri-
: mordiais, erro "em que o New York Times é campeão, e (b) consolIdar o _ 
", erro tomando o caso da Europa de Leste por caso modal de todos os na-
cionalismos emergentes. Sair da Falácia Bósnia requer duas concessões 
difíceis: primeiro, que os sistemas políticos das nações ricas do ,Norte es-
tivessem também em crise; segundo, que os nacionalismos em 
muitas partes.do mundo tivessem por base patriotismos que nãó sejam ex-
clusiva nem fundamentalmente territoriais. Os argumentos a favor destas 
37 
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ARJUN APPADURAI 
concessões inspiram muitos dos capítulos deste livro. Ao defendê-los, 
nem sempre achei fácil manter a distinção entre as perspectivas analítica 
e ética do futuro do Estado-nação, embora o tenha tentado. 
No momento em que o Estado-nação entra numa crise terminal (se os 
meus prognósticos se revelarem correctos), por certo seria de esperar que 
os materiais para um imaginário pós-nacional estivessem já presentes. 
Neste ponto, penso que devemos prestar particular atenção à relação entre 
comunicação de massas' e migração, dois factos na base do sentido que 
dou à política cultural do moderno global. Precisamos, em particular, de 
ter em atenção tudo o que tem emergido como esfera pública de diáspora. 
Benedict Anderson fez-nos um favor ao identificar o modo como certas 
formas de comunicação de massas, nomeadamente as que se referem a jor- . 
nais, romances e demais comunicação impressa, desempenharam o papel 
capital de imaginar a nação e facilitar a difusão desta forma de mundo co-
lonial na Ásia e noutros pontos. A minha tese geral é que há uma relação 
semelhante a descobrir entre a obra da imaginação e a emergência de um 
mundo político pós-nadonal. Sem o benefício da reflexão a posteriori 
(que temos para o percurso global da ideia de nação), é difícil equacionar 
com eficácia o papel da imaginação numa ordem pós-nacional. Mas como 
os meios de comunicação de massas estão cada vez mais dominados pela 
comunicação electrónica (e assim desligados da capacidade de ler e es-
crever) e como esses meios cada vez mais ligam entre si produtores e pú-
-blicos para além das fronteiras nacionais, como os próprios públicos dão 
início a novas conversas entre os que se deslocam e os que ficam, desco-
brimos um número crescente de esferas-públicas de diáspora. 
Estas esferas da diáspora andam muitas vezes ligadas a estudantes e 
outros intelectuais interessados no nacionalismo longínquo (como os ac:" 
tivistas da República Popular da China). A instauração da maioria negra 
na África do Sul abre um novo tipo de discurso de democraCia racial em 
bem como nos Estados Unidos e nas Caraíbas. O mundo islâmico 
é o exemplo mais conhecido de todo um leque de debates e projectos que 
pouco têm a ver com fronteiras nacionais. Religiões que no passado foram 
resolutamente nacionais servem agora com vigor missões glObais e clien-
- 38 
I 
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I 
I 
DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOllALlZAÇÃO 
telas de diáspora: o hinduísmo global da década de oitenta é o melhor 
_ exemplo isolado deste processo. Os movimentos activistas em torn"o do 
ambiente, das questões femininas e dos direitos humanos, na sua genera-
lidade, criaram uma esfera de discurso transnacional, muitas vezes assente 
ria autoridade_ moral de refugiados, exilados e outros deslocados. Grandes 
movimentos separatistas transnacionais, como os. siques, os curdos e os 
tâmiles do Sri Lanka constroem a imagem de si em sítios de todo o mundo, 
onde quer que tenhammembros suficientes para que aPareçam múltiplas 
células numa esfera pública de diáspora maior. 
A onda de debates sobre multiculturalismo que tem percorrido os Es-
tados Unidos e a Europa é seguramente testemunha da !ncapacidade de 
impedir as suas populações minoritárias de relacionarem com círculos 
mais amplos de filiação religiosa ou étnica. Estes e outros exemplos su-
gerem que a era em que podíamos supor que as esferas públicas viáveis 
são típica, exclusiva ou necessariamente nacionais pode estar a chegar ao 
fim. 
As esferas públicas de diáspora, cheias de diversidade entre si, são os 
cadinhos de uma ordem política pós-nacional. O motor do seu discurso 
são os meios da comunicação de massas (tanto interactiva como expres-
siva) e o movimento dos refugiados, activistas, estudantes e trabalhadores. 
Pode muito bem ser que a ordem pós-nacional emergente se revele não 
um sistema de unidades homogéneas (como o actual sistema de -Estados-
-nações), mas um sistema baseado nas relações entre unidades hetero-
géneas (certos movimentos sociais, certos grupos de interesses, certos 
grupos profissionais, certas organizações não governamentais, certas co-
lecti vidades armadas, certos corpos judiciais). O desafio que se põe a esta 
ordem emergente é saber se essa heterogeneidade é coerente com conven-
"" " ções mínimas de norma e de valor, o que não requer uma adesãO estrita . 
ao contrato social liberal do Ocidente moderno. A resposta a esta questão 
fatal não virá de um fiat académico, mas de negociações (tanto ordeiras 
como violentas) entre imaginados por esses diferentes interes-
ses e movimentos. A curt6- prazo, como já podemos ver, é provável que 
seja um mundo de incivilidade e violência cada vez maiores , A longo pra-
39 
ARJUN APPADURAI 
. ZO, livres dos constrangimentos da forma nação, podemos vir a descobrir 
que a liberdade cultural e a justiça fundamentada no mundo não pressu-
põem a existência uniforme e generalizada do Estado-nação. Esta possi-
bilidade inquietante poderá ser o' mais estimulante dividendo .de viver a 
modernidade sem peias . 
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PRIMEIRA PARTE 
Fluxos Globais 
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Disjuntura e diferença 
na economIa cultural global 
t o mero conhecimento dos factos do mundo moderno basta para notar 
, 'que ele é agora um sistema interactivo num sentido espantosamente novo. 
Histori<idores e sociólogos, em particular os que se interessam pelos pro-
cessos translocais (Hodgson, 1974) e pelos sistemas mundiais associados 
ao capitalismo (Abu-Lughod, 1989; Braudel, 1981-84; Clirtin, Wal-
lerstein, 1974; Wolf, 1982), sempre souberam que o mundo há muitos sé-
culos que é um conglomerado de interacções em larga escala. Contudo, · 
o mundo de hoje implica de uma nova ordem e de uma nova 
intensidade. No passado, as transacções entre grupos sociais 
eram em geral restringidas, umas vezes por factores de geografia e eco-
logia, outras pela resistência activa à interacção com o Outro (como na. 
China durante a maior parte da sua história e no Japão antes da Restau-
ração Meiji). Sempre que houve transacções culturais duradouras em· 
grandes zonas do globo, elas estiveram normalmerite relacionadas com as 
viagens de longo curso das mercadorias (e dos mercadores a elas mais · 
ligados) e de viajantes e exploradores de todos os tipos CHeIros , 1988 ; 
43 
I 
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ARJUN APPADURAI 
1963). As duas princip·ais forças de interacção cultural duradoura 
antes deste século foram a guerra (e os grandes sistemas políticos que por 
. vezes a geraram) e as religiões de conversão que por vezes tiveram como 
. foi ,0. caso do islão, a guerra como um dos seus instrumentos de 
legItImos. Portanto, entre viajantes e mercadores, peregrinos e conquista-
dores, o mundo tem visto muito tráfego cultural de longo (e longo- I 
prazo). Até aqui, é tudo evidente. . I 
poucos negarão que, dados os problemas de ·tempo e de distância 
e as tecnologias para a gestão de recursos em espaços muito vas-
tos, os tramItes culturais entre grupos socialmente e espacialmente sepa- I 
rados foram efectuados com grande custo e só com muito esforço se pro-
longaram no tempo. As forças de gravidade cultural parecem puxar 
para longe da formação de ecúmenos em larga escala, sejam eles 
rehgIosos, comerciais ou políticos, para atreções de intimidade e interesse 
de escala menor. 
. Algures nos séculos transactos, parece rer mudado a natureza deste cam-
. . po. Empartepor causa da expansão dos interesses marítimos 
OCIdentaIS a seguir a 1500, em parte por causa do" desenvolvimento relati-
vamente autónomo de formações sociais vastas e agressivas nas Américas 
. (como os Astecas e os Incas), na Eurásia (como os Mongóis e os seus des-
os Mogóis e os ,Otomanos), no Sueste Asiático insular (como os 
e nos r.einos da Africa pré-colonial (como o Daomé), começa a 
um de ecúmenos sobrepostos, em que conglomerados de 
conquista e migração se mo·stram capazes de criar vín-
mtersocletais duradouros. Este processo foi aceleradO pelas transfe-
rencIas de tecnologia e pelas inovações do fim do século XVIII e século XIX 
(e. .Bayly, 1989), que criaram ordens coloniais complexas com base em 
europeus se difundiram no mundo extra-europeu. Este conjunto 
mtrIncado e de mundos eurocoloniais (primeiro espanhóis e 
portugueses, maiS tarde sobretudo ingleses, franceses e holandeses) esteve 
base de um permanente tráfego das ideias de povo e indivíduo, as quais 
cnaram por sua vez as comunidades imaginadas (Anderson, 1983) dos re-
centes nacionalismos em todo o mundo. 
44 . 
DIMENSÕES CULTURAIS DA GLOBALIZAÇÃO u 
U 
Com aquilo a que Benedict Anderson chamou «capitalismo impresso», U 
lançou-se no mundo um novo poder, o poder da literacia de massas e da 
respectiva produção em -larga escala de projectos de afinidade étnica isen- l ) 
tos, o que é notável, da necessidade de comunicação presencial ou mesmo 
de comunicação indirectaentre pessoas e grupos. ° acto de ler coisas em U 
conjunto dispôs o cenário para movimentos baseados num paradoxo: o pa- U 
radoxo do primordialismo construído. Claro que há muito mais coisas 
contidas no percurso do colonialismo e nos nacionalismos que ele gerou 
dialecticamente (Chatterjee, 1986), mas a questão das etnicidades cons-
truídas é sem dúvida uma fase crucial deste percurso. 
A revolução do impresso e as afinidades culturais e diá-
logos por ela desepcadeados foram, porém, apenas modestos precursores 
do mundo em que hoje vivemos; Com efeito, no século que passou· veri-
ficou-se uma explosão tecnológica, dominada em grande medida pelos 
transportes e pela inforniação que faz com que as interacções de um mun-
() 
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do dominado pela imprensa pareçam tão duras de ganhar e tão fáceis de · U 
eliminar como pareciam :as formas anteriores de tráfego cultural à luz da 
revolução da imprensa. É que, com o advento do navio a vapor, do auto-
móvel, do avião, da fotografia, do computador e do telefone, entrámos 
numa fase inteiramente nova das relações de vizinhança, mesmo daqueles 
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que estão muito distantes de nós. Marshall McLuhan, entre outros, pro-
curou teorizar este mundo como «aldeia global», mas as teorias ·como esta 
parecem ter sobrestimado as implicações comunitárias da nova ordem da 
comunicação (McLuhan e Powers, 1989). Sabemos agora que, quando se 
trata de meios de comunicação, de cada vez que queremos falar de aldeia 
global, há que não esquecer que eles criam comunidades «sem sentido do 
lugar» (Meyrowitz, 1985). ° mundo em que hoje viVemos é rizomático 
'o,., (Deleuze e Guattari, 1987) ou mesmoesquizofrénico; requer teorias dO 
desenraizamento, da alienação e da distância psicológica entre indivíduos 
e

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