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Marcos Soares da Mota e Silva Pós-graduado em Direito Tributário pelo Ins- tituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito Processual Tributário pela Universi- dade de Brasília (UnB). Graduado em Engenha- ria Mecânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Direito pela Universida- de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Profes- sor de Direito Tributário e Direito Constitucional no Centro de Estudos Alexandre Vasconcellos (CEAV), Universidade Estácio de Sá, Faculdade da Academia Brasileira de Educação e Cultu- ra (Fabec) e em preparatórios para concursos públicos. Atua como auditor fiscal da Receita Federal. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 23 Conceitos da Constituição Segundo De Plácido e Silva (2003, p. 357), a palavra constituição é derivada do latim constitutio, de constituere (constituir, construir, formar, organizar). É sinônima de compleição ou composição e quer dizer “um todo formado ou construído, com os elementos fundamentais à sua finalidade” (De Plácido e Silva, 2003, p. 357). Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2001, p. 11) apresenta um conceito ge- nérico de Constituição. Afirma o autor que “Constituição é a organização de alguma coisa. [...] Designa a natureza peculiar de cada Estado, aquilo que faz este ser o que é”. Embora a palavra “constituição” seja plurissignificativa, ou seja, possua diversos significados, nos limitaremos ao estudo dos conceitos de constitui- ção mais cobrados em concursos públicos, que são os conceitos sociológico, político e jurídico. Conceito sociológico Constituição em sentido sociológico é aquela considerada como fato social, e não propriamente como norma jurídica. O texto da Constituição seria o re- sultado da realidade social do país, das forças que dominam uma sociedade, em determinado momento histórico. Para Ferdinand Lassalle (2002), represen- tante dessa visão sociológica e autor do ensaio “O que é uma Constituição”, a Constituição do país “é a soma dos fatores reais de poder que regem esse país, em um determinado momento histórico” (SILVA, 2002, p. 38). Nas palavras de Lassalle (2002, p. 48): Colhem-se estes fatores reais de poder, registram-se em uma folha de papel, se lhes dá a expressão escrita e, a partir desse momento, incorporados a um papel, já não são simples fatores reais do poder, mas que se erigiram em direito, em instituições jurídicas, e quem atentar contra eles atentará contra a lei e será castigado. Lassalle adverte que uma Constituição escrita só é boa e duradoura quando corresponder à Constituição real, ou seja, quando refletir os fatores reais e efetivos do poder. Neste sentido, afirma que “de nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder” (2002, p. 48). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 24 Conceitos da Constituição 2525 Para Lassalle, há duas Constituições: uma real, que corresponde à soma dos fatores reais de poder, e outra escrita, que ele chama de “folha de papel”, e que só teria validade se correspondesse à Constituição real, pois no caso de conflito entre ambas a Constituição escrita (folha de papel) se curvaria perante a Constituição real, por causa da força dos fatores reais de poder (os grupos dominantes, ou a elite dirigente). Konrad Hesse, opondo-se a Lassalle, apresentou uma teoria conhecida como Força Normativa da Constituição (SILVA, 2002, p. 38). Sem desconsiderar a importância das forças sociopolíticas para a cria- ção e sustentação da Constituição jurídica (folha de papel), Konrad Hesse sugere um condicionamento recíproco entre a Lei Fundamental e a realida- de político-social. Para Konrad Hesse a eficácia das normas constitucionais não pode su- plantar as condições naturais, históricas, sociais e econômicas, todavia, uma Constituição é algo maior do que as condições fáticas, possuindo força nor- mativa voltada a ordenar e configurar a realidade político-social. Conceito político Carl Schmitt, teórico da concepção política da constituição, defende ser a Constituição uma decisão política fundamental, uma decisão sobre o modo e a forma de existência do Poder Político (SILVA, 2002, p. 38). O autor diferencia Constituição de Lei Constitucional. Afirma que Consti- tuição refere-se à decisão política fundamental (organização dos poderes e direitos fundamentais), e que leis constitucionais, por sua vez, são as demais normas presentes no texto constitucional que não tratem de matéria de de- cisão política fundamental. José Afonso da Silva (2002, p. 38), afirma que de acordo com os concei- tos de Carl Schmitt, na Constituição Brasileira, Constituição seria apenas as normas que tratam sobre a forma de Estado (CF, art. 1.º e 18); modo de exer- cício do poder (CF, art. 1.º, parágrafo único); separação entre os poderes (CF, art. 2.º); direitos fundamentais (CF, arts. 5.º ao 17) e os dispositivos referentes às competências dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Os demais dispositivos presentes no Texto constitucional brasileiro seriam apenas leis Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 25 Conceitos da Constituição 25 constitucionais, estando presentes na Lei Fundamental somente para fica- rem protegidas das modificações advindas da legislação ordinária. Conceito jurídico A constituição em sentido jurídico é compreendida por uma perspectiva apenas formal. Hans Kelsen considera a Constituição como norma pura, sem qualquer consideração de cunho sociológico, político ou filosófico. O autor diz haver dois sentidos para a palavra Constituição: um sentido lógico-jurídico e � um sentido jurídico-positivo. � Em sentido lógico-jurídico, a Constituição é a norma fundamental hipo- tética, que serve de fundamento da validade da Constituição em sentido jurídico-positivo. Tal norma teria o seguinte comando: conduza-se na forma ordenada pelo autor da primeira Constituição. Como Kelsen não admitia como fundamento da Constituição positiva algo de real, teve que desenvol- ver esta teoria. Em sentido jurídico-positivo, a Constituição equivale à norma positiva suprema, trazendo normas que regulam a criação de outras normas, sem considerações de cunho sociológico, político ou filosófico. Seu fundamento de validade é a norma fundamental hipotética. Segundo José Afonso da Silva (2004, p. 31): Para manter-se fiel ao seu normativismo puro, Kelsen não pode admitir como fundamento da Constituição positiva (ver conteúdo das constituições) algo de real [...]. Foi obrigado a procurar um fundamento também normativo para a constituição, e, como esta já é, por definição, norma positiva suprema, teve que cogitar de uma norma fundamental, norma hipotética, meramente pensada, que existe apenas como um pressuposto lógico da validade das normas constitucionais positivas [...] Portanto, para Kelsen (SILVA, 2002), uma norma jurídica atua como funda- mento de validade de outra norma jurídica, em uma verticalidade hierárqui- ca. A norma de hierarquia inferior busca fundamento de validade na norma de hierarquia superior a ela, e esta, por sua vez, busca fundamento de vali- dade em uma outra norma de hierarquia superior, até chegar à Constituição, que é fundamento de validade de todo o sistema infraconstitucional. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 26 Conceitos da Constituição 2727 A Constituição, então, tem seu fundamento de validade na norma hipo- tética fundamental, situada no plano lógico, e não no jurídico, sendo funda- mento de validade de todo o sistema, determinando-se a obediência ao que for imposto pelo Poder ConstituinteOriginário. Destarte, as normas que integram o ordenamento jurídico de uma Estado só serão válidas caso se conformem com as normas da Constituição. Conclusão É importante destacar que não se deve tomar como correto um único conceito de Constituição, antes, deve-se considerar que a concepção que melhor compreende o conceito de Constituição é aquela que reflete uma conexão dos sentidos vistos nesse texto e até mesmo de outras concepções modernas. Nesse diapasão, cabe registrar o entendimento defendido pelo professor Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 85-86) ao afirmar que: Devemos, porém, confessar que a concepção de Constituição como fato cultural é a melhor que desponta na teoria da constituição, pois tem a virtude de explorar o texto constitucional em todas as suas potencialidades e aspectos relevantes, reunindo em si todas as concepções – a sociológica, a política e a jurídica – em face das quais se faz possível compreender o fenômeno constitucional. Assim, um conceito de Constituição “constitucionalmente adequado” deve partir da sua compreensão como um sistema aberto de normas em correlação com os fatos sociopolíticos, ou seja, como uma conexão das várias concepções desenvolvidas no item anterior, de tal modo que importe em reconhecer uma interação necessária entre a Constituição e a realidade a ela subjacente, indispensável à força normativa. Na mesma linha, o professor José Afonso da Silva (2002, p. 39) afirma que “[...] essas concepções pecam pela unilateralidade”, e defende uma concep- ção da constituição considerando: [...] no seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em sua conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico. Trata-se de um complexo, não de partes que se adicionam ou se somam, mas de elementos membros e membros que se enlaçam num todo unitário. (SILVA, 2002, p. 39) Portanto, os conceitos de Constituição não se exaurem nos conceitos ex- plicitados nesse texto, há outras concepções de grande relevância e somen- te a união destas diversas concepções pode levar a um sistema, nas palavras de Canotilho (2006, p. 62-63), “ideal” de Constituição. Para ajudar na memorização dos três conceitos clássicos de Constituição, abordados anteriormente, apresentamos o esquema a seguir: Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 27 Conceitos da Constituição 27 Quadro Sinótico Conceito de Constituição Autor Conteúdo Sociológico Ferdinand Lassalle Soma dos fatores reais de poder. Político Carl Schmitt Decisão política fundamental. Jurídico Hans Kelsen Norma hipotética fundamental � (sentido lógico-jurídico); Norma positiva suprema � (sentido jurídico-positivo) Atividades de aplicação Julgue os itens a seguir como certo ou errado. 1. (Cespe) No sentido sociológico defendido por Ferdinand Lassalle, a Cons- tituição é fruto de uma decisão política. 2. (Cespe) No sentido jurídico, a Constituição não tem qualquer fundamen- tação sociológica, política ou filosófica. 3. (Cespe) No sentido sociológico, a constituição seria distinta da lei consti- tucional, pois refletiria a decisão política fundamental do titular do poder constituinte, quanto à estrutura e aos órgãos do Estado, aos direitos indi- viduais e à atuação democrática, enquanto leis constitucionais seriam to- dos os demais preceitos inseridos no documento, destituídos de decisão política fundamental. 4. (Cespe) Segundo Kelsen, a CF não passa de uma folha de papel, pois a CF real seria o somatório dos fatores reais do poder. Dessa forma, alterando- -se essas forças, a CF não teria mais legitimidade. 5. (Cespe) Considere a seguinte definição, elaborada por Kelsen e repro- duzida, com adaptações de José Afonso da Silva (Curso de Direito Cons- titucional Positivo. São Paulo: Atlas, p. 41). “A constituição é considerada norma pura. A palavra constituição tem dois sentidos: lógico-jurídico e jurídico-positivo. De acordo com o primeiro, constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico trans- cendental da validade da constituição jurídico-positiva, que equivale à Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 28 Conceitos da Constituição 2929 norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de ou- tras normas, lei nacional no seu mais alto grau”. É correto afirmar que essa definição denota um conceito de constituição no seu sentido jurídico. 6. (Esaf ) Carl Schmitt, principal protagonista da corrente doutrinária conhe- cida como decisionista, advertia que não há Estado sem Constituição, isso porque toda sociedade politicamente organizada contém uma estrutura mínima, por mais rudimentar que seja; por isso, o legado da Modernidade não é a Constituição real e efetiva, mas as Constituições escritas. 7. (Esaf ) Para Ferdinand Lassalle, a constituição é dimensionada como de- cisão global e fundamental proveniente da unidade política, a qual, por isso mesmo, pode constantemente interferir no texto formal, pelo que se torna inconcebível, nesta perspectiva materializante, a ideia de rigidez de todas as regras. 8. (Esaf ) Para Hans Kelsen, a norma fundamental, fato imaterial instaurador do processo de criação das normas positivas, seria a Constituição em seu sentido lógico-jurídico. 9. (Esaf ) A concepção de Constituição, defendida por Konrad Hesse, não tem pontos em comum com a concepção de Constituição defendida por Ferdinand Lassalle, uma vez que, para Konrad Hesse, os fatores históri- cos, políticos e sociais presentes na sociedade não concorrem para a força normativa da Constituição. 10. (Esaf ) Na concepção de constituição em seu sentido político, formulada por Carl Schmmitt, há uma identidade entre o conceito de Constituição e o conceito de leis constitucionais, uma vez que é nas leis constitucionais que se materializa a decisão política fundamental do Estado. 11. (Esaf ) A Constituição em sentido político pode ser entendida como a fundamentação lógico-política de validade das normas constitucionais positivas. Dica de estudo Livro Curso de Direito Constitucional Positivo, de José Afonso da Silva. Edi- tora Malheiros. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 29 Conceitos da Constituição 29 Referências CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Consti- tuição. 7. ed. Portugal: Almedina, 2006. COELHO, Inocêncio Mártires. Konrad Hesse/Peter Häberle: um retorno aos fatores reais de poder. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 5, ago. 2001. CONSTITUIÇÃO. In: DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 22. ed. Rio de Ja- neiro: Forense, 2003. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Salvador: Jus- podivm, 2008. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. LASSALLE, Ferdinand. O que É uma Constituição. Tradução de: OLIVEIRA, Hilto- mar Martins. Belo Horizonte: Líder, 2002. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003. REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5. ed. São Paulo, 1994. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. _____. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Gabarito 1. Errado. O enunciado se refere ao sentido político que foi defendido por Carl Schmitt. 2. Certo. 3. Errado. O enunciado se refere ao sentido político defendido por Carl Sch- mitt, no qual há uma clara distinção entre a Constituição, que seria for- mada pelas normas que organizam o Estado e limitam o poder estatal, e as demaisnormas que formariam as chamadas “leis constitucionais”, uma vez que não tratam de conteúdos essenciais a uma Constituição. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 30 Conceitos da Constituição 31 4. Errado. O enunciado se refere ao sentido sociológico, defendido por Ferdinand Lassalle. Para Lassalle, a Constituição real seria o somatório dos fatores reais de poder. 5. Certo. 6. Errado. Embora Carl Schmitt fosse defensor da corrente decisionista, a Constituição escrita não era importante para ele, pois estava preocu- pado apenas com o conteúdo das normas. 7. Errado. Quem defendia ser a constituição decisão ou norma funda- mental era Carl Schmitt, não Ferdinand Lassalle. Lassalle defendia que a constituição seria um “fato social”, seria um evento determinado pe- las forças dominantes da sociedade. 8. Certo. 9. Errado. Konrad Hesse não negava a teoria de Lassalle, mas a flexibili- zava. Hesse dizia que Lassalle estava certo em alguns pontos, porém, que não poderia excluir a força positiva que uma Constituição tinha de moldar a sociedade, não estando ela apenas passivamente sujeita às suas forças. 10. Errado. Para Schmitt o que importava era a matéria tratada e não a forma. Assim, não se pode afirmar que a Constituição equivaleria às leis constitucionais, estas seriam apenas as normas presentes no texto constitucional mas que não tratam de matérias essencialmente cons- titucionais. 11. Errado. O sentido político da Constituição era o sentido defendido por Carl Schmitt, onde a Constituição seria o fruto de uma “decisão política fundamental”, pouco importava a forma, o que importava na verdade era a matéria tratada que deveria englobar a “organização do Estado” + “Direitos Fundamentais”. A fundamentação de validade das normas constitucionais positivas refere-se à concepção lógico-jurídi- ca de Kelsen. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 31 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
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