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A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS 
 
 
Lenice Heloísa de Arruda Silva (UFMS) 
 Lenir Basso Zanon (UNIJUÍ) 
 
 
 O desenvolvimento do pensamento é um processo em que 
 o sujeito transforma e é transformado 
 pela realidade física, social e cultural em que ele se encontra. 
 Vygotsky 
 
 
1. A experimentação na abordagem tradicional de Ensino de Ciências 
 
Quando usualmente expressam posições ou impressões relativamente ao ensino 
experimental, professores costumam dizer que ele é fundamental para melhorar o ensino, 
mas lamentam a carência de condições para tal, referindo-se a turmas grandes, inadequação 
da infra-estrutura física/material, carga horária reduzida. Nem sempre focalizam os 
aspectos centrais dessa problemática que, a nosso ver, dizem respeito a carências na 
formação docente: a falta de clareza sobre o papel da experimentação na aprendizagem dos 
alunos. 
A organização do presente texto parte do pressuposto de que ter aulas 
experimentais não assegura, por si só, a promoção de aprendizagens significativas; não 
assegura, por si só, o estabelecimento de relações entre teoria e prática. Se as atividades 
práticas podem ajudar a aprender ciências, vale perguntar: que modalidade de 
experimentação é adequada para tal? Qual o papel dos experimentos no Ensino de 
Ciências? 
A relação teoria-prática é usualmente vista e tratada nas salas de aula como uma via 
de mão única, em que ‘a prática comprova a teoria, ou vice versa’. É importante que 
sejam discutidas indagações como as propostas por Amaral e Silva (2000: 134): será que 
os professores imaginam que o laboratório de ensino testa a validade das teorias? Em duas 
ou três horas de prática? Com poucos experimentos e quando eles são executados por 
aprendizes que estão começando a desenvolver suas habilidades e conhecimentos teóricos? 
user
Nota
SILVA, Lenice Heloísa A., ZANON, Lenir. B. A experimentação no ensino de ciências. In: SCHNETZLER, R. P. e ARAGÃO, R. M. R. (orgs.). Ensino de Ciências: fundamentos e abordagens. Piracicaba: CAPES/UNIMEP, 2000.
 2 
Pesquisas revelam a prevalência de visões essencialmente simplistas sobre a 
experimentação no Ensino de Ciências. Muito se tem discutido a esse respeito e, como 
sabemos, ainda é amplamente vigente a acepção de experimentação como mera atividade 
física dos alunos (manipulam, “vêem a teoria com seus próprios olhos”), em detrimento 
da interação e da atividade prioritariamente cognitiva/mental. 
Como dizia uma professora, as aulas práticas são importantes para que os alunos 
‘vejam com seus próprios olhos’, para que os alunos ‘vejam a realidade como ela é’, para 
que tirem suas próprias conclusões e seus próprios conhecimentos ‘descobrindo a teoria na 
prática’. É importante que sejam discutidas expressões como estas, que se contrapõem à 
visão do papel essencial do professor: o de ser o mediador que faz intervenções 
indispensáveis aos processos de ensinar-aprender ciências que promovem o conhecimento 
e as potencialidades humanas. 
A prevalência dessa visão de que a ciência ‘está na realidade, a espera de ser 
descoberta’ é um indício de que o empiricismo-indutivismo é amplamente dominante, nos 
contextos das escolas, em detrimento da valoração da capacidade criadora do sujeito que se 
transforma ao transformar/criar o real colocado em discussão. A visão dogmática de 
Ciência - a única forma, verdadeira e definitiva, de explicação - cultua a existência de uma 
única explicação certa/correta para qualquer questão. 
Ainda são muitos os professores que imaginam ser possível ‘comprovar a teoria no 
laboratório’. Pensam esses professores ser esta a função da experimentação no ensino. São 
muitos os professores, outrossim, que imaginam o inverso: que no laboratório se consiga 
chegar, a partir dos experimentos realizados pelos alunos, “por descoberta”, a uma 
determinada teoria, sem o papel mediador do professor.(Amaral e Silva, 1999: 7). 
Nesse sentido, Aragão e colaboradores (2000) alertam que uma das conseqüências 
da primazia da visão de um sujeito pretensamente isento, neutro, pré-determinado, e de 
uma ciência objetiva, neutra, quantitativa, empírica, linear, cumulativa, é a preservação do 
modelo de ensino centrado na transmissão-recepção de conteúdos tidos como verdadeiros, 
incoerentes com a ciência, e com questionável papel formador para a vida profissional e 
social. 
Em outras palavras, uma visão de ciência externa, neutra, quantitativa, empírica 
gera no ensino e na aprendizagem uma visão de sujeito isento/neutro, que reproduz de 
forma passiva o que lhe é apresentado. É importante, pois, prestar maior atenção às 
relações conceituais entre a visão de ciência/conhecimento e a visão de sujeito que precisa 
 3 
conhecer. Com base nos mesmos autores, dizemos que na idéia dominante de sujeito como 
“des-a-sujeitação” há uma descaracterização do sujeito social que, na interação sócio-
cultural, tem a capacidade de assumir-se como gestor, produtor, construtor e divulgador do 
seu conhecimento, constituindo-se como transformador/criador de seu meio e - ao mesmo 
tempo - de si próprio. 
Quando um professor encara a ciência com a visão ‘do verdadeiro, do definitivo, do 
certo’, ele vai exigir que seu aluno reproduza tal visão, apresentando (e assumindo que há) 
uma única resposta verdadeira/correta para qualquer questão que lhe for posta. Por isso é 
importante que sejam desenvolvidas formas de como superar essa concepção de ciência 
pretensamente neutra, objetivista, empiricista, quantitativista, cumulativa, linear, elitista, 
sobre-humana, a-histórica, ainda tão presente nos contextos escolares. 
Corroboramos com Amaral e Silva (1999) ao apontar a visão indutivista de ciência 
como um dos grandes obstáculos ao ensino e a aprendizagem, por ela supor que a 
interpretação dos resultados experimentais seja algo trivial e simples, uma conseqüência 
imediata da realização dos experimentos, que ela pode ser feita sem maiores problemas, e 
como iniciativa individual de cada estudante, não sendo necessário investir muito tempo 
em discuti-la na sala de aula. Por isso referimos, junto com os mesmos autores, que a 
filosofia da ciência e a pesquisa em educação científica têm insistido em apontar a visão 
indutivista da ciência como um dos principais obstáculos para um ensino de qualidade. 
Dentro dessa perspectiva, conforme diz Hodson (1994: 306), o ensino experimental 
precisa envolver menos prática e mais reflexão. O autor refere que o trabalho no 
laboratório costuma ser restrito no que tange ao tempo de contato que permite manter com 
a essência conceitual da aprendizagem. Cita casos que mostram como é difícil lidar com 
relações entre ‘conceitos abstratos fundamentais’ e ‘efeitos observáveis’. Isso porque, 
segundo ele, ainda que os estudantes percebem o laboratório como um lugar onde estão 
ativos (no sentido de “estar fazendo algo”), muitos são incapazes de estabelecer a 
conexão entre o que estão fazendo e o que estão aprendendo (tanto em termos de 
conhecimentos conceituais como de conhecimentos relativos ao procedimento). 
Hodson (1994) discute o fato de que um dos objetivos atribuídos por professores 
para as atividades práticas no ensino de ciências é a motivação dos alunos. O autor chama 
a atenção de que nem sempre isto se sucede, que há alunos que expressam antipatia ao 
trabalho prático e que o entusiasmo que tal atividade pode causar diminui de maneira 
significativaà medida que os alunos vão se tornando mais maduros. 
 4 
Segundo o autor, o que freqüentemente resulta como atrativo para os alunos quando 
os professores se utilizam desse recurso pedagógico é a oportunidade para pôr em prática 
métodos de aprendizagem mais ativos, para interatuar mais livremente com o professor e 
com outros alunos e para organizar o trabalho que melhor se adapte ao gosto do aluno, e 
não a ocasião de levar a cabo uma investigação de banco de laboratório por si (Hodson, 
1994: 301). Acerca das limitações na efetividade das atividades práticas na aprendizagem 
científica, o autor refere que o que acontece é que os professores de ciências mantêm a 
crença em objetivos que supõem serem alcançados ainda que tais objetivos não lhes sejam 
explícitos. 
Ao discutir razões apontadas por professores para fazer com que os estudantes 
participem em atividades práticas, o autor chama a atenção que nenhuma atividade 
experimental assegura, por si só, a obtenção dos efeitos esperados na aprendizagem. Refere 
que muitas das dificuldades relativas ao ensino experimental devem-se à maneira 
irreflexiva com que os elaboradores de planos de estudo e os professores fazem uso do 
trabalho prático. Aponta que, em poucas palavras, o ensino experimental é sobreutilizado e 
infrautilizado. É usado em demasia no sentido de que os professores empregam as práticas 
como algo normal e não como algo extraordinário, com a idéia de que servirá de ajuda 
para alcançar todos os objetivos de aprendizagem. É infrautilizado no sentido de que 
somente em poucas ocasiões se explora completamente seu autêntico potencial. Pelo 
contrário, grande parte das práticas que oferecemos são mal concebidas, são confusas e 
carecem de valor educativo real. (Hodson, 1994: 300/305). 
Assim, se a experimentação é escassa no Ensino das Ciências, preocupa-nos, 
sobremaneira, a sua inadequação e sua incapacidade para promover aprendizados que se 
mostrem significativos, relevantes e duradouros. Além de escassa, a experimentação é 
infrutífera. Como se diz, ‘fica-se na experimentação pela experimentação’. Por isso, ao 
questionarmos a forma como a experimentação foi introduzida e vem sendo desenvolvida 
nas aulas de ciências, insistimos em criticar a ampla carência de objetivos e de 
intencionalidades visivelmente expressos no sentido das interações e das aprendizagens em 
sala de aula. 
 
 
 
 
 5 
2. Origens da Experimentação no Ensino: o paradigma da formação em Ciências 
 
A maneira de conceber o cientista, a atividade científica e o trabalho prático na sala 
de aula vem recebendo inúmeras críticas, e isso tem gerado propostas alternativas de 
ensino baseadas na visão de que a observação é dependente da teoria, de que a teoria é 
determinante do ‘o que’ e do ‘como’ se observa, de que, se faltar o conhecimento teórico, a 
observação é vazia e sem sentido. Segundo Jacob apud Cachapuz (1999)
1
, para se obter 
uma observação com algum valor, é preciso ter já, à partida, uma certa idéia do que há a 
observar. 
Conforme expressa Chalmers (1993: 20), a concepção positivista de ciência é 
derivada da concepção de método científico formulada por Bacon no início do século 
XVII, segundo a qual a meta da ciência é o melhoramento da vida do homem na terra. 
Para ele essa meta seria alcançada através da coleta de fatos com observação organizada 
e derivando teorias a partir daí. 
Francis Bacon, ao lado dos empíricos ingleses dos séculos XVIII e XIX, foi um 
antecedente deste paradigma positivista, do qual derivou a concepção epistemológica 
prevalente durante todo o século XX, essencialmente centrada no modelo da racionalidade 
técnica, segundo o qual, para resolver qualquer tipo de problema que a prática coloca, 
basta dominar e aplicar as teorias científicas. Tal concepção, idealiza, deturpa e 
supervaloriza o conhecimento científico e, por outro lado, desconsidera a complexidade- 
dinamicidade da prática e dos problemas reais por ela colocados. 
Segundo Carr e Kemmis (1988: 77), foi o francês Auguste Comte quem introduziu 
o termo “filosofia positivista”, cuja própria obra exemplifica com claridade a atitude 
positivista. Ao eleger a palavra “positivo” Comte tentava sublinhar sua oposição a 
qualquer pretensão metafísica ou teológica. Nenhum tipo de experiência apreendida por 
via não sensorial poderia servir de base a um conhecimento válido. Foi este desejo de 
liberar o pensamento das certezas dogmáticas, associado a uma fé otimista no poder do 
conhecimento “positivo” para resolver os grandes problemas práticos, que conferiu ao 
positivismo seu atrativo inicial. 
De acordo com esta perspectiva, somente é considerado inquestionável ou 
verdadeiro aquele conhecimento que advém de fenômenos observáveis empiricamente. 
 
1 Citação de António Francisco Cachapuz durante palestra apresentada no Programa de Pós Graduação em 
Educação da Universidade Metodista de Piracicaba em 30/05/99. 
 6 
Como sabemos, com base em tal concepção de aquisição de conhecimento, o método 
científico - visto e utilizado como único válido nas ciências naturais - passou a ser 
incorporado como método eficaz, também, para se ensinar ciências. 
Como mostra a realidade do atual ensino de ciências, tal concepção tem sido 
mantida de maneira reiterada junto aos professores da área, que costumam atribuir 
importância às atividades práticas-experimentais ainda que não se preocupem efetivamente 
com o modelo organizador do ensino e da aprendizagem nas suas salas de aula. Hodson 
(1994) aponta críticas à crença de que seriam facilmente alcançados objetivos do ensino 
experimental como a motivação, o desenvolvimento de atitudes científicas, o treino nas 
técnicas de laboratório, o adestramento no método científico e no desenvolvimento da 
capacidade de levar a cabo investigações científicas. Prevalece essa visão simplista de que 
a experimentação contribui automaticamente para a melhora das aulas de ciências e para a 
aquisição do conhecimento científico por parte dos alunos. 
Aliás, esta crença é uma herança que vem de longa data. Segundo Barberá (1996: 
365), sem dúvida, o trabalho prático e, em particular, a atividade de laboratório constitui 
um fato diferencial próprio do ensino de ciências. Não obstante, esta crença na utilidade 
também tem tido suas críticas desde antigamente. Nos anos sessenta, projetos nos Estados 
Unidos como Biological Sciences Curriculum Study (BSCS), Chemical Education Material 
Study (CHEM Study) ou Physical Science Study Committee (PSSC), assim como os cursos 
Nuffield de biologia, física e química na Inglaterra, realizaram uma forte promoção de um 
estilo de ensino que supunha que o trabalho prático realizado por alunos os conduziria 
aos fundamentos conceituais, ocupando o professor um papel de apoio e guia para que os 
alunos descobrissem os novos conceitos (Mayer, 1986). Desde então, os professores têm 
considerado o trabalho prático como uma estratégia educativa útil para conseguir quase 
qualquer objetivo educativo planejado. 
Nesse sentido, Hodson (1994: 229) diz que, mesmo sendo periodicamente 
desacreditado - e em ocasiões qualificado como ‘uma perda de tempo’ - a importância que 
o trabalho prático tem dentro da educação em ciências tem permanecido incontestada 
desde que a Educacion Departament declarou, no Código de 1882, que ‘o ensino dos 
alunos em matérias científicas se levará a cabo principalmente com experimentos’. Com o 
passar dos anos, se tem estabelecido ‘uma fé profundamente imovível em uma tradição 
sobre o que deve ser o ensino de ciências’(Waring 1985). 
 7 
Essa concepção positivista e simplista de ciência, segundo o mesmo autor, tem 
influenciado e continua influenciando fortemente o ensino na área cientifica, concebido 
simplesmente como um processo da ciência. Por isso, as reformas curriculares propostas 
para o ensino de ciências em diversos paísese disseminadas para o mundo todo na década 
de oitenta - muitas ainda em vigor - colocam maior ênfase nos procedimentos da ciência 
em detrimento do modelo de aprendizagem propiciada pelo ensino na área científica. E, 
nesse sentido, apoiamo-nos em Barberá (1996) para dizer que o conhecimento de 
procedimentos é ainda considerado como aspecto fundamental do ensino experimental de 
ciências, em detrimento à reflexividade e ao conhecimento de conceitos. 
Outrossim, tendo em vista que o ensino é descontextualizado dos processos 
científicos, mesmo que o trabalho prático seja desenvolvido como um veículo para ensinar 
e desenvolver certas destrezas de alto nível, isto é considerado insustentável, pois não se 
pode ensinar processos cognitivos como observar, classificar ou realizar hipóteses como se 
fosse algo abstrato. Nos dizeres do mesmo autor, trata-se de processos não generalizáveis e 
não transferíveis, fortemente dependentes da teoria correspondente e estreitamente ligados 
a ela. Tais processos são normalmente utilizados pela criança antes mesmo dela freqüentar 
a escola, cabendo ao professor ajudá-la a observar, classificar e formular hipóteses dentro 
de um contexto conceitual específico. 
Assim, julgamos necessário que seja severamente questionada e discutida essa 
ampla prevalência da perspectiva empirista-indutivista no ensino de ciências, segundo a 
qual a ciência é impulsionada por um único método científico visto como supremo, capaz 
de gerar e consolidar conhecimentos válidos. Suposições como estas não têm como serem 
sustentadas se considerarmos a complexidade da atividade científica, com suas inúmeras 
possibilidades de pontos de partida e de referência, à cada contexto de produção do 
conhecimento, considerando-se, também, as características individuais e dinâmicas dos 
próprios cientistas. 
 
 
3. A Dogmatização e a Elitização da Ciência: conseqüências no ensino 
 
Como já referimos anteriormente, uma das críticas à área da educação em ciências - 
decorrente do paradigma positivista - refere-se à ampla prevalência nos contextos escolares 
da visão dogmática de ciência, centrada no verdadeiro, no definitivo, no certo, na única 
 8 
resposta verdadeira e correta para qualquer tipo de questão ou problema que se apresente, 
segundo a qual o científico é algo taxativo, inquestionável e exato, a ser transmitido de 
forma pronta e cumulativa através da escola. 
De acordo com tal pensamento, a ciência parte da observação empírica e 
objetivamente construída. Tal modalidade de observação, considerada como componente 
mais importante da investigação e da produção científica, assegura que o conhecimento 
gerado pela investigação tenha caráter fidedigno, até porque o pesquisador está livre de 
qualquer preconceito ou idéia anterior ao fazer suas descobertas. A partir de tais 
observações objetivas, seguidas da posterior generalização, decorrem diretamente as 
teorias e leis universais da Ciência (Chalmers, 1993). 
Por outro lado, cresce uma corrente de pensamento que se opõe a essa visão de que 
a ciência ‘brota’ da observação empírica, objetiva e indutiva. Novos moldes de 
organização do ensino de ciências vêm sendo propostos no sentido de superar essa 
problemática. Contudo, tal linha de mudança - difícil de ser concretizada - não pode ser 
vista de forma simplista nem imediatista. Profunda, lenta, gradual e difícil, ela requer 
formas outras de articulação das dinâmicas de organização das salas de aula, o que só será 
possível através da superação da visão positivista de ciência, do papel da experimentação 
no ensino e de formação humana. 
Nesse sentido, Barberá (1996) aponta que, quando o trabalho científico 
desenvolvido na escola se orienta pela prática indutiva, isto é, - vale-se de uma série de 
passos consecutivos característicos (observação e experimentação, generalização indutiva, 
formulação de hipóteses, tentativa de verificação, comprovação ou recusa e obtenção de 
conhecimento objetivo) - isso expressa uma concepção de ciência empirista-indutivista não 
só para os alunos mas também, dos professores. 
Como sabemos, por exemplo, a imagem do cientista veiculada pelo ensino de 
ciências é a de um homem maduro e imparcial, disposto sempre a acatar as idéias dos 
demais e a divulgar as próprias idéias. Não emite juízos apressados, sendo que sua 
objetividade está isenta de incertezas, pré-concepções e intencionalidades subjetivas. A 
ciência está escondida por dentro dos fenômenos a espera de ser simplesmente descoberta. 
Ser um cientista é algo inatingível para a maioria das pessoas, porque somente uns poucos 
têm condições para sê-lo (Barberá, 1996). 
Por isso, os objetivos propostos para a aprendizagem a partir da experimentação 
tendem a fracassar quando o professor não considera que o conhecimento teórico 
 9 
disponível possa ser insuficiente, quando trabalhos práticos são introduzidos de forma 
tecnicista no ensino de ciências, quando se veicula uma imagem distorcida, estereotipada e 
idealizada de cientista, de método científico e de ciência, conforme referido anteriormente. 
 
 
4. O Ver que Reconhece o que Vê 
 
Chalmers (1993: 61) é um dos autores que assinala que tanto a observação como o 
experimento orientam-se pela teoria. Nos dizeres do autor, não se trata de descobertas, 
mas de produção de conhecimentos. Admite-se livremente que novas teorias são 
concebidas de diversas maneiras e, freqüentemente, por diferentes caminhos. As teorias 
podem ser, e geralmente são, concebidas antes de serem feitas as observações necessárias 
para testá-las. É essencial compreender a ciência como um corpo de conhecimento 
historicamente em expansão e que uma teoria só pode ser adequadamente avaliada se for 
prestada a devida atenção ao seu contexto histórico. A avaliação da teoria está 
intimamente ligada às circunstâncias nas quais ela surge. Não se pode manter uma 
distinção acentuada entre a observação e a teoria porque a observação ou, antes, as 
afirmações resultantes da observação são permeadas pela teoria. 
Então, argumenta que o indutivista ingênuo está errado em duas considerações: (i) a 
ciência não começa com proposições de observação, porque algum tipo de teoria as 
precede; (ii) as proposições de observação não constituem uma base firme na qual o 
conhecimento científico possa ser fundamentado porque são sujeitas a falhas. Ao dizer 
isso, o autor não defende que as proposições de observação não deveriam ter papel algum 
na ciência e, por serem falíveis, não recomenda que sejam descartadas. Considera incorreto 
o papel atribuído, pelos indutivistas, às proposições de observação na ciência. 
Como diz o autor, o indutivista ingênuo da ciência foi amplamente solapado pelo 
argumento de que as teorias devem preceder as proposições de observação, sendo falso 
afirmar que a ciência começa pela observação. Ilustra claramente, através de exemplos, que 
as proposições de observação dependem da teoria e, portanto, são sujeitas a falhas. 
Comenta outra maneira pela qual o indutivismo é solapado: as proposições de observação 
são tão sujeitas a falhas quanto as teorias que elas pressupõem e, portanto, não 
constituem uma base completamente segura para a construção de leis e teorias científicas. 
(Chalmers 1993: 55). Nesse sentido dizemos, junto com o autor, que a base segura sobre a 
 10 
qual as leis e teorias da ciência se edificam é constituída de proposições de observação 
públicas e não de experiências pretensamente subjetivas, privadas e objetivas de 
observadores individuais. 
Como sabemos, a ciência se alimenta da dúvida e da indagação. E o conhecimento 
só avança com base em questionamentos. Por isso, ao invés de tornar definitivo e/ou 
cristalizar o conhecimento, é importante valorizar o sentido da provisoriedade como um 
sentido onipresente nos processos do conhecimento. Como diz o dito popular, ‘duvidamos 
até mesmo de nossos próprios questionamentos’ e,por isso, ao invés da fala simplesmente 
dogmática e dogmatizante, cabe valorizar o uso de expressões do tipo ‘eu admito que, eu 
entendo e aceito que, eu penso que, eu acredito que, eu pondero que’. Vale mais a 
argumentação - o ‘com base em que’ - do que a pretensa resposta única, verdadeira e 
correta por si só. 
Nós mesmos precisamos nos dar conta da dependência que nossas próprias 
observações empíricas têm de nossos conhecimentos e vivências anteriores. Qualquer 
observação que fazemos pressupõe uma referenciação a memórias que registramos 
anteriormente, em nossas vivências, ou seja, nossas experiências visuais não são 
simplesmente determinadas pelas imagens registradas na nossa retina. Quando vemos, o 
fazemos através de determinadas idéias, imagens, referências, teorias ou relações 
anteriores que, ainda que implícitas, são subjacentes ao ato de reconhecer algo que vemos. 
Embora não nos apercebamos disso, há muitos condicionantes que interferem na 
nossa observação e visão. Não vemos tudo o que se apresenta aos nossos olhos. 
Selecionamos e situamos imagens. Além disso, quando focalizamos e enxergamos algo, 
isso não se dá de forma impessoal, objetiva, neutra, uma vez que há interesses e 
expectativas que participam e condicionam a nossa visão. Não existe a pretensa 
objetividade ou neutralidade nas nossas observações e interações nos ambientes em que 
vivemos. Não conseguimos nos isentar, mesmo que o quiséssemos. Não é possível haver 
isenção de condicionantes que fazem parte de cada contexto específico no qual estamos 
vendo o real, agindo sobre o real, construindo e criando o real. 
Não se trata, pois, de experiências únicas e imutáveis, mas sim, de experiências 
singulares que variam com nossas expectativas, conhecimentos e circunstâncias. As 
observações e as proposições de observação são feitas através de algum pensamento, 
através da linguagem e pela linguagem, embora de forma vaga ou não explícita. Olhar 
através do microscópio ou do telescópio, por exemplo, pode resultar em não vermos nada, 
 11 
uma vez que nossos olhos vêem aquilo que somos capazes de ver. Vemos através dos 
estímulos físicos da luz sobre nossa retina, mas somente através disso. A visão é uma 
função que requer outras capacidades além das que nos são propiciadas através de nossos 
olhos. Vemos através de todo o nosso sistema nervoso, da seleção de imagens, da 
neurotransmissão, da interpretação dos sinais físicos pelo cérebro, no que implica a nossa 
memória, o nosso conhecimento, a nossa inteligência, a nossa imaginação, e 
condicionantes outros dessa função complexa que nos faz ‘ver o que estamos a ver’. 
Como diz Chalmers (1993: 48-49), dois observadores normais vendo o mesmo 
objeto do mesmo lugar sob as mesmas circunstâncias físicas não têm necessariamente 
experiências visuais idênticas, mesmo considerando-se que as imagens em suas 
respectivas retinas possam ser virtualmente idênticas. O que um observador vê, isto é, a 
experiência visual que um observador tem ao ver um objeto, é afetado por suas vivências 
anteriores, isto é, depende em parte de sua experiência passada, de seu conhecimento e de 
suas expectativas. 
Assim, não há a pretensa neutralidade ou isenção do sujeito na observação e, se é 
essencial que o ensino das Ciências considere observações, estas nunca serão simplesmente 
empíricas ou objetivas. Concordamos com os dizeres de Machado (1999: 165) ao 
considerarmos, com ela, que através das observações desenvolvemos uma construção 
discursiva dos fenômenos e não uma construção empírica dos mesmos. O observador 
nunca estará livre de suas pré-concepções que sempre norteiam as suas percepções. 
Com base numa exemplificação feita pela autora, dizemos que os alunos, frente a 
um fenômeno químico, não vão observá-lo, e muito menos compreendê-lo, no sentido do 
que seja uma transformação química, apenas porque tiveram um acesso ‘visual’ ao 
fenômeno. Os alunos vêem o que são capazes de ver e fazem relações através de 
condicionantes e interesses pessoais sempre subjacentes. Não basta simplesmente que 
façam o experimento ou acompanhem uma demonstração feita pelo professor, uma vez que 
a compreensão sobre o que é o fenômeno químico se dá na mediação pela/com a 
linguagem e não através de uma pretensa observação empírica. Em discussões, nos 
contextos escolares, é importante comentar situações e idéias relativas a esses modos como 
‘reconhecemos’ algo e sinalizar para a relevância dos ‘pontos de referência’ nas nossas 
vidas, sem os quais não reconheceríamos nada do que conhecemos. 
Discutir sobre a participação da experimentação no ensino de ciências implica 
discutir idéias como essas, a de que não vemos somente através do nosso ‘ver fisiológico’ 
 12 
mas, também, através do ‘ver que reconhece o que vê’. A visão da observação 
pretensamente biológica, objetiva e impessoal não dá conta do inteiro na relação com as 
razões fundamentais das coisas, ou seja, com os conceitos e linguagens através dos quais 
nos constituímos como seres sociais. Quando vemos algo, vemos com toda a história que 
vivemos, vemos pelo que fomos, vemos pelo que somos, vemos pelo que pensamos, por 
isso nossa história de vida está presente na nossa visão. Assim como só somos capazes de 
nos orientar geograficamente através de referências - imagens através das quais nos 
situamos para nos localizar no espaço -, do mesmo modo nós vemos e conhecemos, 
também, através de referenciais, idéias e teorias que podemos 'lançar mão' para tal. 
É com base em considerações como essas que queremos discutir o papel da 
experimentação no ensino de ciências e o papel do professor neste ensino. 
 
 
5. O ensino experimental: articulação teórico-prática 
 
Segundo nosso pensamento, as atividades práticas podem assumir uma importância 
fundamental na promoção de aprendizagens significativas em ciências e, por isso, 
consideramos importante valorizar propostas alternativas de ensino que demostrem essa 
potencialidade da experimentação: a de ajudar os alunos a aprender através do 
estabelecimento de inter-relações entre os saberes teóricos e práticos inerentes aos 
processos do conhecimento escolar em ciências. 
Contudo, via de regra, o ensino experimental não tem cumprido com esse 
importante papel no ensino de ciências. A ampla carência de embasamento teórico dos 
professores, aliada à desatenção ao papel específico da experimentação nos processos da 
aprendizagem, tem impedido a concretização desse objetivo central que é o de contribuir 
para a construção do conhecimento no nível teórico-conceitual e para a promoção das 
potencialidades humanas/sociais. O aspecto formativo das atividades práticas-
experimentais tem sido negligenciado, muitas vezes, ao caráter superficial, mecânico e 
repetitivo em detrimento aos aprendizados teórico-práticos que se mostrem dinâmicos, 
processuais e significativos. 
Avanços, nesse sentido, conforme vários autores [como Barberá (1996), Hodson 
(1994), Amaral (2000), dentre outros], requerem uma redefinição e uma reorientação do 
conceito do que seja trabalho prático ou ensino experimental. Requerem uma melhor 
 13 
adaptação das atividades práticas a objetivos claramente expressos, que possam demarcar 
aspectos formativos subjacentes aos processos do ensinar-aprender ciências. Relativamente 
à aprendizagem da ciência, Hodson (1994: 306) sinaliza para um enfoque alternativo que 
possa propiciar aos estudantes a exploração da capacidade que eles têm, em um momento 
concreto, de compreender e avaliar a firmeza de seus modelos e teorias para alcançar os 
objetivos da ciência, bem como em oferecer estímulos adequados para o desenvolvimento 
e a mudança. O autor sugere que tal enfoque alternativo inclua a identificação e exploração 
de idéias e pontos de vista dos estudantes; o estímulo a que os alunos desenvolvam e 
modifiquem suas idéias e pontos de vista; o apoio aos esforços, tentativas, intentosdos 
alunos de repensar/reelaborar suas idéias e pontos de vista. 
Segundo nosso pensamento a função do ensino experimental - e a do professor 
nesse ensino - relaciona-se com a adoção de uma postura diferente sobre como conceber, 
ensinar e aprender ciências, postura baseada, segundo Hodson, no propósito de ajudar os 
alunos a explorar, desenvolver e modificar suas idéias, ao invés de ou desprezá-las ou 
sempre reiniciá-las, pois do mesmo modo que a investigação científica, que leva ao 
desenvolvimento ou à substituição de teorias partindo da matriz teórica existente, também 
as atividades concebidas para produzir o desenvolvimento conceitual dos aprendizes 
deveriam inspirar-se em sua compreensão. ... Os alunos deveriam ser estimulados a 
explorar suas opiniões pondo a prova sua capacidade para a explicação. Se se demostra 
que suas idéias não são adequadas, se lhes pode animar a que as modifiquem ou que 
produzam outras novas. (Hodson, 1994: 306) 
Nesse sentido reiteramos que é essencial, aos processos interativos e dinâmicos que 
caracterizam a aula experimental de ciências, a ajuda pedagógica do professor que, em 
relação não simétrica, faz intervenções e proposições sem as quais os alunos não 
elaborariam as novas explicações - relacionadas às ciências - aos fatos explorados na sala 
de aula. Tal exploração não se baseia na observação empiricamente construída mas, sim, 
na problematização, tematização e conceitualização com base em determinados aspectos 
práticos/fenomelógicos evidenciados. Nesses contextos é possível explicitar e discutir os 
pontos de vista de modo a extrapolar as idéias compreensivas iniciais dos estudantes, 
através das contraposições e intervenções específicas e intencionais do professor. 
Segundo nosso pensamento, de nada adiantaria realizar atividades práticas em aula 
se esta aula não propiciar o momento da discussão teórico-prática que transcende o 
conhecimento de nível fenomenológico e os saberes cotidianos dos alunos. Como sabemos, 
 14 
não são raras as aulas práticas que se restringem a procedimentos experimentais, ficando 
como tarefa de casa a elaboração de um relatório que, em geral, prioriza procedimentos, 
materiais usados e observações, em detrimento de explicações e significações no nível 
teórico-conceitual. Tais explicações/teorizações - que se referem ao uso de determinadas 
linguagens e modelos teóricos próprios às ciências - são impossíveis de serem 
desenvolvidas pelos alunos de forma direta e requerem, insistimos em dizer isso, a ajuda 
pedagógica especial do professor. 
Nesse sentido, com base em Mortimer et alii (2000: 273) chamamos a atenção para 
outro aspecto: ausência dos fenômenos nas salas de aula pode fazer com que os alunos 
tomem por ‘reais’ fórmulas de substâncias químicas, equações químicas ou modelos 
expressos nos livros didáticos e/ou nas salas de aula. Os referidos autores representam 
através da forma triangulada que segue as inter-relações entre três aspectos ou níveis do 
conhecimento nas ciências. Segundo essa visão, propomos que cada aula de ciências 
abranja articulações dinâmicas, permanentes e inclusivas entre três dimensões ou níveis do 
conhecimento nunca dissociados entre si: (i) o fenomenológico ou empírico, (ii) o teórico 
ou ‘de modelos’ e (i) o representacional ou da linguagem. 
 
Representacional/Linguagem Teórico/Modelo 
 
 
 
 Prático/Fenomenológico 
 
Conforme sugerem os autores, é necessário que esses três componentes - fenômeno, 
linguagem e teoria - compareçam igualmente nas interações de sala de aula, uma vez que a 
produção de conhecimento em Ciências resulta sempre de uma relação dinâmica/dialética 
entre experimento e teoria, entre pensamento e realidade, relação que só é possível através 
da ação mediadora da linguagem. Na dinâmica das interlocuções concorrem linguagens e 
saberes ‘cotidianos diversificados’ e ‘científicos diversificados’ que são capazes de 
constituir o conhecimento escolar. Segundo os autores, os experimentos podem cumprir o 
papel de mostrar essa forma de pensar em Ciências, na qual teoria e realidade estão em 
constante interlocução. 
 15 
É importante discutir que os processos de intermediação cultural através dos quais é 
constituído o conhecimento escolar em ciências - sendo assimétricos e não continuísticos - 
configuram-se como essencialmente dinâmicos, processuais e conflituosos. Não se trata de 
integrar saberes não integráveis, nem de somar algo que não é somável, nem de converter 
uma forma de conhecimento a outra, mas sim de desenvolver/constituir formas de 
explicação diversas e colocá-las em inter-relação, dentre as quais, as fenomelógicas e as 
teórico-conceituais, as cotidianas e as científicas. Nesse sentido, supera-se a visão linear, 
diretiva, alienada e alienante de ciência e de ensino experimental de ciências, na medida 
que os estudantes venham a ser ativamente envolvidos em discussões teóricas relativas a 
resultados experimentais, na forma de interpretações e explicações dinâmicas e interativas, 
através da intermediação essencial dos saberes disponibilizados através do professor. 
Matthews (1994) problematiza a tendência empiricista de se considerar que há uma 
correspondência sine qua non - no conhecimento e na ciência - entre as idéias e a 
realidade. O autor discute a importante distinção entre o objeto teórico da ciência [que é 
um sistema de definições, princípios, conceitos e relações abstratas criadas e expressas] e 
os objetos reais da ciência [que são os materiais, fatos e objetos do mundo, entendidos, 
descritos e manipulados, com a adequada instrumentação e experimentação]. Segundo o 
autor, os objetos teóricos não são idéias que se opõem aos corpos materiais nem tampouco 
são idéias humanas que surgem automaticamente das impressões dos nossos sentidos. A 
ciência, ao tratar do mundo real, não é meramente idealista ou relativista nem tampouco 
corresponde, de forma imediata, ao mundo tal como ele está naturalmente disposto. A 
ciência é mediada pelo objeto teórico-conceitual que, claramente, não corresponde ao 
mundo real, até mesmo porque as descrições científicas são feitas a partir de [e com base 
em] objetos teóricos construídos intelectualmente. Não é, pois, o estado material das coisas 
que corresponde à afirmação científica, mas sim, um aspecto delimitado, especificado e 
idealizado deste estado material das coisas. 
É importante discutir, nesse nosso exercício reflexivo sobre o ensino experimental 
de ciências, esse pressuposto de que os objetos da ciência e do conhecimento em ciências 
não existem na realidade pragmática das coisas, não existem na natureza empírica dada. 
Tais objetos, em cada ciência, são produzidos pela ação do homem, são o resultado de uma 
construção humana e são determinados por condicionantes históricos, socais e culturais. 
Ao reafirmar, assim, a visão da ciência como uma atividade humana criadora, como 'um 
artifício humano do humano', reafirmamos que é importante considerar a dinamicidade, a 
 16 
complexidade e a provisoriedade inerentes aos processos de construção da ciência, do 
conhecimento científico e do conhecimento científico escolar. Em outras palavras, é 
importante considerar a complexidade e a dinamicidade das relações entre teoria e prática 
nos processos da ciência e nos processos do ensinar-aprender ciências. 
Segundo Driver et alii (1999:34), o conhecimento e o entendimento - inclusive o 
entendimento científico - são construídos quando os indivíduos se engajam socialmente em 
conversações e atividades sobre problemas e tarefas comuns. Conferir significados é um 
processo dialógico que envolve pessoas em conversação e a aprendizagemé um processo 
pelo qual os indivíduos são introduzidos em uma cultura por seus membros mais 
experientes. 
Nos dizeres da autora, para que os aprendizes tenham acesso aos sistemas de 
conhecimento da ciência, o processo de construção do conhecimento tem que ultrapassar 
a investigação empírica pessoal. Quem aprende precisa ter acesso não apenas às 
experiências físicas, mas também aos conceitos e modelos da ciência convencional. O 
desafio está em ajudar os aprendizes a se apropriarem desses modelos, a reconhecerem 
seus domínios de aplicabilidade e, dentro desses domínios, a serem capazes de usá-los. Se 
ensinar é levar os estudantes às idéias convencionais da ciência, então, a intervenção do 
professor é essencial, tanto para fornecer evidências experimentais apropriadas como 
para disponibilizar para os alunos as ferramentas e convenções culturais da comunidade 
científica. 
O desafio que então se apresenta é o de propiciar, com êxito, nas aulas 
experimentais de ciências, esse processo de 'enculturação' que só se efetivará através da 
mediação e das intervenções específicas do professor. Nesse sentido, Amaral e Silva 
(2000) apontam quanto aos processos da ciência: ao invés da via de mão única, a ciência 
deve ser vista como uma via de mão dupla. Vai-se dos experimentos às teorias; vem-se das 
teorias às experiências. O importante é que a teoria e o experimento dialoguem, não a 
tentativa inócua de estabelecer entre eles uma hierarquia e uma regra de procedência. 
(Amaral e Silva, 2000: 37). 
A esse respeito, parafraseando Marques (1996), dizemos que, no contexto do ensino 
experimental em ciências, os aprendizados enriquecem a teoria e a prática, e as 
realimentam, ambas, uma da outra, fazendo com que a prática não seja apenas descrita e 
narrada, mas compreendida e explicada, melhor organizando e aprofundando os saberes 
que nutre ao deles nutrir-se. Dá-se, a aprendizagem, nesses contextos de interação, pelo 
 17 
desenvolvimento das competências de relacionar, comparar, inferir; argumentar, mediante 
uma reestruturação mais compreensiva, coerente e aberta às complexidades das 
articulações entre as idéias, os dados, os fatos, as percepções e os conceitos. Dessa forma, a 
conceitualização progressivamente estruturada e estruturante é instrumento de análise das 
complexidades e, ao mesmo tempo, instrumento de síntese que recompõe as análises em 
quadros mais amplos de referenciamento e interação. A totalidade torna-se menos confusa 
e caótica pela percepção das distintas alteridades em seu seio; e a unidade recompõe-se na 
síntese dos múltiplos elementos/processos que a tecem e em cuja interioridade ela se 
revela. (Marques, 1996: 115). 
Acerca dessa dinamicidade dos processos do conhecimento, com suas rupturas e 
transições epistemológicas, Mortimer et alii (2000) referem-se à metáfora dos golfinhos 
que, no oceano, sistematicamente sobem à superfície e descem às profundezas. Sem a 
subida, eles não poderiam retornar novamente às profundezas. À cada descida, precisam 
subir novamente - tomar novo ar - antes de retomar novos mergulhos profundos, e assim 
sucessivamente. Nos processos complexos de interação/interlocução cultural nas salas de 
aula é essencial esse movimento de submergir e emergir sistemático [como num 
ziguezague] entre níveis conceituais diversificados do conhecimento - o fenomelógico e o 
teórico-conceitual; o cotidiano e o científico -, rompendo com a unidiretividade que tem 
marcado a relação unilateral entre aluno-professor que é característica do modelo da 
transmissão-recepção. 
Assim, ao assumirmos a visão de que as atividades práticas podem facilitar a inter-
relação entre fatos reais e modelos teóricos de explicação - disponibilizados pelas ciências 
- reafirmamos nosso entendimento de que as teorias da ciência não resultam de 
descobertas, nem da mera interação do sujeito com o objeto; de que a ciência não é uma 
mera especulação do real; de que é impossível existir a isenção, objetividade e neutralidade 
do sujeito que observa; de que as observações só são possíveis através de teorias. 
Reiteramos nossa visão de que as teorias são sempre provisórias. Elas não são 
encontradas/achadas em nenhuma realidade empírica. São, isto sim, criações e construções 
humanas, por isso sempre históricas, dinâmicas, processuais, com antecedentes, 
implicações, conseqüentes e limitações. 
Nesse sentido, é importante considerar que os fenômenos práticos do ensino de 
ciências não se limitam àqueles que podem ser criados e reproduzidos na sala de aula ou no 
laboratório, mas também aos materializados na vivência social e que permeiam as 
 18 
negociações de significado do ponto de vista dos alunos. Nesse sentido, ultrapassa-se a 
dimensão do laboratório ao serem incluídas, nas interlocuções, vivências e ocorrências do 
mundo social, possibilitando que a forma como os conceitos estão funcionando nas 
relações sociais – inclusive como mediação dessas relações – possa ser experienciada pelos 
alunos (Machado, 1999). Outrossim, o nível fenomenológico do conhecimento refere-se 
tanto a fenômenos diretamente perceptíveis, como também a fenômenos que só podem ser 
detectados através do uso de equipamentos, como o microscópio, a balança e tantos outros 
que ampliam a capacidade dos nossos sentidos. 
Para exemplificar essas idéias podemos lembrar inúmeras relações entre teoria e 
prática com o uso de linguagens e modelos específicos que podem ser estabelecidas 
lançando mão de situações corriqueiras, trazidas das vivências práticas de fora da escola. 
Por exemplo, o conhecimento vivencial de que certos materiais são solúveis em água e 
outros não, de que sabões e detergentes limpam utensílios sujos com gordura, pode, em 
aulas de química, propiciar o estabelecimento de muitas relações com teorias e princípios 
químicos acerca da solubilidade de substâncias, que abrangem conhecimentos de nível 
teórico-conceitual [atômico-molecular] e que envolvem o uso de linguagens bastante 
específicas. Mas isso não será uma construção direta nem individual do aluno. Isso 
transcende a dimensão vivencial e a pretensa observação empiricamente construída. Outro 
exemplo se refere ao conhecimento vivencial de que existem materiais com estados físicos 
diferentes como o gás de cozinha, a gasolina e a parafina. Nesse caso, numa aula de 
química, podem ser estabelecidas relações com modelos teóricos explicativos e mediante o 
uso de linguagens específicas, mas isso também não seria possível de ser feito de forma 
direta, sem a mediação do professor. 
Por outro lado, nesses casos que citamos, é possível criar/realizar experimentos 
complementares na sala de aula que possam ampliar o leque de tais relações teoria-prática, 
extrapolando aspectos fenomenológicos vivenciais. De qualquer modo - insistimos em 
dizer isso - a explicação no nível teórico-conceitual e o uso da linguagem científica 
adequada só serão possíveis através da intervenção do professor. 
É importante que seja considerada, nesses contextos de interação, a pluralidade, 
dinamicidade e provisoriedade das vozes e dos olhares que integram as formas de ver, de 
pensar, de expressar e de agir na realidade. Que se supere a visão das formas únicas, 
generalizadas e dogmatizadas de explicação do real, em detrimento e desatenção da sua 
complexidade e dinamicidade - algo em constante transformação - pelo conhecimento. Que 
 19 
se abandone tanto as proposições dogmáticas quanto as rigidamente relativistas de 
explicação. Cabe perguntar: que sentido/papel tem o conhecimento científico em nossas 
vidas? Quais as implicações e conseqüências disso no ensino? 
Paulo Freire aponta, no livro ‘Medo e Ousadia: o cotidiano do professor’, como 
uma das principais dificuldades da experiência educacional a dicotomia entre “ler as 
palavras” e “ler o mundo”. Vê isso como um dos principais obstáculos para se praticar 
uma educação emancipadora: para que o alunocapte criticamente os objetos de estudo. 
Afirma que o mundo da escola está aumentando a distância entre as palavras que lemos e 
o mundo em que vivemos (Freire, 1986: 164). 
Nessa dicotomia, segundo o autor, o mundo da leitura é só o mundo do processo da 
escolarização, um mundo fechado, isolado do mundo onde vivemos experiências sobre as 
quais não lemos. Esse mundo escolar, onde lemos palavras que cada vez menos se 
relacionam com nossa experiência concreta exterior, tem se tornado cada vez mais 
especializado, no mau sentido da palavra. Ao ler palavras, a escola se torna um lugar 
especial que nos ensina a ler apenas as “palavras da escola” e não as “palavras da 
realidade”. O outro mundo, o mundo dos fatos, o mundo da vida, o mundo no qual os 
eventos estão muito vivos, não tem contato algum com os alunos na escola através das 
palavras que a escola exige que eles leiam. 
Se a escola separa cada vez mais o contexto teórico do contexto prático é 
necessário considerar que isso diminui cada vez mais o poder do estudo, do 
desenvolvimento intelectual e da possibilidade de contribuição para a melhora da 
qualidade da vida das pessoas, na sociedade e nos ambientes. É lamentável que se 
desperdice tão grande período de tempo de permanência das pessoas (alunos e professores) 
na escola, sem se privilegiar modelos de ensino-aprendizagem que propiciem tentativas 
sempre renovadas de explicação e de ação no meio, modelos sustentados pela idéia de que 
aprender é relacionar, de que quanto mais se relaciona mais se aprende de forma 
significativa. 
Mortimer et alii (2000: 275) criticam, nesse sentido, o pressuposto dos currículos 
tradicionais de que a aprendizagem dos conceitos científicos e das estruturas conceituais 
antecede qualquer possibilidade de aplicação desses conceitos. Segundo o autor, o 
pressuposto de que se deva, no ensino, esgotar um conceito para poder aplicá-lo pode ser 
questionado, pois é justamente nas aplicações do conceito que se explicitarão as relações 
a serem estabelecidas entre os conceitos. Além disso, existem tendências na psicologia 
 20 
contemporânea que consideram os conceitos inseparáveis dos contextos de aplicação, uma 
vez que o aluno tende a recuperar conceitos a partir desses contextos de aplicação e não 
no vazio. 
Nesse sentido, consideramos que contextualizar os conteúdos do ensino através de 
atividades práticas é uma estratégia de dinamização das interações na sala de aula que 
pode propiciar a almejada negociação de significados de/sobre saberes e favorecer o 
desenvolvimento de aprendizagens relevantes e significativas, de novas formas de 'leitura' 
e de ação no meio, sejam os fatos trazidos para a sala de aula (vivências fora da escola), 
sejam os fatos criados na sala de aula (experimentos). Os saberes da prática sempre 
carregam teorias subjacentes a eles, mais ou menos explícitas. Os saberes da prática são 
sempre passíveis de nossos enriquecimentos que estimulam a atividade cognitiva e o 
desenvolvimento das potencialidades do aluno para a vida na sociedade/ambiente. 
Isso supõe desenvolver estratégias de ensino-aprendizagem que vinculem 
dinamicamente formas teóricas/científicas de saber com vivências do aluno, na perspectiva 
de que a ciência deixe de ser vista como um pacote de conteúdo enciclopédico a ser 
reproduzido de forma mecânica, sem inserções e inter-relações efetivamente 
problematizadoras das formas como se vê o mudo material e se lida com o mundo material, 
em seus seres, coisas, substâncias, fatos, transformações, fenômenos, situações e vivências 
cotidianas, dentro e de fora da escola. 
 
 
6. Fatos Criados e Fatos Trazidos para a Sala de Aula 
 
É comum que, em contextos diversos do ensino, cada problema seja visto/abordado 
a partir de um único ponto de vista, área do saber, nível de realidade. Persistem as visões 
essencialmente dualísticas-dicotômicas: ou o teórico, ou o prático; ou o real, ou o ideal; ou 
o científico, ou o cotidiano; ou o certo, ou o errado. Sem a superação dessa lógica da razão 
dogmática e monológica, continua-se esperando que as soluções aos problemas venham da 
aplicação de teorias, de pretensos conhecimentos ‘verdadeiros’, continua-se acreditando 
que os problemas advém de conhecimentos ‘falsos’. Há que ser considerada a 
complexidade, a singularidade e a dinamicidade dos problemas reais da prática. 
Uma determinada aula de Ciências poderia ter acontecido de forma ‘experimental’. 
Ou esta mesma aula (sobre o mesmo assunto/conteúdo) poderia ter acontecido de forma 
 21 
expositiva ou, como se costuma dizer, ‘teórica’. O que seria uma forma ou a outra? Hoje 
aula expositiva e amanhã aula experimental? Ou um extremo ou o outro? Ou a teoria, ou a 
prática? Refletir sobre a natureza das aprendizagens propiciadas pelo ‘ensino experimental’ 
em Ciências, em suas inter-relações teoria-prática, implica discutir o papel específico desse 
ensino de ser dinamizador e facilitador da articulação entre saberes da prática e saberes 
teóricos, diversificados mas ambos integrantes dos processos do aprender Ciências. 
Nesse sentido, um dos grandes equívocos sobre o qual é importante discutir é o de 
limitar a visão da prática aos fatos criados na sala de aula (experimentos), sem considerar 
as articulações sempre possíveis de serem estabelecidas com a prática dos fatos trazidos 
para a sala de aula, relativos aos fenômenos vivenciados nos contextos fora da escola. 
Tratar da inter-relação teoria-prática no ensino, segundo nosso entendimento, 
implica considerar a possível articulação de duas ênfases curriculares usualmente pouco 
articuladas entre si: (i) o ensino experimental através do laboratório e (ii) o ensino através 
de vivências socio-culturais fora da escola, isto é, o cotidiano do aluno. Tal modalidade de 
inter-relação acena para uma possível forma de aproximação entre construções teóricas da 
Ciência (saberes científicos) e realidades contextualizadas, próximas aos alunos - sejam 
fatos criados em sala de aula (laboratório), sejam fatos trazidos do cotidiano vivido fora da 
escola. 
Ao valorizar a visão da experimentação como uma estratégia dinâmica e interativa 
que privilegia a negociação de significados de saberes e que favorece a construção de 
conhecimentos a partir da exploração de contextos (reais ou criados), queremos estimular a 
atividade cognitiva e o desenvolvimento de potencialidades do aluno para a vida na 
sociedade/ambiente. 
Consideramos importante que sejam discutidas possíveis repercussões, no ensino, 
de proposições como a apontada por Sousa Santos (1988: 57) no sentido de uma inversão 
da ruptura epistemológica feita pela produção ‘científica’. Na ciência moderna a ruptura 
epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento do senso comum para o 
conhecimento científico; na ciência pós-moderna o salto mais importante é o que é dado 
do conhecimento científico para o conhecimento do senso comum. O conhecimento 
científico pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso 
comum. 
Acreditamos que a experimentação pode ser uma estratégia de ensino que vincule 
dinamicamente a Ciência com vivências do aluno, na perspectiva de que ela deixe de ser 
 22 
desconectada e distante, meros pacotes de conteúdos a serem reproduzidos, sem 
inserções/inter-relações efetivamente problematizadoras das formas de ver-lidar com 
situações, fatos e fenômenos, nas vivências de dentro e de fora da escola. Em outras 
palavras, queremos valorizar a visão do conhecimento escolar como um saber mediador, 
dinâmico, provisório, capaz de articular o teórico com o prático, o ideal com o real, o 
científico com o cotidiano. 
Nesta perspectiva, a educação escolar pode ser entendida como a realização de uma 
série de aprendizagens de conteúdos específicos, sistematicamente planificados, graças aos 
quais os alunos e alunas incorporam e interiorizam os conhecimentos que a sociedadeconcebe de maior importância em um determinado momento (Coll et alii, 1994:10). E, 
neste sentido, cabe considerar a não homogeneidade dos saberes, sempre diversificados e 
singulares, sejam os cotidianos, os empíricos, os práticos, os teóricos, os científicos, os 
tecnológicos, que fazem parte do movimento dialético que produz as formas renovadas de 
saber e gera rupturas conceituais. Isso implica contemplar e valorizar a dinamicidade das 
relações infinitas de ‘ir e vir’ entre níveis/formas de saber. 
Lidar com essa dialeticidade, rompendo com a visão dicotômica/dualística da 
realidade (ou a teoria, ou a prática) é lidar com a perspectiva da inclusividade na produção 
de um conhecimento escolar que se constitua como tentativa processual de explicação 
(sempre mutável) sobre a realidade. Não interessa a verdade dogmática, mas sim as 
tentativas de explicação através da intermediação de outros saberes e de outras linguagens 
sempre em evolução. 
A visão desse saber especificamente produzido através da escola não é uma simples 
negação ou ruptura polarizante (ou sim, ou não) do senso comum. Trata-se de permanentes 
esforços por articular relações entre conhecimentos diversificados, ora passando pelo nível 
mais pragmático/fenomenológico/concreto/empírico, ora pelos saberes mais teóricos, ou de 
modelos; ora de nível mais macroscópico ou próximo, ora de nível mais microscópico ou 
abstrato; ora passando por saberes cotidianos, ora por saberes cientificamente criados - 
relações sempre mediadas pelas linguagens diversificadas que constituem as mentes e os 
sujeitos culturalmente determinados. Nesse sentido, como sugere Machado (1999: 151), a 
elaboração conceitual, ao mesmo tempo em que vai constituindo-se em uma necessária 
limitação de sentidos, vai também promovendo possibilidades de novos sentidos aos 
saberes colocados em questão. 
 23 
Colocar em movimento essa dinâmica de interação é algo que se relaciona com o 
novo paradigma da razão - baseado no agir intercomunicativo – que dá atenção à 
perspectiva da mudança do próprio sistema de referência que fundamente a linguagem, o 
pensamento e a ação (transformadora, não reprodutora) do real e, por isso constituidora dos 
novos sujeitos que criam seu meio, criando-se a si próprios nesses processos. Em tal 
movimento concorrem as linguagens articuladoras dos novos pensamentos e intervenções 
no meio. Passar de um extremo ao oposto do saber, implica passar pelo universo de 
infinitas possibilidades que intermediam esses opostos. Não há simplesmente o 
certo/verdadeiro e o errado/falso! Não há somente uma mesma forma linear e dual de 
abordagem do real. Os diversos nunca podem ser somados, nem poderão compor nenhuma 
unidade. 
Cada espaço-tempo de ensino-aprendizagem, sendo singular e único, privilegia 
relações, implicações e inserções específicas e, por isso, significados e sentidos sempre 
diversificados aos conteúdos/aprendizagens, considerando-se a trama de relações que 
fazem parte dos processos do conhecimento e da formação. O ensino de Ciências pode 
problematizar os saberes existentes e constituir-se como processos/interações socio-
comunicativas capazes de potencializar interlocuções e mediações propiciadoras do 
desenvolvimento humano e social. 
No entanto, ainda prevalece em nosso meio docente, o convencimento, por parte da 
maioria dos professores de Ciências de que, se seus alunos têm respostas prontas para 
determinadas questões de prova, isso indica, por si só, que o ensino que praticam é 
adequado e eficaz. Com base nisso, não se questionam sobre o sentido dessa eficácia, sobre 
os tipos de aprendizagens desenvolvidas, se são superficiais, passageiras, mecânicas, 
significativas, duradouras, marcadas como aprender a aprender, aprender a relacionar, a 
mudar, a transformar e a transformar-se através das salas de aula. 
Como já referido, prevalece a concepção de atividade experimental e de trabalho 
científico que se apoia na crença de que há ‘um método científico’ que utiliza um conjunto 
de passos consecutivos característicos e que permite comprovar o conhecimento objetivo 
(Barberá, 1996). Como sabemos, a transmissão dos conteúdos é usualmente realizada de 
forma linear e a-histórica, como verdades inquestionáveis, sem relações com contextos - 
não como uma construção de modelos aproximados da realidade - sendo atribuído um 
grande peso a conteúdos prontos e dogmáticos. Apesar disso, espera-se que o ensino 
reverta em uma aprendizagem significativa. Mas tal aprendizagem dificilmente ocorrerá. 
 24 
Segundo Astolfi e Develay (1990: 36), ensinar um conceito de biologia, física ou química 
não pode mais se limitar a um fornecimento de informações e de estruturas 
correspondendo ao estado da ciência do momento, mesmo se estas são eminentemente 
necessárias, pois esses dados só serão eficazmente integrados pelo docente se chegarem a 
transformar de modo durável suas preconcepções. Ou seja, uma verdadeira aprendizagem 
científica se define no mínimo, tanto pelas transformações conceituais que produz no 
indivíduo quanto pelo produto de saber que lhe é dispensado. 
É indiscutível que a competência de todo o professor supõe o domínio do conteúdo 
científico específico, mas é igualmente reconhecido que isso por si só não garante a 
promoção de uma aprendizagem significativa, sendo necessário que o professor saiba 
transformar tal conteúdo em um conhecimento pedagogicamente assimilável pelos alunos. 
De acordo com Astolfi e Develay (1990: 51), o valor intrínseco de um conteúdo nunca é 
suficiente para fundar sua inserção didática. Afirmam que esta depende também de um 
projeto educativo que conduza a uma seleção dentre as várias possibilidades, tornando-se 
inevitável o cuidado na transposição didática, principalmente, nas disciplinas científicas. 
Como comenta Prigogine (1991: 215), as ciências ditas ‘exatas’ têm hoje por função 
sair dos laboratórios onde, pouco a pouco, aprenderam a necessidade de resistir ao 
fascínio de uma busca da verdade geral da natureza. Elas, sabem, de ora em diante, que 
as situações idealizadas não lhes darão a chave universal, pelo que devem, em fim, tornar 
a ser ‘ciências da natureza’, confrontadas com a riqueza múltipla que, durante muito 
tempo, se acharam no direito de esquecer. Por isso, colocar-se-á para elas o problema do 
diálogo necessário com saberes preexistentes a respeito de situações familiares a cada 
um, problema esse a propósito do qual alguns quiseram estabelecer a singularidade das 
ciências humanas, quer para as elevar, quer para as rebaixar. Tal como as ciências da 
sociedade, as ciências da natureza não poderão mais, agora, esquecer o enraizamento 
social e histórico que a familiaridade necessária à modelagem teórica de uma situação 
concreta supõem. Importa, portanto, mais do que nunca, não fazer desse enraizamento um 
obstáculo, não concluir da relatividade dos nossos conhecimentos por um relativismo 
desencantado qualquer. Assim, a ciência se afirma hoje como ciência humana, ciência 
feita por homens e para homens. 
Queremos realçar, através dessa perspectiva, a valorização de uma interação através 
da qual o estudante transforma, produz, constrói e cria o real, nunca dado, nunca a ser 
simplesmente reproduzido. Queremos realçar, também, a visão da Ciência como um 
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pensamento, como uma criação humana, superando a visão de que a ciência está presente 
no real, a espera de ser descoberta. A observação é sempre carregada de teoria e, dia a dia, 
o laboratório e o cotidiano podem ser tomados como referência essencial às interlocuções, 
como pontos de partida - nunca como formas válidas por si só - para a promoção das 
potencialidades humanas. 
Dizemos, junto com Machado (1999: 182), que a vida é dialógica por natureza, que 
viver a sala de aula significa participar vivamente em um diálogo: interrogar, escutar, 
responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa todoe com toda a sua vida: 
com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, com as suas ações. 
É participar desse diálogo, podendo conhecer um certo modo de pensar e de falar do 
mundo, compreendendo que existem muitos modos de conhecer e de dizer. É se pôr todo 
na palavra e com essa palavra, entrar no tecido dialógico da existência humana, no 
simpósio universal”. 
Dizemos, também, junto com Amaral e Silva (2000), que é necessário e viável que 
as aulas de laboratório contemplem discussões essencialmente teóricas, que os estudantes 
podem/devem discutir as interpretações teóricas dos resultados obtidos e que eles 
podem/devem formular modelos representativos dos fenômenos observados. Valorizamos 
discussões teórico-práticas, em que a teoria seja o confronto e a inter-relação entre idéias 
diversas dos estudantes e do professor, dessas idéias com a teoria cientificamente aceita e 
das teorias com os resultados experimentais. Valorizamos a reflexão crítica sobre 
resultados experimentais a partir das expectativas teóricas. Contrapomos isso ao ensino 
vigente, calcado no modelo da transmissão-recepção, em que o laboratório funciona de 
forma mágica, de onde surgem as descobertas e as respostas verdadeiras/válidas para 
qualquer questão, ou a mera comprovação de “ verdades” teóricas. 
Nossa reflexão quer valorizar, assim, a visão do saber escolar como um saber 
mediador que se dá na inter-relação dinâmica/dialética entre saberes existentes e novas 
formas de saber, entre saberes próximos e distantes, entre saberes de nível mais concreto e 
mais abstrato, entre formas mais simples e mais complexas de saber. Isso se relaciona, sem 
dúvida, com a intervenção essencial do professor e de outros interlocutores, como colegas, 
autores de publicações (livros, internet), sem o que não se mudaria as ‘formas de ver e de 
agir no real’. 
Nesse sentido, valorizamos o papel da escola como produção cultural na trama de 
interações/mediações que permeiam os processos de negociação de significados de saberes 
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diversificados, sejam os cotidianos diversos, ou os científicos diversos, através dos quais se 
constituem e evoluem os processos de constituição do saber escolar e da formação para a 
vida. A escolarização tem alcances de intervenção que ela própria desconhece, em sua 
contribuição nos processos de negociação de significados de conceitos/palavras que 
permeiam as interações pedagógicas nas salas de aula. 
Desenvolver e usar uma nova palavra - conceito - é muito mais que uma referência 
empírica/objetal única e específica. É importante que se preste maior atenção, nas aulas 
experimentais, aos movimentos dinâmicos subjacentes aos processos da comunicação, que 
criam relações sem fim e que constituem as estruturas de pensamento, sempre passíveis de 
novas configurações. Tais movimentos e interações constituem a própria condição humana, 
sempre em processo de desenvolvimento nesse jogo de relações que - ainda bem -nunca 
chega a um fim. Mais que persistir no duelo polarizado entre o ‘certo e o errado’, interessa 
ao ensino de ciências abrir sempre mais os horizontes das possibilidades de alargamento 
cultural, pela intercomunicação impregnada de contextos renovadores das condições 
através das quais se constituem as dinâmicas que produzem e recriam a vida. 
 
 
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