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Maria Clara Fernandes - MEDICINA MORFOFISIOLOGIA DO ENCÉFALO: O encéfalo é subdividido em telencéfalo, que é mais superficial, periférico e composto de substância branca, e em diencéfalo, que é mais profundo e central. O córtex cerebral é composto por corpos neuronais, sulcos e giros, enquanto a substância branca é composta por axônios, vias ascendentes e descendentes e tratos. A substância branca é a região responsável pela chegada e saída dos estímulos/impulsos nervosos. As vias ascendentes são aquelas que trazem estímulos/informações, geralmente, da região da medula para a região do córtex, enquanto as vias descendentes levam os estímulos/informações do córtex para estruturas e órgãos mais baixos. Os tratos são fibras que formam vias mais longas para o trânsito de estímulos e informações, sendo o trato corticoespinal o mais importante deles, que leva informações do córtex até a medula espinal. O diencéfalo é formado pelo tálamo, hipotálamo e epitálamo. O tálamo é a região responsável por receber os estímulos (sensibilidade e consciência) e redistribuí-los através do córtex, além de ser responsável pela manutenção do mecanismo chamado sono-vigília. O hipotálamo é formado pelo sistema nervoso autônomo e possui também uma função hormonal, tendo relação direta com a neurohipófise. O epitálamo é a região em que se localiza a glândula pineal, responsável pela produção de melatonina. CIRCULAÇÃO ENCEFÁLICA: A circulação encefálica é dividida em anterior, com o sistema carotídeo, e posterior, com o sistema vértebro-basilar. O sistema carotídeo é formado pela artéria carótida interna, que entra na região do crânio e se subdivide em artéria cerebral média, artéria cerebral anterior e artéria coroide anterior. A artéria cerebral média é responsável por irrigar quase todo o lobo frontal (córtex motor primário, pré-motor, área de Broca e do olhar conjugado), todo o lobo parietal (área somatossensorial primária) e a parte superior do lobo temporal (área de Wernicke). É a principal artéria do cérebro e também a mais acometida em pacientes que apresentam AVE isquêmico. A artéria cerebral anterior é responsável por irrigar a porção anterior, medial e orbitária do Maria Clara Fernandes - MEDICINA lobo frontal, além de emitir ramos perfurantes que nutrem a porção anterior da capsula interna, do corpo amigdaloide e do hipotálamo. Geralmente, é a artéria mais acometida em casos de pacientes com AVE embólico. Já a artéria coroide anterior é responsável por irrigar a porção posterior da capsula interna, juntamente com a artéria cerebral média. O sistema vértebro-basilar é composto pelas artérias subclávias e as artérias vertebrais, que se juntam e formam a artéria basilar propriamente dita. Essa artéria basilar dá origem a outras artérias posteriores cerebrais, que são responsáveis por irrigar todo o lobo occipital, parte do lobo temporal, o hipocampo, o tálamo e o mesencéfalo. Esses dois sistemas de circulação se unem através das artérias comunicantes e formam o Polígono de Willis. ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO: O acidente vascular encefálico é uma síndrome de déficit neurológico focal agudo causada por um distúrbio vascular que danifica o tecido encefálico, podendo ser classificado em isquêmico ou hemorrágico. FATORES DE RISCO: Os fatores de risco para o desenvolvimento do acidente vascular encefálico incluem idade avançada, sexo, raça, histórico familiar ou pessoal de um AVE prévio, hipertensão, tabagismo, diabetes, doenças cardíacas, obesidade, coagulopatias e o uso abusivo de álcool e drogas ilícitas. A taxa de incidência do AVE entre homens mais jovens é significativamente maior do que em mulheres da mesma idade, porém, como as mulheres vivem mais que os homens, estatisticamente mais mulheres morrem de acidente vascular encefálico. Além disso, os indivíduos negros também apresentam uma maior incidência de AVE e uma taxa de mortalidade mais elevada. AVE ISQUÊMICO: O acidente vascular encefálico isquêmico é causado por uma obstrução vascular cerebral resultante de uma trombose ou uma embolia. Maria Clara Fernandes - MEDICINA Esse AVE ocorre a partir da queda de fluxo sanguíneo, que é causada por uma obstrução parcial ou total de uma artéria ou por um hipofluxo de origem hemodinâmica. A queda desse fluxo sanguíneo varia em intensidade, desde o centro até a periferia da área isquemiada e, dessa forma, a maior parte dessa área sofre um déficit sanguíneo relativo que se chama “penumbra isquêmica”, que pode ou não ser reversível. Se a queda do fluxo sanguíneo é muito leve e transitória, pode haver uma recuperação total do déficit neurológico, caracterizando o quadro como um Ataque Isquêmico Transitório (AIT)”. Porém, em casos de lesão mais severa, o tecido cerebral sofre necrose (infarto) e apresenta sequelas irreversíveis. ETIOPATOGENIA DO AVEi: A isquemia é caracterizada como a falta de suprimento sanguíneo, que priva o tecido de receber oxigênio. Com isso, os neurônios começam a entrar em falência elétrica (penumbra) e podem evoluir para um estado irreversível (necrose e infarto). Os mecanismos possíveis que levam a um AVE isquêmico são: o mecanismo embólico, a trombose de grandes vasos, a trombose de pequenas artérias e a hipoperfusão. O mecanismo embólico consiste nos casos em que há uma oclusão vascular em decorrência do deslocamento de substâncias de um ponto proximal da circulação. Esse deslocamento pode ocorrer devido a miocardiopatias, valvopatias, embolia secundária a formação de placas de ateroma em vasos ou arritmias (principalmente em fibrilação atrial). A trombose de grandes vasos está relacionada à doença aterosclerótica, que ocorre principalmente em indivíduos com fatores de risco como a hipertensão, o diabetes, a dislipidemia e o tabagismo. Essa trombose pode gerar isquemia por oclusão local ou embolia por deslocamentos de pedaços dessa placa à distância, que percorrem esse trajeto. A trombose de pequenas artérias ocorre através de pequenos infartos cerebrais causados pela oclusão de artérias perfurantes, sendo mais comum em pacientes hipertensos e diabéticos. Já a hipoperfusão ocorre em pacientes com arritmias, com hipotensão arterial prolongada ou em pacientes após parada cardíaca com reanimação prolongada. Nesses casos, a hipoperfusão ocorre de forma generalizada no sistema nervoso central, predominando nas áreas de fronteiras entre as distribuições das artérias cerebrais. Além disso, pode ocorrer também a lesão hipoxêmica difusa, que é causada por anemias graves ou altas altitudes, que podem provocar uma diminuição da oxigenação cerebral. AVE HEMORRÁGICO: O acidente vascular encefálico hemorrágico ocorre em decorrência da ruptura de um vaso sanguíneo cerebral, podendo ocorrer de repente, geralmente quando o indivíduo está realizando alguma atividade. Maria Clara Fernandes - MEDICINA Os fatores de risco mais comuns para o desenvolvimento desse tipo de AVE são a idade avançada e a hipertensão. Esse tipo de AVE pode ocorrer também em decorrência de aneurismas ou malformações arteriovenosas, que são anormalidades estruturais e podem causar hemorragia súbita. ETIOPATOGENIA DO AVEh: O AVE hemorrágico pode correr através de hemorragia intracerebral ou parenquimatosa, através de hemorragia subaracnóidea ou através de aneurismas. A hemorragia intracerebral não traumática pode ocorrer em qualquer região dos hemisférios cerebrais e no tronco encefálico. Esse tipo de hemorragia costuma apresentar um início abrupto de um déficit neurológico focal e com piora desse déficit ao longo de 30 a 90 minutos, sendo associada também a diminuição do nível de consciência. A maioria das hemorragias são causadas por hipertensão, coagulopatias, substâncias simpatomiméticas (cocaína e metanfetamina) ou angiopatia amiloide cerebral (AAC). Essa hemorragiaintracerebral pode ser maciça e volumosa, sendo caracterizada como hematoma quando apresenta mais que 3cm de diâmetro. As manifestações clínicas, a evolução e o prognóstico dependem do local e da extensão/volume do sangramento. A hemorragia maciça pode levar rapidamente à morte pelo efeito de massa, que é agravado pelo edema perilesional e resulta em hipertensão intracraniana, hérnias e compressão mesencefálica. Nesses casos as principais manifestações clínicas são cefaleia, crise convulsiva, alterações visuais e sinais focais, além da diminuição do nível de consciência e do coma, que são muito frequentes. A hemorragia subaracnóidea primária não traumática representa de 5% a 10% das doenças circulatórias cerebrais, sendo causada principalmente por aneurismas saculares (80%) e malformações arteriovenosas (5% a 10%). As lesões podem se desenvolver a partir de uma hemorragia intracerebral ou podem ser secundárias a doenças hematológicas, iatrogenia (uso de tromboembolíticos) ou intoxicação exógena pelo uso de drogas, principalmente a cocaína. Em cerca de 15% dos casos não é possível identificar a causa da hemorragia subaracnóidea e o sangramento resultante dela pode se estender para além do local de origem (mesencéfalo), inundando a cisterna basal, os ventrículos e o espaço subaracnóide espinal. A hemorragia aneurismática ocorre em decorrência da ruptura de um aneurisma, que se caracteriza por uma protuberância na área de alguma fraqueza muscular de um vaso arterial. Sua incidência é maior em indivíduos portadores de determinadas doenças, como a doença policística renal, a displasia fibromuscular, a coartação da aorta e malformações arteriovenosas cerebrais. As manifestações clínicas de um aneurisma cerebral podem ser divididas em duas fases: as que se apresentam antes do sangramento e as que se manifestam apenas após a ruptura do aneurisma. Maria Clara Fernandes - MEDICINA Geralmente, o início da ruptura do aneurisma é anunciado por uma cefaleia súbita e grave, que muitos pacientes descrevem como “a pior dor de cabeça da vida”. Quando o sangramento é grave, a cefaleia pode vir acompanhada por um colapso com perda de consciência, além de sinais de irritação meníngea (rigidez de nuca e fotofobia), déficit de nervos cranianos, hipertensão, arritmias, edema cerebral e aumento da pressão intracraniana. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: No caso do AVE isquêmico, a instalação do quadro clínico é súbita e o sinais e sintomas se apresentam de acordo com artéria cerebral acometida. O quadro clínico que inclui déficit motor com predomínio braquiofacial + déficit sensitivo + afasia, sugere acometimento da artéria cerebral média. O quadro clínico que inclui déficit motor com predomínio dos membros inferiores + déficit sensitivo + sinais de frontalização, sugere acometimento da artéria cerebral anterior. Já o quadro clínico que inclui alterações do campo visual (hemianopsia, agnosia visual) + rebaixamento do nível de consciência + déficit sensitivo, sugere acometimento da artéria. Além disso, existem outros sintomas característicos do AVE, como a perda súbita de função cerebral focal, perda súbita de forca de um lado do corpo ou da face, perda repentina de sensibilidade de um lado do corpo, perda súbita de visão, perda da fala ou dificuldade repentina de falar, dificuldade súbita para caminhar, cefaleia súbita e forte sem causa aparente, coma, confusão mental e respiração difícil. ATENDIMENTO EMERGENCIAL E DIAGNÓSTICO: A função do atendimento emergencial em casos de AVE é impedir que a área de penumbra evolua para uma área de infarto, para isso se aplicam alguns protocolos. O primeiro protocolo é representado pela sigla MOVE e consiste em 4 passos: § Monitorizar: importante colocar um monitor cardioscópico, coletando FC e FR de forma não invasiva; § Oxigenoterapia: ofertar O2 para que o paciente mantenha uma saturação acima de 94%; § Venóclise: consiste em pegar um acesso periférico utilizando Jelco 18; § Exames: realizar exames de glicemia capilar, hemograma, TP, TTPa, B-HCG em mulheres de idade fértil, ECG e principalmente TC de crânio sem contraste. Além disso é importante que se faça um exame físico direcionado no paciente e que se calcule também o NIHSS (NIH Stroke Scale) do paciente, e que se avaliam 11 itens do exame neurológico, podendo pontuar de 0 a 42 pontos. Quanto maior o NIHSS, maior a gravidade e pior o prognóstico. Maria Clara Fernandes - MEDICINA A TC de Crânio sem contraste é o principal exame no AVEi, porém sua função não é identificar a isquemia, e sim excluir sangramento intracraniano. Logo, se não há sangue na TC, não é AVC isquêmico, e, por isso, ela deve ser feita sem contraste. A conduta muda completamente e, inclusive, o que seria feito pro AVC isquêmico pode levar o óbito um paciente com AVC hemorrágico (como a trombólise). Na maioria das vezes não é possível ver sinais de isquemia, a TC vem limpa, sem nenhuma alteração. Porém existem alguns sinais que demonstram que houve oclusão das artérias, como o sinal da artéria carótida média hiperdensa. Por fim, outra alteração importante é a visualização de edema extenso, multilobar, envolvendo mais que 1/3 do território cerebral. Esse achado contraindica trombólise, pelo risco de transformação hemorrágica. EXAMES DE IMAGEM: Nos casos de AVEi, a tomografia de crânio apresenta uma área hipoatenuante e, em até 30% dos casos, a TC pode ser totalmente normal nas primeiras horas após o evento, demonstrando uma necessidade de repetição do exame dentro de 24h a 48h. Nos casos de AVEh com hemorragia intraparenquimatosa, a imagem é hiperatenuante dentro do parênquima encefálico e a fase contrastada possibilita o diagnostico etiológico, podendo revelar aneurismas ou neoplasias. Já no AVEh com hemorragia subaracnóidea a imagem se apresenta hiperatenuante ocupando as cisternas e os sulcos cerebrais e, em cerca de 10% dos casos, a imagem se apresenta normal e tornando necessária a coleta de líquor para melhor avaliação.
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