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Poder manipulação

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Prévia do material em texto

COPYRIGHT © 2016, BY JACOB PETRY
COPYRIGHT © FARO EDITORIAL, 2016
 
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização
por escrito do editor.
 
 
Diretor editorial PEDRO ALMEIDA
Preparação TUCA FARIA
Revisão GABRIELA DE AVILA
Capa e projeto gráfico OSMANE GARCIA FILHO
Ilustração de capa adaptada de STARAS | SHUTTERSTOCK
Produção do ebook SCHÄFFER EDITORIAL
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Pétry, Jacob
    Poder e manipulação : como entender o mundo em 20 lições
extraídas de O Príncipe, de Maquiavel / Jacob Pétry. — São Paulo :
Faro Editorial, 2016
 
    ISBN 978-85-62409-70-7
 
    1. Comportamento humano 2. Empresas 3. Empresários 4.
Machiavelli, Niccoló, 1469-1527. O Príncipe - Crítica e interpretação
5. Negócios I. Título.
 
16-01493
Índice para catálogo sistemático:
1. Aplicação dos princípios de Maquiavel : Administração 658.4012
 
 
 
 
1ª edição brasileira: 2016
Direitos desta versão em língua portuguesa, para o Brasil, adquiridos por FARO EDITORIAL
 
Alameda Madeira, 162 – sala 1702 – Alphaville
http://www.studioschaffer.com/
Barueri – SP – Brasil
CEP: 06454-010 – Tel.: +55 11 4196-6699
www.faroeditorial.com.br
http://www.faroeditorial.com.br/
Maquiavel, fingindo dar lições aos príncipes,
deu grandes lições ao povo.
Jean-Jacques Rousseau,
em Do Contrato Social
SUMÁRIO
Introdução
Carta de Maquiavel
CAPÍTULO 1
Das razões pelas quais um líder é louvado ou repudiado
CAPÍTULO 2
Do papel da sorte nas coisas humanas e como mudá‐lo
CAPÍTULO 3
Do que fazer para obter prestígio e ser benquisto
CAPÍTULO 4
Da questão econômica – quando se deve ser generoso ou sovina
CAPÍTULO 5
Da crueldade e da piedade – se é preferível ser amado ou temido
CAPÍTULO 6
Da integridade – quando e de que maneira se deve manter a palavra
CAPÍTULO 7
Das coisas que se deve evitar: ódio e desprezo
CAPÍTULO 8
Dos assessores e assistentes
CAPÍTULO 9
De como escapar dos bajuladores
CAPÍTULO 10
Da fidelidade daqueles que nos ajudam a conquistar o poder
CAPÍTULO 11
Das alianças e apoios – quando aliados são benéficos ou não
CAPÍTULO 12
Dos tipos de liderança e das suas vantagens e desvantagens
CAPÍTULO 13
Dos que alcançam o poder pela popularidade
CAPÍTULO 14
Dos que alcançam o poder por meios injustos e corruptos
CAPÍTULO 15
Dos que alcançam o poder pela sorte ou pela força alheia
CAPÍTULO 16
Da vulnerabilidade daqueles que se sustentam com forças alheias
CAPÍTULO 17
Da competição – o dever principal de quem quer o poder
CAPÍTULO 18
Dos riscos e das dificuldades que existem na implantação de mudanças
CAPÍTULO 19
Dos motivos pelos quais os líderes perdem seus postos e como mantê-los
CAPÍTULO 20
De como medir a força de um líder
Notas
Referências bibliográficas
Mensagem ao leitor
M
INTRODUÇÃO
uitos anos atrás, numa fria tarde de julho, dirigi-me à
biblioteca pública para retirar alguns livros. A
biblioteca, como a cidade, era pequena e antiga.
Pouquíssimas pessoas a frequentavam. E fazia anos, décadas
talvez, que ela não recebia novos exemplares. Seu acervo era
basicamente composto de clássicos. Mesmo assim, havia um
limite para retirada: três exemplares por leitor.
Com medo de ficar sem livros de ficção — meus preferidos
—, decidi que dos três, um, obrigatoriamente, seria de uma
coleção chamada Os Pensadores: História das Grandes Ideias do
Mundo Ocidental. E para não cair em tentação de ler apenas os
romances, comprometi-me com a árdua tarefa de primeiro ler o
dessa coleção. Assim, logo que cheguei em casa dei início à
leitura daquele que retirara naquele dia: Maquiavel — O Príncipe
e Escritos Políticos. Lembro que, mesmo sendo ainda um
adolescente, a cada página, exclamava: “Meu Deus, como somos
otários! Eles usam essas estratégias o tempo todo contra nós,
sem sequer percebermos!”.
Hoje, mais de duas décadas depois, o sentimento continua o
mesmo: essas pessoas sabem o que funciona e o que não
funciona. Seu trabalho é nos persuadir e nos manipular para
tirar vantagens próprias — sua sobrevivência depende disso. E
eles não vão abrir mão dessas técnicas tão facilmente. Nossa
única saída é nos precaver. E para isso precisamos compreender
suas estratégias, seus truques e delinear o caminho que eles
percorrem para chegar até nós. Esse, ao resgatar as principais
lições de O Príncipe, é o objetivo de Poder e Manipulação.
Se olharmos para o passado, veremos que muitos dos
maiores expoentes da história tiraram proveito de O Príncipe.
Shakespeare incorporou elementos da obra em peças como
Macbeth, Hamlet e A Tempestade. Napoleão Bonaparte o
considerava sua bíblia pessoal e andava com um exemplar
debaixo do braço, usando-o como guia de consulta.
Mais recentemente, Tião dos Santos, quando ainda um
catador de material reciclável no Jardim Gramacho, no Rio de
Janeiro, diz ter encontrado uma cópia no lixo. Ela estava suja e
manchada. Mesmo assim, Tião a levou para ler. Ele diz que,
depois da leitura, nunca mais foi o mesmo. Meses depois,
inspirado no livro, criou a Associação de Catadores de Material
Reciclável de Jardim Gramacho. Nos anos seguintes, tornou-se
uma celebridade. Em 2011, ganhou o prêmio de Personalidade
do Ano do jornal O Globo. Estrelou uma campanha da Coca-
Cola, e o documentário Lixo Extraordinário, do qual foi o
protagonista, chegou a concorrer ao Oscar — o maior prêmio do
cinema mundial.
Mesmo assim, o conteúdo verdadeiro desse livro continua
sendo desconhecido para a grande maioria. Em parte, isso se
explica pela polêmica em que ele sempre esteve envolvido.
Muitos o condenam porque consideram seus princípios ruins,
perversos e amorais. Alguns simplesmente o ignoram e o
desprezam pela sua fama. Outros, a pequena minoria, o estuda e
o usa como cartilha para abrir seu caminho ao topo do poder.
Aqui você encontrará vinte das suas lições mais importantes –
são a essência da obra, quase sua totalidade, sem as partes de
interesse absolutamente histórico, numa linguagem direta, clara
e moderna. O que você vier a fazer com elas, será uma decisão
cuja responsabilidade é totalmente sua.
A publicação e sua perseguição
A versão original de O Príncipe foi escrita em 1513 e publicada
em 1532, cinco anos após a morte de seu autor. Em 1959, ela
entrou para o índice de livros proibidos da Igreja Católica. Mas
esse era apenas o começo da discriminação e difamação daquele
que se tornaria, sem dúvida, o livro mais polêmico, controverso e
também um dos mais influentes e importantes da história.
A obra é um pequeno tratado de como um príncipe (o líder e
empreendedor moderno) deve agir para conquistar o poder e se
manter nele. A verdadeira intenção de Maquiavel ao escrevê-la
ainda é amplamente discutida, assim como, lógico, o teor de seu
conteúdo.
Muitos estudiosos afirmam que O Príncipe é o pensamento de
uma época e, portanto, não pode ser interpretado fora do
contexto histórico em que foi escrito. A meu ver, nada pode ser
mais equivocado. Acredito, sem sombra de dúvida, que a
verdade é exatamente o contrário: para entender de fato a obra
de Maquiavel é preciso tirá-la do contexto em que foi escrita.
Uma instituição pública, empresa ou comunidade não existe
sem as pessoas que a compõem. Por isso, se você quiser estudá-
la, precisa analisar seus líderes, diretores, funcionários e até
mesmo clientes e cidadãos. Ou seja: você deve estudar o caráter
da natureza humana por trás da instituição, empresa ou
comunidade que deseja conhecer. Em O Príncipe, acima de tudo,
Maquiavel trata da natureza humana. Os comportamentos e as
atitudes descritas por ele, e que ficaram conhecidas como
maquiavélicas, na verdade não são dele. Maquiavel não as
inventou. Ele as detectou com enorme clareza nas pessoas a sua
volta e simplesmente teve a coragem de descrevê-las com
detalhes e precisão, sistematizando-as e transformando-as em
engenharia operacional que muitos passaram a usar para
pavimentar seu caminho ao poder.
Longe das teorias políticas, filosóficas e religiosasde seu
tempo, Maquiavel percebeu, nas atitudes dos líderes, nos
governos, nas religiões e em outros relacionamentos humanos,
que a realidade apontava modos de agir muito distintos das
belas teorias da ética, da moral e dos bons costumes com que
outros filósofos tratavam do tema. E seu grande trunfo foi
mostrar como o mundo de fato é, em contraposição àqueles que
mostravam como ele deveria ser.
Hoje, quinhentos anos depois, as atitudes descritas por
Maquiavel continuam presentes em todos os setores da
humanidade. Você pode percebê-las nas ações dos líderes
políticos, religiosos, empresariais e culturais. Elas estão
presentes nos púlpitos das igrejas, nas prefeituras, nos fóruns
judiciais, nas assembleias legislativas, nos senados, nos palácios,
nas conversas, nas salas de reuniões das grandes empresas,
corporações e entidades de classes e até mesmo nos
relacionamentos entre casais.
Não fosse assim, viveríamos num mundo sem corrupção, sem
injustiça e sem violência. Os governos seriam para o povo e os
políticos sempre cumpririam suas promessas; as empresas
colocariam o interesse pelos clientes sempre à frente do interesse
pessoal e do lucro e o cidadão comum jamais agiria com
falsidade, egoísmo, brutalidade e deslealdade. Quem acredita
que essa é a realidade, para usar as próprias palavras de
Maquiavel, “é ingênuo e está fadado antes à ruína do que à
salvação”.
Por que retomar o clássico?
Por que alguém deveria investir seu tempo para ler uma obra tão
discriminada e mal-afamada? Que benefícios um cidadão de
bem poderia tirar de um livro que ao longo dos séculos fez com
que o nome do seu autor se tornasse sinônimo de manipulação,
falsidade, frieza e até mesmo maldade?
Este livro fará três coisas por você. A primeira: ele mudará a
forma como você vê o mundo. Sua leitura o levará a entender
como as coisas a sua volta de fato são. Não é uma questão de
aplicar ou não os princípios abordados por Maquiavel, mas de
entender como muitos indivíduos, sobretudo nos níveis mais
elevados de poder, agem. Por não compreender o
comportamento e as atitudes dessas pessoas, facilmente nos
tornamos objeto de manobra delas. Ao conhecê-las e
compreendê-las, podemos nos precaver e nos defender.
A segunda diz respeito a como você irá se sentir daqui para a
frente. Muitas vezes, a ignorância parece uma bênção. Quando
não vemos o problema, parece que não precisamos lidar com
ele. Mas não é assim. Não compreender como as coisas
funcionam e por que as pessoas agem de certa maneira nos
torna impotentes e nos coloca numa situação de vítima, como se
houvesse uma eterna conspiração contra nós. Ao
compreendermos que o modo como as pessoas agem não tem
nada a ver conosco, mas com a maneira como elas são, e que
elas agem assim com todo o mundo, nossa percepção muda
drasticamente.
Por último, você estará pronto e livre para definir sua
maneira de agir. Nos vinte capítulos deste livro, existem
inúmeras lições e princípios que poderão mudar sobremaneira
seu modo de agir daqui em diante, tanto na sua vida pessoal
como nos seus negócios. Na medida em que você compreender o
contexto a sua volta, poderá começar a atuar de acordo com essa
compreensão. Você não precisa ser uma pessoa cruel e má, mas
deve saber o que fazer perante a crueldade e a maldade. E este
livro lhe dará essa noção, não só como líder, mas também como
pessoa.
Enfim, este é um livro escrito para ajudá-lo a entender as
estratégias que muitas pessoas usam para manipular seu
caminho ao poder e para manter-se nele, muitas vezes à sua
custa. Ao compreender os princípios descritos aqui, você estará
preparado para se defender e se precaver disso. Mas também
para agir com mais ousadia, atrevimento e astúcia diante da
vida.
Jacob Petry
Nova York, inverno de 2016
CARTA DE MAQUIAVEL
Ao Magnífico Lourenço de Médicis
É costume daqueles que desejam para si a simpatia de um
príncipe presenteá-lo com os pertences que lhe são mais caros ou
com aqueles com que ele mais se encanta. Desse modo, lhe são
presenteados cavalos, armas, tecidos bordados a ouro, pedras
preciosas e demais ornamentos dignos de sua grandeza.
Querendo eu também ofertar-lhe uma prova de minha
admiração, não encontrei, entre as minhas posses, nada que
estime mais do que meu conhecimento sobre as ações dos grandes
homens, adquirido por uma longa experiência das coisas atuais e
uma continuada observação e análise das antigas; as quais tendo
eu, com muito afinco, detidamente estudado e examinado, remeto
agora à Vossa Magnificência, condensadas num pequeno volume.
Embora saiba que esta obra é indigna de sua consideração,
espero, mesmo assim, que aceite meu presente; uma vez que não
poderia oferecer-lhe nada maior do que lhe propiciar um meio de
adquirir em tempo muito curto o aprendizado de tudo quanto, em
muitos anos e à custa de tantos atropelos e perigos, tenho
aprendido.
Não enfeitei esta obra com frases elaboradas e pomposas,
tampouco a enchi de floreios ou lisonjas, nem mesmo a decorei
com ornamentos externos, com os quais muitos ilustram suas
próprias obras; pois não desejei que nenhum outro fosse seu
ornato e nada a tornasse agradável, a não ser a variedade da
matéria e a importância de seu conteúdo.
Espero que não considereis presunçoso um homem de baixa
condição social escrever a respeito das atitudes dos príncipes.
Quando pintores querem retratar a paisagem, eles se postam na
planície para captar as montanhas; e sobem nos picos para
apreender a vista das planícies. Da mesma forma, para melhor
captar a natureza do povo é preciso ser príncipe; e para melhor
compreender a do príncipe, é preciso ser povo.
Receba, portanto, Vossa Magnificência, este singelo presente
com o mesmo espírito que me anima a enviá-lo. Lendo-o e
considerando-o com atenção, nele reconhecereis meu grande
anseio de que ele eleve-se à majestade que a fortuna e que os seus
outros atributos lhe prometem. E se Vossa Magnificência, algum
dia, do píncaro de sua magnanimidade, voltar o olhar para cá
embaixo, saberá o quanto me degrada suportar minha sorte,
infinda e funesta.
A
“Existe uma distância tão
grande entre como se age e
como se deveria agir que
aquele que despreza o mundo
real para viver num mundo
imaginário encontrará antes
sua ruína do que sua
salvação.”
CAPÍTULO 1
DAS RAZÕES PELAS QUAIS
UM LÍDER É LOUVADO OU
REPUDIADO
DE O PRÍNCIPE
credito ser sensato, aqui, considerar como um príncipe deve
comportar-se com seus súditos e amigos. Sei que muitos já
escreveram sobre o assunto e sei também que serei julgado
presunçoso por manifestar minha opinião, especialmente por me
propor a tratar o tema com uma abordagem diferente daquela com a
qual outros a trataram. No entanto, como meu objetivo é escrever
algo realmente útil ao leitor interessado, penso ser melhor perseguir
a verdade factual, debruçando-me sobre as coisas como elas
realmente são, em vez de filosofar sobre visões imaginárias.
Muitas pessoas, ao discorrer sobre este
tema, descreveram sistemas de governos e
tipos de sociedades que até hoje ninguém
viu e nem conheceu em parte alguma do
planeta. Essas pessoas parecem não
perceber que existe uma distância tão
grande entre como se age e como se deveria
agir, que aquele que se apega ao que deveria
ser feito em vez do que ao que se faz,
encontrará antes sua ruína do que sua salvação. E alguém que quiser
praticar a bondade em tudo o que faz está fadado a arruinar-se, entre
tantos que são perversos e maus.
Sendo assim, é necessário a um príncipe que quiser assumir uma
posição de liderança e poder – e quiser manter-se nela —, acima de
tudo, conhecer a fundo a iniquidade humana e aprender a poder ser
mau e se utilizar ou não da maldade conforme a necessidade e as
circunstâncias.
2.
Deixando de lado, então, todas as coisas imaginárias e utópicas que
foram ditas sobre o exercício da liderança e do poder e encarando a
realidade, permita-me observar que sempre quando alguém fala ou
escreve sobre uma pessoa, sobretudo um príncipe, por ocupar lugar
de destaque, faz referências a certas qualidades que o levam aser
louvado ou repudiado.
Alguns são considerados generosos, outros, mesquinhos; alguns
honestos, outros, corruptos; alguns leais, outros, falsos; sábios ou
ignorantes; inteligentes ou idiotas; sensíveis ou truculentos; humildes
ou arrogantes; religiosos ou céticos; egocêntricos ou altruístas e
assim por diante.
Sei que qualquer pessoa, certamente, concordará que, de todas as
qualidades enumeradas, seria louvável que um príncipe possuísse
apenas aquelas que consideramos boas. Mas, como a condição da
natureza humana simplesmente não permite possuir todas, nem a
sua prática consistente, se deseja ser louvado, um príncipe deve ser
astuto o suficiente para evitar os defeitos que o impediriam de
alcançar seu objetivo; e praticar as virtudes que não afetem
negativamente sua realização; mas quando isso não for possível, é
coerente que as ignore e siga o curso que se fizer necessário.
“Há muitas características na
natureza humana que
parecem defeitos, mas, uma
vez analisadas bem a fundo,
provam ser virtudes. E há
outras que parecem virtudes,
mas quando colocadas em
prática no momento correto
se mostram defeitos.”
Isso se justifica porque, entre as pessoas, o desejo de conquista do
poder é algo muito natural e comum. E aqueles que alcançam o
sucesso serão sempre louvados. Os que fracassam por não alcançar o
que desejam serão sempre recriminados e condenados.
Por esse motivo, o príncipe que deseja
ser louvado, como já falei, não deve se
sentir culpado por incorrer em certos vícios
para realizar o objetivo ao qual se propôs.
Pois, se considerar bem tudo, há muitas
características na natureza humana que
parecem virtudes, mas, se praticadas, o
destituiriam do posto, e outras que parecem
defeitos mas que, se praticadas, trazem-lhe
conforto e segurança.
MAQUIAVEL
CAPITULO XV
Das razões pelas quais os homens e, sobretudo,
os príncipes são louvados ou vituperados
ANÁLISE
Um dos segredos da vida é compreender que, acima de tudo, ela é
um jogo e que as chances de vencer serão muito pequenas se não
conhecermos as regras desse jogo. Mas há algo estranho: ninguém
nos ensina essas regras. Nossa educação vive em uma cultura morta
e ultrapassada que insiste em explicar infinitamente a Revolução
Francesa, a tabela periódica, os motivos que levaram à descoberta da
América, o princípio de Arquimedes, a teoria da evolução e assim por
diante. Passamos entre dez e quinze anos na escola e não
aprendemos a enfrentar as batalhas diárias da vida de maneira
prática, objetiva e realista. Não aprendemos as verdadeiras regras do
jogo da vida. E para quem quer sobreviver no complexo e dinâmico
ambiente dos dias atuais, talvez nenhum requisito seja mais
indispensável do que compreender essas regras claramente.
Sem conhecer as regras, não temos como participar do jogo.
Assim, a grande maioria dos indivíduos se torna expectadora. Aqueles
que descobrem as regras e as aplicam se tornam os protagonistas no
cenário. Eles estão em campo, onde está toda a diversão, aventura,
glória e riqueza. Enquanto os demais, a esmagadora maioria, fica na
arquibancada, assistindo a esses poucos se divertirem em vidas
plenas e abundantes. E pior ainda: quase sempre pagam para assisti-
los.
Mas o que é conhecer as regras do jogo? Falando de maneira
geral, conhecer as regras do jogo é entender a realidade como ela de
fato é. Sem isso, viveremos como cegos: tateando no escuro. Não só
tropeçaremos em nossas próprias atitudes por constantemente
reagirmos da maneira errada como, por pura ignorância e
ingenuidade, cairemos em praticamente todas as armadilhas da
existência.
Esforçar-se por abrir os olhos para a realidade como ela é,
desvencilhando-nos de todo apego e ilusão ingênua sobre o mundo e,
acima de tudo, sobre as pessoas é o começo de qualquer
transformação humana. A coragem de encarar a realidade sem
perder a fé e a esperança de que um mundo melhor é possível é o que
separa o verdadeiro líder do manipulador corrupto.
Quanto maior for nossa compreensão das coisas, menos
fracassos, frustrações e desapontamentos teremos. Quanto melhor
compreendermos as pessoas, quanto mais entendermos suas
capacidades, suas aspirações, seus talentos, suas intenções, seus
truques e suas motivações secretas, mais bem preparados estaremos
para ajudá-las (ou para nos defender delas). Por isso, desenvolver a
habilidade de entender o que de fato motiva as pessoas e saber lidar
de maneira adequada com essa compreensão é a lição mais
importante que você pode aprender no jogo da vida. Pare e pense
nisso por um momento!
Nossa tendência habitual é reagir a tudo com base nos valores
pessoais que cultivamos. Tudo o que estiver de acordo com nossos
valores pessoais, nós consideramos bom, e o que não estiver,
consideramos ruim. No mundo do poder e dos negócios isso quase
sempre é um erro terrível por dois motivos básicos:
1º Porque ao julgarmos tudo de acordo com nossos valores pessoais cometemos o erro
de pensar que todos cultivam os mesmos valores que nós e que as ações deles estarão
sempre de acordo com esses valores. E, nesse caso, quase sempre nos frustramos,
porque as pessoas raramente cultivam os mesmos valores que nós e suas ações
sempre estarão de acordo com os valores delas, não com os nossos.
2º Porque agir sempre com base nos mesmos princípios nos torna extremamente
previsíveis e, por consequência, vulneráveis diante daqueles que, por mesquinharia,
inveja, ódio ou ambição, desejam nossa ruína.
Por isso, se você busca poder, prestígio e sucesso, tem de
compreender que nada do que existe ou acontece é completamente
bom ou ruim, que nada é tão mau que não tenha um lado bom ou tão
bom que não tenha algo mau. É preciso que você tenha sempre em
mente que, não importa o quanto uma coisa pareça inútil ou
prejudicial, se estudá-la bem, se analisá-la detalhadamente,
encontrará uma virtude, um ponto forte, algo que pode ser explorado
a seu favor.
Pense sobre a morte, por exemplo: ela é boa ou ruim? Para a
maioria das pessoas ela é extremamente indesejável e, portanto,
ruim. Mas, na verdade, ela não é boa nem ruim. A morte é um evento
inevitável e necessário. Imagine como seria o mundo se todos os
seres, incluindo os humanos, vivessem para sempre. Essa ideia é
quase inconcebível. Portanto, a morte tem o lado ruim — a perda de
nossos entes queridos — e o lado bom — pois possibilita, entre outras
coisas, a regeneração das espécies.
Desse modo, a partir de hoje, seja você quem for, onde quer que
você viva e qualquer que seja sua ocupação, em vez de olhar para as
coisas a sua volta como boas ou ruins, desenvolva o hábito de olhá-
las como eventos, circunstâncias, causas e consequências.
Por mais simples que esse costume possa parecer, ele provocará
uma tremenda revolução em sua vida. Ele fará com que você passe a
fazer parte do pequeníssimo grupo de pessoas com a habilidade de
ver as coisas como elas realmente são e, a partir disso, mudá-las
para como você gostaria que elas fossem.
Ver as coisas como de fato são e não como você gostaria que elas
fossem lhe trará enorme sabedoria e poder de discernimento.
Existem três vantagens claras e definidas em ver as coisas como elas
são, e elas lhe darão essa sabedoria e poder de discernimento:
A primeira é a de que você deixará de interpretar qualquer atitude
de alguém como uma afronta pessoal. As pessoas agem e reagem
para defender seus valores e desejos próprios, e não,
necessariamente, para atacar os teus. Ao compreender isso, você
entenderá que conhecer a motivação das pessoas é uma das coisas
mais importantes da vida. Se você entender seus valores e a razão
maior que as motiva, poderá prever suas ações, o que aumentará
muito seu poder sobre elas. Ao prever suas atitudes, poderá agir
agora de acordo com a resposta que você deseja delas no futuro.
A segunda vantagem é que você abrirá mão da rigidez que existe
naqueles que enxergam o mundo apenas por duas extremidades: o
preto ou o branco. Aqueles que percebem a realidade assim perdem
toda a beleza e magia que existe no azul, no amarelo, no vermelho,
no verde e seus infinitosmatizes. Pessoas que alcançam prestígio,
poder e riqueza são flexíveis e maleáveis. Elas entendem que as
regras que valem para uma circunstância deixam de existir quando
ela desaparece. Elas sabem também que uma circunstância nunca se
repete exatamente da mesma maneira. Por isso, elas nunca se
apegam a fórmulas fixas, rígidas e desgastadas. Elas são altamente
sensíveis às circunstâncias presentes e seguem seu caminho com as
mesmas características da água: adaptando-se rapidamente ao
contexto, mudando sua forma a todo instante, mas sem abrir mão de
sua essência.
COMPREENDA: pessoas rígidas e inflexíveis, num primeiro
momento, podem nos passar a impressão de força e poder. Mas essa
impressão não dura muito tempo. Logo elas são superadas e
deixadas para trás. Por outro lado, uma pessoa flexível e maleável,
embora muitas vezes seja criticada por isso, terá enormes chances
não só de chegar ao poder, mas de se manter nele, porque ao se
adaptar às circunstâncias ela se reinventa sem cessar. Se você deseja
seguir em frente, é importante que não esteja preso.
A terceira vantagem de se ver as coisas como elas são é a de que
você se tornará uma pessoa mais autêntica. Valores e princípios
costumam ser herdados do mundo exterior: família, religião e
cultura. Ao seguir esses valores, muitas vezes, abrimos mão daquilo
que realmente pensamos e desejamos e, com isso, reprimimos nosso
verdadeiro eu. Além disso, quem depende demais das ideias e
convicções dos outros não terá ideias e convicções próprias e, por
isso, dificilmente terá a iniciativa necessária para exercer uma
liderança forte e duradoura indispensável para a conquista do poder.
LEMBRE-SE: o poder e a liderança que levam ao sucesso e à riqueza
sempre são consequência da habilidade de preencher um vazio, de
suprir uma demanda que existe nas pessoas ou no universo. Se você
não tiver a habilidade de ver o mundo como ele realmente é, se não
compreender as regras do jogo, se medir tudo por seus valores
pessoais, se ignorar o que motiva os outros e pensar apenas nas suas
ambições pessoais, nem sequer conseguirá perceber esse vazio, quem
dirá preenchê-lo.
P
“Se o acaso determina a
metade das nossas ações,
ainda assim resta-nos a outra
metade para controlar.”
CAPÍTULO 2
DO PAPEL DA SORTE NAS COISAS
HUMANAS E COMO MUDÁ-LO
DE O PRÍNCIPE
ercebi que muitos têm pensado, e ainda pensam, que o mundo
é governado por Deus e pela sorte de tal maneira que as
pessoas, apesar de toda sua inteligência, praticamente não têm
influência sobre os rumos que sua vida toma. Por esse motivo, elas
acreditam que não é necessário nem mesmo incomodar-se muito
com as coisas do mundo, apenas deixar-se governar por elas. Essa
opinião ainda tem enorme aceitação pela complexidade e grande
variação das coisas que podem ser observadas diariamente na
conjetura humana e no contexto a nossa volta.
Às vezes, quando penso nisso, me sinto
inclinado a também aceitar esse tipo de
opinião. Mas quando analiso melhor a
questão, e para não negar nosso livre-
arbítrio, creio que se pode admitir ser
verdade que Deus e a sorte determinam a
metade de nossas ações, mas que ainda assim ela nos deixa governar
a outra metade.
A meu ver, a sorte pode ser comparada a um desses rios
impetuosos que em tempos de cheias alagam as planícies, derrubam
as árvores, os edifícios e arrastam montes de terra. Diante de sua
força, tudo foge do controle, tudo cede ao seu ímpeto, sem poder se
opor.
Assim são as coisas da natureza. Porém, isso não significa que,
quando retorna a calma, não possamos fazer reparos e barragens
para que, em outra cheia, aquele rio impetuoso tenha suas águas
direcionadas pela engenhosidade humana e assim sejam desviadas
da cidade pelos canais e pelas barragens. O seu ímpeto não agirá
livremente e será muito menos danoso.
Do mesmo modo acontece com a sorte e o acaso; o seu poder se
manifesta livremente apenas onde não se prepara nem se organiza
nenhum tipo de resistência.
Se voltarmos nossos olhos para a Itália do meu tempo, quando foi
sede e origem de muitas revoluções, veremos que ela era como uma
região sem diques e sem nenhuma barreira. Se ela fosse, contudo,
convenientemente protegida como a Alemanha, a Espanha e a
França, as cheias não causariam os mesmos estragos ou até mesmo
não se teriam verificado. Dito isso, acredito já ser o suficiente a
respeito dos obstáculos que podem ser opostos à sorte, em termos
gerais.
2.
Um dos motivos que nos levam a atribuir tanto poder à sorte é o fato
de que, quando analisamos a história dos grandes homens, em
muitos casos, é possível ver o sucesso de uma pessoa hoje e sua ruína
amanhã. Tudo sem ter havido mudanças em seu caráter, em suas
atitudes e, tampouco, em suas habilidades.
Julgo que a razão disso é que quando o sucesso depende tão
somente das circunstâncias, e não do indivíduo, ele se perde sempre
que as circunstâncias mudam. Quando a circunstância é sua
“A sorte depende muito da
habilidade de combinar a
nossa ação com o que é
exigido em cada momento.”
parceira, seus resultados serão a glória, mas quando ela o abandona,
o que sempre acaba por acontecer, seu destino inevitável será a ruína.
Dessa forma, aquilo que conhecemos
como sorte depende muito da habilidade de
combinar nosso modo de agir com o que é
exigido pelas particularidades de cada
momento. Aquele que observar as
particularidades do momento, e souber agir
de acordo, será beneficiado por elas. Aquele que não as observar
encontrará enormes problemas e será visto como desprovido de
sorte.
Por isso, acredito que será feliz aquele que combinar seu modo de
agir com as particularidades do momento, e infeliz aquele cujas
ações delas divirjam.
3.
As pessoas sempre buscam poder, glória e riqueza. Seguem, todas
elas, os mesmos objetivos, mas fazem isso agindo de modos
diferentes. Algumas agem com precaução, outras com
impetuosidade; umas optam pela violência, outras pela astúcia; umas
escolhem a paciência, outras a agitação; e assim por diante. E cada
uma pode, a partir destes diversos modos, alcançar seus objetivos.
Nota-se, entre dois indivíduos cautelosos que almejam o mesmo
objetivo, que, apesar de terem o mesmo comportamento, um pode
alcançá-lo, e o outro, não. Do mesmo modo, uma pessoa cautelosa e
a outra impulsiva podem obter os mesmos resultados, apesar de
terem comportamentos diferentes. A razão disso se explica porque os
resultados de cada um dependem das particularidades de cada
época, bem como de se seu modo de agir se conforma ou não com
elas.
Assim, como ficou dito, duas pessoas agindo diferentemente
podem produzir o mesmo resultado, e no caso de duas agindo da
mesma forma, uma pode alcançar o êxito e a outra não. Disso
também dependem as diferenças de prosperidade. E a razão é a
variação do que é certo e do que é errado, que depende das
circunstâncias de cada momento.
Se um príncipe age com cautela e paciência e se, naquele
momento, as circunstâncias exigem cautela e paciência, será bem-
sucedido. Mas se as circunstâncias mudarem, exigindo decisões e
atitudes rápidas, e ele continuar agindo com cautela e paciência, na
certa fracassará. E isso tão só porque não alterou o seu modo de agir
quando as circunstâncias mudaram.
4.
Ninguém, por mais sábio que seja, consegue se ajustar facilmente a
mudanças radicais. As razões para isso são duas: nossa dificuldade
de nos desviar daquilo a que nos impele nossa natureza e que nos faz
agir de certo modo, muitas vezes, alheio a nossa vontade; a outra
razão é que, quando prosperamos por certo tempo seguindo por um
caminho, no momento em que as circunstâncias mudam, não
conseguimos nos convencer a abandoná-lo a tempo.
O príncipe cauteloso, no momento em que é necessário ser
impulsivo, por exemplo, não consegue sê-lo e por isso fracassa. Se
mudasse de natureza, conforme as exigências do tempo e das coisas,
não fracassaria e, assim, sua sorte não mudaria.
Concluo, portanto, afirmando que, como as circunstâncias
mudam e o príncipe conserva, com obstinação, seu modo de agir, ele
será beneficiado pela sorte enquantoseu modo de agir for apropriado
às exigências do momento. Quando as circunstâncias mudarem e
suas ações não forem mais adequadas para o momento, ele
conhecerá o fracasso. E a isso chamamos de falta de sorte.
Estou convencido também de que é melhor ser ousado do que
cauteloso, porque a sorte é feminina e para dominá-la é preciso saber
flertar e seduzi-la. Também é reconhecido que ela se deixa seduzir
mais pelos amantes ousados do que por aqueles que procedem com
cautela e frieza. Conclui-se daí, ainda, que a sorte, como a mulher, é
sempre mais amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais
ousados e impulsivos e a dominam com maior audácia e voracidade.
MAQUIAVEL
Capítulo XXV
De quanto pode a sorte nas coisas humanas e
de que maneira se deve resistir
ANÁLISE
Quando uma pessoa avança e conquista um certo nível de sucesso,
sua tendência é se apegar a essa conquista e criar raízes nela. O
sentimento ingênuo de que agora ela domina o jogo toma conta. Ela
olha para trás, recolhe as ações que criaram essas conquistas e as
transforma em filosofia de vida. O passado transforma-se numa
densa neblina que a cega e ofusca as transformações no presente. Aos
poucos, a repetição substitui a inovação. A mente se engessa, entra
em decadência e, por fim, cai em colapso.
Em geral, só percebemos o problema quando aparece um novo
competidor, alguém mais adequado ao momento e que não respeita
tradições, doutrinas e filosofias, que introduz novas regras e
ferramentas ao jogo. Então, rapidamente, tudo muda, e talvez
venhamos a compreender o quanto fomos insensíveis às
circunstâncias, o quanto nossa visão de mundo e a resposta que
damos a ele estava desatualizada. E nesse momento, como os
dinossauros da pré-história, nos vemos pesados demais para nos
defender dos cataclismos da mudança. E sem tempo para reagir,
somos eliminados do processo num único golpe.
ENTENDA: nos dias atuais, as circunstâncias mudam num piscar de
olhos. Se você se apegar demais às conquistas e estratégias do
passado correrá um tremendo risco de ser excluído do jogo a
qualquer momento. Grandes líderes que se perpetuaram no mundo
da política, dos negócios, dos esportes, das artes e da cultura se
destacaram não por possuirem mais talento, sorte ou conhecimento
que seus pares, mas porque foram capazes de se adaptar com
enorme facilidade às mudanças de contexto. Eles desenvolveram um
radar capaz de detectar o novo, o que criava a possibilidade de
explorar o futuro, e não apenas o passado e o presente. É dessa
forma que a inovação nasce, as oportunidades se oferecem para
serem aproveitadas e o sucesso acontece.
Essas pessoas entendem que sucesso não é mais possível — e
talvez nunca tenha sido — apenas por meio da aprendizagem de um
conjunto de ideias, regras e princípios que devem ser seguidos com a
rigidez e disciplina de uma dieta ou de uma receita. Não há fórmula
mágica para o sucesso. Ideias, regras e princípios servem apenas
como ferramentas, que, se não forem usadas no contexto certo, não
servem para nada.
Nestes tempos velozes e fugazes, conhecimento, teorias,
princípios e até mesmo a experiência podem ser extremamente
limitados. Ninguém, por mais genial que seja, possui inteligência,
experiência, formação e habilidade natural para prever com
segurança absoluta os eventos futuros. Nenhum pensamento, por
mais acurado que seja, consegue nos preparar para o caos das
infinitas possibilidades que se apresentam a cada momento. A única
segurança que podemos criar é desenvolver a habilidade de nos
adaptar ao imprevisível assim que ele se manifestar.
O ponto de partida para desenvolver essa habilidade é entender
que não temos controle sobre grande parte do que acontece conosco.
Estudos apontam que entre 85% a 90% do que nos acontece foge
completamente do nosso domínio. Pense sobre sua vida: ao nascer,
por exemplo, você não teve controle sobre quem seriam seus pais, o
ano e o lugar em que você nasceu, o tipo de influência que você teve
nos primeiros anos de vida, a escola onde foi alfabetizado, o contexto
que definiu suas amizades. Essas coisas, todas de extrema
importância, simplesmente se impõem a você.
O passo seguinte é aceitar que todos nós temos uma determinada
margem de controle sobre a existência, o que nos torna os únicos
responsáveis pela maneira como nossa vida se desenvolve ao longo
dos anos. Compreenda: o nível de poder e sucesso que qualquer
indivíduo alcança não é consequência dos fatores sobre os quais ele
não tem controle, mas da maneira como ele age com os fatores sobre
os quais ele tem controle. Desenvolver poder e liderança, então, é
criar a habilidade não só de exercer o poder sobre essa pequena
margem de domínio que temos, mas também de expandi-la. E o
modo de fazer isso é desenvolver controle sobre si mesmo.
Como escreveu Krishnamurti:
A transformação do mundo é provocada pela transformação de si mesmo. Para haver
transformação, o autoconhecimento é essencial; sem saber o que você é, não há base
para um pensamento correto, e sem conhecer a si mesmo, não há transformação. O
indivíduo precisa se conhecer como ele é, não como deseja ser. Pois aquilo que ele
deseja ser é apenas um ideal e, por isso, fictício, irreal. Só aquilo que ele
verdadeiramente é pode ser transformado, não aquilo que ele deseja ser.
Conhecer-se como se é requer uma mente extraordinariamente alerta, porque o
que se é está sofrendo constante transformação e mudança: e para segui-lo depressa
a mente não deve estar presa a nenhum dogma ou crença particular, a nenhum padrão
de ação. Se quiser saber o que você é, não pode imaginar ou acreditar em algo que
você não é. Se eu sou ganancioso, invejoso, violento, um ideal de não ganância é de
pouco valor. O entendimento do que você é — seja feio ou bonito, bom ou ruim —, sem
distorção, é o início da virtude. A virtude é essencial, pois ela proporciona liberdade.
Todo poder vem de dentro. E se você tem consciência de quem
você é; se tem consciência daquilo em que é bom e daquilo em que
não é; se conhece suas forças e sabe como explorá-las; se sabe onde
estão suas fraquezas e como controlá-las; se é capaz de entender as
pessoas e ter uma ideia clara do que as motiva; mesmo que não
consiga ter controle absoluto sobre o contexto a sua volta, o simples
fato de estar consciente de tudo isso lhe dará uma enorme vantagem
sobre a maioria que o ignora.
Através desse processo — de saber quem você é, de compreender
os outros, de entender a maneira como as pessoas agem e os motivos
pelos quais o fazem —, sua chance de cometer erros bobos e
ingênuos que possam destruir seu poder e sucesso se reduz
significativamente. Quanto menos você se apegar a fórmulas fixas,
maior será sua capacidade de adaptar o pensamento às
circunstâncias do momento e mais eficaz e realista serão suas
respostas a essas circunstâncias. Portanto, a partir de hoje, liberte-se
de apegos desnecessários, descarte velhas técnicas, velhos métodos,
fórmulas e filosofias ultrapassadas e em seu lugar desenvolva um
radar para detectar os problemas e as oportunidades que estão por
vir. Adapte-se rápida e constantemente ao contexto. Seja inusitado.
Coloque-se na vanguarda. Esteja sempre em busca de algo que
combine mais com a realidade atual do que com aquilo que já existe.
Quando fizer isso, sua mente se tornará alerta e você passará a ver
oportunidades onde a maioria absoluta só vê crises e obstáculos.
D
CAPÍTULO 3
DO QUE FAZER PARA OBTER
PRESTÍGIO E SER BENQUISTO
DE O PRÍNCIPE
e todas as ações e virtudes de um príncipe, nada confere
maior prestígio do que realizar grandes obras e servir, ele
próprio, como raro modelo para seu povo.
Um exemplo que ilustra bem isso é Fernando II de Aragão, rei da
Espanha, também conhecido como o Rei Católico. Começando como
um líder fraco e insignificante, Fernando II, pela fama e pela glória
conquistados, ganhou notoriedade como o primeiro e mais
importante dos reis cristãos da história. E se considerarmos as suas
ações, veremos que são todas grandiosas, sendo algumas até mesmo
extraordinárias.
Assim queassumiu o reinado, Fernando invadiu Granada e a
transformou na base de seus domínios. No começo, conduziu a luta
sem chamar atenção, evitando causar qualquer tipo de alarde. Com
isso, conseguiu manter os barões de Castela ocupados com a guerra,
enquanto implantava, sem resistência, as mudanças que desejava,
conquistando fama e autoridade sobre eles sem que se apercebessem
disso.
Com a ajuda do povo e da Igreja, que lhe enviava elevadas somas
de dinheiro, Fernando pôde recrutar e manter seus exércitos durante
os onze anos da guerra contra Granada. Ao mesmo tempo, firmava
as bases de sua reputação como grande militar, com a qual se
distinguiu nos anos seguintes.
Além do mais, sempre se utilizando da religião como pretexto,
Fernando preparou-se para projetos ainda mais audaciosos. Num
deles, adotou uma política de piedosa crueldade para expulsar e
libertar seu reino dos judeus.
Sob o mesmo argumento, invadiu a África, marchou em
expedição pela Itália e, mais tarde, invadiu a França, sempre fazendo
acordos e alianças que aumentavam seu reino, seu poder e prestígio.
E apesar da conduta duvidosa de suas ações, elas eram
conduzidas de tal forma — uma após outra, sempre numa sequência
ascendente — que ninguém sequer cogitava questioná-las, muito
menos agir contra ele.
Com isso, Fernando só fazia aumentar sua admiração e seu
prestígio, ao mexer com os ânimos e a expectativa de todos, que
aguardavam empolgados o sucesso final de cada um dos seus
extraordinários feitos.
Analisando a trajetória de Fernando II, pode-se afirmar que,
mesmo não tendo escrúpulos e simplesmente realizando projetos
ousados e colocando-se sempre como exemplo, ele tornou-se um dos
líderes mais prestigiados do seu tempo.
2.
Além de realizar grandes feitos, convém ainda ao príncipe, que
pretende obter grande prestígio, dar exemplos raros quanto ao seu
governo.
Um bom modelo disso foi Bernabó de Milão. Sempre que surgia a
oportunidade, quando alguém de seu governo fazia algo
extraordinário, fosse bom ou ruim, Bernabó tinha um método de
compensar ou punir essa pessoa. Ele o fazia de tal modo que a ação
“Um vencedor não quer
aliados suspeitos e com os
quais não pode contar nos
momentos de adversidades.”
gerasse grandes comentários e, assim, servisse de estímulo ou de
alerta para os demais.
O foco do príncipe deve estar constantemente voltado no sentido
de, em cada atitude e acima de tudo, procurar conquistar para si o
prestígio e a reputação de uma pessoa grandiosa e marcante.
Outra estratégia que traz prestígio ao príncipe é ter sempre uma
posição clara a respeito das coisas, mostrando-se um verdadeiro
amigo ou um inimigo honesto. Com isso, quero dizer que ele deve,
sem nenhuma restrição, declarar-se aberta e francamente a favor de
uma ideia ou pessoa em oposição à outra.
Esteja atento, pois, ao contrário do que muitos pensam, assumir
uma posição claramente em favor de alguém é sempre melhor do
que manter-se neutro.
Imagine que dois amigos seus entrem em conflito. Apesar de
serem seus amigos, eles também são seus rivais. A força e o poder
deles sempre serão de tal ordem que, no final, o vencedor deverá ser
temido ou não por você. Em qualquer uma das duas situações – se
terá que temê-lo ou não —, sempre será melhor se você tomar
partido e declarar sua posição de maneira clara.
Vejamos o porquê: no caso de o vencedor ser de tal ordem que
seja prudente temê-lo, caso você não se declare abertamente durante
a disputa, mais tarde, sem dúvida, você se tornará presa fácil dele,
pois ele não lhe considerará um amigo, uma vez que não o apoiou. E
aquele que foi vencido tirará disso satisfação e prazer. Ele irá torcer
para que você seja derrotado também, uma vez que não o auxiliou na
disputa. Assim, você não terá aliado algum para sua defesa, nem terá
quem o acolha.
Talvez você se pergunte: e se eu
procurar o vencedor para formar uma
aliança com ele? Devo afirmar que será
muito improvável que ele deseje formar
uma aliança com você. Um vencedor não
quer aliados suspeitos e com os quais não pode contar nos momentos
de adversidades.
Tampouco é provável que você consiga formar qualquer tipo de
aliança com o perdedor, uma vez que, durante a disputa, você não
quis, de armas na mão, correr o mesmo risco e se expor contra o
inimigo em comum. Ou seja: quem é vencedor não aceita aliados
suspeitos e que desapareçam nos momentos difíceis. E quem perde
não o aceitará porque você não quis lutar ao lado dele quando ele
precisou de você.
3.
Quando foi para a Grécia a chamado dos etólios para ajudá-los a
expulsar os romanos, Antíoco imediatamente enviou embaixadores
aos aqueus, aliados dos romanos, que estavam sendo persuadidos por
eles a tomar armas contra os gregos. A missão dos embaixadores de
Antíoco, por sua vez, era convencer os aqueus a se conservarem
neutros no conflito.
O assunto foi debatido no concílio dos aqueus, onde eles
definiriam a sua posição na contenda. Na reunião, após o delegado
de Antíoco defender a ideia de os aqueus se manterem neutros, o
delegado dos romanos, presente no evento, disse: “Quanto à opinião
de Antíoco, de que deveis manter-se neutros na guerra, posso
garantir-lhes que nada poderia ser mais prejudicial aos vossos
próprios interesses, pois, ficando neutros, inevitavelmente, em algum
momento, sem recompensa e ingloriamente, sereis presa de quem for
o vencedor”.
Como todo comandante sabe, aquele que é seu inimigo sempre irá
lhe pedir para que se mantenha neutro; e aquele que é seu amigo o
incitará a tomar partido ao lado dele, abertamente. Os líderes
tímidos, para fugirem do perigo de se posicionarem, adotam, com
frequência, a neutralidade, acreditando ser essa a melhor saída. Em
“Aquele que é teu inimigo
sempre irá te pedir para que
fiques neutro; e aquele que é
teu amigo te incitará a tomar
partido ao lado dele.”
virtude disso, costumam acabar sozinhos e,
com o tempo, sem dúvida alguma, se
tornarão malsucedidos. Quando, ao
contrário, um líder toma partido aberta e
ativamente, sempre encontrará bons
aliados e amigos.
Imagine, outra vez, se num conflito vencer aquele que você apoiar.
Mesmo que ele seja mais poderoso que você e, por isso, você fique à
mercê dele, ele terá obrigações com sua pessoa. Ele será compelido a
ter sentimentos de respeito e amizade por sua pessoa e, certamente,
irá honrá-los. Os indivíduos nunca são tão maus que desejem oprimir
aqueles a quem devem ser agradecidos.
Além do mais, as vitórias nunca são tão completas que o vencedor
não tenha que levar em conta outras considerações, sobretudo de
justiça.
E se aquele que você apoiar perder a contenda, os laços serão
ainda mais fortes, porque ele irá reconhecer que você esteve ao seu
lado em um momento de dificuldade. E ele o socorrerá sempre que
puder. Nesse caso, mesmo na derrota, você estará unido a uma força
que pode ser muito útil para se reestruturar e renascer.
4.
Vejamos, ainda, o que ocorre no caso de os dois rivais em luta serem
inferiores a você e forem de tal ordem que você não precise temer a
vitória de quem quer que seja.
Neste caso, tomar partido e se aliar a um deles é uma atitude
ainda mais sábia, uma vez que, assim, provocará a ruína de um com
a ajuda daquele que o deveria salvar se fosse sábio. O vencedor, seja
quem for, ficará sob seu domínio. E aquele que você apoiar
certamente será o vencedor.
É preciso ressaltar, contudo, que um príncipe nunca deveria se
aliar com alguém mais poderoso, exceto por extrema necessidade,
para derrotar um terceiro inimigo, como expliquei antes. A razão
disso é que, mesmo vencendo, o príncipe ficará preso ao seu aliado
que é mais forte; e um príncipe deve evitar a todo custo ser
dependente, submisso ou estar sob controle de outro príncipe.
O motivo pelo qual muitos optam pela neutralidade é que ela
parece a escolha com menos riscos. Um príncipe, entretanto, nunca
deve escolher um caminho só por parecer o mais seguro, porque
todas as escolhas envolvem riscos.
Também não é sábio por parte de um príncipe esperar que todas
as suas decisões sejam inteiramente acertadas. Eledeve saber que,
pelo contrário, suas decisões são sempre incertas. Pois é da natureza
das coisas, quando se busca resolver um problema, nunca deixa de
criar outro.
A sabedoria do príncipe está exatamente em conhecer a natureza
dos problemas e adotar aquele que for menos prejudicial como sendo
bom.
5.
Além do mais, para obter prestígio, ele deve, ainda, mostrar-se
admirador dos talentos e reconhecer aqueles que se destacam numa
arte qualquer.
Do mesmo modo, deve estimular seus cidadãos a exercer suas
atividades em liberdade, seja nos esportes, nas artes, no comércio, na
agricultura ou em qualquer outra área.
Aos cidadãos cabe não deixar de produzir riquezas pelo medo de
serem assaltados, atacados ou do risco de serem perseguidos por
isso. Aquele que quiser acumular riquezas deve ter a liberdade de
fazê-lo sem precisar temer que suas posses lhe sejam tomadas.
Por esse motivo, o príncipe deve instituir prêmios e
reconhecimentos especiais para aqueles que desejarem empreender
em tais coisas e enriquecer sua empresa, família ou comunidade.
Ele deve também, em certas épocas do ano, promover festas e
espetáculos ao seu povo. E como todas as comunidades estão
divididas em grupos culturais, profissionais e étnicos, deve envolver-
se com elas, procurando dar provas de afabilidade e união, mantendo
sempre íntegras e honradas, entretanto, a grandeza e superioridade
do seu posto.
MAQUIAVEL
Capítulo XXI
O que um príncipe deve realizar para ser estimado
ANÁLISE
As pessoas têm uma necessidade extraordinária de acreditar em algo
maior do que elas mesmas. A maioria anda aflita à procura de algo
que possa usar para preencher o vazio e a insignificância de sua
existência. Elas se rendem a qualquer coisa que as façam se sentir
importantes, dignas e maiores do que são. Essa necessidade as torna
tremendamente suscetíveis a todo tipo de influência e manipulação.
Qualquer charlatão que aparecer com uma promessa de salvação
para a aparente falta de sentido da vida terá sua boa vontade e
colaboração.
Profissionais bem preparados sabem dessa nossa deficiência e
não têm piedade nem limites para explorá-la. Sobre ela, constroem
fortunas e impérios nos quais, depois, quase sempre nos aprisionam
e escravizam. Seja na política, religião, esportes, artes, moda ou
entretenimento a estratégia do manipulador é sempre a mesma: criar
uma espécie de culto em torno de uma causa aparentemente nobre e
se colocar no centro, como profeta e precursor da transformação
que, em geral, converte um, aparente, mal num bem.
O processo todo não envolve nenhum tipo de ação (o que exigiria
esforço e resultados concretos), mas imagens e palavras sempre
empolgantes e evasivas. De um lado, o que essas pessoas nos
oferecem parece grandioso e transformador; de outro, vazio, raso e
evazivo. Isso não é uma falha, mas uma técnica. Porque o vazio e
evasivo oferece espaço para os indivíduos criarem sua própria ilusão
sobre a promessa grandiosa que lhes é oferecida. E a técnica terá um
efeito ainda maior se as palavras tiverem enorme ressonância, se
forem repletas de entusiasmo, calor e promessas eloquentes. Títulos
sólidos e pomposos, muitas vezes envolvendo números para esconder
a característica vaga do conceito em si, podem ter um efeito viral
sobre as massas.
Veja o exemplo da política: Juscelino Kubitschek e seus
“cinquenta anos em cinco”, Fernando Collor de Mello e o “caçador de
marajás”, Luiz Inácio Lula da Silva e o “fome zero”. Em todos eles,
teve-se o cuidado de criar um slogan que criasse nos seguidores a
sensação de fazerem parte de um grupo exclusivo que os conectasse a
uma causa nobre, grande, maior que eles próprios. Em todos, há
uma luta envolvida. Sempre contra um terrível inimigo comum,
alguém que todos querem ajudar a exterminar. Juscelino, a
estagnação do país; Collor, os marajás; Lula, a fome. Não raras
vezes, suspeita-se de que há alguém por trás desse inimigo abstrato
— um partido, um sistema, uma pessoa ou um grupo delas — que é
apontado como o causador desse mal e que seu objetivo é acabar
com o bem e propagar o mal.
Ao apresentar uma causa nobre, e apontar seu adversário como
inimigo dessa causa, essas pessoas criam a sensação de que o mundo
está divido em dois blocos: o bloco do bem e o bloco do mal. Elas,
lógico, são o bloco do bem; os seus adversários, o do mal. Exemplos
dessa técnica podem ser percebidas na história de Stálin e sua luta
contra o capitalismo, de Hittler e sua luta contra os judeus, e, mais
recentemente, de Hugo Chaves e sua luta fictícia contra o
imperialismo yankee.
Essas pessoas nunca admitem nem deixam transparecer que seu
poder vem da criação dessa luta, seja ela fictícia ou real. Ao
contrário, elas fingem que emprestam seu poder para combater esse
“inimigo cruel” que causa esse “grande mal”. E isso não se aplica só a
políticos. Está estampado em toda parte. Num estudo recente, grupos
de homens que viram um anúncio de um automóvel novo ladeado
por duas garotas sedutoras consideraram o carro mais veloz, mais
atraente, mais bem projetado e o avaliaram com um preço superior
ao de outros grupos que viram o mesmo anúncio sem as modelos.
Para evitar esse tipo de manipulação, olhe sempre para o produto
ou para a pessoa e não para a causa na qual se insere. Olhe para o
indivíduo em si, não para o super-herói no qual ele tenta se projetar
por trás de uma causa. Analise suas palavras sem a euforia que elas
provocam. Em vez de se concentrar cegamente na causa proposta,
questione o como, o quando e o porquê dessa causa. O manipulador
nunca terá a resposta para essas questões. Jamais se distraia com a
imagem colorida que as pessoas pintam de si mesmas. Procure por
aquilo que as motiva, pelos interesses escondidos em suas palavras
entusiasmadas e enganadoras.
E se você busca prestígio e liderança, torne-se uma fonte de
prazer e distração para os outros. Acorde, atice e flerte com a
imaginação e a fantasia deles.
Evite ser o tipo realista e racional que lida abertamente com a
dura realidade dos fatos. Jamais cometa o erro de dizer a quem você
quer seduzir, que o sucesso, a riqueza e o prestígio são resultados do
esforço e do trabalho duro, mesmo sabendo que isso é verdade.
Se fizer isso, ninguém se interessará por você. A realidade
geralmente é dura demais, a solução é muito dolorida e as pessoas
não querem lidar com ela. Então, ao contrário, prometa uma
fórmula mágica, uma alquimia que mude tudo de uma hora para
outra. Se fizer isso, você não será apenas prestigiado por elas — será
glorificado. Não se iluda: há enorme reconhecimento e prestígio
esperando por quem consegue mexer com a ilusão e a fantasia das
pessoas.
LEMBRE-SE: os indivíduos raramente acreditam que seus problemas
são fruto de seus próprios erros e da sua própria ignorância. A culpa
sempre é de alguém ou de algo: os outros, a vida, as circunstâncias, a
falta de sorte, a ausência de oportunidades e assim por diante. E se,
na mente deles, a causa vem de fora, a solução também precisa estar
lá fora.
Não tente, portanto, mostrar-lhes a verdade. Eles evitam a
verdade porque ela raras vezes é agradável e prazerosa. Pense nisso!
A maioria de nós deseja mudanças e compreende muito bem a
necessidade de fazê-las. Mas por que não as fazemos? Porque, na
prática, qualquer mudança vai contra nossos hábitos profundamente
estabelecidos. Ela exige uma ruptura traumática na nossa rotina, o
que raramente estamos dispostos a enfrentar.
Portanto, se quer cativar e seduzir os outros, sua promessa de
salvação não deve passar de promessa. Ela até pode ser intangível na
realidade, mas precisa ser perfeitamente palpável na imaginação das
pessoas.
Faça-as sonhar, desejar, serem tentadas por sua promessa, mas
não lhes dê o suficiente para compreendê-la a ponto de quererem
colocá-la em prática. Mantenha a realização delas sempre distante,
não a explique demais, pois isso revelaria os obstáculos que precisam
ser superados para realizá-la e, com isso, a maioria perderia o
interesse por sua ideia.
P “A reputação de generosopode ser um fator positivo.Maso comportamento que lhe
dá essa reputação pode lhe
trazer enormes problemas.”
CAPÍTULO 4
DA QUESTÃO ECONÔMICA —
QUANDO SE DEVE SER GENEROSO
OU SOVINA
DE O PRÍNCIPE
ermita-me começar, então, pela
primeira das duas qualidades
mencionadas: a generosidade.
Preciso dizer que a reputação de generoso
pode ser um fator positivo. Mas o
comportamento que lhe dá essa reputação
pode lhe trazer enormes problemas.
Primeiro, porque se você quiser ser generoso de modo virtuoso,
como se deve ser, terá que exercer a generosidade em silêncio, com
discrição, sem que a sua mão esquerda saiba o que a direita está
fazendo. E, nesse caso, ninguém saberá da sua qualidade e você não
tirará nenhum proveito dela.
Por outro lado, se você quiser ser amplamente conhecido como
generoso, tem de aproveitar todas as oportunidades que aparecem
para mostrar sua generosidade. Se seguir por esse caminho, terá que
gastar muito e, logo, ficará sem recursos.
A partir de então, você precisará escolher um entre dois
caminhos: procurar, a todo custo, manter a fama de generoso ou
“Assim que estiveres
empobrecido, o povo —
inclusive aqueles a quem
serviste com tua generosidade
— perderá o respeito e a
estima por ti.”
abrir mão dela. Se quiser manter sua fama de generoso terá de
sacrificar o povo extraordinariamente, sobretudo os que mais
produzem. Terá que agir com dureza e sem piedade no aumento da
arrecadação de impostos e na criação de novas taxas. Terá que fazer
todo o possível para juntar dinheiro a fim de poder sustentar sua
generosidade.
Isso começará a torná-lo odioso aos
olhos do povo. E, nesse caso, o
empobrecerá. E não tenha dúvida: assim
que estiver empobrecido, o povo, inclusive
aqueles a quem você serviu com sua
generosidade, perderá o respeito e a estima
por você. E tendo sua generosidade trazido
prejuízos a muitos e benefícios a poucos, você começará a sentir os
primeiros revezes na sua liderança.
Ao perceber a falta de recursos e os revezes que a situação lhe
causa você desejará retrair-se e cortar as ações que lhe dão a fama de
generoso e imediatamente se verá rotulado como mentiroso,
enganador e avarento.
Assim, portanto, não podendo fazer uso da generosidade sem
causar prejuízo a si próprio, uma vez no poder, o príncipe, para ser
prudente, não deve se preocupar em buscar a reputação de generoso.
Tampouco, deve se importar caso o rotulem de avarento ou
mesquinho.
Com o tempo, ele poderá demonstrar sua generosidade. Pois sua
rigidez no controle de gastos fará com que acumule recursos que
poderá investir em benefícios para a população e também atrever-se
à construção de obras grandiosas que promovam o desenvolvimento
da comunidade. Tudo sem sacrificar o povo com o aumento da
cobrança de taxas e impostos.
Se agir dessa forma, logo as pessoas verão que ele está sendo
generoso com aqueles dos quais nada tira — que são muitos — e
avarento apenas com aqueles para os quais nada dá — que são
poucos.
2.
As maiores obras, ao longo da história, foram realizadas por aqueles
príncipes considerados avarentos e mesquinhos. Os demais, os que
foram generosos, quase sempre caíram no esquecimento ou
arruinaram-se.
O papa Júlio II, por exemplo, usou a fama de generoso apenas
para alcançar o papado. Uma vez no poder, abriu mão dela
imediatamente, tornando-se severo e rigoroso com as contas do
Estado. Essa medida possibilitou-lhe realizar muitas obras sem
sacrificar o povo com aumentos extraordinários de taxas e impostos.
Outro exemplo foi Felipe II, rei da Espanha. Se fosse generoso, ele
jamais teria conseguido custear as guerras que ampliaram seus
territórios, nem teria sido capaz de levar a cabo as inúmeras obras
que realizou.
Assim sendo, o príncipe — para não ser forçado a roubar seus
súditos e a sobrecarregar o povo com abusivos aumentos de impostos
ou se tornar pobre e digno de desprezo — não deve se importar com
o rótulo de sovina. Ele deve entender que essa é uma virtude
disfarçada em defeito, pois ela lhe dará a possibilidade de fazer uma
grande administração.
3.
É evidente que existem outros exemplos, como o do imperador
romano Júlio César, que ascendeu ao poder em grande parte pela sua
generosidade. É preciso entender que há uma diferença entre estar
no poder e estar a caminho do poder. Em outras palavras: ou já se é
um príncipe ou se está a caminho de sê-lo. No primeiro caso, quando
se está no poder, a generosidade sempre é prejudicial. No segundo,
quando se está a caminho dele, é preciso buscar a fama de generoso.
César era dos que desejavam alcançar o poder em Roma e, por
isso, mostrou-se generoso. Quando assumiu o reino, reduziu
consideravelmente suas atitudes generosas, mesmo porque se tivesse
vivido mais tempo e continuado com as despesas que o elevaram ao
poder teria destruído o império.
Para ser generoso é preciso gastar. Todo recurso precisa vir de
algum lugar. Sendo assim, o príncipe generoso ou gasta do que é seu
e do povo ou o que pertence a outro. No primeiro caso, quando ele
gasta o que é seu, precisa ser muito cauteloso. No segundo, quando
gasta o que é de outrem, precisa esbanjar dinheiro. Porque aquele
que vive de propinas, corrupção e outros crimes tem de distribuir
riquezas; caso contrário, seus comparsas e aliados no crime não
serão coniventes com ele e o entregarão em seus atos na primeira
oportunidade.
Além disso, é muito mais fácil ser generoso com o dinheiro alheio.
Grandes imperadores como Ciro, César e Alexandre foram generosos
nesse sentido. Gastar o dinheiro de outrem, a princípio, não o
prejudica; pelo contrário, aumenta sua fama e reputação. Gastar o
seu próprio, isto sim, é prejudicial.
4.
A essa altura, creio estar claro que não há nada que se destrua mais
depressa do que a generosidade. Pois, com seu uso contínuo, o
sentido de ser generoso vai se perdendo, assim como o próprio
recurso. E sendo generoso, com o tempo, você se torna pobre e
necessitado ou, para escapar da pobreza, corrupto e odioso. E dentre
as situações que um príncipe deve evitar está tornar-se pobre e
necessitado ou corrupto e odioso. E a generosidade costuma levar a
uma ou outra.
Desse modo, é mais prudente ter fama de sovina e mesquinho, o
que acarreta má fama sem ódio, do que, para obter fama de
generoso, ser levado a incorrer também na de desonesto e corrupto, o
que constitui infâmia odiosa e quase sempre imperdoável.
MAQUIAVEL
Capitulo XVI
Da liberalidade e da parcimônia
ANÁLISE
Em psicologia, existe um princípio chamado regra da reciprocidade.
De acordo com essa regra, toda vez que recebemos algo de alguém,
um presente, um convite, um favor etc., sentimo-nos obrigados a
retribuí-lo. Sabendo disso, políticos, dirigentes de empresas,
profissionais liberais, marqueteiros e amigos nos oferecem
estrategicamente sua generosidade sabendo que, lá na frente,
poderão tirar proveito da sensação de obrigação que seu ato generoso
incutiu em nós.
Por isso, a generosidade é uma das armas prediletas daqueles que
ambicionam construir seu poder e sucesso à nossa custa. E não se
engane: quando usada de forma estratégica, ela também é uma das
armas mais poderosas que existem no mundo do poder e da
manipulação.
Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à presidência
do Brasil, disse num programa de televisão:
Lamentavelmente, as pessoas não votam de modo partidário e, lamentavelmente, existe
uma parte da sociedade que, pelo seu alto grau de empobrecimento, é conduzida a
pensar “pelo estômago” e não “pela cabeça”. É por isso que se distribui tanta cesta
básica, é por isso que se distribuem tantos litros de leite; porque isso, na verdade, é
uma peça de troca em época de eleição. E assim se despolitiza o processo eleitoral.
Trata-se o povo mais pobre da mesma forma que Cabral tratou os índios quando
chegou ao Brasil. Assim como ele distribuiu bijuterias e espelhos para ganhar os índios,
os políticos distribuem alimentos. Tem-se como lógica manter a política de dominação
que é secular no Brasil.
No ano seguinte, ao assumir a presidência do país, aproveitando
um programa criado pelo seu antecessorque previa um auxílio a
famílias carentes que mantivessem seus filhos menores regularmente
na escola, Lula implantou um dos maiores sistemas legais de
distribuição de dinheiro para famílias pobres do mundo. Em 2006,
no seu segundo mandato como presidente, Lula, através de seu
governo, distribuía dinheiro mensalmente (uma média de R$ 65 reais
por família) para onze milhões e cem mil famílias, cerca de quarenta
e cinco milhões de pessoas, pouco menos de um quarto da população
brasileira.
O poder vem da capacidade de se fazer parecer maior que os
demais a nossa volta. E a generosidade é uma ferramenta essencial
para criar essa impressão. As pessoas, em geral, são preguiçosas e
avarentas. Elas querem as coisas, mas não desejam pagar o preço
para obter aquilo que desejam. Por isso, aceitam de bom grado
qualquer esmola que cair em suas mãos. Mal sabem elas que não
existe tal coisa como “algo” por “nada”. Tudo tem um preço. E ao
aceitar algo que lhes é oferecido sem que seja exigido nada em troca,
quase sempre elas estão abrindo mão do seu bem mais precioso: a
liberdade.
Por isso, a partir de hoje, ignore e desdenhe tudo que lhe for
oferecido de graça. Se algo vale a pena, pague o preço necessário
para obtê-lo. Lembre-se sempre de que aquilo que lhe é oferecido de
graça, na verdade, não passa de uma armadilha. Tenha certeza de
que, lá na frente, a cobrança virá.
Quem, por exemplo, em troca da promessa de receber algo
gratuito — um vídeo, uma aula, uma palestra, um e-book ou
qualquer outra coisa inútil e desprezível, mas cuidadosamente
ornada para parecer valiosa e exclusiva —, não caiu na armadilha de
cadastrar seu email e, a partir de então, durante anos, passou a ser
bombardeado com mensagens indesejadas? Portanto, nunca esqueça:
nada com valor verdadeiro é distribuído gratuitamente sem que haja
algum tipo de intenção oculta por detrás.
Contudo, se você, por algum motivo, deseja aumentar seu círculo
de influência, use a generosidade com inteligência. Se conseguir fazer
com que sua isca pareça especial, sempre encontrará um número
suficiente de otários que cairão com tremenda facilidade na sua
armadilha.
Há, entretanto, dois cuidados que você precisa tomar:
1. Nunca pratique a generosidade por tempo demasiado com as mesmas
pessoas.
2. Tampouco pratique-a deliberadamente com todos.
No primeiro caso, o valor da ação diminui com o tempo, na
medida em que os indivíduos vão se acostumando com ela. No
segundo, ela não tem muito valor porque deixa de ter a impressão de
algo notável e exclusivo. As pessoas são egoístas e costumam
responder com mais entusiasmo àquilo que as coloca acima das
demais.
P
CAPÍTULO 5
DA CRUELDADE E DA PIEDADE — SE
É PREFERÍVEL SER AMADO OU
TEMIDO
DE O PRÍNCIPE
rosseguindo na análise das qualidades necessárias para
conquistar o poder e manter-se nele, tenho a afirmar que o
príncipe sempre deve buscar a fama de piedoso, e não de
inflexível, insensível e cruel. Contudo, ele deve ter extremo cuidado
em como empregar essa piedade.
O duque e cardeal César Bórgia, filho do papa Alexandre VI, era
visto como um homem frio e cruel. Entretanto, sua frieza e crueldade
o ajudaram a reerguer a Romanha, a uni-la e restaurar a paz e a
esperança.
Qualquer pessoa que analise realisticamente as conquistas de
César Bórgia verá que ele foi mais piedoso do que o povo de
Florença, que, para evitar a fama de cruel, permitiu que Pistoia fosse
destruída.
Se a reputação de duro e insensível conservar sua equipe unida e
próspera, o príncipe não deverá se importar muito com ela. Porque,
mesmo sendo duro, com raras e pequenas exceções, ele é mais
piedoso do que aquele que, por excesso de tolerância, permite que
surjam desordens, das quais podem se originar indisciplina,
desrespeito e insegurança.
É preciso levar em conta que essas turbulências prejudicam todo
o povo, conquanto as execuções severas e frias de um príncipe
intolerante ofendam pequenos grupos, ou mesmo, em muitos casos,
um só indivíduo.
Sendo assim, dentre todos, aquele que recém conquistou o poder
é o que menos pode prescindir da fama de inflexível e intolerante.
Quanto mais novo, frágil e inseguro é o mestre, maior é a liberdade
do discípulo. O mesmo se repete em todos os setores. Sempre que se
percebe que o príncipe age com indecisão e insegurança, emergem
grupos de sabotadores e traidores que não hesitarão em expor sua
liderança a infâmia e desordens. Daí a necessidade de ter fama de
duro e insensível.
Como diz o poeta romano Virgílio, no poema Eneida, através da
boca de Dido, rainha de Cartago: “A dura condição das coisas e o fato
mesmo de ser recente o meu reinado obrigam-me ao rigor e à
precaução, exigindo-me a fortificar as fronteiras”.
Por outro lado, o líder nunca deve confiar em boatos e agir com
base neles. Tampouco ser precipitado ou assustar-se com os próprios
pensamentos e se retrair. É preciso que ele aja com equilíbrio e
prudência — para que a confiança exagerada não o torne
desatencioso e a desconfiança excessiva não o faça suspeitar de todos
e de tudo tornando-se intolerável.
2.
Uma vez dito isso, surge a dúvida: é melhor ser amado que temido ou
o contrário?
A minha resposta é que o certo seria ser as duas coisas.
Entretanto, como é difícil uma única pessoa reunir as qualidades
“As pessoas, em geral, são
ingratas, dissimuladas, fogem
dos perigos e querem tirar
vantagem de tudo por causa
de suas ambições pessoais.”
“As amizades que nascem da
troca de benefícios são
estruturadas em interesses, e
não na nobreza de caráter,
como deveria de ser.”
para provocar esses dois sentimentos ao mesmo tempo, se tiver que
escolher entre os dois, é muito melhor ser temido do que amado.
A razão disso é que as pessoas, em
geral, são ingratas, volúveis, dissimuladas,
covardes e querem tirar vantagem em tudo
por causa de suas ambições financeiras.
Enquanto você lhes fizer o bem, elas
estarão inteiramente a seu lado, oferecendo
seu sangue, suas posses, sua vida, seus filhos e tudo o que têm. No
momento em que você precisar delas, elas lhe virarão as costas e se
juntarão aos seus rivais.
Sendo assim, o príncipe que confiar inteiramente nas palavras
daqueles ao seu redor, sem tomar nenhum outro tipo de precaução,
facilmente se verá diante da sua própria ruína.
Isso porque as amizades que nascem da troca de benefícios são
estruturadas em interesses, e não na nobreza de caráter, como
deveria de ser. Esse tipo de amizade é comprada e não se pode contar
com ela no momento preciso. Tais amizades até podem servir por um
tempo ou em certas circunstâncias, mas nunca serão seguras.
As pessoas hesitam menos em ofender
aqueles que amam do que aqueles que
temem. Isso acontece porque o amor é
conservado por laços de obrigação. Como
os seres humanos são infiéis sempre que
lhes apraz, esses laços tendem a ser
rompidos assim que surge a menor ameaça aos interesses próprios.
Por outro lado, o temor é conservado pelo medo da perda e do
castigo, sentimentos mais fortes e com os quais as pessoas quase
nunca falham.
Outra razão pela qual é preferível ser temido a ser amado é que
se tornar amado depende muito da vontade do povo e de seus
subordinados, enquanto se fazer temido depende tão só das atitudes
“Pessoas sempre hesitam
menos em ofender aqueles a
que amam do que aqueles a
que temem.”
do príncipe. E aquele que souber agir com
sabedoria colocará seu objetivo no que
depende de si, e não no que está nas mãos
dos outros.
3.
É preciso, contudo, que o príncipe tenha o extremo cuidado de
tornar-se temido de tal modo que, mesmo que não seja amado,
também não se torne odiado. Afinal, uma pessoa pode muito bem ser
temida sem ser odiada. Isso tende a acontecer sempre que o príncipe
não tentar se apropriar dos bens dos cidadãos e de seus súditos.
Muitos tentam fazer isso com discrição. Eles tiram proveito de
estratégias dissimuladas, como o aumento de impostos, saques,
multas, taxas indevidas e até mesmo o corte de benefícios prometidos
ou legalmente conquistados. Essas ações costumam torná-lo odiado.
Pois as pessoas esquecem maisrápido a morte do pai do que a perda
de sua herança.
Por isso, é preciso estar atento. Uma vez no poder, um príncipe
sempre encontrará pretextos para colocar a mão no que é dos outros,
e aquele que começa a viver de propinas e corrupção acaba sempre
encontrando motivos e circunstâncias para fazê-lo. Até que seja
descoberto e arruinado.
4.
Dois exemplos ilustram muito bem o que estamos afirmando: o
primeiro é Aníbal, general cartaginês que comandou os exércitos de
Cartago contra Roma, considerado um dos maiores estrategistas
militares de toda a história. O exército de Aníbal era muito
numeroso, composto de homens de todas as nacionalidades e idades
que lutavam em terras alheias. Contudo, jamais surgiu nenhuma
disputa entre as tropas.
Aníbal era um homem de inúmeras virtudes que o tornaram
venerado e temido pelos seus soldados. Entretanto, apesar de todas
essas virtudes, o motivo pelo qual ele conseguia manter a ordem e o
respeito entre os seus soldados deve ser atribuído unicamente a sua
frieza quase inumana. Prova disso é que, ao se referirem à frieza de
Aníbal, os historiadores mais comedidos contentam-se em admirar e
elogiar essa sua qualidade, ao passo que outros atribuem a ela todos
os triunfos que o general alcançou.
5.
O segundo exemplo é Cipião, general romano que lutou contra as
tropas de Aníbal. Cipião era um homem extraordinário. E isso não
apenas no seu tempo, mas também na memória dos fatos que a
história registra.
Apesar de todas as suas virtudes, porém, Cipião não conseguiu os
mesmos feitos de Aníbal em relação a suas tropas e viu seus exércitos
se revoltarem contra ele na Espanha. Se analisarmos os motivos que
o levaram a esse fracasso, veremos que seu erro foi a excessiva
bondade com que tratava seus soldados, a quem dava mais liberdade
do que convinha à disciplina militar. Quando, por exemplo, um
tenente de suas tropas saqueou um inimigo indevidamente,
comportamento inadmissível até mesmo para a época, Cipião se
mostrou conivente. Nem mesmo o reprimiu. Atitudes assim
contagiavam os demais soldados, servindo de mau exemplo e criando
indisciplina entre as tropas. E tudo isso era resultado da insolência
que brotava por conta do caráter bondoso de Cipião. Por esse motivo,
ele foi severamente advertido no senado por Fábio Máximo, que o
tachou de corruptor da milícia romana. Outro senador, falando em
defesa de Cipião, referiu-se a ele dizendo que “existem homens que
preferem não errar a corrigir erros alheios”.
Sobre se é melhor ser temido ou amado, concluo, portanto, que o
príncipe sábio deve amar os outros como quer ser amado e, sendo
temido por eles como quer, deve firmar-se no que é seu, e não no que
pertence aos outros, evitando apenas o ódio dos cidadãos e súditos,
como disse.
MAQUIAVEL
Capítulo XVII
Da crueldade e da piedade – se é preferível
ser amado ou temido
ANÁLISE
A vida é uma longa e constante batalha que precisa ser combatida
todos os dias. Essa é a realidade inevitável de todas as espécies em
sua luta pela sobrevivência. E não é diferente para o ser humano.
Felizmente, a maioria de nós não vê mais os campos sangrentos das
refregas de outrora, mas isso não quer dizer que as guerras tenham
acabado. Hoje, a luta é em outro nível. As estratégias, agora, se
voltam para a conquista da nossa mente. A ameaça é contra nossas
fraquezas psicológicas.
Em todos os setores existem indivíduos e empresas que não
medirão consequências para conquistar e assegurar sua posição no
topo. A concorrência entre pessoas, companhias e organizações é
uma guerra aberta. E não se iluda: o mundo está repleto de pessoas
inescrupulosas que tentarão nos usar como objetos para conquistar o
que elas querem. Se não estivermos atentos e não tomarmos alguns
cuidados, seremos sutilmente seduzidos a incorrer em erros e cair
em armadilhas que podem nos custar décadas de trabalho.
Tome cuidado com aqueles que agem com simpatia e amizade na
sua frente, mas o sabotam e o combatem quando você vira as costas.
Ou com aqueles que, ainda mais dissimulados, lhe oferecem apoio e
suporte em promessas que nunca serão cumpridas, só para iludi-lo e,
na hora certa, puxar seu tapete.
A cultura talvez negue essa realidade e promova uma sociedade
generosa e pacífica fingindo que tudo está bem. Mas, no fundo, cada
um sente o peso da realidade como ela é. No palco, tudo parece em
paz e sob controle, mas atrás das cortinas, cada um está por si só,
acanhado e com medo.
E PIOR: os ataques não acontecem apenas entre estranhos, mas
também entre amigos, familiares e casais. Seu próximo inimigo pode
ser um cliente, um sócio, um chefe, um comprador, um funcionário,
um colega, um amigo, um namorado ou um cônjuge. É bom estar
preparado. Aqueles altamente sedutores, não raras vezes, são os mais
dissimulados e manipuladores, capazes de fazer qualquer coisa para
enganá-lo e tirar o máximo de vantagens possível da relação.
Não desdenhe desses riscos tentando ser o tipo “pensamento
positivo”. As consequências de um cochilo podem ser intoleráveis
para quem pensa assim.
ENTENDA: a verdade é que somente uma minoria pode vencer no
jogo da vida. E mesmo que você tenha chegado ao topo com
honestidade e integridade, o simples fato de estar no topo,
inevitavelmente, despertará a inveja daqueles ao seu redor. E aqueles
que mais o atacarão não serão os estranhos, mas o seu círculo mais
íntimo: amigos, familiares e colegas, gente que você deixou para trás.
O sentimento de inferioridade diante do seu sucesso os machucará,
os fará sentirem-se incapazes e, uma vez feridos, a inveja costuma
ser a única saída.
Quando você despertar a inveja em alguém, tenha cuidado, pois
tudo o que você fizer estimulará ainda mais esse sentimento. Aos
poucos, essa pessoa não suportará mais manter esse rancor
escondido e começará a espalhar o veneno contra você. E pior: ela
não fará isso abertamente, mas de maneira oculta, em geral, por trás
de uma máscara complacente e amorosa.
Por isso, não se agarre em promessas de amor e amizade eternas
e acima de qualquer suspeita. Ame, rodeie-se de amigos e seja leal,
mas mantenha-se atento. Tenha uma postura firme, baseada, acima
de tudo, no respeito mútuo.
Sua postura é importantíssima, porque ela afetará diretamente a
forma como você será tratado pelos demais. Uma postura vulgar e
desleixada, que não inspira segurança e autoridade, fará com que as
pessoas não o respeitem da maneira apropriada. Por isso, um líder,
primeiro, deve aprender a liderar a si próprio. Isso lhe conferirá
respeito sobre si mesmo, o que faz com que ele inspire o mesmo
respeito nos outros. Ao agir como um líder, confiando em seu poder
de liderança, você será visto pelos demais como um líder e será
respeitado como tal.
Sendo assim, nunca permita-se perder o autorrespeito. Faça com
que a integridade seja seu único parâmetro de comportamento e
esteja mais preocupado com seu próprio julgamento sobre si mesmo
do que com o julgamento alheio. Evite condutas impróprias por
respeito próprio, e não por causa das convenções sociais. Tenha
admiração por si mesmo e verá que não irá precisar implorá-la aos
outros. Nunca demostre dúvida nem abra mão de sua dignidade.
Faça com que suas ações sejam dignas de um grande líder. Seja
sublime em seus pensamentos e obras e todas as suas atitudes
mostrarão que você merece ser um líder forte e poderoso, mesmo
que ainda não ocupe oficialmente tal posto.
A partir de hoje, então, lembre-se de que você possui o poder de
definir seu próprio valor no mercado. Saiba que sua postura, suas
atitudes e seu comportamento evidenciam o que você pensa sobre si
próprio. Se você se humilha, mostra insegurança, timidez e se é
medroso, as pessoas deduzirão automaticamente que essas atitudes
refletem a essência de seu caráter. E elas lhe definirão por isso e, não
raras vezes, cairão sobre você como abutres, sugando-o o máximo
que puderem.
Não as condene por isso. Essa é, infelizmente, parte essencial da
natureza humana. Apenas atente-se para o seguinte detalhe
importante: a conclusão dessas pessoas não é resultado daquilo

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