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1	
  
	
  	
  
LÓGICA,	
  ESTRUTURAS	
  E	
  
TEORIAS	
  FÍSICAS	
  	
  Newton	
  C.	
  A.	
  da	
  Costa	
  Décio	
  Krause	
  	
  Grupo	
  de	
  Estudos	
  em	
  Lógica	
  e	
  Fundamentos	
  da	
  Ciência	
  Departamento	
  de	
  Filosofia	
  Universidade	
  Federal	
  de	
  Santa	
  Catarina	
  	
  (Junho	
  2011)	
  	
  	
  
1.	
  Ciência	
  e	
  matemática	
  Uma	
   das	
   coisas	
   para	
   as	
   quais	
   os	
  cientistas	
   em	
   geral	
   não	
   dão	
   atenção	
  pormenorizada	
   na	
   sua	
   atividade	
   são	
   a	
  lógica	
   e	
   a	
   matemática	
   subjacentes	
   às	
  teorias	
   que	
   desenvolvem	
   ou	
   utilizam.	
  Nada	
   mais	
   natural	
   que	
   isso	
   seja	
   assim,	
  pois	
   se	
   um	
   físico,	
   um	
   biólogo	
   ou	
   um	
  engenheiro	
   tivesse	
   que	
   dar	
   atenção	
   a	
  esses	
   tópicos,	
   provavelmente	
   não	
   teria	
  tempo	
  para	
  desenvolver	
  a	
  sua	
  disciplina.	
  Mas,	
  por	
  que	
  esses	
   itens	
  são	
  relevantes,	
  e	
   para	
   que	
   tipo	
   de	
   discussão?	
   Para	
  delinearmos	
  essas	
  questões,	
  vejamos	
  de	
  que	
   forma	
   a	
   lógica	
   e	
   a	
   matemática	
  entram	
  em	
  algumas	
  discussões	
  sobre	
  os	
  fundamentos	
   da	
   ciência,	
   enfatizando	
   o	
  papel	
   das	
   estruturas	
   matemáticas	
   na	
  sistematização	
   das	
   disciplinas	
  científicas.	
  	
  Suponha	
   que	
   desejamos	
  investigar	
   um	
   domínio	
   	
   do	
  conhecimento	
   que	
   chamaremos	
   de	
   D,	
  nas	
   ciências	
   empíricas,	
   humanas	
   ou	
  formais	
   (em	
   princípio,	
   o	
   que	
   diremos	
  aplica-­‐se	
   a	
   todas	
   essas	
   áreas,	
   mas	
   nos	
  restringiremos	
  à	
  física).	
  	
  Para	
  abordar	
  D,	
  selecionamos,	
   a	
   partir	
   de	
   nossa	
  experiência,	
   conhecimentos	
   prévios,	
  intuição,	
   o	
   que	
   quer	
   que	
   seja,	
   uma	
  coleção	
   de	
   conceitos	
   que,	
   em	
   nossa	
  opinião,	
   refletem	
   o	
   que	
   se	
   passa	
   em	
   D.	
  Por	
  exemplo,	
   em	
   física	
   clássica	
   fazemos	
  uso	
   de	
   conceitos	
   como	
   força,	
   energia,	
  
massa	
   (de	
   um	
   corpo);	
   em	
   biologia,	
  fazemos	
   uso	
   de	
   conceitos	
   como	
   gene,	
  organismo,	
   mutação,	
   espécie,	
   etc.	
   Fatos	
  similares	
   se	
   dão	
   com	
   as	
   demais	
   áreas.	
  	
  Do	
   ponto	
   de	
   vista	
   dos	
   fundamentos	
   da	
  ciência,	
   esses	
   conceitos	
   podem	
   ser	
  organizados	
  na	
   forma	
  de	
  uma	
  estrutura	
  
matemática,	
   que	
   designaremos	
  genericamente	
  por	
  E,	
  a	
  qual	
  postulamos	
  capta	
   aspectos	
   de	
   D	
   de	
   acordo	
   com	
  nossa	
  opinião.	
  	
  Por	
  exemplo,	
  uma	
  sistematização	
  simplificada	
   da	
   mecânica	
   clássica	
   de	
  partículas,	
   MCP,	
   (seguindo	
   a	
   linha	
  proposta	
  por	
  McKinsey,	
  Sugar	
  e	
  Suppes	
  em	
   1953),	
   (Quadro	
   4)	
   pode	
   ser	
  alcançada	
   a	
   partir	
   dos	
   conceitos	
   de	
  
partícula	
   (ou	
   `ponto	
   material’),	
   massa	
  (de	
   uma	
   partícula),	
   posição	
   de	
   uma	
  partícula	
   em	
   um	
   instante	
   de	
   tempo,	
  	
  
forças	
   (que	
   atuam	
   sobre	
   uma	
   partícula	
  em	
  um	
  determinado	
  instante	
  de	
  tempo),	
  e	
   de	
   um	
   intervalo	
   T	
   de	
   números	
   reais,	
  que	
  desempenha	
  o	
  papel	
  de	
  intervalo	
  de	
  
tempo.	
   Uma	
   força	
   que	
   age	
   sobre	
   uma	
  partícula	
  p	
  no	
  instante	
  t	
  é	
  denotada	
  por	
  
fi(p,t),	
   o	
   negrito	
   indicando	
   que	
   se	
   trata	
  de	
   uma	
   grandeza	
   vetorial,	
   o	
   índice	
   i	
  meramente	
  nomeia	
  a	
  força	
  particular.	
  	
  	
   Para	
   desenvolvermos	
   uma	
  abordagem	
   axiomática	
   a	
   uma	
   teoria	
  como	
   a	
   MCP,	
   devemos	
   inicialmente	
  especificar	
   em	
   que	
   arcabouço	
  matemático	
   (e	
   lógico)	
   estaremos	
  operando,	
  mas	
  voltaremos	
  a	
   este	
  ponto	
  na	
  seção	
  2.	
  	
  Por	
  enquanto,	
  fazemos	
  notar	
  que	
  nossa	
  estrutura	
  pode	
  ser	
  escrita	
  na	
  forma	
   de	
   uma	
   quíntupla	
   ordenada	
   E	
   =	
  (P,	
  T,	
  m,	
  s,	
   f),	
   sendo	
  P	
   um	
  conjunto	
  não	
  vazio	
  e	
  finito	
  (o	
  conjunto	
  das	
  partículas),	
  
T	
   um	
   intervalo	
   da	
   reta	
   real,	
   e	
   m	
   uma	
  função	
   que	
   associa	
   um	
   número	
   real	
  positivo	
  a	
  cada	
  elemento	
  de	
  P,	
  de	
  forma	
  que	
  m(p)	
  denota	
  a	
  massa	
  da	
  partícula.	
  A	
  posição	
   de	
   uma	
   partícula	
   p	
   em	
   um	
  instante	
   de	
   tempo	
   t	
   é	
   dado	
   por	
   uma	
  função	
  vetorial	
  s(p,t),	
  que	
  é	
  um	
  vetor	
  no	
  espaço	
   euclidiano	
   R3	
   (o	
   negrito	
   indica	
  que	
  s	
  é	
  também	
  uma	
  função	
  vetorial).	
  À	
  
	
   2	
  
medida	
   em	
   que	
   t	
   varia	
   em	
   T,	
   s(p,t)	
  descreve	
   uma	
   curva	
   no	
   espaço	
   R3,	
   que	
  representa	
   a	
   trajetória	
   da	
   partícula	
   no	
  período	
   de	
   tempo	
   considerado	
   (Figura	
  1).	
   Esses	
   conceitos	
   são	
   sujeitos	
   a	
  determinados	
  postulados,	
  que	
  nos	
  dão	
  o	
  seu	
   caráter	
   operacional;	
   em	
   síntese,	
   os	
  postulados	
   são	
   os	
   seguintes:	
   (1)	
   a	
  função	
   s(p,t)	
   é	
   duplamente	
  diferenciável,	
   ou	
   seja,	
   para	
   toda	
  partícula	
  p,	
  podemos	
  obter	
  as	
  derivadas	
  em	
   relação	
   ao	
   tempo	
   (em	
   notação	
  simplificada)	
   ds/dt	
   	
   e	
   d2s/dt2,	
   as	
   quais	
  representam,	
   respectivamente,	
   a	
  velocidade	
  v(p,t)	
  e	
  a	
  aceleração	
  a(p,t)	
  da	
  partícula	
   p	
   no	
   instante	
   t;	
   (2)	
   a	
   série	
  
∑i=1,2,...	
   fi(p,t)	
   é	
   absolutamente	
  convergente,	
   ou	
   seja,	
   mesmo	
   que	
   haja	
  uma	
  infinidade	
  de	
  forças,	
  a	
  soma	
  é	
  finita	
  e	
  independe	
  da	
  ordem	
  em	
  que	
  as	
  forças	
  são	
   consideradas.	
   	
   O	
   fato	
   de	
   s	
   ser	
  duplamente	
   diferenciável	
   garante	
   que	
  haja	
   sentido	
   falar	
   em	
   trajetória,	
   como	
  fizemos	
   acima.	
   Finalmente	
   (em	
   nosso	
  esquema	
   abreviado),	
   o	
   postulado	
   (3),	
  que	
  é	
  a	
   famosa	
  Segunda	
  Lei	
  de	
  Newton,	
  a	
   saber,	
   força	
   é	
   igual	
   a	
   massa	
   vezes	
  aceleração,	
  ou	
  seja,	
  ∑i=1,2,...	
  fi(p,t)	
  =	
  m(p).	
  
a(p,t).	
  	
  	
   A	
  partir	
  desse	
  esquema,	
  podemos	
  introduzir	
   por	
   definição	
   vários	
   outros	
  conceitos	
   que	
   nos	
   auxiliam	
   a	
  desenvolver	
   nossa	
   versão	
   da	
   referida	
  mecânica,	
   como	
   os	
   de	
   energia	
   cinética,	
  
energia	
   potencial,	
   dentre	
   outros.	
   Para	
  grande	
  parte	
  das	
  aplicações,	
  é	
  adequado	
  estender	
   o	
   esquema	
   acima	
   de	
   forma	
   a	
  incorporarforças	
   internas,	
   que	
   as	
  partículas	
  exercem	
  uma	
  sobre	
  as	
  outras,	
  e	
   forças	
   externas,	
   que	
   agem	
   sobre	
   as	
  partículas	
   do	
   sistema,	
   tendo	
   origem	
  (como	
   o	
   nome	
   sugere)	
   externa	
   ao	
  sistema.	
   A	
   estes	
   novos	
   conceitos	
   são	
  impostas	
   outras	
   condições,	
   seja	
   por	
  axiomas	
   adicionais,	
   seja	
   por	
   meio	
   de	
  definições,	
   as	
   quais	
   podem,	
   por	
  exemplo,	
   representar	
   as	
   demais	
   leis	
   de	
  Newton.	
   A	
   mecânica	
   que	
   se	
   obtém,	
  muito	
   propriamente,	
   denomina-­‐se	
   de	
  
mecânica	
  de	
  partículas	
  newtoniana.	
  Após	
  esta	
   breve	
   discussão,	
   que	
   certamente	
   o	
  leitor	
   pode	
   transportar	
   para	
   outras	
  áreas	
   e	
   teorias,	
   faremos	
   algumas	
  observações	
  acerca	
  dos	
  fundamentos.	
  	
  	
  
2.	
  	
  Questões	
  de	
  fundamentos	
  
	
   A	
  primeira	
  coisa	
  a	
  observar	
  é	
  que	
  não	
  é	
  possível	
  sistematizar	
  um	
  corpo	
  do	
  conhecimento	
   por	
   meio	
   de	
   uma	
   teoria	
  física	
   como	
   a	
   MCP	
   sem	
   o	
   recurso	
   da	
  matemática.	
   Com	
   efeito,	
   na	
  esquematização	
   acima	
   fizemos	
   uso	
   das	
  noções	
  de	
  conjuntos,	
   funções,	
  derivadas	
  e	
   de	
   várias	
   outras	
   coisas.	
   É	
   preciso	
  reparar	
   ademais	
   que	
   o	
   modelo	
  matemático	
   elaborado	
   (que	
  usualmente	
  chamamos	
   de	
   teoria)	
   trata	
   de	
   apenas	
  alguns	
   aspectos	
   de	
   uma	
   parcela	
   da	
  realidade.	
   Se	
   quiséssemos	
   tratar	
   de	
  outras	
  porções,	
  por	
  exemplo	
  levando	
  em	
  conta	
  colisões	
  entre	
  partículas,	
  teríamos	
  que	
   elaborar	
   um	
   modelo	
   bem	
   mais	
  sofisticado	
   que	
   levasse	
   em	
   conta	
  deformações	
   e	
   outros	
   conceitos,	
  adentrando	
   no	
   que	
   se	
   denomina	
   de	
  
mecânica	
   do	
   contínuo.	
   O	
   mesmo	
   vale	
  para	
   os	
   demais	
   domínios	
   sob	
  investigação:	
   se	
   levarmos	
   em	
   conta	
  aspectos	
   relativísticos,	
   ou	
   quânticos,	
  teremos	
   que	
   assumir	
   estruturas	
  diferentes,	
   algumas	
   de	
   extrema	
  sofisticação.	
   	
   Isso	
   aponta	
   para	
   uma	
  primeira	
   tese	
   que	
   defendemos:	
   no	
  momento,	
  não	
  há	
  teoria	
  física	
  universal,	
  que	
   se	
   aplique	
   a	
   todos	
   os	
   domínios	
  irrestritamente.	
   Isso	
   não	
   implica	
   que	
  uma	
   tal	
   teoria	
   unificada	
   não	
   possa	
   ser	
  encontrada,	
   mas	
   no	
   esquema	
   atual	
   as	
  teorias	
   científicas	
   são	
   elaboradas	
   para	
  atacar	
   questões	
   específicas,	
   e	
   quando	
  mudamos	
   de	
   campo	
   de	
   atividade	
   ou	
  quando	
   nosso	
   conhecimento	
   evolui,	
   via	
  de	
   regra	
   somos	
   convidados	
  a	
  mudar	
  de	
  teoria.	
  	
  Mas,	
   se	
   usamos	
   alguma	
  matemática,	
   como	
   sabemos	
   que	
   os	
  conceitos	
   que	
   necessitamos	
   estão	
  
	
   3	
  
realmente	
   ao	
   nosso	
   dispor?	
   É	
   aqui	
   que	
  aparece	
  o	
  sentido	
  de	
  nossa	
  frase	
  inicial;	
  o	
  cientista	
  em	
  geral	
  age	
  como	
  se	
  `tudo’	
  o	
  que	
   ele	
   necessita	
   estivesse	
   	
   ao	
   seu	
  alcance.	
  Isso	
  é	
  verdade	
  em	
  certo	
  sentido,	
  mas	
   depende	
   de	
   hipóteses	
  extremamente	
   fortes.	
   Ainda	
   que	
   em	
  certas	
   situações	
   pudéssemos	
   utilizar	
  uma	
  lógica	
  de	
  ordem	
  superior	
  (como	
  fez	
  Carnap)	
  ou	
  a	
   teoria	
  das	
   categorias	
  para	
  fundamentar	
   nossas	
   disciplinas	
  científicas,	
   sem	
   perda	
   de	
   generalidade	
  podemos	
   assumir	
   que	
   trabalhamos	
   em	
  uma	
   teoria	
   de	
   conjuntos,	
   como	
   a	
   teoria	
  Zermelo-­‐Fraenkel,	
   ZF	
   (Quadro	
   2).	
  Porém,	
   se	
   ZF	
   for	
   axiomatizada	
   como	
  uma	
   teoria	
   de	
   primeira	
   ordem,	
   sendo	
  consistente,	
   	
   terá	
   modelo	
   enumerável	
  (como	
   resulta	
   de	
   um	
   teorema	
   célebre,	
  chamado	
   de	
   Teorema	
   de	
   Löwenheim-­‐Skolem).	
   Ora,	
   neste	
  modelo,	
   aquilo	
   que	
  representa	
   o	
   conjunto	
   dos	
   números	
  reais	
  será	
  finito	
  ou	
  enumerável.	
  Mas	
  em	
  ZF	
   prova-­‐se	
   que	
   o	
   conjunto	
   dos	
   reais	
  não	
   é	
   enumerável	
   (teorema	
  de	
  Cantor).	
  Esta	
  questão,	
  conhecida	
  como	
  `paradoxo	
  de	
   Skolem’,	
   tem	
   uma	
   solução	
   simples,	
  que	
  se	
  resume	
  em	
  reconhecer,	
  como	
  fez	
  o	
  próprio	
  Skolem,	
  que	
  a	
  bijeção	
  entre	
  os	
  conjuntos	
  dos	
   reais	
   e	
  dos	
  naturais	
   (que	
  atestaria	
   a	
   enumerabilidade	
   dos	
   reais)	
  não	
   pertence	
   ao	
   modelo	
   enumerável,	
  estando	
   `fora’	
   dele	
   (Quadro	
   1).	
   O	
   que	
  importa	
   aqui	
   é	
   que,	
   usando	
   uma	
   teoria	
  como	
   ZF,	
   na	
   verdade	
   não	
   sabemos	
   em	
  que	
   `modelo’	
   estamos	
   trabalhando	
   e,	
  assim,	
   de	
   certo	
   modo,	
   com	
   o	
   que	
  estamos	
  contando,	
  pois	
  nada	
  indica	
  que	
  não	
  estamos	
  fazendo	
  física,	
  por	
  exemplo,	
  a	
   partir	
   do	
   modelo	
   enumerável	
   de	
   ZF.	
  	
  Deste	
  modo,	
  em	
  certo	
  sentido,	
  podemos	
  afirmar	
   que,	
   ao	
   fazermos	
   ciência	
   (em	
  particular,	
  matemática),	
  nunca	
  sabemos	
  do	
   que	
   estamos	
   falando:	
   falamos	
   de	
  conjuntos	
   enumeráveis	
   ou	
   não	
  enumeráveis?	
   Qual	
   a	
   noção	
   de	
   infinito	
  que	
   estamos	
   utilizando?	
   Se	
   usamos	
   as	
  noções	
   de	
   espaço	
   e	
   tempo	
   em	
   física,	
   e	
  fazemos	
   isso	
   necessariamente,	
   seja	
  
assumindo	
   alguma	
   estrutura	
   espaço-­‐temporal,	
   seja	
   introduzindo-­‐a	
   de	
   algum	
  modo,	
   tratam-­‐se	
   do	
   espaço	
   e	
   do	
   tempo	
  newtonianos,	
   típicos	
   das	
   mecânicas	
  clássica	
   e	
   quântica	
   (não-­‐relativista),	
   ou	
  trata-­‐se	
   do	
   espaço-­‐tempo	
   relativista?	
  (Quadro	
   6)	
   Estas	
   são	
   algumas	
   questões	
  que	
   qualquer	
   análise	
   filosófica	
   sobre	
   a	
  ciência	
  deveria	
  responder.	
  	
  Por	
   outro	
   lado,	
   digamos	
   que	
  nossa	
  concepção	
  filosófica	
  nos	
  leve	
  a	
  um	
  intuicionismo	
   ao	
   estilo	
   de	
   Brouwer	
  (Quadro	
   3).	
   Se	
   for	
   assim,	
   deveremos	
  erigir	
   nossa	
   matemática	
   dentro	
   deste	
  espírito,	
   e	
   isso	
   nos	
   conduziria	
   a	
   uma	
  visão	
  científica	
  completamente	
  diferente	
  daquela	
   que	
   teríamos	
   se	
   assumíssemos	
  a	
  matemática	
  e	
  a	
  lógica	
  usuais.	
  Portanto,	
  em	
   se	
   tratando	
   de	
   fundamentos,	
  devemos	
   indicar	
   qual	
   a	
   matemática	
   e	
  qual	
   a	
   lógica	
   estamos	
   assumindo	
   para	
  começar	
   a	
   discussão.Ademais,	
   digamos	
  que	
   estejamos	
   assumindo	
   a	
   lógica	
  chamada	
  de	
  clássica.	
  Ora,	
  não	
  há	
  a	
  lógica	
  clássica,	
   e	
   quando	
   se	
   fala	
   nesta	
   lógica	
  sem	
   qualificação,	
   não	
   se	
   tem	
   em	
  princípio	
   ideia	
  de	
  qual	
  particular	
   teoria	
  se	
   trata:	
   trata-­‐se	
   da	
   lógica	
   elementar	
  usual?	
   Podemos	
   assumir	
   que	
   ela	
  incorpora	
   uma	
   teoria	
   de	
   conjuntos?	
  Questões	
  como	
  essas,	
  em	
  se	
  tratando	
  de	
  fundamentos	
  da	
  ciência,	
  são	
  relevantes	
  e	
  não	
   são	
   fáceis	
   de	
   ser	
   respondidas.	
  Outras	
  serão	
  vistas	
  na	
  sequência.	
  	
  	
   Mas	
  voltemos	
  à	
  nossa	
  estrutura	
  E	
  para	
   a	
   MCP	
   vista	
   acima.	
   A	
   própria	
  terminologia	
   “mecânica	
   clássica	
   de	
  partículas”	
  denota	
  aqui	
   coisas	
  distintas:	
  primeiro,	
   uma	
   particular	
   estrutura	
   que	
  obtemos	
   quando	
   especificamos	
   o	
   que	
  seriam	
   as	
   entidades	
   envolvidas	
   (por	
  exemplo,	
   P	
   representa	
   o	
   sol	
   e	
   seus	
  planetas,	
   etc.);	
   depois,	
   uma	
   classe	
   de	
  estruturas	
   que	
   congrega	
   todas	
   as	
  “mecânicas	
  clássicas	
  de	
  partículas”,	
  uma	
  
espécie	
   de	
   estruturas,	
   como	
   se	
   diz	
  tecnicamente.	
   Por	
   fim,	
   a	
   expressão	
  denota	
   também	
   a	
   teoria	
   dessa	
   espécie	
  de	
   estruturas,	
   que	
   podemos	
   supor	
   ser	
  
	
   4	
  
axiomatizada	
  de	
  modo	
   a	
   que	
  E	
   venha	
   a	
  ser	
   um	
   	
   modelo	
   dos	
   axiomas	
  selecionados.	
   Uma	
   estrutura	
   como	
   E	
   é	
  elaborada	
   inicialmente	
   tendo-­‐se	
   em	
  vista	
   um	
   particular	
   domínio	
   que	
  desejamos	
   investigar,	
   mas	
   depois	
   ela	
  pode	
   servir	
   para	
   aproximar	
   outras	
  `realidades’.	
   Ou	
   seja,	
   E,	
   que	
   é	
   a	
  contraparte	
   matemática	
   da	
   chamada	
  teoria	
  da	
  mecânica	
  clássica	
  de	
  partículas	
  mencionada	
  acima,	
  mas	
  nada	
  diz	
  de	
  suas	
  possíveis	
   aplicações.	
   Para	
   analisarmos	
  de	
   que	
   forma	
   aquilo	
   que	
   aprendemos	
  com	
   o	
   estudo	
   de	
   E	
   pode	
   se	
   aplicar	
   a	
  domínios	
   particulares,	
   uma	
   outra	
   gama	
  de	
   considerações	
   deve	
   ser	
   levada	
   em	
  conta,	
   como	
   todas	
   as	
   teorias	
   que	
  procuram	
   relacionar	
   os	
   constructos	
  matemáticos	
   com	
   as	
   suas	
   possíveis	
  realizações,	
   por	
   exemplo	
   teorias	
   da	
  mensuração,	
   de	
   erros,	
   técnicas	
  estatísticas,	
  dentre	
  outras.	
  	
  	
  
3.	
  Mais	
  questões	
  de	
  fundamentos	
  
	
   A	
   discussão	
   precedente	
   não	
  esgota	
   as	
   questões	
   que	
   podem	
   ser	
  colocadas	
   às	
   teorias	
   científicas	
   tratadas	
  matematicamente.	
   Por	
   exemplo,	
   não	
   há	
  maneira	
  científica	
  (ou	
  seja,	
  que	
  não	
  seja	
  informal	
   e	
   algo	
   vaga)	
   de	
   provar	
   que	
  nossas	
   teorias	
   são	
   consistentes,	
   isto	
   é,	
  que	
   não	
   exista	
   uma	
   formula	
   S	
   de	
   sua	
  linguagem	
   tal	
   que	
   tanto	
   S	
   quanto	
   sua	
  negação	
   sejam	
   teoremas	
   da	
   teoria	
  considerada	
   (a	
   isso	
   chama-­‐se	
   de	
  
consistência	
  sintática	
  da	
  teoria)	
  (Quadro	
  5).	
  Tendo	
  em	
  vista	
  esta	
  impossibilidade,	
  o	
  que	
   fazemos	
  é	
  operar	
  como	
   se	
   nossas	
  teorias	
   fossem	
   consistentes,	
   mas	
   não	
  podemos	
   ter	
   qualquer	
   garantia	
   lógica	
  deste	
   fato.	
   Uma	
   outra	
   questão	
  interessante	
   é	
   a	
   seguinte.	
   Como	
   as	
  teorias	
   físicas	
   relevantes	
   (pelo	
   menos	
  essas)	
  envolvem	
  a	
  aritmética	
  elementar,	
  pode-­‐se	
  assumir	
  que	
  são	
   formuladas	
  de	
  tal	
   modo	
   que	
   a	
   elas,	
   ou	
   a	
   suas	
  contrapartes	
  formais	
  (que	
  se	
  identificam	
  com	
  as	
  teorias	
  estrito	
  senso)	
  se	
  aplicam	
  os	
   célebres	
   teoremas	
   de	
   incompletude	
  
de	
   Gödel.	
   Em	
   síntese,	
   	
   e	
   sem	
   rigor,	
   o	
  primeiro	
   desses	
   teoremas	
   afirma	
   o	
  seguinte.	
   Haverá	
   sentenças	
   dessas	
  teorias	
   que	
   se	
   pode	
   comprovar	
   serem	
  verdadeiras	
   mas	
   que	
   não	
   podem	
   ser	
  nem	
  demonstradas	
  e	
  nem	
  refutadas	
  (ou	
  seja,	
   suas	
   negações	
   sejam	
  demonstradas)	
   pelas	
   teorias	
   em	
  questão:	
  essas	
  teorias	
  são	
  incompletas,	
  e	
  mais,	
   são	
   incompletáveis	
   (vários	
  trabalhos	
   neste	
   sentido,	
   envolvendo	
   as	
  teorias	
  físicas,	
  podem	
  ser	
  vistos	
  em	
  F.	
  A.	
  Doria,	
   Chaos,	
   Computers,	
   Games	
   and	
  
Time:	
  25	
  years	
  of	
  joint	
  work	
  with	
  Newton	
  
da	
  Costa,	
  Editora	
  e-­‐papers,	
  Rio,	
  2011.).	
  	
  	
   Como	
   se	
   vê,	
   os	
   estudos	
  fundacionistas	
   relativos	
   à	
   matemática,	
  levados	
  a	
  cabo	
  a	
  partir	
  do	
  final	
  do	
  século	
  XIX,	
   mas	
   que	
   tiveram	
   seu	
   auge	
   nas	
  décadas	
  de	
  30-­‐60	
  do	
  século	
  passado,	
  são	
  ainda	
   extremamente	
   atuais	
   em	
   ciência,	
  na	
   medida	
   em	
   que	
   reputemos	
   como	
  relevantes	
   os	
   trabalhos	
   acerca	
   de	
   seus	
  fundamentos.	
  	
  	
  	
  	
  (Quadro	
  1)	
  Em	
   ZF,	
   pode-­‐se	
   provar	
   que	
   não	
   existe	
   uma	
  função	
  bijetora	
  entre	
  o	
  conjunto	
  N	
  dos	
  números	
  naturais	
  e	
  o	
  conjunto	
  R	
  dos	
  números	
  reais,	
  o	
  que	
  indica	
   que	
   R	
   não	
   é	
   enumerável.	
   No	
   entanto,	
   no	
  modelo	
  enumerável	
  de	
  ZF	
  (suposta	
  consistente),	
  que	
  existe	
  por	
  força	
  do	
  teorema	
  de	
  Löwenheim-­‐Skolem,	
  	
  a	
  coleção	
  que	
  (no	
  modelo)	
  representa	
  R	
  é	
   enumerável.	
   Esta	
   aparente	
   contradição	
   é	
  conhecida	
   como	
   “paradoxo	
   de	
   Skolem”,	
   e	
   tem	
  uma	
   explicação	
   simples:	
   a	
   bijeção	
   entre	
   N	
   e	
   R	
  não	
  pertence	
  ao	
  modelo	
  enumerável.	
  A	
  questão	
  é:	
   como	
   saber	
   se	
   não	
   estamos	
   em	
   tal	
   modelo	
  quando	
  fazemos	
  física?	
  	
  	
  	
  (Quadro	
  2)	
  A	
   teoria	
   de	
   conjuntos	
   ZF	
   (Zermelo-­‐Fraenkel)	
  pode	
   ser	
   formalizada	
   de	
   diversas	
   formas	
   na	
  (verdade,	
   originando	
   teorias	
   distintas).	
   A	
   mais	
  comum	
  é	
  utilizarmos	
  a	
  lógica	
  de	
  primeira	
  ordem	
  como	
   lógica	
   subjacente,	
   um	
   procedimento	
  originado	
  com	
  Thoraf	
  Skolem.	
  	
  	
  
	
   5	
  
	
  (Quadro	
  3)	
  O	
   matemático	
   holandês	
   L.	
   E.	
   J.	
   Brouwer	
   tinha	
  uma	
   concepção	
   radicalmente	
   distinta	
   da	
  matemática	
   vigente	
   no	
   início	
   do	
   século	
   XX.	
   Sua	
  filosofiae	
   a	
   correspondente	
   matemática	
  
intuicionista	
   têm	
   características	
   diferentes	
   da	
  filosofia	
   e	
   da	
   matemática	
   clássicas.	
   O	
   leitor	
  interessado	
   pode	
   consultar	
   N.C.A.	
   Costa	
  
Introdução	
   aos	
   Fundamentos	
   da	
   Matemática	
  (Hucited,	
  3a	
  ed.,	
  1994).	
  	
  	
  	
  (Quadro	
  4)	
  Patrick	
   Suppes,	
   professor	
   da	
   Universidade	
   de	
  Stanford,	
   é	
   um	
   dos	
   principais	
   artífices	
   da	
  chamada	
   abordagem	
   semântica	
   às	
   teorias	
  científicas,	
   iniciada	
   nos	
   anos	
   1950,	
   a	
   qual	
  prioriza	
   o	
   estudo	
   dos	
   modelos	
   das	
   teorias	
  científicas.	
  	
  	
  	
  
	
   Patrick	
   Suppes,	
   de	
  http://www.stanford.edu/~psuppes/	
  	
  	
  	
  	
  (Quadro	
  5)	
  Um	
   teoria	
  T	
   é	
   sintaticamente	
   consistente	
   se	
  não	
  prova	
   duas	
   proposições	
   contraditórias	
   (uma	
  sendo	
  a	
  negação	
  da	
  outra).	
  Ela	
  é	
  semanticamente	
  
consistente	
   se	
   possui	
   modelo.	
   Esta	
   segunda	
  condição	
  é	
  mais	
  forte	
  e	
  implica	
  a	
  primeira.	
  	
  	
  (Quadro	
  6)	
  Não	
  se	
  pode	
  fazer	
  física	
  sem	
  espaço	
  e	
  tempo.	
  Ou	
  as	
   teorias	
   incorporam	
   esses	
   conceitos	
   como	
  dados	
  de	
  antemão,	
  como	
  faz	
  a	
  física	
  newtoniana,	
  que	
   assume	
   esses	
   conceitos	
   como	
   absolutos	
   (o	
  mesmo	
   se	
   dá	
   com	
   a	
   mecânica	
   quântica	
   não	
  relativística),	
   ou	
   deve	
   introduzi-­‐los	
   de	
   alguma	
  
forma,	
  como	
  é	
  feito	
  na	
  relatividade	
  restrita,	
  (está	
  certo?	
   Troco	
   por	
   RG?).	
   	
   Porém,	
   nesta	
   teoria,	
  esses	
   conceitos	
   são	
   relativos.	
   Outras	
   noções	
   de	
  espaço	
  e	
  tempo	
  são	
  usadas	
  na	
  relatividade	
  geral,	
  outras	
  ainda	
  nas	
  teorias	
  de	
  cordas,	
  etc.	
  	
  Assim,	
  se	
  falamos	
   pura	
   e	
   simplesmente	
   de	
   “espaço”	
   e	
   de	
  “tempo”,	
   podemos	
   não	
   saber	
   do	
   que	
   se	
   trata,	
  pois	
   seria	
   necessário	
   especificar	
   de	
   antemão	
   o	
  que	
  estamos	
  assumindo.	
  Isso	
  vale,	
  em	
  princípio,	
  para	
  todos	
  os	
  demais	
  conceitos.	
  	
  	
  	
  
Figura	
  1.	
  	
  
Referencias	
  	
  
• A	
  página	
  de	
  P.	
  Suppes	
  permite	
  o	
  acesso	
  a	
  vários	
  de	
  seus	
  artigos.	
  
• Krause,	
  D.	
  [2002],	
  Introdução	
  aos	
  
Fundamentos	
  Axiomáticos	
  da	
  
Ciência.	
  São	
  Paulo,	
  EPU.	
  
• Da	
   Costa,	
   N.	
   C.	
   A.	
   [1994],	
  	
  
Introdução	
   aos	
   Fundamentos	
   da	
  
Matemática	
  (Hucited,	
  3a	
  ed.).	
  
• Da	
  Costa,	
  N.	
  C.	
  A.	
  [1980],	
  Ensaio	
  
sobre	
  os	
  Fundamentos	
  da	
  Lógica.	
  São	
  Paulo,	
  Hucitec-­‐EdUSP.	
  	
  	
  	
  	
  
Newton	
  C.	
  A.	
  da	
  Costa	
  Aposentado	
  dos	
  departamentos	
  de	
  matemática	
  e	
  de	
   filosofia	
   da	
   USP,	
   é	
   um	
   dos	
   criadores	
   das	
  lógicas	
  paraconsistentes	
  e	
  tem	
  dado	
  colaboração	
  em	
  diversas	
  áreas	
  do	
  conhecimento.	
  Atualmente	
  é	
   professor	
   do	
   programa	
   de	
   pós-­‐graduação	
   do	
  departamento	
   de	
   filosofia	
   da	
   UFSC.	
   É	
  pesquisador	
  do	
  CNPq.	
  	
  	
  
Décio	
  Krause	
  Aposentado	
  do	
  departamento	
  de	
  matemática	
  da	
  UFPR,	
   é	
   atualmente	
  professor	
  do	
  departamento	
  de	
  filosofia	
  da	
  UFSC.	
  É	
  pesquisador	
  do	
  CNPq.	
  	
  
	
   6	
  
	
  Word	
  count:	
  2.540

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