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Não Mencione a Norma - Katharina Sobota

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NÃO MENCIONE A NORMA1
Katharina Sobota 
Professora da Universidade de Jena
A maioria das pessoas, nas democracias modernas, parece 
estar convencida de que o direito é um sistema constituído de 
normas explícitas. Esta opinião é muito comum em Estados que 
desde sempre se têm concebido como entidades legais, a exemplo 
da Alemanha - onde a câmara legislativa baixa do parlamento, o 
Bundestag, é tida como a instituição mais importante da política 
e onde os sentimentos patrióticos são identificados com o orgulho 
na Constituição (D. Stemberger: Verfassungspatriotismus).
Essa fachada normativa é a versão popular de uma 
concepção teórica que se desenvolveu a partir do espírito do 
iluminismo e da admiração pêlos sucessos da ciência, refletidos no 
movimento positivista do fim do século XIX e começo do século XX. 
A idéia subjacente a este movimento era descobrir (ou redescobrir) 
um sistema razoável que pudesse regular a conduta humana por 
meio de um ordenamento jurídico unívoco, completo e abrangente, 
independente da mediação arbitrária dos juizes2.
Um dos primeiros resultados significativos desta linha de 
pensamento foi uma lei inspirada pelo rei da Prússia Frederico II, 
simpatizante do iluminismo francês. Este código, o Código Geral 
Prussiano de 1794 (Preussisches Allgemeines Landrecht), 
pretendia definir todas as relações jurídicas nos países prussianos, 
isto é, ser completo, racional e para sempre vinculatório. Ele 
continha pelo menos 19.000 artigos, coroados, com toda 
autoconfiança, por uma proibição geral de interpretação judicial. 
No fim das contas, como notaram os próprios contemporâneos, 
este código supostamente perfeito revelou-se um amontoado de 
regras desajeitado e às vezes ridículo, superado em suas partes 
principais antes mesmo de ser publicado3.
Esta experiência deveria ter sugerido o caráter dúbio de uma 
lei onisciente, a qual parece antever cada conflito individual e 
organizar a vida humana em comum da mesma maneira que um 
engenheiro constrói uma máquina. Nada obstante, este ideal 
tomou-se parte do estoque de ilusões sociais. Ao mesmo tempo, 
1 1. K. Sobota: "Dont't Mention the Norm!". International Journal for Semiotics ofLaw, IV/10 
(1991). Tradução de João Maurício Adeodato, da Faculdade de Direito do Recife. 
2 2. Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, T ed., Gõttingen 1967, pp. 322 ss.
3 Ibid, p. 334. Esta crítica não deve ofuscar os méritos do Código Geral Prussiano (ALR); inter 
alia ele realizou um progresso notável na questão da supremacia da lei e da proteção legal.
desenvolveu-se uma crença de que o processo decisório legal 
consistia em encontrar e aplicar essas normas instrumentais - 
normas tidas como capazes de definir e dirigir a esfera do "Dever 
Ser" tão exata e logicamente quanto um dia se supôs que as leis 
da física clássica dirigiam a natureza4.
Em nível teórico, essa mistura de racionalismo e cientificismo 
tomou-se o nutriente para toda a metodologia positivista e 
forneceu o pano-de-fundo ideológico para o movimento codificador 
que começou no século XVIII5, assim como para as escolas "pura"6, 
'lógica"7 ou "analítica"8 que têm sobrevivido até hoje9.
Uma segunda fonte da crença na hegemonia de normas 
explícitas repousa sobre a inquebrantável plausibilidade dos 
silogismos. O conceito informal e cotidiano do silogismo, que foi 
desenvolvido no fim da Antiguidade e na Idade Média, sustenta 
que a norma é uma atribuição universal unindo dois termos 
abstratos (Todos As são Bs). Uma norma desse tipo é destinada a 
ser a premissa maior de um silogismo (Todos As são Bs; este C é um 
A; logo, este C é um B).
Os retóricos10 mostram-se céticos a respeito desses sistemas 
intelectuais. Sob sua perspectiva, nem atribuições universais nem 
regras instrumentais constituem a estrutura principal do discurso 
jurídico11. Elas são apenas um dos vários instrumentos produzidos 
para construir esta realidade artificial porém eficaz chamada direito.
Nada obstante, o discurso acadêmico tende a identificar 
fenômenos normativos com a efetivação de regras instrumentais12 . 
Além disso, esta posição moderna é reforçada pelo poder de um 
antigo conceito, o conceito de silogismo.
4 Cf. Hannah Arendt, Vita Activa (Stuttgart: Kohlhammer, 1960), 44.
5 P.ex. o Codex júris Bavarici judicalis de 1753, o Codex Maximilianus Bavaricus Civilis de 
1756, o Gerichís-Ordnung prussiano de 1793, o ALR de 1794, o Code Civil de 1804 e o BGB 
austríaco de 1811.
6 6 Hans Kelsen, Reine Rechtslehre (Wien: Franz Deuticke, 1960, 2a ed.).
7 P.ex. Ulrich Klug, Juristische Logik (Berlin: Springer, 4a ed., 1982, 1a ed., 1950); Hans Joachim 
Koch, Helmut Rüssmann, Juristische Begründungslehre. Eme Einführung in Grundprobleme der 
Rechtswissenschaft (München: C.H. Beck, 1982).
8 H.L.A. Hart, The Concept ofLaw (Oxford: Clarendon Press, 1961).
9 Peter Goodrich, Legal Discourse (New York: MacMillan Press, 1987), pp. 3, 15 ss., 33 ss.
10 Cf. Ottmar Ballweg, "Analytical Rlietoric, Semiotic and Law", in R. Kevelson (ed.), Law and 
Semiotics, vol. I (New York and London: Plenum, 1987), 25-33; "Entwurf einer analytischen 
Rhetorik", in H. Schanze (ed.), Rhetorik und Philosophie (München: Fink, 1989), 223-247.
11 James Boyd White, Heracles' Bow. Essays on íhe Rhetoric and Poetics of the Law, (Madison: University of 
Wisconsin Press, 1985), 29 ss.,
97 ss.
12 J.B. White, ibid., 27; Bernard S. Jackson, Law, Fact and Narrative Coherence (Merseyside: Deborah 
Charles Publications, 1988) 3, 89, 106.
Em retórica analítica não acreditamos em qualquer desses 
conceitos. Em nossa opinião, a prática jurídica não é governada 
nem pelas premissas maiores nem por nonnas instrumentais.
Preferimos o conceito menos preciso de regularidades. 
"Regularidades", tal como as entendemos, não são nem tão 
gerais nem tão permanentes como se supunha serem as leis da 
física clássica. Elas constituem formações cibernéticas dinâmicas, 
tais como a rede viva da célula ou as estações do ano, modas, rituais 
ou padrões de comportamento. Regularidades são "padrões" e não 
"estruturas" ou "regras" - "padrões" construídos por um observador 
dentro do próprio sistema.
Tais regularidades não dirigem ou controlam a natureza, nem 
fornecem qualquer descrição universal dela. Elas são parte de 
toda ação; elas organizam essas ações e são produzidas pelas 
mesmas. Acho que o processo decisório jurídico não é governado 
por normas universais, mas sim moldado e constituído por tais 
padrões mutáveis e auto-organizados, os quais se encontram 
freqüentemente articulados como regras, mas são, de fato, apenas 
"regularidades".
Neste sentido, quem quer que se disponha a descobrir os 
padrões básicos da comunicação normativa deve examinar a 
retórica dos juizes e advogados13, ao invés da engenharia social de 
nossos dias ou dos estudos dialéticos dos lógicos.
Fazendo isso, não se deve ignorar o fato de que a partir de um 
certo grau de complexidade cultural, muitos discursos se tornaram 
interligados com a retórica das regras explícitas, como, p.ex., as 
nornas tributárias egípcias, os Dez Mandamentos ou os códigos de 
Draco e Solon. Contudo, essas normas eram apenas um estreito 
segmento dentro do círculo de outras formações normativas, tais 
como rituais, costumes, parábolas, sinais emotivos ou precedentes. 
Hoje, com a vasta proliferação de normas legais, esta relação 
quantitativa foi provavelmente invertida. Mas a decisão judicial 
ainda é baseada aproximadamente nos mesmos padrões 
aplicados nos primórdios da retórica judicial.
Para melhor entender esses padrões retóricos pode ser útilanalisar a forma interna de tipos específicos do discurso jurídico 
tais como os atos admitidos no direito processual alemão.
Em contraste com interpretações judiciais, a análise retórica 
concebe o texto legal como uma técnica concreta usada por 
determinada pessoa em uma situação específica14. A situação é 
13 Para a ênfase em decisões concretas: Jackson, ibid., 98 ss., 106 ff.
14 Sobre o caráter situativo do direito: Theodor Viehweg, Topik und Jurisprudenz (München: C.H: Beck, 1974, 
vista como um sistema aberto que é constituído por várias 
influências, sejam sociais, econômicas, culturais ou biológicas. A 
forma interna do discurso é vista como uma regularidade flexível e 
não como uma estrutura permanente. O método para identificar 
padrões retóricos é mais uma combinação imperfeita, porém 
consciente, de elementos científicos (ponto de vista externo) com 
traços da hermenêutica tradicional (ponto de vista interno).
Ainda que a abordagem retórica parta do princípio de que o 
discurso jurídico é moldado por regularidades e não por regras 
instrumentais ou atribuições universais, não há dúvida de que ele é 
às vezes influenciado pela idéia de estruturas universais e 
permanentes. Decisões legais são freqüentemente formuladas em 
termos de normas instrumentais, premissas de fato, conclusões 
silogísticas normativas e assim por diante.
1. O primeiro setor em que ocorrem tais formulações é o 
campo da legislação moderna. Neste campo, o conceito de 
regras instrumentais, mecânicas, é a idéia subjacente à atividade 
legislativa. Certamente as leis não funcionam como as regras da 
mecânica clássica ou um programa de computador, mas às vezes 
esta idéia se reflete em uma área da realidade social estritamente 
regulada por lei. Penso em exemplos como o serviço militar ou as 
leis de trânsito na Suíça, ainda que não necessariamente em Roma 
ou Paris.
2. O segundo setor em que parecem surgir normas universais é a 
retórica do discurso racionalmente fundamentado, 
especialmente a retórica de advogados e juizes. Neste setor 
sentimos a força e o caráter persuasivo dos silogismos.
Conforme tentarei mostrar a seguir, o conceito de silogismo 
não é meramente uma ilusão. Ele é uma ilusão, mas uma ilusão 
com efeitos poderosos sobre a realidade. O silogismo é uma das 
idéias subjacentes mais fortes dentro do pensamento ocidental e 
do processo decisório jurídico e, desse modo, ele molda o discurso 
jurídico, por vezes a tal ponto que se confunde com a própria 
realidade - como se a argumentação jurídica fosse silogística.
Qual a diferença entre a teoria acadêmica do silogismo 
normativo e a abordagem retórica que se refere à influência da 
idéia do silogismo normativo?
Do ponto de vista retórico, o silogismo não é um método 
de decisão mas sim um estilo de apresentação da decisão 
legal.
5"ed.).
O silogismo é uma forma retórica e não uma ordem 
substantiva ou objetiva.
A diferença entre a visão acadêmica do silogismo e seu uso 
prático pode ser ilustrada quando se observa a premissa maior 
dos supostos silogismos alegados em textos jurídicos.
As teorias acadêmicas postulam a verbalização das 
premissas subjacentes. Os acadêmicos tendem a crer em um 
conceito excessivamente filosófico de silogismo ou em um 
conceito positivista de princípios instrumentais ou ainda em uma 
mistura de ambos. De qualquer modo, eles solicitam de seus 
estudantes que explicitem as normas das quais pretendem derivar 
sua decisão. Eles solicitam dos jovens juristas que mencionem a 
norma. Esta tendência reflete uma crença nos princípios de 
racionalidade e transparência e no espírito do iluminismo.
Segundo quero demonstrar, um bom juiz, dentro de um 
sistema jurídico extensivamente codificado, nunca se permite 
citar a maioria das premissas maiores dos silogismos que ele 
pretensamente toma como base de sua decisão.
Minha hipótese é que, em sistemas jurídicos extensivamente 
codificados, o juiz nunca verbaliza qualquer premissa maior. Em 
sistemas jurídicos com um grau mais baixo de codificação, o juiz 
muitas vezes explicita uma ou duas premissas dentre as dez, vinte ou 
cinqüenta a que está aludindo.
Em outras palavras, o aconselhamento acadêmico no sentido 
de tomar todas as normas explícitas é muito contraproducente.
Assim, se alguém quer reforçar a cultura jurídica existente, 
seria bastante paradoxal optar pela verbalização das normas. Ao 
contrário, se se quer confundir os estudantes e perturbar o 
sistema jurídico, a estratégia mais adequada seria exigir- de todos 
os profissionais do direito que declarassem todas as normas que 
imaginam estar usando. Como interessada em retórica não 
pretendo impor objetivos pedagógicos - simplesmente quero 
esclarecer algumas conexões retóricas.
Para dar um exemplo do poder contraproducente da 
explicitação normativa, podemos examinar uma típica passagem de 
uma decisão que também mostra o esquema das "razões da 
decisão", tal como é comumente empregado pêlos tribunais 
alemães (texto A).
Deve-se notar previamente que o Código Civil Alemão, o 
Bürgerliches Gesetzbuch (BGB), contém uma série de artigos que 
dizem respeito à negotiorum gestio (em alemão, Geschãftsfiihrung 
ohne Anftrag), o que pode ser traduzido por gestão de negócios15. 
Um desses artigos prescreve que o gestor, agindo de acordo com os 
interesses e a intenção do dono do negócio, tem direito de 
reclamar compensação por suas despesas, como, por exemplo, 
pela quantia que gastou para chamar os bombeiros e extinguir o 
fogo na casa de seu vizinho.
A passagem representativa que usaremos como exemplo é a 
seguinte:
Texto A: "(1) A ação é bem fundada. (2) O autor está habilitado a 
reclamar 10.000 marcos alemães como compensação por suas 
despesas. (3) Tal como foram provados no processo, os fatos 
preenchem os requisitos do art. 683 do Código Civil Alemão 
("BGB"). (4) Particularmente, o tribunal teve de reconhecer que o 
autor é um gestor que conduziu os negócios do réu."
Lendo este texto, um jurista interessado em semiótica pode 
descobrir uma alusão - ou uma referência - a uma norma legal 
reconhecida: o art. 683 do BGB. O que é digno de nota aqui é que a 
decisão não cita o texto completo desta norma; ela cita apenas 
fragmentos ("negócios", "compensação por despesas"). Mais 
interessante ainda, contudo, é que, se somos participantes do 
discurso jurídico - observadores participantes -percebemos que o 
texto implica muitas outras referências a muitas outras 
construções normativas.
E como são essas construções? Em minha opinião é 
simplesmente sem sentido e destrutivo para o sistema tomar 
explícitas essas construções normativas implícitas. Porém, apenas 
por divertimento científico (e para provar minha hipótese), tentarei 
listar algumas das normas que parecem estar implícitas na 
passagem citada - ainda que isso seja impossível na vida cotidiana.
1. Se um autor está habilitado a reclamar o que ele reclama, sua 
ação é bem fundada. (Esta premissa parece estar implícita nas 
sentenças n° l e 2 do texto A.)
2. Se os fatos, tal como provados, correspondem às exigências do 
art. 683 do BGB, o autor tem direito de reclamar compensação por 
suas despesas (esta é a premissa que conecta as sentenças 2 e 3).
3. Se os fatos preenchem os requisitos exigidos por uma norma, a 
norma é aplicável.
4. Se fatos existem, eles podem ser uma pré-condição para a 
aplicação de uma norma,
15 Geschàftsjühnmg ohne Aujlrag, §§ 677 ss. do BGB. No Código CivilBrasileiro, arts. 1331 ss. (N. do T.).
5. (Expressão literal do art. 683 do BGB:) Quem quer que conduza 
negócios alheios sem autoridade para fazê-lo, agindo de acordo com 
o interesse e a intenção da pessoa, tem direito de reclamar 
compensação por suas despesas.
6. Se o reclamante é um agente que conduz negócios alheios, 
existe um fato que corresponde a uma das exigências do art. 683 do 
BGB.
7. Se existe um fato que corresponde à exigência mais problemática 
do art. 683 do BGB, todos os fatos correspondem às exigências do 
art. 683 do BGB (Isto é sugerido pela sentença 3: 
'Particularmente ...")
8. Se existe um fato, o tribunal tem que reconhecer a existência 
desse fato (sentenças 2 e 3).
9. (Possivelmente:) Se um juiz é qualificado, ele é capaz de 
reconhecer fatos.
Se examinarmos outros textos legais seremos surpreendidos 
pela mesma tendência. Às vezes16 o arrazoado não é tão 
comprimido e por isso contém referências normativas mais 
pormenorizadas. Nada obstante, parece ser um padrão 
largamente difundido não mencionar a norma, isto é, a premissa 
maior implícita de um silogismo que se alega17. A premissa menor 
é que é verbalizada (p.ex.: "O autor tem direito de reclamar 10.000 
marcos" ou "Os fatos correspondem ao exigido pelo art. 683 do 
BGB") e por vezes a conclusão (p.ex.: "a ação é bem 
fundamentada"). Existem razões para isto?
Uma primeira explicação possível é que as normas que 
parecem estar implícitas são de tal modo auto-evidentes que 
seria fútil mencioná-las. Por exemplo, não é necessário dizer que 
''um direito sempre pode encontrar uma ação legal 
correspondente" (texto A, norma 1); da mesma maneira, é 
supérfluo citar o art. 683 do BGB, desde que qualquer um pode 
encontrá-lo no Código Civil (A, norma 5).
O que se pode de todo modo notar é que um texto retórico 
como um julgamento contém muitas alusões a silogismos mas não 
contém realmente qualquer silogismo completo e explícito.
O que é, então, que nos dá a sensação de completude e 
coerência lógica? Sugiro que este é o efeito de uma construção 
gramatical específica e uma modalidade de sentença, 
16 Especialmente dentro da retórica do Tribunal Federal Constitucional (Bimdes\'erfassungsgericht). Katharina 
Sobota, Sachlichkei. 
17 Rhetorische Kunst der Juristen
(Frankfurt/M.: Peter Lang, 1990), 47 ss.
freqüentemente ligada a palavras como "assim", "então", "portanto" 
etc. e com alusões textuais ou contextuais à esfera das proposições 
gerais.
Assim, silogismos normativos aparecem em textos legais, se é 
que o fazem, em fragmentos e alusões. Na maioria dos casos, suas 
premissas maiores e suas conclusões são encobertas.
Aristóteles denominou este tipo especial de argumento 
Entimema18. Entre outras coisas, os entimemas se caracterizam 
por deixar de fora termos do silogismo referido. Normalmente 
esses termos omitidos referem-se a dados óbvios. A vantagem desta 
técnica consiste em evitar repetições enfadonhas e a afirmação 
tediosa de verdades triviais.
A essência desse primeiro ponto, portanto, é o fato de que os 
juristas freqüentemente ocultam suas normas simplesmente porque 
tais normas são óbvios truísmos.
Não acho que esta explicação revele o ponto principal; 
acredito que os juizes não mencionam as normas porque seria 
embaraçoso e disfuncional verbalizar as premissas alegadas.
Isto pode ser visto nitidamente em uma decisão do mais alto 
Tribunal Federal Alemão (BGH NJW 61, 359) também concernente 
à gestão de negócios (negotiorum gestio, § 683 BGB). As 
circunstâncias desse caso foram de certa forma brutais. O tribunal 
inferior descreveu os fatos como se segue:
Certa madrugada, cerca de uma hora, o reclamante ouviu um 
grito de socorro partindo de umas minas na vizinhança. Conforme 
ficou mais tarde provado, um psicopata estava batendo em uma 
mulher com um martelo. O reclamante entrou rapidamente na casa 
em ruínas e tentou socorrer a vítima.
Afortunadamente, teve sucesso e foi capaz de salvar a mulher, mas 
foi ferido ao fazê-lo e não pôde trabalhar durante certo tempo. 
Sendo autônomo, o reclamante pretendeu obter compensação por 
seus lucros cessantes. Como nem o psicopata nem a mulher tinham 
condições financeiras, o reclamante moveu ação contra a companhia 
de seguros de saúde a que era filiado o marido da vítima. A 
companhia de seguros recusou-se a pagar e argumentou que os 
fatos não justificavam uma reclamação com base no artigo 683 do 
BGB. Salvar a mulher ferida não era do interesse da companhia de 
seguros. Se o reclamante não houvesse socorrido a vítima, ela teria 
sido morta; estando morta, ela acarretaria menores despesas para a 
companhia.
18 Aristóteles, Retórica 1.1.3.2
O Tribunal Federal deu ganho de causa ao reclamante. 
Discutindo as objeções da defesa, o tribunal afirmou, inter alia:
Texto B: "(1) A atitude tomada (isto é, socorrer a senhora) foi 
de acordo com o interesse da ré. (2) Isto resulta de uma só razão: o 
reclamante pretendia, com sua atitude, possibilitar tratamento 
médico à mulher o mais rapidamente possível; e oferecer 
tratamento médico era responsabilidade, dever da ré. (3) É 
irrelevante se a ação do reclamante ensejou ou não uma vantagem 
pecuniária em favor da companhia de seguros. (4) Um "interesse" 
no sentido do art. 683 não implica necessariamente um interesse 
econômico. (5) Portanto, não importa se a ação do reclamante 
realmente cooperou para reduzir complicações durante o 
processo de cura, ou mesmo acelerou-a, e assim economizou 
tratamento médico. (6) No mesmo sentido, o tribunal desconsiderou 
a estranha objeção de que a companhia de seguros teria uma 
vantagem pecuniária sem a interferência do reclamante."
Se considerarmos as normas que estão implícitas na 
passagem acima, identificaremos normas que nem constituem 
repetições do texto explícito nem implícito:
1. Se é dever de uma companhia de seguros oferecer tratamento 
médico, é também seu dever possibilitar tratamento médico a uma 
pessoa ferida o mais rapidamente possível.
2. Se a ação de um reclamante pretendeu possibilitar tratamento 
médico a uma pessoa ferida o mais rapidamente possível, ele está 
agindo de acordo com o interesse da companhia de seguros de 
saúde responsável.
(a) [Mais abstratamente:] Se uma parte involuntária (isto é, a 
companhia de seguros) é responsável por determinado dever, 
agir no sentido de solucionar este caso está de acordo com seu 
interesse [equiparação questionável entre "responsabilidade" e 
"interesse"].
(b) [Em conexão com as sentenças 3 e 4 do texto B:] Se uma 
companhia de seguros de saúde é responsável por determinado 
dever, agir no sentido de solucioná-lo está de acordo com seu 
interesse, independentemente de ensejar uma vantagem pecuniária 
em favor da companhia de seguros.
(1) ...independentemente de a ação cooperar para reduzir 
complicações durante o processo de cura.
(2) ...independentemente de a ação cooperar para acelerar a 
cura.
(3) ...independentemente de a ação economizar tratamento 
médico.
3. Se um juiz qualificado interpretar o sentido do art. 683 do BGB, 
considerará que o "interesse" a que se refere o art. 683 não 
implica necessariamente um interesse económico. [Veja-se a 
sentença 4 do texto B].
4. Se uma objeção "parecer estranha" o tribunal a desconsiderará.
5. Se uma companhia de seguros é responsável por oferecer 
tratamento médico, seu principal interesse não deve ser econômico 
mas sim terapêutico, embora ela claramente alegue o contrário.
6. [Versão abstrata:] Se algo deve ser, este é o caso.
7. Seuma companhia de seguros de saúde argumenta que a 
morte de uma pessoa consistiria em uma vantagem pecuniária, ela 
argumenta de maneira estranha.
Nenhuma dessas afirmações é trivial. Inclusive a norma 4 ("Se 
uma objeção parecer estranha o tribunal a desconsiderará") não é 
"auto-evidente", pois o "parecer estranho" de um argumento não 
fornece por si mesmo a um juiz uma razão para rejeitá-lo.
Além disso, nenhuma das sentenças implícitas é um lugar-
comum. A maioria delas não alcança um alto grau de abstração; 
elas se mantêm ligadas às circunstância concretas. Contudo, não 
há dúvida de que o tribunal toma implícitas "regras gerais" (veja-
se a atribuição geral feita na sentença 4: "O "interesse" no sentido 
do art. 683 do BGB não implica necessariamente um interesse 
económico"). Mais ainda, nenhuma das normas referidas faz parte da 
doutrina jurídica. Ao contrário, algumas delas são claramente dúbias 
- não apenas do ponto de vista da teoria jurídica como também da 
perspectiva da racionalidade cotidiana.
Por exemplo, se se observa a norma número 2, nota-se que 
ela aparece em seis versões; isto reflete a redundância contida 
nas sentenças 2 a 5.
Na norma número 2 a), apoiada pela norma 5, pode-se 
perceber a equiparação entre "dever" e "interesse". Nada 
obstante, o art. 683 do BGB enfatiza a diferença entre estas 
noções: algo pode ser "dever" de alguém (p. ex., ir cortar o 
cabelo) mas não seu "interesse"; se V. quer usar barba e um 
barbeiro enlouquecido a raspa, isto não é de seu "interesse" e V. 
não gostaria de ter que pagar pelo trabalho19. Neste caso, os 
19 A dogmática jurídica alemã tem-se redimido em desenvolvimentos doutrinários mais recentes, que 
fixaram uma base mais consistente com as normas do Código Civil para resolver o caso. Cf. Dieter Medicus, 
Bürgerliches Rechí (Kóln: Cari Heymanns, 1989, 14" ed.), p. 247.
juizes utilizaram a equiparação entre dever e interesse para 
contornar diferença ainda maior que existe entre caso e 
interesse.
Caso [isto é: conseguir tratamento médico] = dever [isto é: 
responsabilidade de oferecer tratamento médico = conduzir a 
mulher ferida o mais rápido possível para tratamento médico] = 
interesse [isto é: o interesse da companhia de seguros, incluindo 
interesses econômicos] (cf. normas B, números 2-2e).
Esta implicação contradiz não apenas a intenção da ré, 
estritamente falando, mas também a definição legal tradicional 
do termo "interesse", que normalmente envolve um benefício.
Não menos questionáveis do que as normas 2 e 5 são as 
normas 4 e 7, as quais apóiam-se em uma mera reação 
emocional (sentimento do "estranho"). Outro predicado 
surpreendente é articulado na norma número 6: a equiparação 
entre Dever Ser e Ser. Tal atribuição parece constituir uma 
premissa bastante significativa e ainda assim muito bem 
escondida.
Contudo, a despeito de todas as contradições ocultas, a 
implicação de todas essas premissas produz um resultado 
plausível. A argumentação não é coerente em relação ao direito 
civil. Mas é plausível em relação à situação e aos nossos 
sentimentos - particularmente por causa de nossa indignação 
diante da posição da companhia de seguros.
III
O que se pode concluir de tudo isso? Sugiro a seguinte 
resposta: na retórica legal cotidiana, é característica das normas 
utilizadas que elas somente existam na esfera de alusão ou 
implicação. Esta esfera situa-se em algum lugar entre a 
explicitação verbal e o completo silêncio.
Esfera do silêncio
Esfera de implicação
Esfera de explicitação verbal
A esfera de implicação é caracterizada por uma forma 
relativamente certa e um conteúdo relativamente incerto.
Ela tem muito em comum com as "Estruturas Narrativas" tal como 
tratadas por Bemard Jackson20, embora o termo narrativa, em meu 
ponto de vista, às vezes possa levar na direção errada, na medida 
em que narrativa é geralmente algo que é dito - algo que está 
sendo tomado explícito - enquanto que, na maioria dos casos, a 
coerência das implicações normativas é baseada principalmente no 
silêncio, assim como, mais geralmente, toda a esfera de implicação.
Ao invés de tentar dar uma definição completa de 
implicações normativas, acho que faz mais sentido esboçar a 
funcionalidade de normas tácitas. Várias são as vantagens desta 
abordagem:
(i) Primeira vantagem: se os juizes e advogados não 
verbalizam as premissas maiores alegadas, eles podem ocultar a 
inconsistência de todo o sistema normativo (por exemplo, do 
Código Civil ou do Senso Comum). Um exemplo da inconsistência de 
sistemas normativos é o conflito entre as normas "Não matarás" e 
"Defenda seu país".
Pelo contrário, se os juizes verbalizassem as normas, que estão 
implícitas em seus julgamentos, evocariam contradições 
flagrantes diante de pelo menos cinco tipos de requisitos: (1) a 
lógica clássica21; (2) a sistematização legal; (3) o direito a igual 
20 Cf. Jackson, supra nota 12, pp. 101 s., que se concentra sobre padrões denominados "narrativos", os quais, 
nada obstante, também incluem esquemas não-verbalizados tais como "simpatia para com mulher honesta 
enganada" ^svmpathy with defrauded eklerly maidens"), p. 104.
21 ... e obviamente também diante da lógica simbólica moderna, apesar de que nenhum advogado típico tentaria 
apresentar argumentos legais corriqueiros usando de lógica simbólica.
tratamento; (4) a legalidade positivista; e, finalmente (5), tais 
normas revelariam a ingenuidade de nossas crenças básicas, tais 
como:
Que fatos existem (texto A, normas 4, 7-9); que o tribunal é 
capaz de reconhecer fatos e significações (A 8 e 9, B 3); que 
normas são aplicáveis (A 3 e 4); que os fatos podem corresponder 
às exigências de uma norma (A 2 e 3); que textos legais têm um 
sentido (B 3); que tudo o que deve ser, é (B 6).
(ii) Segunda vantagem: um orador pode modificar o 
significado alegado da norma e adaptá-lo a cada situação. Esta é 
a razão pela qual, em sistemas jurídicos com menor grau de 
codificação, os juizes tendem a verbalizar e explicitar pelo menos 
algumas de suas premissas: eles colecionam e criam essas premissas 
dentro de cada situação particular. O sistema jurídico é tão complexo 
e desprovido de método que não se pode avaliar a multidão de 
fontes potenciais do direito. Porque não há qualquer via mecânica 
para identificar um grupo fixo de premissas aplicáveis, a seleção 
das próprias premissas não pode ser submetida a um criticismo 
"neutro" que abarque todo o sistema. O resultado é que se pode 
invocar qualquer premissa que pareça apropriada àquela situação 
particular.
(iii) Terceira vantagem: normas tácitas podem formar um 
elo entre o mundo arcaico das regularidades emotivas, não-
verbalizadas, e a racionalidade verbalizada do ocidente clássico. Elas 
têm a face de Jano. Por um lado, aparecem como regra abstrata; 
por outro, funcionam como referência a uma regularidade concreta. 
Com relação a nosso texto B, gostaria de mencionar duas dessas 
regularidades, as quais podemos chamar "valorações sociais 
subjacentes".
A primeira poderia ser descrita como a "prioridade de motivos 
humanitários sobre interesses meramente pecuniários". A decisão 
de recompensar alguém por ajudar outra pessoa, e rejeitar os 
interesses financeiros de uma empresa de negócios, não reflete 
uma norma doutrinária explícita, mas sim as emoções efêmeras de 
um determinado tribunal em um caso particular. Não pode 
constituir uma regra geral porque vai de encontro a outros 
princípios do Código Civil. Ela fornece abase da decisão apenas 
neste caso, nesta situação - talvez simplesmente porque a 
companhia de seguros cometeu o erro de revelar suas intenções 
materialistas. Penso que o mau resultado para a companhia de 
seguros constitui um bom exemplo das conseqüências destrutivas 
de explicitar máximas ocultas. A segunda valoração subjacente é a 
simpatia pelo padrão de comportamento masculino implícito na 
defesa de uma mulher que grita por SOCORRO. A maioria de nós aprova 
inconscientemente esta conduta, ainda que, nesses tempos de 
liberação e direitos da mulher, ninguém ouse verbalizá-lo.
A versão apropriada deste costume antiquado, que não 
ofendesse o direito a igual tratamento, seria: "Quem quer que 
defenda outra pessoa contra uma conduta criminosa merece 
recompensa por sua ação". No caso isto significaria: o reclamante 
pode exigir compensação por suas despesas. Felizmente, pelo 
menos da perspectiva de um jurista que trabalha em um sistema 
com um forte senso de regras precisas, tal como o sistema alemão, 
os juizes não articularam aquela norma. Alguns anos depois, um 
Tribunal Regional de Apelação (OLG Karlsruhe, VersR 77, 936) teve 
que decidir outro caso no qual um homem arriscou sua vida e sua 
saúde não para salvar uma mulher que gritava por SOCORRO mas sim 
para defender um banco. Aí a conduta criminosa era um assalto a 
banco. O homem era um cliente do banco que percebeu o assalto 
acontecendo e atacou o ladrão por trás, julgando-se um gestor de 
negócios agindo de acordo com os interesses do banco. Como o 
próprio banco havia ordenado a seus funcionários para não 
arriscarem suas vidas em caso de assalto, quando só dinheiro 
estivesse em jogo, os esforços heróicos do cliente pareceram algo 
excessivos e não evocaram o mesmo grau de simpatia natural que 
houve pelo homem que ajudou a mulher em perigo. Devido ao fato 
de o Tribunal Federal superior não haver firmado uma regra geral 
obrigatória a partir do caso, o Tribunal Regional pôde defender mais 
facilmente o ponto de vista de que o "herói" era simplesmente 
alguém que havia reagido exageradamente diante das 
circunstâncias. Um tribunal de common law poderia ter menos 
dificuldade nesta situação, pois o juiz da common law está mais 
acostumado a adaptar normas gerais a casos particulares. O 
preço a pagar, contudo, é que as normas alegadas se multiplicam e 
se tornam difusas.
Uma reflexão final: o discurso legal depende de uma técnica 
que toma possível criar a ilusão de certeza em uma esfera de 
incerteza. Uma das principais ferramentas para superar o 
contraste entre certeza e incerteza consiste no uso de premissas 
ocultas que se movimentam na esfera de implicação.
Isso não é percebido, por um lado, pela abordagem 
positivista, que tende a superenfatizar a ilusão da certeza, 
confundindo-a com a realidade, e, por outro lado, pela maioria das 
abordagens céticas, que tendem a superenfatizar a incerteza e 
negligenciam o valor de criar a ilusão da certeza, esquecendo, entre 
outras coisas, os reais efeitos de tais construções na geração de 
confiança.
Uma disciplina como a retórica tem uma longa tradição de aceitar 
contradições, especialmente as contradições da natureza 
humana. A retórica não tem qualquer preconceito contra 
reconhecer o fato de que a vida humana consiste, em larga 
medida, de decepção e auto-decepção22. Ela tenta, ao contrário, 
enfrentar essas realidades face a face e analisar como tais 
decepções são utilizadas, que técnicas são empregadas e sob que 
condições elas obtêm bons ou maus resultados. No mesmo sentido, 
a teoria retórica não partilha da visão do racionalismo iluminista 
de que todas as razões e motivos precisam ser descobertos e 
verbalizados a qualquer preço. A retórica não pode determinar as 
fronteiras entre verbalizações, implicações ocultas e o mero silêncio. 
A questão da explicitação tem que ser decidida diante da situação 
concreta. A este respeito - e aqui o conceito de Bernard Jackson 
deve ser inteiramente aceito - nada resta senão ter esperança na 
integridade pessoal de cada indivíduo23.
Finalmente, pode-se lembrar que as normas a que a retórica 
legal alude pertencem a um tipo especial que não deve ser 
confundido com a espécie de normas discutida pêlos lógicos, 
estabelecida pela física clássica ou promulgada pêlos legisladores, 
seguindo o modelo das ciências. As normas utilizadas no processo 
de decisão judicial são na maior parte alusões, às vezes recheadas 
de informações sobre a realidade social, mas às vezes também 
reduzidas a uma atribuição geral, a qual pode ser preenchida com 
sentimentos inexpressáveis, afirmações casuais de valores e 
realizações também casuais de modelos estimativos tradicionais.
A respeito das diferentes funções das normas implícitas, pode-
se concluir que as referências tácitas são uma indicação de confiança 
social em regularidades não-verbais. Ninguém discute o que as faz 
auto-evidentes; ninguém procura verbalizar seus padrões 
cotidianos de comportamento; e ninguém exige um esquema 
universal e explícito de uma valoração plausível. Ao contrário, 
quando uma norma é tornada explícita, percebe-se um artifício 
retórico ou um esforço para dirigir as pessoas de modo mecânico, 
não-discursivo.
22 F. Nietzsche, "Über Wahrheit und Lüge im aussermoralischen Sinne", em G.Colli e 
M.Montinari, editores, Die Geburt der Tragõdie. Unzeitgemãsse Betrachlungen. Nachgelassene 
Schriften 1870-1873. Kritísche Studienausgabe (München-Berlin-New York: de Gruyter, 1988, 
2"ed.),pp. 873 ss.
23 Jackson, supra n. 12 pp. 5, 189, 193
Contudo, nenhum professor de direito aconselha: "não mencione a 
norma". Talvez eles ajam assim por acreditarem em um conceito 
abstrato de direito que segue o ponto de vista tradicional do 
racionalismo, do iluminismo e do positivismo. Eles ignoram o 
silêncio e a abertura da normatividade jurídica, e fecham os olhos ao 
caráter retórico do direito e às condições de sua formação. Por 
outro lado, durante suas atividades como juizes, advogados ou 
pareceristas, eles intuitivamente adaptam-se aos padrões 
retóricos que são negados por suas construções teóricas. O 
resultado é uma vida de contradições inadvertidas. Eles pensam 
que declaram normas, mas não o fazem; pensam que aplicam 
silogismos, mas utilizam-se de entimemas; pensam que obedecem 
à racionalidade, mas são eles mesmos quem originalmente 
produzem sua própria racionalidade, por agirem de maneira 
retórica.
Pode-se supor que esta ignorância jurídica amplia o 
horizonte das noções normativas: é bem mais fácil criar a 
ilusão de que a aplicação de uma norma é silogística, se não se 
precisam articular as premissas maiores utilizadas. Da mesma 
forma, é bem mais fácil supor a existência de um sistema 
normativo coerente, se não se precisam enumerar os elementos do 
sistema alegado.
Em vista desta tendência, as inter-relações paradoxais entre 
concepções verbalizadas e concepções inarticuladas parece ser o 
resultado de uma ingenuidade altamente funcional que 
sustenta a organização social, ocultando suas estratégias básicas. 
Enquanto os procedimentos de ação legal estiverem providos 
desse duplo fundamento, as pessoas viverão sob a tutela das 
normas.

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