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Endocardite infecciosa

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1 Louyse Jerônimo de Morais 
Endocardite infecciosa 
Referência: aula da prof. Ana Isabel 
Introdução 
• Definição: envolvimento infeccioso das 
superfícies endocárdicas. As superfícies valvulares 
são afetadas em conjunto com as áreas 
adjacentes ao trauma ou forças de tosquiamento 
a partir do fluxo de sangue turbulento. 
É um processo que vai acontecer no endocárdio, 
acometendo válvulas, parede dos ventrículos, aparato de 
sustentação das válvulas etc. A infecção pode ser causada 
por vírus, bactérias e fungos. 
Esse processo infeccioso se instala porque, 
previamente, ocorreu processo de alteração do fluxo 
sanguíneo, que permitiu retirada do endotélio vascular 
pela força de passagem do sangue, principalmente nas 
válvulas. Isso ocorre por amigdalite de repetição na 
infância, que evolui com estenose mitral, idoso com HAS, 
que causa insuficiência nas válvulas cardíacas etc. 
Nesse contexto, é preciso que haja um fator 
anatômico ou que vai sendo adquirido, que provoque um 
fluxo sanguíneo turbulento. Tal situação faz com que se 
forme um coxim de fibrina e deposição de plaquetas no 
endotélio desgastado. No momento em que há uma 
bacteremia por um germe consistente com endocardite 
[virulência maior, maior capacidade de se aderir, 
encapsuladas, fimbrias, que causam evasão de resposta 
imune], as bactérias se aderem e formam a estrutura 
básica da endocardite, que é a vegetação. 
É uma doença importante porque, se não for 
diagnosticada, o paciente vai morrer. 
Esse implante de colônia de bactérias no coração 
traz repercussão local ou sistêmica. Pode causar formação 
de abscesso local, destruição de estruturas da válvula 
cardíaca, obstrução de saída de fluxo sanguíneo ou vai se 
desgarrando e, à distância, causando outras alterações 
sistêmicas [oclusão arterial, abscesso etc.]. 
Hoje, com as doenças crônicas, a tendência de 
desgaste de válvula cardíaca predispõe o aparecimento 
dessa doença. 
Envolvimento infeccioso das superfícies endocárdicas 
As válvulas mais acometidas são a mitral 
[principal] e a aórtica. Com a mudança da epidemiologia, 
temos, hoje em dia, uma nova situação que causa 
preocupação, que é a endocardite do coração direito [na 
válvula tricúspide], relacionada com os pacientes usuários 
de drogas. Devemos pensar em endocardite em paciente 
febril, com quadro de suspeita de sepse. 
Os usuários de drogas utilizam material não 
esterilizado e não higienizam a pele. O germe mais 
associado é o S. aureus, sendo o principal relacionado com 
a endocardite de coração direito. Não seria só a condição 
prévia que o paciente deveria ter, mas ele não precisa ter 
lesão cardíaca prévia, porque o S. aureus é tão agressivo e 
virulento, que é capaz de causar destruição valvar 
importante. 
Ademais, o paciente pode fazer escapes de 
êmbolos para o pulmão. É um quadro que pode começar 
como respiratório e, quando for verificar, é endocardite. 
Classificação 
• Endocardite aguda: < 2 semanas 
• Endocardite subaguda: indolente, acomete 
idosos. 
Um exemplo de endocardite subaguda seria no 
idoso que fez extração no dentista e não fez profilaxia, ou 
tem vários focos dentários não tratados. Isso provoca uma 
constante bacteremia. Assim, vai havendo queda de 
bactérias na corrente sanguínea, as quais também aderem 
nessa área do coração, o que, ao longo do tempo, forma 
uma vegetação. É um processo mais lento, que leva 2 
meses. Investiga-se febre, perda de peso, falta de apetite 
e falta de disposição. É mais comum por germes da 
cavidade oral – S. viridans, grupo HASEK –, com 
crescimento mais lento e mais difícil de identificar na 
hemocultura. 
Fisiopatologia 
Lesão endotelial por fatores hemodinâmicos ou 
traumáticos → presença de imunocomplexos → depósito 
de fibrina → endocardite trombótica não bacteriana 
[ETNB] → vegetação séptica > tendência à destruição 
valvular. 
Com o tempo, alguns fatores que possam 
acontecer, como piodermite mais grave até uma celulite, 
algo que crie bacteremia persistente no paciente [infecção 
de pele e partes moles à distância, trauma, ITU em idosos], 
pode causar endocardite bacteriana. O enterococo vai ter 
relevância por conta da resistência bacteriana, sendo 
importante nos focos urinários. 
 
2 Louyse Jerônimo de Morais 
Uma outra condição que pode causar 
translocação bacteriana é um tumor de intestino. O 
paciente pode fazer translocações de bactérias do 
intestino para a corrente sanguínea, relacionado com 
Streptotoccus bovis. 
Toda essa bacteremia persistente vai provocar 
aderência e colonização. Assim, ocorre formação da 
vegetação séptica, que pode crescer e provocar 
manifestações intracardíacas ou se desgarrar e provocar 
sintomas sistêmicos. 
Achados clínicos 
• Fatores de riscos cardíacos ou uso de drogas 
endovenosas: malformação cardíaca, amigdalite 
de repetição na infância. 
• Febre a esclarecer: está dentro das causas da 
investigação da febre de origem obscura. 
• Mal estar 
• Sudorese noturna 
• Sopro regurgitante novo ou IC 
• Lesões de Janeway: fenômenos vasculares – 
desgarramento de pequenas partes da vegetação, 
que chega à microcirculação periférica, formando 
extravasamentos de sangue. As mais 
características são encontradas no leito ungueal, 
na forma de estrias. 
 
• Nódulos de Osler e manchas de Roth: são 
fenômenos imunes, que ocorrem por 
hipergamaglobulinemia e maior produção de 
imunocomplexos, podendo gerar complicações 
imunes, como nefrite e manchas de Hodgkin, por 
exemplo. 
 
Nódulos de Osler 
• Hemocultura persistentemente positiva por 
germes típicos 
• Presença de vegetação pelo ECO 
• FR positivo, VDRL positivo [falsamente] 
• Anemia e VHS elevados 
• Leucograma normal ou discretamente elevado: 
embora seja grave, não provoca resposta de 
leucocitose, principalmente quando é subaguda. 
Os nódulos de Osler surgem nas pequenas 
articulações. São dolorosos, eritematosos, quentes e 
representam fenômeno imune. Podem surgir na região de 
metacarpo e metatarso. 
Já as manchas de Roth são lesões mais elípticas 
com centro pálido. Não são hemorragias, mas manchas 
imunes. 
 
Manchas de Roth 
Diagnóstico 
1. Critérios maiores 
• Hemocultura positiva, com coleta adequada 
o Coletar dois pares de hemoculturas, com 
intervalo de 12 horas, e as duas amostras 
positivas em ambas os casos 
o Se houver apenas uma amostra positiva, 
pode incluir como um critério menor. 
o Coleta em intervalo de 1 hora, sendo que 
precisa de 4 pares [pelo menos 3 
positivos]: também são considerados 
 
3 Louyse Jerônimo de Morais 
como critério maior. Isso implica custo e 
morbidade para o paciente, pois precisa 
fura-lo oito vezes. 
• Ecocardiograma: pode ter a massa oscilante, que 
é o diagnóstico mais confiável. É um exame 
dinâmico, então se observa válvulas se 
movimentando com uma estrutura oscilante. 
Outra alteração seria o fluxo regurgitante, 
presença de abscesso, deiscência de prótese 
valvar e nova regurgitação valvar. 
Se preencher os dois, é endocardite confirmada. 
2. Critérios menores 
• Lesão predisponente cardíaca ou usuário de 
droga intravenosa 
• Febre > 38°C 
• Fenômenos vasculares: pelo menos um, podendo 
ser embolia arterial, enfartos pulmonares 
sépticos, aneurisma micótico, hemorragia 
intracraniana, hemorragia conjuntival e lesões de 
Janeway. 
• Fenômenos imunes: glomerulonefrite, nódulos de 
Osler, manchas de Roth, fator reumatoide 
positivo ou até VDRL. 
• Evidência microbiológica: hemocultura positiva, 
mas não preenche critérios maiores ou evidência 
de infecção ativa com microrganismos 
consistentes com EI. 
Os fenômenos vasculares não pontuam duas 
vezes, apenas uma, bastando ter um para pontuar. 
Diagnóstico definitivo 
• Critérios clínicos: 2 critérios maiores OU 1 critério 
maior e 3 menores OU 5 critérios menores. 
• Critérios patológicos 
o Lesões patológicas visualizadas em 
cirurgia. 
o Microrganismos demonstradospor 
cultura ou histologia em vegetação ou em 
tecido de embolização ou abscessos 
cardíacos. 
o Lesões patológicas: vegetação ou 
abscessos intracardíacos presentes 
confirmados por histologia que mostra 
endocardite ativa. 
Complicações 
• Intracardíacas 
o Insuficiência cardíaca 
o Disfunção valvular: perfuração do folheto 
valvar, destruição de aparato de suporte 
[cordoalha, deiscência de valva protética, 
obstrução de fluxo valvar por vegetação]. 
• Outras complicações 
o Êmbolos: SNC, vísceras abdominais [baço, 
rins], artérias periféricas, artérias 
coronarianas, artérias pulmonares 
[endocardite do lado direito]. 
o Aneurisma micótico: dilatação do vaso e 
tumoração pulsátil, sem relação com 
fungo. 
o Abscessos: baço, fígado, cérebro e 
espaços discais. 
o Insuficiência renal 
Tratamento 
• Identificação e testes de sensibilidade do 
microrganismo responsável 
• Terapia antimicrobiana bactericida sustentada: é 
necessário internar o paciente para fazer ATB por 
tempo prolongado. 
• Identificação das complicações: abscesso 
cerebral, embolização para órgãos etc. É preciso 
fazer exames de imagem também. 
• Erradicação da fonte original da infecção: por 
exemplo, se for de cavidade oral, antes de indicar 
cirurgia cardíaca por insuficiência de válvula ou 
grande vegetação, precisa tratar. Se não fizer isso, 
vai reinfectar a válvula nova, por conta da 
persistência do foco. 
• Futura profilaxia antimicrobiana: faz naqueles que 
fizeram troca de válvula. É feito em cada 
procedimento que causar bacteremia. 
Fatores de risco Agente mais comum 
Lesão cardíaca degenerativa ou febre reumática Streptococcus viridans, HACEK, enterococcus 
Usuário de drogas [valva tricúspide] S. aureus 
Endocardite associada à assistência à saúde [cateter de 
hemodiálise etc.] 
BGN [Pseudomonas] 
Endocardite associada a dispositivos [marcapasso] S. epidermidis 
Endocardite de prótese valvar S. epidermidis [coagulase negativa], S. aureus, fungos 
Tumor de intestino Streptococcus bovis [Streptococcus gallolyticus] 
Endocardite aguda em valva nativa S. aureus 
Peculiaridades de acordo com etiologia e fatores de risco
 
4 Louyse Jerônimo de Morais 
Hoje em dia, ocorre bastante endocardite em 
paciente que faz hemodiálise, em que geralmente há 
infecção por gram negativos hospitalares, como Klebsiella 
e Pseudomonas. Tem que remover o cateter e tratar a 
infecção. 
Por que é importante fazer hemocultura duas 
vezes, com um intervalo de 12 horas entre elas? Porque, 
se positivas, demonstram bacteremia persistente. 
Se crescer uma bactéria gram positiva muito 
lentamente, provavelmente é pelo S. epidermidis. Isso 
ocorre porque esse agente forma biofilme e, 
consequentemente, faz infecção demorada. Ele se 
implanta no momento da cirurgia e vai formando biofilme, 
uma estrutura amorfa que vai se depositando em 
materiais inanimados, como próteses. Pode se manifestar 
até dois anos depois da cirurgia. 
Para tratar, precisamos identificar o agente pois, 
por exemplo, o S. viridans é sensível à penicilina. Pode 
usar, como opção, penicilina cristalina por 4 semanas ou 
até ceftriaxona. Outras opções são penicilina G cristalina + 
sulfato de gentamicina ou cloridrato de vancomicina [nos 
alérgicos à penicilina]. 
 
Se o S. viridans ou bovis tiver uma concentração 
maior, faz doses mais altas, por 4 semanas. 
Endocardite em marcapasso 
É um diagnóstico difícil, pois não se consegue ver 
pelo eco transtóracico. Às vezes, precisa do transesofágico 
para fazer o diagnóstico. 
Qual vai ser a conduta nesse caso? 
• Coletar hemocultura e cultura de fragmento de 
tecido. 
• Angiotomografia ou PET-CT: mais sensível do que 
o eco. 
• Cobertura antimicrobiana para MRSA 
• Risco de embolização pulmonar 
• Cirurgia aberta com circulação extracorpórea 
Geralmente, são pacientes idosos e cheios de 
comorbidades, então o risco é grande. 
Terapia padrão para EI por enterococos - germe gram 
positivo do intestino 
 
Trata com ATB com cobertura para gram positivo. 
Como ele tem grande potencial de resistência à penicilina 
[principalmente o faecium] e evoluir com resistência à 
vancomicina, é considerado multirresistente. É um 
problema muito sério, pois ela se dissemina, inclusive no 
serviço de saúde. 
Quando o germe se torna resistente à vancomicina, 
muitas vezes ele se torna sensível à ampicilina. 
Esquemas possíveis 
• Penicilina G cristalina + gentamicina 
• Ampicilina [ou ampicilina sulbactam] + 
gentamicina 
• Vancomicina + gentamicina 
O tempo de tratamento é de 4 a 6 semanas com o 
paciente internado. 
Terapia para EI por estafilococo na ausência de material 
protético 
• Oxacilina com adição opcional de gentamicina 
• Cefazolina 
• Vancomicina: usa no estafilococo resistente à 
meticilina ou em paciente alérgico. 
 
5 Louyse Jerônimo de Morais 
 
Na presença de válvula protética, pensa no 
Staphylococcus epidermidis resistente à meticilina. 
 
• Vancomicina + rifampicina + gentamicina 
• Oxacilina + rifampicina + gentamicina: se sensível 
à meticilina. 
Grupo HACEK: bactérias gram negativas da 
cavidade oral. As culturas precisam ser bem nutridas para 
poder crescer. Geralmente, são relacionadas a culturas 
negativas. 
 
• Ceftriaxona 
• Ampicilina + gentamicina 
Endocardites relacionadas com gram negativos entéricos 
• Piperacilina-Tazobactam 
• Meropenem 
Tratamento empírico 
O que vocês sugeririam? 
• Oxacilina, gentamicina e ceftriaxona: não cobriria 
S. aureus resistente, nem pseudomonas, nem 
enterococo. Este último não é sensível às 
cefalosporinas. Então, pode fazer ampicilina 
gentamicina e oxacilina [cobriria HACEK e 
Streptococcus bovis, oxacilina cobriria S. aureus 
sensível]. 
Cada situação clínica vai dirigir para um agente. Na 
ITU de repetição em idosa, por exemplo, pensa em 
enterococo. Já em paciente com cavidade oral bastante 
deplorável, pensa em HACEK e Streptotoccus bovis etc. 
Volte na tabela anterior e veja as principais associações. 
Enterococo pode ser resistente à penicilina e 
vancomicina. Então, pode usar ampicilina + tazobactam. 
Se a cepa for resistente aos dois [vancomicina e ampicilina 
tazobactam], faz daptomicina. 
• Daptomicina: ATB dirigido para bactérias gram 
positivas e pode usar no paciente com 
endocardite. 
• Linesolida: foi criada para resgatar o germe 
resistente à vancomicina. É dirigida para gram 
positivos, com ação sobre enterococo e MRSA. Na 
endocardite não usa, porque dispersa muito nos 
tecidos e concentra pouco na corrente sanguínea. 
Então, ela é muito ligada às proteínas e, por isso, 
é muito distribuída nos tecidos. Portanto, não é 
útil para tratar infecções de corrente sanguínea e 
endocardite, mesmo que a cultura mostre que é 
sensível.

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