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1 Louyse Jerônimo de Morais Tétano Referência: aula da prof. Luciana Holmes + Guia de Vigilância em Saúde 2021 Introdução É uma doença imunoprevinível, ou seja, tem uma vacina para prevenir. Abaixo, temos uma figura bem característica do tétano – paciente em posição de opistótono, com hipertonia muscular generalizada mantida e, juntamente com ela, tem uma contratura [espasmo muscular]. Ocorre em uma intensidade tão forte que se adquire essa posição – fletir MMSS e estender MMII. O espasmo pode ser tão forte que chega a fraturar vértebras. O diagnóstico do tétano é puramente clínico. É uma doença infecciosa, não contagiosa, causada pela ação de um dos componentes da toxina do Clostridium tetani, que é um bacilo encontrado na natureza sob a forma de esporos. Tal bacilo produz duas principais toxinas: tetanolisina e tetanospasmina. Esta última vai ser responsável pelo quadro clínico da doença, uma vez que vai migrar pelas células do sistema nervoso central. Clinicamente, o tétano se caracteriza por contratura e espasmos musculares, que pode ser de forma localizada ou generalizada. Tétano, vem do grego, e significa contrair e esticar. É uma doença de registro muito antigo. A causa foi descoberta em 1884, por Carle e Rattone. A primeira imunização passiva foi durante a primeira guerra mundial. Através de antídotos, tentava-se neutralizar a toxina. Então, a partir dos anticorpos de cavalos [soro heterólogo], foi produzido o soro antitetânico. Clostridium tetani Vive na natureza, sendo um bacilo gram-positivo, anaeróbio e esporulado, com aspecto de alfinete. Além disso, resiste à fervura, ao fenol e pode ser destruído pelo calor. É encontrado na natureza sob a forma de esporos. É importante saber disso porque, para orientar a profilaxia, é preciso saber que o esporo está na terra ou areia contaminada, espinhos de arbustos e pequenos falhos de árvores, pregos, latas enferrujadas e sujas de terra ou areia contaminada, instrumentos de lavoura, agulhas de injeção e fios de categute não esterilizados, bem como fezes de animais ou humanos. A partir de uma porta de entrada, a bactéria entra no ser humano. Etiologia O C. tetani na forma de esporo, em condições de anaerobiose, transforma-se em uma flora vegetativa, que libera exotoxinas [tetanolisina e tetanospasmina – é a que vai migrar para o SNC, sendo altamente neurotrópica]. É uma doença de distribuição mundial, sendo um problema de saúde pública em países subdesenvolvidos, embora seja imunoprevenível, uma vez que temos vacina disponível. Ainda assim, há uma alta morbimortalidade. Epidemiologia • Incidência associada às condições socioeconômicas e à cobertura vacinal da população. • Acomete ambos os sexos, com incidência maior no sexo masculino, devido às atividades profissionais. • Maior frequência na primavera e verão. • Imunidade naturalmente adquirida [?] • Reservatórios naturais: trato intestinal e pele de seres humanos e animais. Não é uma doença contagiosa. A partir de ferimentos perfurantes, queimaduras e tecidos necrosados, pode haver introdução dos esporos. • Idade o Países em desenvolvimento: crianças e adultos jovens. Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce 2 Louyse Jerônimo de Morais o Países desenvolvidos: idosos. No Brasil, em 1999, iniciou-se a vacinação. A vacina tem que ser repetida a cada 10 anos. Porta de entrada • Ferimentos infectados • Ferimentos com mais de seis horas de evolução • Aborto provocado por objetos sépticos • Dentes mal conservados • Cirurgias • Úlceras crônicas de perna • Injeções etc. Em até 20% dos casos não se encontra o local de contaminação – traumas mínimos ou lesões já cicatrizadas. Fisiopatologia Temos a porta de entrada que, na maioria das vezes, é nos membros inferiores [tétano acidental por traumas é mais frequente]. A partir disso, ela é contaminada por esporos e, em condições de anaerobiose, eles assumem a forma vegetativa, que produz tetanospasmina, a qual migra para o SNC. Então, ela inibe o interneurônio inibidor da medula espinhal, gerando hipertonia muscular mantida e espasmos. Toxinas tetânicas • Tetanolisina • Tetanospasmina: responsável pelo quadro. Patogenia • Consciência preservada • Ausência de sequelas neurológicas • Normotermia: exceto em casos muito graves, quando pode ocorrer na ausência de indícios de infecção bacteriana secundária. • Disautonomia simpática: principalmente na primeira e na segunda semana de doença. É um paciente de uma instabilidade hemodinâmica importante. É por isso que faz traqueostomia preventiva e leva para a UTI. • Por hiperestimulação dos gânglios paravertebrais: sudorese ou diaforese, taquicardia, hipertensão arterial sistêmica, hipoglicemia, estimulação da adrenal com aumento da liberação de catecolaminas no sangue. A hiperatividade simpática é responsabilizada pelos casos fatais que não se devem à insuficiência respiratória. Modos de transmissão Trata-se de uma bactéria anaeróbia. A infecção ocorre por esporos de C. tetani, usando ferimentos ou mucosa como porta de entrada. Tecidos desvitalizados, corpos estranhos, isquemia e infecção favorecem a infecção por diminuir o potencial de oxirredução. • Não há transmissão direta de um indivíduo para outro. • Qualquer estímulo desencadeia espasmo muscular. • Dados epidemiológicos: “porta de entrada”, em 10 a 20% dos casos não há foco detectável. Diagnóstico O diagnóstico é clínico, então a informação epidemiológica é importante – modo de transmissão e quadro clínico [lembrar da arcada dentária como porta de entrada]. O diagnóstico laboratorial é totalmente inespecífico. • Período de incubação: 7 a 10 dias, mas pode levar até 30 dias. Vai desde o ferimento até o aparecimento do primeiro sintoma. • Período de progressão: 24 a 72 horas. • Período de incubação < 7 dias e de progressão < 48 horas indica mau prognóstico ou maior gravidade. A partir do primeiro sintoma [dificuldade para abrir a boca, rigidez de nuca etc.] até o primeiro espasmo muscular, temos o período de progressão. Formas clínicas • Tipo de foco: acidental, umbilical [neonatal]. • Localização da hipertonia: generalizado [envolve todos os grupos musculares], localizado [tétano cefálico ou de Rose]. • Gravidade: leve, grave ou moderada gravidade, gravíssimo ou muito grave. Isso vai de acordo com os espasmos musculares. O paciente com tétano leve pode, inclusive, não ter espasmos, mas só hipertonia. Na grave ou moderada, é um paciente que já tem espasmos com mais frequência. No gravíssimo / muito grave, são espasmos subentrantes [uma em cima da outra]. 1. Classificação quanto ao foco • Ligadura do cordão umbilical em condições sépticas. • Não umbilical ou acidental: traumático, dentário, ginecológico etc. Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce 3 Louyse Jerônimo de Morais 2. Classificação quanto à gravidade: vai de acordo com os espasmos musculares e o quadro clínico Classificação de Ablett Classificação de Tavares Marangoni • Benigno: pacientes com hipertonia muscular mantida, localizada ou generalizada, que não apresentam disfagia, nem contraturas paroxísticas ou que estes sinais estejam presentes, mas pouco intensos e raros, não causando comprometimento ventilatório. • Grave: casos de hipertonia muscular generalizada, com disfagia e contraturas paroxísticas intensas e frequentes, em que há comprometimento ventilatório. • Gravíssimo: pacientescom hipertonia muscular generalizada, com disfagia intensa e contraturas paroxísticas fortes e frequentes que podem assumir caráter subintrante, assemelhando-se a convulsões. Com frequência esses doentes apresentam taquicardia, hipertensão arterial, hipertermia e hemorragia digestiva. Quadro clínico Após a lesão, o paciente começa com dificuldade de deglutir e dores nas costas [hipertonia muscular]. Além disso, a febre, na maioria das vezes é ausente, lembrando que o indivíduo é lúcido e orientado. A hipertonia pode se generalizar para todos os grupos musculares. • Pródromos: dor ou parestesia do local da lesão, trismo e/ou disfagia pelo aumento da tonicidade da musculatura estriada da faringe, hipertermia leve ou ausente, lúcido, consciente e orientado. 1. Acme [sintomas do período de estado] • Progressiva hipertonia da musculatura estriada: rigidez de nuca, paravertebral [opistótono], torácica, abdominal, de membros e face. • Contratura da mímica facial: riso sardônica por repuxamento da comissura labial, acentuação das dobras naturais e diminuição da fenda palpebral. • Contratura dos músculos estriados da faringe: disfagia ou até espasmo de glote levando à asfixia, hipertonias paroxísticas localizadas ou generalizadas. • Convulsões tônico-clônicas: intensidade e duração variáveis ou de caráter subentrante. 2. Quadro clínico • Hipertonias musculares mantidas [localizadas ou generalizadas] • Febre baixa ou ausente • Lucidez • Espasmos musculares: aos estímulos sonoros, luminosos e táteis. Isso causa muita dor e o paciente fica consciente disso. • Disfagia: tem que passar sonda nasogástrica. • Hiipertonia: músculo masseter – trismo [dificuldade de abrir a boca]. • Opistótono: flexão de MMSS e hiperextensão de MMII. Fácies tetânica: riso sardônico, acentuação das dobras naturais da face e redução da rima palpebral. Ocorre rigidez de nuca, devido ao quadro hipertônico [você levanta o paciente em bloco, semelhante ao que acontece na meningite], bem como hipertonia da musculatura paravertebral, tórax, mm. intercostais, abdominais e dos membros. Tudo isso compromete o estado geral do paciente, por isso ele precisa ser tratado na UTI. Disfunção do sistema nervoso autônomo: causa importante de morte. • Sudorese • Oscilações da PA: ora hipotensão, ora hipertensão. • Instabilidade da FC: de repente faz bradicardia, para e morre; faz arritmia. • Íleo paralítico Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce 4 Louyse Jerônimo de Morais • Oscilações dos níveis glicêmicos 3. Tétano neonatal ou mal dos sete dias • Dificuldade em mamar ou sugar • Choro frequente • Cólicas: na verdade, são espasmos musculares. • Rigidez de nuca e paravertebral [opistótono] • Hipertonia torácica, abdominal e dos músculos dos membros e da face • O foco é o coto umbilical Hoje em dia, é mais difícil, porque a mulher é vacinada durante a gestação. No entanto, pode ocorrer em partos domiciliares ou em pessoas que usam diversas coisas para cicatrização do coto umbilical [ex.: esterco]. Diagnóstico laboratorial • Cultura de anaerobiose do material do foco • Hemograma, eletrólitos, CPK, ureia, creatinina, gasometria arterial • Radiografia do tórax e coluna torácica. Complicações • Pneumonias • Episódios de apneia e depressão respiratória: ocorre mais em enfermaria, em que não há suporte de vias aéreas. • Acúmulo de secreções traqueobrônquicas: importância da traqueostomia. • Embolias pulmonares • Fraturas vertebrais • Hemorragias [GI e traqueais] • Infecção urinária • Insuficiência renal • Paralisia periférica • Sepse Diagnóstico diferencial • Envenenamento por estricnina: quem trabalha em urgência sabe que essas intoxicações são frequentes. • Tetania: espasmos por hipocalcemia. • Meningoencefalite: doença aguda, com febre, vômitos, cefaleia e alteração do nível de consciência. • Raiva: investigar história epidemiológica. • Histeria: paciente hipertônico. • Intoxicação por metoclopramida e neurolépticos • Processos inflamatórios da boca e faringe, acompanhados de trismo: depende do grau de amigdalite, mas na verdade é apenas pelo processo inflamatório. Tratamento • Específico: busca neutralizar a toxina, então faz desbridamento do foco, antibióticos, imunização [passiva e ativa]. • Tratamento inespecífico ou sintomático: sedação, relaxamento muscular, medidas gerais. 1. Hospitalização • Unidade específica: isolamento térmico, acústico e luminoso, monitorização e equipamento para ventilação assistida. • Acesso venoso: hidratação parenteral, sedação [benzodiazepínicos, miorrelaxantes] • Porta de entrada: dentes, abscessos, ferimentos, útero [curetagem] etc. Por exemplo, se for dente, tem que extrair. TEM QUE DESBRIDAR. 2. Desbridamento do foco Deve ser amplo, com retirada de: corpos estranhos, tecidos necrosados. Enquanto isso, já começa a fazer o soro. Deixar a ferida aberta e curativos com substâncias oxidantes [água oxigenada e KMnO4]. 3. Uso prévio de soro sistêmico 4. Antibióticos • Metronidazol ou penicilina G cristalina: são antibióticos para anaeróbios. Os estudos mostram o metronidazol como mais eficaz, sendo este a primeira escolha. Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce 5 Louyse Jerônimo de Morais 5. Imunização [ativa e passiva] • Imunoglobulina humana antitetânica [IGHAT]: dose única, varia de 3000 a 5000 UI, IM. A ampola tem 250 UI, se for fazer 3000 UI, faz pelo menos 12 ampolas IM. Estudos recentes mostram que basta duas ampolas de 250 UI, mas a prof. discorda. • Soro antitetânico [SAT]: dose de 20 mil UI, IV. Faz quatro ampolas, pois cada uma tem 5 mil UI. Se der alguma reação alérgica, suspende, trata sintomas e faz a humana. 6. Tratamento inespecífico • Sedação e miorrelaxamento o Benzodiazepínicos: Diazepam e midazolam. o Fenotiazínicos: clorpromazina. • “Curarização” ou bloqueio neuromuscular: brometo de pancurônio [causa taquicardia violenta – 180 bpm]. Na UTI, associa-se midazolam com fentanil, que é justamente para promover analgesia. Nos pacientes com espasmos subentrantes, pode precisar de bloqueio neuromuscular. 7. Tratamento da hiperatividade simpática • Morfina • Fentanil: sempre associado com midazolam. • Propofol: muito caro. • Sulfato de magnésio: usa muito em gestante. • Traqueostomia: indicada profilaticamente nos casos de insuficiência respiratória iminente ou instalada. A dose é variável, de acordo com o quadro clínico do paciente. 8. Cuidados gerais: vigilância permanente e cuidados médicos contínuos, evitar o manuseio excessivo do doente, barulho e luminosidade, não alimentar por VO, manter equilíbrio hidroeletrolítico, suporte calórico e vitamínico, uso profilático de heparina [TEV], protetor gástrico [úlcera de estresse], prevenção de úlceras de decúbito. Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce 6 Louyse Jerônimo de Morais 9. Vacinação: o tétano não produz imunidade. Então, tem que vacinar. Profilaxia • Medidas gerais de proteção e higiene • Assistência materno-infantil adequada • Vacinação dos suscetíveis: vacina penta – protege contra difteria, tétano, coqueluche, Haemophilus influenzae tipo B e hepatite B. o Indicada para imunização ativa de crianças a partir de 2 meses de idade, em esquema de três doses, com intervalo de 60dias entre elas. o Reforço de 12 a 15 meses com a vacina DTP. o Segundo reforço preconizado aos 4 anos de idade. A partir dessa idade, faz reforço a cada 10 anos com dupla adulto [dT]. Para pacientes que tiveram tétano, após a alta hospitalar, deve-se referenciá-los à UBS, para se iniciar o esquema de vacinação ou completa-lo até a terceira dose. Lembre-se que a imunoglobulina pode dar proteção em até 3 semanas, mas o período de incubação do tétano vai além disso. Vigilância epidemiológica • Todo caso suspeito de tétano acidental deve ser notificado ao Sinan por meio do preenchimento da Ficha de Investigação do Tétano Acidental. • O caso de tétano acidental deve ser encerrado oportunamente em até 60 dias a partir da notificação. Fonte: Guia de Vigilância em Saúde [2021] Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce Louyse Morais Realce
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