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Vulvovaginites: definição, epidemiologia e quadro clínico

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1- Comprender as vulvovaginites (definição, fisiopatologia, epidemiologia e quadro clínico)
· Infecções vaginais
Vaginose bacteriana
A vaginose bacteriana (VB) é uma alteração da flora bacteriana vaginal normal que acarreta a diminuição do número de lactobacilos produtores de peróxido de hidrogênio e o supercrescimento de bactérias predominantemente anaeróbicas. O tipo mais comum de vaginite nos EUA é a VB. As bactérias anaeróbicas são encontradas em menos de 1% da flora de mulheres normais. No entanto, em mulheres com VB, a concentração de anaeróbios, bem como de G. vaginalis e Mycoplasma hominis, é 100 a 1.000 vezes maior que em mulheres normais. Em geral, os lactobacilos estão ausentes.
Não se sabe que fator desencadeia o distúrbio da flora vaginal normal. Supõe-se, no entanto, que haja influência da alcalinização repetida da vagina, decorrente de coitos frequentes ou do uso de duchas vaginais. Após o desaparecimento dos lactobacilos normais produtores de peróxido de hidrogênio, é difícil restabelecer a flora vaginal normal, e a recorrência de VB é comum.
Muitos estudos revelam associação entre VB e importantes eventos adversos. Mulheres com VB estão sob maior risco de doença inflamatória pélvica (DIP), DIP pós-aborto, infecções pós-operatórias da cúpula vaginal após histerectomia e anormalidades da citologia cervical. Gestantes com VB correm risco de ruptura prematura das membranas, trabalho de parto e parto pré-termo, corioamnionite e endometrite pós-cesariana. Em mulheres com VB submetidas a aborto cirúrgico ou histerectomia, o tratamento perioperatório commetronidazol elimina esse aumento do risco. 
Vaginite por Trichomonas
A vaginite por Trichomonas é causada pelo parasito flagelado, sexualmente transmitido, Trichomonas vaginalis. A taxa de transmissão é alta; 70% dos homens contraem a doença após uma única exposição a uma mulher infectada, o que sugere que a taxa de transmissão do homem para a mulher é ainda maior. O parasito, que existe apenas na forma de trofozoíta, é um anaeróbio capaz de gerar hidrogênio para se combinar ao oxigênio e criar um ambiente anaeróbico. Muitas vezes, está associado à VB, que pode ser diagnosticada em até 60% das pacientes com vaginite porTrichomonas. 
Candidíase vulvovaginal
Estima-se que 75% das mulheres tenham pelo menos um episódio de candidíase vulvovaginal (CVV) durante a vida. Quase 45% das mulheres terão dois ou mais episódios. Poucas têm infecção recorrente, crônica. A Candida albicans é responsável por 85 a 90% das infecções vaginais por leveduras. Outras espécies de Candida, como C. glabrata e C. tropicalis, causam sintomas vulvovaginais e tendem a ser resistentes ao tratamento. Candida é um gênero de fungos dimórficos que existem na forma de blastosporos, responsáveis pela transmissão e colonização assintomática, e de micélios, que são produzidos pela germinação dos blastosporos e estimulam a colonização, além de facilitarem a invasão tecidual. As extensas áreas de prurido e inflamação frequentemente associadas à invasão mínima das células epiteliais do sistema genital inferior sugerem a participação de uma toxina ou enzima extracelular na patogenia dessa doença. Fenômeno de hipersensibilidade pode ser responsável pelos sintomas irritativos associados à CVV, sobretudo nas pacientes com doença recorrente. Em geral, as pacientes com doença sintomática apresentam maior concentração desses microrganismos (> 104/ml) que as assintomáticas (< 103/ml).21
Os fatores que predispõem as mulheres à CVV sintomática incluem uso de antibióticos, gravidez e diabetes.22-25 A gravidez e o diabetes estão associados à diminuição qualitativa da imunidade celular, acarretando maior incidência de candidíase.
A classificação das mulheres com CVV não complicada ou complicada (Tabela 18.1) é de grande auxílio.
OBS.: Candidíase vulvovaginal recorrente
Um pequeno número de mulheres tem CVV recorrente (CVVR), definida como quatro ou mais episódios em 1 ano. Essas mulheres apresentam sintomas irritativos persistentes no vestíbulo e na vulva. A queimação substitui o prurido como principal sintoma em pacientes com CVVR. O diagnóstico deve ser confirmado por microscopia direta das secreções vaginais e por cultura para fungos. Muitas mulheres com CVVR presumem, de maneira errada, que têm uma micose crônica. Muitas delas apresentam dermatite atópica crônica ou vulvovaginite atrófica.
O tratamento de pacientes com CVVR é a indução de remissão dos sintomas crônicos com fluconazol (150 mg a cada 3 dias por 3 doses). As pacientes devem ser mantidas com uma dose supressora desse fármaco (fluconazol, 150 mg/semana) durante 6 meses. Nesse esquema, 90% das mulheres com CVVR permanecerão em remissão. Após terapia supressora, cerca de metade continuará assintomática; a outra metade apresentará recorrência, que deve levar à reinstituição da terapia supressora.
Vaginite inflamatória
A vaginite inflamatória descamativa é uma síndrome clínica caracterizada por vaginite exsudativa difusa, esfoliação de células epiteliais e corrimento vaginal purulento abundante. A causa de vaginite inflamatória é desconhecida, embora os achados à coloração pelo Gram mostrem ausência relativa de bacilos gram-positivos normais (lactobacilos) e sua substituição por cocos gram-positivos, em geral estreptococos. Mulheres com esse distúrbio apresentam corrimento vaginal purulento, queimação ou irritação vulvovaginal e dispareunia. Um sintoma menos frequente é o prurido vulvar. Há eritema vaginal e pode haver eritema vulvar associado, bem como manchas equimóticas vulvovaginais e colpite macular. O pH das secreções vaginais é sempre maior que 4,5 nessas pacientes.
Vaginite atrófica
O estrogênio desempenha papel importante na manutenção do microambiente vaginal. Mulheres após a menopausa – seja natural, seja secundária à remoção cirúrgica dos ovários – podem desenvolver vaginite atrófica, a qual, em determinados casos, é acompanhada de corrimento vaginal purulento intenso. Além disso, pode haver dispareunia e sangramento pós-coito em razão da atrofia do epitélio vaginal e vulvar. O exame mostra atrofia genital externa, assim como perda das pregas vaginais. A mucosa vaginal pode ser um pouco friável em algumas áreas. O exame microscópico das secreções vaginais revela predomínio de células epiteliais parabasais e aumento do número de leucócitos.
Cervicite
O colo é formado por dois tipos diferentes de células epiteliais: epitélio escamoso e epitélio glandular. A causa de inflamação cervical depende do epitélio afetado. A inflamação do epitélio ectocervical pode ser causada pelos mesmos microrganismos responsáveis pela vaginite. Na verdade, o epitélio escamoso ectocervical é uma extensão do epitélio vaginal e é contínuo a ele. Trichomonas, Candida e herpes-vírus simples (HSV) causam inflamação da ectocérvice. Por outro lado, N. gonorrhoeae e C. trachomatis infectam apenas o epitélio glandular. 
QUADRO CLÍNICO GERAL:
Conteúdo vaginal aumentado, prurido e irritação que podem estar associados a odor desagradável, à aderência e intenso desconforto.
OBS.: MUCORREIA
Aumento da secreção fisiológica. Ao exame especular: ausência de inflamação, mucosa rosa claro, muco transparente como clara de ovo.
 
2- Entender os fatores de risco e as medidas preventivas
3- Conhecer os métodos diagnósticos e tratamento
Vaginose bacteriana
· Diagnóstico
O diagnóstico de VB – o qual requer exames realizados no consultório – é feito com base nos seguintes achados:14
1. Odor vaginal tipo peixe, notável sobretudo após o coito, e corrimento vaginal
2. As secreções vaginais são cinza e formam uma fina camada de revestimento das paredes vaginais
3. O pH dessas secreções é maior que 4,5 (em geral, de 4,7 a 5,7)
4. O exame microscópico das secreções vaginais mostra um número elevado de células-alvo e notável ausência de leucócitos. Em casos avançados de VB, mais de 20% das células epiteliais são células-alvo
5. O acréscimo de KOH às secreções vaginais (o teste das aminas) libera um odor de peixe, teste das aminas.
Os médicos impossibilitados defazer o exame microscópico devem usar outros exames diagnósticos, como fita de pH e o teste das aminas, detecção de RNA de G. vaginalis ou coloração pelo Gram. No entanto, a cultura de G. vaginalis não é recomendada como método diagnóstico em razão da ausência de especificidade.
· Tratamento
O ideal é que o tratamento da VB iniba microrganismos anaeróbicos, mas não os lactobacilos vaginais. Os tratamentos a seguir são efetivos:
1. O metronidazol – um antibiótico com excelente atividade contra anaeróbios, mas pequena atividade contra lactobacilos – é o fármaco de escolha no tratamento da VB. Deve-se administrar uma dose de 500 mg por via oral (VO), 2 vezes/dia, durante 7 dias. As pacientes devem ser aconselhadas a evitar o consumo de álcool durante o tratamento e nas 24 h subsequentes
2. Também se pode prescrever metronidazol na forma de gel a 0,75%, um aplicador (5 g) por via intravaginal, 1 vez/ dia durante 5 dias.
As taxas de cura com os esquemas citados variam de 75 a 84%. A clindamicina nos esquemas a seguir também é efetiva no tratamento da VB:
1. Óvulos de clindamicina, 100 mg, por via intravaginal, 1 vez/dia ao se deitar durante 3 dias
2. Creme de clindamicina, 2%, 100 mg por via intravaginal, em dose única
3. Creme de clindamicina a 2%, um aplicador cheio (5 g) por via intravaginal, ao se deitar durante 7 dias
4. Clindamicina, 300 mg, VO, 2 vezes/dia durante 7 dias.
Muitos clínicos preferem o tratamento intravaginal a fim de que se evitem efeitos colaterais sistêmicos, como perturbação gastrintestinal leve a moderada e sabor metálico. O tratamento do parceiro sexual do sexo masculino não melhora a resposta terapêutica e, portanto, não é recomendado.
Vaginite por Trichomonas
· Diagnóstico
Os fatores imunes locais e a quantidade de protozoários inoculados influenciam o surgimento dos sintomas, os quais – assim como os sinais – podem ser muito mais leves em pacientes com um pequeno inóculo de tricomonas, assim como a vaginite por Trichomonas é frequentemente assintomática. 
1. É possível que a vaginite por Trichomonas esteja associada a corrimento vaginal fétido, purulento e abundante, o qual pode ser acompanhado de prurido vulvar
2. Corrimento vaginal purulento pode originar da vagina
3. Em pacientes com altas concentrações de organismos, podem ser observados eritema vaginal focal e colpite macular (colo em “framboesa”)
4. Em geral, o pH das secreções vaginais é maior que 5,0
5. O exame microscópico das secreções mostra tricomonas móveis e aumento do número de leucócitos
6. Pode haver células-alvo em razão da comum associação com a VB
7. O teste das aminas também pode ser positivo.
A morbidade associada à vaginite por Trichomonas pode estar relacionada com a VB. Pacientes com vaginite por Trichomonas estão sob maior risco de celulite da cúpula da vagina após histerectomia. Gestantes com vaginite por Trichomonas estão sob maior risco de ruptura prematura das membranas e de parto pré-termo. Como a vaginite por Trichomonas é transmitida sexualmente, as mulheres com essa infecção devem ser submetidas a exames para detecção de outras doenças sexualmente transmissíveis (DST), em particular Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis. Também se deve considerar o teste sorológico para sífilis e infecção pelo HIV.
· Tratamento
O tratamento da vaginite por Trichomonas pode ser resumido da seguinte maneira:
1. O metronidazol é o fármaco de escolha para tratamento da tricomoníase vaginal. Os esquemas, tanto em dose única (2 g VO) quanto em múltiplas doses (500 mg 2 vezes/dia durante 7 dias), são muito eficazes e apresentam taxas de cura aproximadas de 95%.
2. O parceiro sexual deve ser tratado
3. O gel de metronidazol, embora seja muito eficaz no tratamento da VB, NÃO deve ser usado no tratamento da tricomoníase vaginal
4. Mulheres que não respondem ao tratamento inicial devem ser tratadas novamente com 500 mg de metronidazol 2 vezes/dia durante 7 dias. Se a repetição do tratamento não for eficaz, a paciente deve ser tratada com uma dose de 2 g de metronidazol 1 vez/dia durante 5 dias outinidazol, em tomada diária única de 2 g durante 5 dias
5. Pacientes que não respondem à repetição do tratamento com metronidazol ou tinidazol e nas quais foi excluída a possibilidade de reinfecção devem ser encaminhadas a um especialista. Nesses casos refratários incomuns, uma parte importante do tratamento é obter culturas do parasito a fim de que se verifique sua sensibilidade ao metronidazol e ao tinidazol.
Candidíase vulvovaginal
· Diagnóstico
Os sintomas de CVV consistem em prurido vulvar associado a corrimento vaginal, em geral semelhante a queijo coalhado.
1. O corrimento varia de aquoso a espesso homogêneo. Pode haver úlceras vaginais, dispareunia, queimação vulvar e irritação. A disúria pode ocorrer quando a micção expõe à urina o epitélio vulvar e vestibular inflamado. O exame mostra eritema e edema da pele da vulva. É possível que haja lesões periféricas pustulopapulares bem-delimitadas. A vagina pode apresentar eritema com corrimento esbranquiçado e aderente. O colo tem aparência normal
2. Em geral, o pH da vagina em pacientes com CVV é normal (< 4,5)
3. Elementos fúngicos – seja na forma de leveduras em brotamento, seja na de micélios – estão presentes em até 80% dos casos. O resultado da preparação das secreções vaginais com solução salina costuma ser normal, embora possa haver pequeno aumento do número de células inflamatórias em casos mais graves
4. O teste das aminas é negativo
5. Pode-se fazer um diagnóstico presuntivo quando não há comprovação da presença de elementos fúngicos ao exame microscópico, se o pH e os resultados do exame da preparação com solução salina forem normais e se a paciente apresentar aumento do eritema ao exame da vagina ou da vulva. É recomendável fazer cultura para fungos a fim de confirmar o diagnóstico. Por outro lado, é improvável que mulheres com achados normais ao exame físico e sem evidência de elementos fúngicos ao exame microscópico tenham CVV, e não se deve administrar tratamento empírico, exceto se a cultura vaginal para leveduras for positiva.
· Tratamento
O tratamento da CVV é resumido adiante:
1. A aplicação tópica de fármacos do grupo dos azóis é o tratamento mais frequente da CVV, além de ser mais eficaz que a nistatina16 (Tabela 18.2). O tratamento com azóis causa alívio dos sintomas e culturas negativas em 80 a 90% das pacientes que concluíram o tratamento. Em geral, os sintomas desaparecem em 2 a 3 dias. Recomendam-se os esquemas de curta duração de até 3 dias. Embora o menor período de terapia implique menor duração do tratamento, as formulações para administração por curto período têm maiores concentrações do antifúngico, causando uma concentração inibitória na vagina que persiste por vários dias
2. Um antifúngico oral, o fluconazol, usado em dose única de 150 mg, é recomendado para tratamento da CVV. Parece ter eficácia igual à dos azóis tópicos no tratamento da CVV leve a moderada.26 As pacientes devem ser advertidas de que os sintomas persistirão por 2 a 3 dias após o início do tratamento para não haver expectativa da necessidade de tratamento adicional
3. Mulheres com CVV complicada (Tabela 18.1) são beneficiadas por uma dose complementar de 150 mg de fluconazol administrada 72 h após a primeira dose. Pacientes com complicações podem ser tratadas com um esquema tópico mais prolongado, com duração de 10 a 14 dias. A terapia auxiliar com um esteroide tópico fraco, como o creme de hidrocortisona a 1%, pode ajudar a aliviar alguns dos sintomas irritativos externos.
Vaginite inflamatória
O tratamento inicial é o uso de creme de clindamicina a 2%, um aplicador cheio (5 g) por via intravaginal, 1 vez/dia, por 7 dias. Há recidiva em cerca de 30% das pacientes, que devem ser tratadas novamente com creme declindamicina a 2% intravaginal por 2 semanas. Quando há recidiva em pacientes na pós-menopausa, deve-se cogitar a terapia de reposição hormonal suplementar.
Vaginite atrófica
O tratamento em pacientes com vaginite atrófica se dá por meio de creme vaginal deestrogênio tópico. Na maioria dos casos, o uso diário de 1 g de creme de estrogênios conjugados por via intravaginal, durante 1 a 2 semanas, proporciona alívio. Deve-se considerar a terapia de manutenção com estrogênio, tópico ou sistêmico, a fim de que se evite a recorrência do distúrbio.
 
Cervicite
· Diagnóstico
O diagnóstico de cervicite baseia-se na presença de corrimento endocervical purulento, em geral de cor amarela ou verde, denominado “mucopus”.30
1. Após a remoção das secreções ectocervicais com um swab grande, insere-se um swab pequeno de algodão no canal endocervical para que se extraia o muco cervical. O swab de algodão é examinado contra um fundo branco ou preto com o objetivo de se detectar a cor verde ou amarela do mucopus. Além disso, a zona de ectopia (epitélio glandular) é friável e sangra com facilidade. Essa característica pode ser avaliada tocando-se o ectrópio com um swab de algodão ou uma espátula
2. A distribuição do mucopus sobre uma lâmina que pode ser corada pelo método de Gram mostra o aumento do número de neutrófilos (> 30 por campo de grande aumento). Também é possível se detectarem diplococos gram-negativos intracelulares, o que leva ao diagnóstico presuntivo de endocervicite gonocócica. Se os resultados da coloração pelo Gram forem negativos para gonococos, o diagnóstico presuntivo é de cervicite por clamídia
3. Devem ser feitos exames para gonorreia e clamídia, de preferência testes de amplificação de ácido nucleico. A etiologia microbiana da endocervicite é desconhecida em cerca de 50% dos casos nos quais não são detectados gonococos nem clamídia.
· Tratamento
O tratamento da cervicite é feito com um esquema antibiótico recomendado para tratamento de infecção não complicada do sistema genital inferior por clamídia e gonorreia16 (Tabela 18.3). A resistência à fluoroquinolona é comum em isolados de Neisseria gonorrhoeae; portanto, esses fármacos não são mais recomendados para o tratamento de mulheres com cervicite gonocócica. É fundamental todos os parceiros sexuais serem tratados com esquema antibiótico semelhante. É comum a associação de cervicite e VB, que, se não tratada ao mesmo tempo, causa acentuada persistência dos sinais e sintomas de cervicite.
 
4- Depreender a abordagem propedêutica ginecológica
• Somos todos produtos do nosso ambiente, nosso background e da nossa cultura. É de extrema importância que se verifique a situação geral, social e familiar da paciente. Para isso, o médico deve ser imparcial, sobretudo no que diz respeito a questões sobre práticas sexuais e orientação sexual.
• Para a avaliação e o tratamento da paciente, é essencial uma boa comunicação. O alicerce dessa comunicação baseia-se em quatro habilidades-chave, a saber: empatia, escuta atenciosa, conhecimento especializado e bom relacionamento médico-paciente. Tais habilidades podem ser aprendidas e refinadas.
• O juramento de Hipócrates exige que os médicos sejam prudentes com todas as informações relativas à paciente. Para que esse diálogo seja eficaz, a paciente precisa sentir-se capaz de discutir seus problemas profunda e confidencialmente.
• Diferentes estilos de comunicação influenciam a capacidade médica de perceber o estado da paciente e alcançar tanto o objetivo de avaliação ideal como um tratamento bem-sucedido. A natureza íntima e altamente pessoal de muitas condições ginecológicas demanda extrema sensibilidade para se evocar uma resposta satisfatória.
• Algumas pacientes não obtêm informações acuradas a respeito de suas doenças, o que pode resultar em insatisfação com a assistência médica, agravamento da ansiedade, angústia, dificuldades de enfrentamento, insucesso no tratamento e resposta insatisfatória a ele.
• Após o estabelecimento do diálogo, a avaliação da paciente ocorre obtendo-se uma anamnese e a realização do exame fisico. Ambos os aspectos da avaliação dependem da boa relação médico-paciente e de atenção aos detalhes.
• Após a conclusão do exame físico, a paciente deve ser informada a respeito dos achados. Quando os resultados são normais, é necessário que ela seja tranquilizada adequadamente. Quando, porém, eles revelam uma possível anormalidade, a paciente tem de ser informada de imediato; essa conversa precisa ocorrer após o exame, com a paciente vestida.
A prática da ginecologia exige muitas habilidades. Para além do conhecimento técnico, o ginecologista deve desenvolver habilidades interpessoais e de comunicação que promovam a relação médico-paciente e a confiança.
A avaliação tem de ser da “paciente como um todo” – e não apenas do seu estado de saúde –, observando qualquer condição clínica aparente, assim como seus aspectos psicológicos, sociais e familiares. Para se analisar a paciente dentro de um contexto apropriado, questões ambientais e culturais que a afetam também têm de ser levadas em consideração. Tal abordagem é valiosa em avaliações de rotina e de condições clínicas específicas, pois fornecem oportunidades para assistência preventiva e aconselhamento continuado.
Variáveis que influenciam o estado da paciente
Inúmeras variáveis externas exercem influência na paciente e na assistência que ela recebe. Alguns desses fatores incluem seus entes queridos – familiares, amigos e relacionamentos pessoais e íntimos (Tabela 1.1) –, bem como questões psicológicas, genéticas, biológicas, sociais e econômicas. Fatores que influenciam a percepção de doença e dor da paciente e os meios pelos quais ela foi ensinada a lidar com a doença incluem seu grau de escolaridade, suas atitudes, sua compreensão tanto da sexualidade como da reprodução humana e sua história familiar.1-3
Fatores culturais – como condição socioeconômica, religião, etnia, idioma, idade e orientação sexual – são considerações importantes no entendimento da resposta da paciente à sua assistência.
Tabela 1.1 Variáveis que influenciam o estado da paciente.
	Paciente
	Idade
	História da doença atual
	Atitudes e percepções
	Orientação sexual
	Hábitos pessoais (p. ex., etilismo, tabagismo e uso de medicamentos/drogas ilícitas)
	Família
	Estado civil da paciente (p. ex., casada, separada, solteira, mas vivendo em união estável, divorciada)
	Obrigações familiares (p. ex., crianças pequenas, crianças com necessidades especiais, pais idosos)
	Irmãos (p. ex., quantidade, idade, nível de proximidade)
	História (p. ex., doença)
	Ambiente
	Ambiente social (p. ex., comunidade, conexão social)
	Condição econômica (p. ex., pobreza, sem seguro social)
	Religião (p. ex., religiosidade, espiritualidade)
	Background cultural e étnico (p. ex., língua nativa, comunidade)
	Carreira (p. ex., ambiente de trabalho, satisfação, responsabilidades, estresse)
Somos todos produtos do nosso ambiente, nosso background e da nossa cultura. É de extrema importância que se verifique a situação geral, social e familiar da paciente.4 A base cultural é particularmente importante para a assistência em saúde reprodutiva.5
O contexto familiar da paciente pode e deve ser verificado de modo direto. É necessário que se inclua, na história da família, uma análise cuidadosa dos parentes que manifestaram doenças significativas, tais como câncer ou uma enfermidade a qual a paciente percebe ser uma explicação potencial para seus próprios sintomas. A perspectiva dela com relação à própria doença fornece informações importantes para a análise médica, e um questionamento específico para se extraírem esses dados pode melhorar a satisfação com a interação. 
É importante o entendimento da paciente a respeito dos eventos-chave na história clínica da família e de como eles se relacionam com ela. A história sexual da paciente, seus relacionamentos e suas práticas devem ser entendidos, e seu nível funcional de satisfação nessas áreas, determinado. Para isso, o médico deve ser imparcial, sobretudo no que diz respeito a questões sobre práticas sexuais e orientação sexual.
Comunicação
Para a avaliação e o tratamento da paciente, é essencial uma boa comunicação. A relação médico-paciente baseia-se na comunicação conduzida de maneira aberta,honesta e cuidadosa, pois isso possibilita que os problemas e a situação da paciente sejam acuradamente entendidos e que soluções eficazes sejam elaboradas em conjunto. Uma boa comunicação demanda paciência, dedicação e prática; além disso, envolve escuta cuidadosa e comunicação tanto verbal quanto não verbal.
O alicerce dessa comunicação baseia-se em quatro habilidades-chave, a saber: empatia, escuta atenciosa, conhecimento especializado e bom relacionamento médico-paciente. Tais habilidades podem ser aprendidas e refinadas. Quando o relacionamento inicial com a paciente é estabelecido, o médico precisa buscar atentamente técnicas de entrevista que continuem criando oportunidades para promover a compreensão das preocupações da paciente. Confiança é o elemento fundamental que encoraja a comunicação aberta dos sentimentos, das preocupações e dos pensamentos da paciente, em vez da ocultação de informações. 
Um elemento essencial do diálogo – o compartilhamento do idioma e da cultura – pode ser perdido quando o médico interage com uma paciente que não entenda o idioma dele ou o compreenda bem apenas parcialmente. A concordância linguística entre o médico e a paciente é presumida em muitas discussões sobre comunicação. Mais de 18% das norte-americanas falam outro idioma além do inglês em casa, ao passo que mais de 8% têm conhecimento limitado do inglês. Barreiras linguísticas estão associadas à educação sanitária limitada, ao cuidado interpessoal comprometido e à baixa satisfação da paciente com a assistência médica. No entanto, intérpretes ou médicos bilíngues podem mitigar esses efeitos.
O Estado da Califórnia reconhece a importância da comunicação nas interações médico-paciente por meio de uma provisão no Código de Saúde e Segurança que diz: “onde barreiras linguísticas ou de comunicação existem entre pacientes e a equipe de qualquer hospital geral de emergência, adaptações devem ser feitas para que intérpretes ou equipes de profissionais bilíngues possam garantir uma comunicação adequada e rápida entre os pacientes e a equipe”. Portanto, treinamentos de futuros médicos em línguas estrangeiras têm recebido atenção crescente nas escolas médicas dos Estados Unidos e contribuirão para a melhora da prática clínica e a redução das disparidades na assistência médica.14
Embora existam muitos estilos de interação com as pacientes e cada médico deva determinar e desenvolver a melhor maneira de se manter esse relacionamento, os médicos devem transmitir que estão aptos e dispostos a ouvir e que recebem a informação delas com total confidencialidade. 
O juramento de Hipócrates exige que os médicos sejam prudentes com todas as informações relativas à paciente. O The Health Insurance Portability and Accountability Act (HIPAA), em vigor desde 2003, estabeleceu padrões nacionais com a intenção de proteger a privacidade da informação da paciente. Medos iniciais expressos sobre o impacto das regulações do HIPAA e o potencial para responsabilidade legal levaram a discussões sobre a comunicação apropriada e julgamentos médicos fundamentados em princípios éticos de confidencialidade para se prover uma boa assistência médica (ver Capítulo 2). 
Habilidades de comunicação
É essencial para o médico se comunicar com a paciente de uma maneira que a possibilite continuar a buscar atenção médica apropriada. As palavras usadas, os padrões de discurso, a maneira como as palavras são ditas, mesmo a linguagem corporal e o contato visual, são aspectos importantes da relação médico-paciente.
O papel tradicional do médico era paternalista, com a expectativa dele em dizer comandos ou “ordens” diretas e orientações específicas sobre todos os assuntos.4 Agora, porém, as pacientes exigem e esperam uma comunicação mais equilibrada com seus médicos, o que é mais apropriado. Embora elas não tenham conhecimentos equivalentes aos dos médicos, esperam ser tratadas com consideração e respeito, de maneira que se reconheça sua individualidade. 
A comunicação entre o médico e a paciente tem recebido mais atenção na formação médica atual e está sendo reconhecida como uma tarefa importante do aprendizado profissional ao longo da vida, além de ser um elemento-chave na prestação bem-sucedida de assistência médica.18
Como resultado do acesso eletrônico à informação médica, as pacientes às vezes dispõem de um conhecimento médico mais específico de determinado problema clínico que o próprio médico. Quando esse é o caso, é imperativo que o médico não fique na defensiva. A paciente, com frequência, não tem conhecimento amplo do contexto do problema, consciência da confiabilidade variável das fontes de informação eletrônicas, capacidade para acessar determinado estudo ou relato no jornal dentro de um contexto histórico ou em comparação com outros estudos sobre o assunto, conhecimento das interações medicamentosas, capacidade de manter distância intelectual objetiva do tópico ou experiência essencial na arte e ciência da medicina. O médico tem tais habilidades e extenso conhecimento, enquanto o interesse da paciente é pessoal, intensamente focado na sua condição clínica específica.
Estudos sobre as percepções dos médicos sobre o impacto da informação médica baseada na Internet na relação médico-paciente encontraram pontos tanto positivos quanto negativos; médicos expressaram preocupações sobre o entrave no manejo eficiente do tempo durante uma consulta, mas um ponto positivo nos efeitos potenciais na qualidade da assistência e nos desfechos da paciente. Uma relação de colaboração que possibilite às pacientes um envolvimento interativo maior na relação médico-paciente pode levar a melhores resultados. 
Relação médico-paciente
O padrão do discurso do médico pode influenciar a interação com a paciente. Existe evidência de que habilidades de entrevista originadas cientificamente e validadas do ponto de vista empírico podem ser ensinadas e aprendidas, e o uso consciente dessas habilidades é capaz de resultar em melhores desfechos.
Para que esse diálogo seja eficaz, a paciente precisa sentir-se capaz de discutir seus problemas profunda e confidencialmente. Porém, essa comunicação tem-se tornado mais difícil em razão das restrições de tempo impostas pela pressão da agenda do médico por questões econômicas. Por isso, tanto o médico quanto a paciente precisam reavaliar, com frequência, suas prioridades.
Se a paciente percebe que participa da tomada de decisão e que recebe o máximo de informação médica possível, ela responderá ao plano de tratamento mutuamente planejado com níveis menores de ansiedade e de depressão, adotando-o como um plano de ação colaborativo. Ela deve ser capaz de propor alternativas ou modificações às recomendações médicas que reflitam suas próprias crenças e atitudes.
Existe ampla evidência de que a comunicação, o entendimento e os resultados do tratamento da paciente apresentam melhoras quando as conversas com os médicos são mais diálogos do que palestras. Ademais, quando as pacientes sentem que têm algum espaço para negociação, elas tendem a reter mais informação acerca das recomendações da assistência médica.
O conceito de planejamento colaborativo entre pacientes e médicos é adotado como uma aliança mais eficaz do que o modelo prévio no qual médicos emitiam ordens.22 A paciente, então, torna-se mais ativa no processo de determinação das escolhas da assistência médica. Por exemplo, decisões sobre os riscos e benefícios da terapia de reposição hormonal na menopausa devem ser discutidas no contexto da saúde individual e história familiar, assim como no de suas crenças e seus objetivos. A mulher decide se os benefícios potenciais superam os riscos potenciais, e ela é a pessoa que determina se irá ou não usar tal terapia. Enquanto a maioria das pacientes prefere dividir a tomada de decisão na face da incerteza, com uma discussão baseada em evidência dos seus riscos e benefícios, outras querem uma abordagem mais direta.23 O desafio do médico é ser capaz de personalizar a interação e a comunicação.
Existe evidência de que, quando as pacientes sãoouvidas e compreendidas, tornam-se mais falantes e questionadoras, e sua saúde melhora.9 A participação facilita o investimento e o fortalecimento. Além disso, uma boa comunicação é essencial para a manutenção da relação entre a paciente e o médico que prestará a assistência continuada. A manutenção da saúde, portanto, pode ser ligada diretamente à influência de interações positivas entre o médico e a paciente.
Mulheres que mantêm um relacionamento agradável com seu médico podem estar mais propensas a levantar questões ou preocupações acerca de riscos potenciais à saúde, transmitir informações a esse respeito e tornar-se mais receptivas às recomendações médicas. Esse grau de harmonia, além de poder promover a eficácia das intervenções em saúde – incluindo modificação de comportamento –, ajuda a garantir que as pacientes retornarão à assistência regular, pois sentem no médico um verdadeiro interesse em seu bem-estar e, como consequência, terão confiança na qualidade do tratamento e da orientação que receberem.

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