Prévia do material em texto
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Bryan Lawson • • • • • • • • • • • ... • • • • • • • • • • • • COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Bryan Lawson Tradução I Maria Beatriz Medina Copyright original© 2006, Bryan Lawson. Publicado originalmente pela Elsevier Ltd. Todos os direitos reservados. Copyright© 2006, Bryan Lawson. Originally published by Elsevier Ltd. All rights reserved. Copyright© 2011 Oficina de Textos 1ª reimpressão 2015 Esta edição de How Designers Think, de Bryan Lawson, foi publicada em acordo com a ELSEVIER LIMITED, The Boulevard, Langford Lane, Kidlington, Oxford, OX5 1GB, Reino Unido. A tradução é de responsabi- lidade da Oficina de Textos. ISBN original: 978-0-7506-6077-8. Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009. Conselho editorial Cylon Gonçalves da Silva; Doris C. C. K. Kowaltowski; José Galizia Tundisi; Luis Enrique Sánchez; Paulo Helene; Rozely Ferreira dos Santos; Teresa Gallotti Florenzano Capa e Projeto grá fico Malu Vallim Diagramação Cristina Carnelós, Douglas da Rocha Yoshida e Malu Vallim Preparação de figuras Cristina Carnelós Preparação de Textos Gerson Silva Revisão de Textos Felipe Marques e Marcel lha Tradução Maria Beatriz Medina Impressão e acabamento Prol editora gráfica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Lawson, Bryan Como arquitetos e designers pensam/ Bryan Lawson; tradução Maria Beatriz Medina. -- São Paulo : Oficina de Textos, 2011. Título original: How designers think : the design process demystified . Bibliografia ISBN 978-85-7975-017-5 1. Comunicação em design 2. Design I. Título. 11-02746 CDD-745.4 Índices para catálogo sistemático: 1. Design: Artes 745.4 A Oficina de Textos e a Elsevier Ltd., na extensão permitida sob as leis aplicáveis, não assumem qualquer responsabilidade por perdas e danos sofridos por pessoas, animais ou propriedades referentes a declarações caluniosas, violações de propriedade intelectual ou direitos de privacidade, ou responsabilidade de produtos, negligência ou outros, - reais ou alegados-, ou proveniente do uso ou operação de quaisquer ideias, instruções, méto- dos, produtos ou procedimentos contido nesta obra. Todos os direitos reservados à Editora Oficina de Textos Rua Cubatão, 959 CEP 04013-043 São Paulo SP tel. (11) 3085-7933 (11) 3083-0849 www.ofitexto.com.br atend@ofitexto.com.br Para Rosie Prefácio Neste momento, este livro tem uma história longa demais para o meu gosto. É assustador pensar que a primeira edição foi publicada há quase um quarto de século. Desde então não saiu de catálogo e muitos tiveram a gentileza de me dizer que o livro lhes foi útil nos estudos, na pesquisa ou no desenvolvimento do seu processo de projeto. Nem é preciso dizer que muitos outros foram bem mais críticos em relação a algumas ideias, e que a maioria dos seus argumentos foi levada em conta conforme o livro progrediu nas edições anteriores a esta, que é a quarta. A princípio, este livro não pretendia ser normativo, e con- tinua assim. Ele é uma tentativa de reunir boa parte do que sei sobre projetar. É claro que esse conhecimento vem de mui- tos anos de pesquisa. Mas vem também de ensinar projetistas com históricos bem variados. Ensinei alunos de arquitetura, de design de interiores, de desenho industrial e de produtos, de urbanismo e de planejamento urbano, de paisagismo, de design gráfico e também os que desenvolvem mundos virtuais, como sites na internet e desenhos animados. Também dei aulas nas áreas de ergonomia, projeto de sistemas e programação de computadores. Várias vezes esses alunos me divertiram, surpreenderam e entretiveram. Sempre me ensinaram coisas novas e, às vezes, me espantaram. O encanto e a vantagem desses alunos noviços deve-se, muitas vezes, ao fato de não perceberem que algumas coisas são consideradas difíceis, e de vez em quando eles mostram que é possível transformar o complexo em simples e resolver o que é espinhoso. É por isso que projetar vicia tanto e é tão fascinante, mas é claro que também, com muita frequência, é frustrante e enfurecedor. Tive o privilégio de conhecer muitos projetistas maravilhosos, alguns conhecidíssimos, outros menos famosos. Discutimos as ideias deste livro. É comum que projetistas de muito suces- so me avisem, no início das discussões, que conseguem des- crever os projetos com mais facilidade do que os processos. Na verdade, em geral conseguem dizer muito mais sobre o processo do que antes achavam possível. Para alguns leitores, pode parecer estranho que falo relativamente pouco da obra final de alguns desses projetistas bem-sucedidos. O fato é que se escreve muito mais sobre projetos do que sobre processos, por isso não peço desculpas por dizer pouquíssimo aqui sobre o produto e me concentrar no processo. Se eu fosse começar a escrever este livro agora, do nada, provavelmente faria tudo diferente. Depois que o publiquei, escrevi mais dois sobre assuntos correlatos, Design in Mind [O projeto em mente] e What Designers Know [O que sabem os projetis- tas]. Na verdade, esse último é irmão deste aqui. Revisei esta quarta edição à luz das pesquisas mais recentes, mas tam- bém com o conhecimento de que What Designers Know já foi publicado. Na verdade, ambos os livros, reunidos, representam as minhas ideias mais recentes. Esta quarta edição tem dois capítulos inteiramente novos no final. Os capítulos da tercei- ra edição sobre projetar com desenhos e projetar com compu- tadores foram removidos. Em essência, ambos estudavam o modo como o conhecimento do projeto é transferido da mente humana para alguma representação externa. Agora, as ideias principais que brotaram desse estudo podem ser encontradas, de forma muito mais desenvolvida, em What Designers Know. Aqui, o primeiro capítulo novo discute a ideia do projeto como conversa. Além de a popularidade dessa visão do projeto ter aumentado no período em que este livro esteve em catálogo, agora ela constitui um modo de pensar sobre muitas questões importantes relativas ao modo como os projetistas trabalham em equipe, com desenhos e com computadores. O segundo capítulo novo tenta resumir, de forma bastante impulsiva, a série de atividades que, segundo acredito, formam o processo de projeto. Também incorpora e resume algumas lições que só recentemente nos foram disponibilizadas sobre como real- mente trabalham os projetistas experientes e como isso pode ser diferente do modo como os novatos trabalham. Portanto, no livro agora há três novos resumos. O modelo de problemas de projeto desenvolvido no Cap. 6, as conclusões intermediárias do Cap. 7 e o sumário final da atividade de pro- jetar no Cap. 16. Duvido muitíssimo que esse seja o fim da his- tória. Tenho certeza de que muitos me dirão que não é e que continuaremos a ter os mesmos debates interessantes e fasci- nantes dos quais tive a sorte de participar durante tantos anos. Já pesquiso o processo de projeto há mais de quatro décadas, conheci a maioria dos que contribuem de forma significativa e constante com o tema e me beneficiei muito das discussões entre todos os envolvidos. Os Design Thinking Research Sym- posia (Simpósios de Pesquisa sobre o Pensamento ao Projetar] e as Creativity and Cognition Conferences (Conferências de Criatividade e Cognição] trouxeram inspirações específicas. Supervisionei a pesquisa de muitos alunos e me beneficiei da colaboração com eles. Sou muito grato a todos os que me aju- daram a dar forma a essas ideias mal-ajambradas enquanto procuramos o entendimento desta que é a mais mágica de todas as realizações cognitivas humanas: projetar. Bryan Lawson Apresentação O livro Como Arquitetos e Designers Pensam (How Designers Think, no original em inglês)foi publicado pela primeira vez em 1980 por Bryan Lawson. Em sua quarta edição, publicada em 2006, esta obra teve um papel fundamental nos estudos sobre o processo de projeto, principalmente em Arquitetura. A pri- meira edição marcou um momento importante na história do movimento chamado Design Methods, na busca de aprofundar o conhecimento sobre os procedimentos e as atividades cogni- tivas do processo de projeto. As investigações na área de Metodologia de Projeto foram formalizadas durante a década de 1950, quando arquitetos e engenheiros atentos ao panorama científico procuraram apli- car novas técnicas ao desenvolvimento de projeto para melho- rar a qualidade do processo e dos seus produtos. No final de 1962, realizou-se em Londres a primeira conferência sobre métodos de projeto (Conference on Design Methods), com o obje- tivo de buscar e definir métodos sistemáticos de resolução de problemas. Seguiram-se outros congressos importantes e sur- giram grupos de estudo sobre métodos de projeto. O assun- to tomou rumos diversos nos cinquenta anos seguintes, mas a criação de vários periódicos, como a revista Design Studies, publicada pela Elseuier Ltd., constituiu uma importante fonte para pesquisa em projeto e atesta a vitalidade contínua de estudos na área. Nigel Cross, um dos criadores do periódico Design Studies, identifica os principais assuntos discutidos pelos expoentes dos métodos de projeto como sendo: o controle do processo de proje- to, a estrutura dos problemas de projeto, a natureza da ativida- de de projeto, e a filosofia do método de projeto. Bryan Lawson, na sua obra Como Arquitetos e Designers Pensam, aborda os quatro assuntos, com ênfase na natureza da atividade de projeto. No Brasil, os Design Methods não tiveram expressiva reper- cussão na atividade profissional dos escritórios de projeto e influenciaram pouco os programas de ensino ou pesquisa das escolas de Arquitetura. Um dos motivos dessa indiferença pode ser a falta de traduções de publicações seminais como, por exemplo, esta obra. Desta forma, a tradução do livro de Bryan Lawson, em sua quarta edição, traz uma importante contribuição para a área, que deve enriquecer as discussões sobre o processo de projeto. Espera-se poder contar com outras traduções de autores como John Christopher Jones, Christopher Alexander, Geo- ffrey Broadbent, Õmer Akin, Donald Schõn e Nigel Cross, entre outros. Algumas das obras desses autores já foram traduzidas para o português, mas faltam ainda importantes textos, inclu- sive do próprio Bryan Lawson, para estimular e apoiar os estu- dos da área no Brasil. Este livro de Lawson discute assuntos como: o papel do designer ou projetista em arquitetura, os componentes dos pro- blemas em projeto e a busca de soluções. Os estilos de pen- samento são analisados com ênfase no processo criativo. Analisa-se a estrutura do processo e propõe-se um modelo na última parte da obra, que na quarta edição toma novos rumos. É dada menos importância aos impactos da informática no pro- cesso de projeto, e Lawson reafirma a sua fascinação pela prá- tica de projeto, ou seja, pelo estudo e compreensão da magia que acontece no processo criativo de projeto. Esses assuntos são apresentados por Lawson com vários exemplos de diversas áreas, principalmente a sua própria experiência como arquite- to e professor de projeto, relatada em linguagem rica e agradá- vel de ler. A tradução de obras sobre o processo de projeto não é uma tarefa fácil, inclusive pelas dificuldades em encontrar termos corretos para os assuntos abordados. Para começar, o próprio título do livro, onde figura o profissional "designer", encontrou algumas dificuldades na sua definição em português. Trata- -se de que tipo de projetista? Projetos são desenvolvidos em todas as atividades humanas e as palavras "design" e "designer", constando atualmente nos dicionários de língua portuguesa, referem-se respectivamente às atividades de diagramação grá- fica e aos profissionais do desenho industrial. A obra de Lawson discute estas questões, analisando principalmente o proces- so cognitivo de profissionais em arquitetura. Desta maneira, optou-se pelo título Como os Arquitetos e Designers Pensam. A tradução desta obra destina-se a profissionais de projeto, arquitetos, designers, engenheiros e alunos de graduação e pós- -graduação, bem como pesquisadores da área de teoria e pro- jeto. Com esta empreitada, a Editora Oficina de Textos oferece para este público no Brasil uma das obras mais reconhecidas e importantes sobre como os problemas e as soluções em pro- jeto são abordados. Doris C. C. K. Kowaltowski Profª Titular da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - Universidade Estadual de Campinas Agradecimentos Sou muito grato aos muitos estudantes de projeto que foram meus alunos com o passar dos anos e que frequentemente questionam, com a sua imaginação criativa, as ideias do pro- fessor. Agradeço especificamente as muitas discussões e deba- tes que tivemos durante tantos anos no meu grupo de pesqui- sa e com outros colegas. Os que contribuíram dessa maneira são tantos que não é possível citá-los, mas, se continuam inte- ressados a ponto de ler isto aqui, espero que saibam quem são! Tenho de agradecer aos projetistas que concordaram em submeter-se à minha investigação. Muitos gozam de sólida reputação e tiveram coragem suficiente para me abrir a sua mente. Espero que sintam que aqui fiz justiça ao seu talento. Pelo fornecimento de ilustrações, também sou grato a: Richard Seymour, de Seymour/Powell, Londres, Reino Uni- do, pelas Figs. 10.4 e 15.2; Ken Yeang, da T. R. Hamzah, e Yeang Sdn Bhd, de Kuala Lumpur, Malásia, pela Fig. 10.5; Richard MacCormac, de MacCormac, Jamieson, Prichard, Londres, Reino Unido, pelas Figs. 11.5, 11.6 e 14.3; Professor Peter Blundell Jones, da Universidade de Sheffield, Reino Unido, pela Fig. 11.7; Kit Allsopp, da Kit Allsopp Architects, Londres, Reino Unido, pelas Figs. 12.1 e 12.2; Michael Wilford, de Michael Wilford and Partners, Londres, Reino Unido, pela Fig. 12.3; Eva Jiricna, de Eva Jiricna Architects, Londres, Reino Unido, pela Fig. 12.4; Robert Venturi, de Venturi, Scott Brown and Associates, Fila- délfia, EUA, pelas Figs. 12.5 e 12.6; GeoffJones, de Building and Urban Design Associates, Birmin- gham, Reino Unido, pela Fig. 13.9; Steven Groak, de Ove Arup Partnership, Londres, Reino Unido, pela ideia da Fig. 15.3; Richard Burton, de Ahrends, Koralek and Burton, Londres, Rei- no Unido, pelas Figs. 14.1 e 14.2; Peter Durand, Londres, Reino Unido, pela Fig. 14.4; Ian Ritchie, de Ian Ritchie Associates, Londres, Reino Unido, pela Fig. 15.1. Sumário Prefácio Apresentação Agradecimentos Primeira parte O QUE É PROJETAR? 1 2 3 Introdução A mudança do papel do projetista Mapeamento do processo de projeto Segunda parte PROBLEMAS E SOLUÇÕES 4 5 6 7 Os componentes dos problemas de projeto Medições, critérios e avaliação ao projetar Modelo de problemas de projeto Problemas, soluções e o processo de projeto 4 7 10 13 15 27 40 57 59 68 86 11 O Terceira parte O PENSAMENTO AO PROJETAR 125 8 Tipos e estilos de pensamento 9 Pensamento criativo 10 Princípios condutores 11 Estratégias para projetar 12 Táticas para projetar 13 Armadilhas do projeto 14 Projetar com outros 15 Projetar como conversa e percepção 16 Rumo a um modelo de projeto Referências bibliográficas Índice remissivo 127 141 153 171 187 205 216 245 264 280 289 PARTE UM O QUE É PROJETAR? 1 Introdução Ponha um g rupo de arquitetos, urbanistas e planejado res nu m ônibus de tu rismo e as suas ações definirão os limites dos seus interesses. Os arquitetos tirarão fotog rafias de prédios, estradas e pontes. Os urbanistas esperarão o momento em que os três estejam juntos.Os planejadores est arão ocupados demais falando para olhar pela janela. Denise Scott Brown, A D Urban Concepts Ver o pensament o com o habilidade e não como dom é o primeiro passo para agi r de modo a aprimo rar essa habilidade. Edward de Bono, Practica/ Thinking 1.1 Projetar A própria palavra "projetar" é o primeiro problema que temos de enfrentar neste livro, já que tem uso cotidiano mas, para cada grupo, o seu significado é diferente e bem específi- co. Vamos começar observando que há o verbo projetar e o substantivo projeto, que pode se referir tanto ao produto final quanto ao processo. Há relativamente pouco tempo, a palavra inglesa designer, ou "projetista", chegou até a ser usada como adjetivo. Embora, por um lado, se possa considerar que isso trivializa a atividade de projetar como moda apenas, o uso da palavra como adjetivo indica algo importante para nós neste livro. Indica que nem todo projeto tem o mesmo valor e que, talvez, o trabalho de alguns projetistas seja considerado mais importante do que o de outros. Neste livro, não estudaremos como projetos e designs nos propiciam acessórios da moda. Na verdade, não daremos muita atenção direta ao produto final dos projetos. Este livro trata principalmente do projeto 16 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM enquanto processo. Daremos atenção ao funcionamento desse processo, ao que sabemos ou não a seu respeito e a como é aprendido e praticado por pro- fissionais e especialistas. Estaremos interessados em como auxiliar o pro- cesso com o uso de computadores e com o trabalho em grupo. Estaremos interessados em como levar todos os envolvidos a se fazer ouvir. Até certo ponto, podemos consi- derar genérica a atividade de projetar, mas, ainda assim, parece haver dife- renças reais entre os produtos finais criados por projetistas de vários cam- pos. Assim, uma das perguntas presen- tes no livro todo será até que ponto os projetistas têm processos em comum e até que ponto esses processos variam de um campo a outro e entre indiví- duos. Um engenheiro estrutural pode chamar de projeto o processo de calcu- lar as dimensões de vigas de uma edifi- cação. Na verdade, esse é um processo quase inteiramente mecânico. Apli- cam-se várias fórmulas matemáticas e os valores apropriados das várias car- gas que agirão sobre a viga; o resultado é o tamanho necessário. É bem com- preensível que o engenheiro use aqui a palavra "projeto", já que esse processo é bem diferente da "análise" na qual as cargas são propriamente determina- das. No entanto, ao criar o projeto de uma nova coleção, o estilista de moda pode ficar um tanto perplexo com o uso da palavra "projeto" pelo engenheiro. O processo do engenheiro nos parece relativamente preciso, sistemático e até mecânico, enquanto a criação de moda parece mais imaginativa, imprevisí- vel e espontânea. Desde o princípio, o engenheiro sabe mais ou menos o que é preciso. Nesse caso, uma viga que tenha a propriedade de cobrir o vão necessá- rio e suportar as cargas conhecidas. É provável que o conhecimento do esti- lista de moda sobre o que é necessário seja muito mais vago. A coleção pre- cisa atrair a atenção e vender bem, e possivelmente aumentar o renome da confecção. No entanto, essas informa- ções nos dizem muito menos sobre a natureza do produto final do processo de projeto do que as do engenheiro que projeta a viga. Na verdade, até certo ponto, ambas as descrições são caricaturas, já que a boa engenharia exige considerável ima- ginação e muitas vezes pode ter resulta- do imprevisível, e é pouco provável que se consiga boa moda sem considerá- vel conhecimento técnico. Portanto, os vários tipos de projeto lidam com ideias precisas e vagas, exigem pensamen- to sistemático e caótico, precisam de ideias criativas e cálculos mecânicos. No entanto, um grupo de campos pare- ce ficar próximo do meio dessa série de atividades que envolvem projetos. Os campos tridimensionais e ambientais da arquitetura, do design de interiores, do desenho industrial e de produto, do urbanismo e do paisagismo exigem todos que o projetista gere produtos finais belos e também úteis, práticos e que funcionem bem. Nesses campos, na maioria dos casos, é provável que pro- jetar exija considerável especialização e conhecimento técnico, além de ima- ginação visual e capacidade específica. Os projetistas desses campos geram objetos ou lugares que podem ter gran- de impacto sobre a qualidade de vida de muita gente. Os erros podem causar inconveniências graves e custos ele- vados, e podem até mesmo ser perigo- sos. Por outro lado, projetos muito bons podem se aproximar do poder que as artes plásticas e a música têm de elevar o espírito e enriquecer a vida. A arquitetura é um dos campos com localização mais central nesse espectro da atividade de projetar e, provavel- mente, é sobre ela que mais se escreve. Como o autor é arquiteto, haverá mui- tos exemplos arquitetônicos neste livro. No entanto, este não é um livro sobre arquitetura, muito menos sobre os produtos de algum projeto. É um livro sobre os problemas de projetar, sobre o que os torna tão especiais, sobre como entendê-los, e trata dos processos de projeto e de como aprendê-los, desen- volvê-los e praticá-los. Já começamos a nos concentrar em projetistas profissionais como os arqui- tetos, os estilistas de moda e os enge- nheiros. Mas aqui há um paradoxo sobre a atividade de projetar. Hoje, visivelmen- te, projetar é uma atividade altamente profissional para algumas pessoas; os melhores projetistas são valorizadíssi- mos, e o que fazem é muito admirado. Ainda assim, projetar também é uma atividade cotidiana de todos nós. Proje- tamos o nosso quarto, decidimos como arrumar objetos em prateleiras ou sis- temas de armazenamento, planejamos nossa aparência toda manhã, planta- mos, cultivamos e cuidamos do jardim, escolhemos alimentos e preparamos refeições, planejamos as férias. Todas 1 Introdução 17 essas atividades domésticas e cotidia- nas podem ser consideradas projetos, ou pelo menos semelhantes a projetos. Quando estamos no trabalho, também projetamos ao planejar o tempo, orga- nizar a tela inicial dos computadores, arrumar salas para reuniões, e assim por diante. Podemos não engrandecer essas humildes tarefas com a palavra "projeto", mas elas têm muitas caracte- rísticas em comum com as tarefas pro- fissionais de projetar. Podemos ver, porém, que essas tare- fas variam de modo a nos dar algumas pistas sobre a natureza do ato de proje- tar. Algumas delas, na verdade, são uma questão de escolher e combinar itens predeterminados. Em alguns casos, podemos também criar esses itens. Às vezes, podemos criar algo tão novo e especial que os outros talvez queiram copiar o que fizemos. Em geral, é mui- to mais provável que isso aconteça com projetistas profissionais. Mas os proje- tistas profissionais também projetam para os outros, não só para si mesmos. Eles têm de aprender a entender proble- mas que os outros acham difícil des- crever e dar a eles boas soluções. Esse trabalho exige mais do que apenas "jei- to" com materiais, formas e cores; exige um grande leque de habilidades. Assim, atualmente os projetistas profissionais são muito bem qualificados e treinados. 1.2 A formação de projetistas A formação de projetistas que conhe- cemos hoje é um fenômeno relativa- 18 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM mente recente. Atualmente, o fato de o projetista precisar de instrução formal com períodos de estudo acadêmico e de isso acontecer numa instituição edu- cacional é uma ideia aceita por todos. A história da formação de projetistas mostra que progressivamente o local de trabalho foi trocado pelo ateliê de projeto de faculdades e universidades. Numa tentativa recente de interpretar a história da formaçãoem arquitetu- ra associada à fundação do Prince of Wales Institute of Architecture [Insti- tuto de Arquitetura Príncipe de Gales], essa mudança foi interpretada como uma série de conspirações políticas (Crinson; Lubbock, 1994). Sem dúvida, é possível defender que falta à formação acadêmica de projetista o contato com quem faz as coisas, mas, como vere- mos no próximo capítulo, isso reflete a prática. Os projetistas de hoje não podem mais ser treinados para seguir um conjunto de procedimentos, já que o ritmo das mudanças no mundo no qual têm de trabalhar logo os deixaria para trás. Não podemos mais nos dar ao luxo de mergulhar o estudante de arquitetura ou de desenho industrial em alguns ofícios tradicionais. Em vez disso, eles têm de aprender a avaliar e aproveitar a nova tecnologia enquanto ela se desenvolve. Também vemos surgir, como consequência da tecnologia, vários campos novos da atividade de proje- tar. Tive a sorte de passar algum tempo trabalhando no departamento de pro- jeto de uma universidade inteiramente dedicada à multimídia. Lá, os projetis- tas aprendem a fazer animações, criar sites na internet, projetar mundos vir- tuais e criar novas maneiras de usar uma tecnologia muito complexa e de relacionar-se com ela. Esses campos de projeto seriam inimagináveis quando a primeira edição deste livro foi publica- da (1980], mas hoje são muito populares entre os estudantes. Ainda mais adian- te, na variedade de campos de projeto, encontramos os projetistas de software e de sistemas, que criam os programas que todos usamos para escrever livros, manipular imagens e dar aulas. Muitos produtos contemporâneos combinam e integram em si hardware e software, de tal modo que a distinção fica cada vez mais irrelevante. Celulares, tocadores de MP3 e computadores pessoais por- táteis surgem, convergem e transfor- mam-se em novos tipos de aparelhos. Os projetos dessas áreas vêm m udando a nossa vida não só física como social- mente. Até há pouco tempo, acredita- va-se que programas de computador e analistas de sistemas estariam fora do alcance de um livro como este. No entanto, descubro cada vez mais que quem trabalha nesses campos conside- ra pertinentes as ideias aqui expostas e, em consequência, passa a questionar a maneira tradicional em que se forma- ram tais projetistas. No século XX, a tecnologia começou a desenvolver-se tão depressa que, pela primeira vez na história, uma pessoa, ao longo de sua vida, podia perceber essa mudança. Projetar sempre esteve ligado às nossas realizações intelec- tuais contemporâneas, como na arte, na ciência e na filosofia. Durante esse período, vimos uma mudança dessa atividade que, na época, foi conside- rada mais profunda e fundamental do que em todos os períodos estilísticos precedentes. Essa época passou a ser conhecida pela ligação direta com o contemporâneo: "modernismo". Esse nome insinuava que seria um pon- to final na história do projeto, e estu- dei com professores que acreditavam genuinamente nisso. Esse conjunto de ideias influenciou de forma tão profun- da o modo como pensamos a ativida- de de projetar que, às vezes, é difícil se desembaraçar dele. Só agora começa- mos a ver que é possível avançar além do modernismo. Aqui, o estilo dos pro- jetos não será a principal preocupação, mas também não podemos pensar no processo isoladamente. Recentemente, a formação de pro- jetistas saiu de um período em que a história era tratada como merecedora de estudo acadêmico, mas com pou- ca ligação com o presente. Ainda bem que essa noção de modernismo como última palavra na atividade de projetar foi amplamente rejeitada, e esperamos que o estudante de hoje não só aprecie a obra histórica pelo valor intrínseco, como também a use para embasar pro- jetos contemporâneos. A formação de projetistas tem algu- mas características muito comuns que transcendem os países e os campos de atividade. Tipicamente, as escolas usam o ateliê físico e conceituai como principal mecanismo de ensino. Em termos conceituais, o estúdio é um pro- cesso de aprender fazendo, no qual os alunos recebem uma série de proble- mas de projeto para resolver. Assim, 1 Introdução 19 aprendem a projetar principalmente na prática, em vez de empregar estudos ou análises. Parece quase impossível aprender a projetar sem pôr a mão na massa. No entanto, as ideias deste livro podem ser um recurso complementar. Um dos pontos fracos do estúdio tradi- cional é que os alunos, por dar muita atenção ao produto final do trabalho, deixam de refletir suficientemente sobre o processo. Em termos físicos, o estúdio é o lugar onde os alunos se reú- nem e trabalham sob a supervisão dos professores. Muitas vezes se pressupõe que o estúdio reproduz um escritório de projetistas profissionais naquele campo de atividade. No entanto, aqui um dos problemas perenes é o fato de ser dificílimo reproduzir na universi- dade boa parte do mundo profissional real. Especificamente, em geral não há clientes com problemas reais, dúvidas, orçamentos e restrições de prazo. Portanto, muitas vezes é difícil para os alunos desenvolver um processo que lhes permita relacionar-se adequada- mente com as outras partes interessa- das no projeto. Em vez disso, para eles é mais fácil desenvolver, de forma mui- to pessoal, processos autorreflexivos que visam principalmente satisfazer a si mesmos e, talvez, aos professores. Assim, é fácil o estúdio didático trans- formar-se num lugar fantasioso e dis- tante das necessidades do mundo real onde os alunos trabalharão quando se formarem. No processo, isso tende a distorcer não só o equilíbrio de habili- dades como também o conjunto de valo - res que os alunos adquirem. Hubbard mostrou, por exemplo, que, a respeito 20 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM da arquitetura, os planejadores urba- nos tendem a adquirir um conjunto de valores diferente do público que repre- sentam e ao qual servem (Hubbard, 1996). Do mesmo modo, Wilson mos- trou que os arquitetos usam sistemas de avaliação de edificações diferentes de outras pessoas (Wilson, 1996). Ela também mostrou que essa tendência é adquirida durante a formação. O mais perturbador é que esse trabalho tam- bém revelou uma forte correlação entre as preferências de cada escola de arqui- tetura e que essas preferências estão vinculadas ao estilo. Quase com cer- teza, as escolas de projeto não visam a esses efeitos, de modo que isso talvez revele alguns problemas importantes do conceito de formação de projetistas por meio do ateliê de projeto. Neste livro, veremos a quantas influências deve expor-se o projetista e quantos argumentos existem sobre a importância relativa dessas influências na prática. Provavelmente, a formação do projetista, assim como a própria atividade de projetar, sempre serão controvertidas. Desenvolveram-se tra- dições que mostram variações estrutu- rais não só entre países, como também entre os vários campos de atividade. Até que ponto os vários campos usam o mesmo processo é tema de considerável discussão. O fato de que os projetistas formados em cada um desses campos tendem a ter uma visão diferente dos problemas é menos con- trovertido. Os projetistas de móveis afirmam que conseguem distinguir as peças criadas por arquitetos das proje- tadas por quem se forma em projeto de mobiliário. Alguns dirão que os arqui- tetos projetam móveis que se acomo- dem ao espaço sem obstruí-lo; outros dirão que os arquitetos simplesmente não entendem a natureza dos materiais usados nos móveis e, por isso, montam- nos como montariam uma edificação. Hoje, admite-se que o setor de cons- trução civil do Reino Unido é dividido e conflituoso demais, e que os vários especialistas e empreiteiros envolvidos tendem a ser beligerantes, enquanto os clientesprefeririam que fossem coope- rativos. Um relatório recente sugeriu que uma solução seria formar todos eles num tipo de curso universitário comum que só mais tarde permitisse a especialização (Bill, 1990). Essa ideia, embora bem-intencionada, tem uma falha fundamental. Ela supõe que haja um reservatório de alunos de 18 anos com mente e personalidade mais ou menos vazias que se sentiriam atraí- dos por um curso desses. Na verdade, sabemos que a verdade é bem diferen- te. Pouquíssimos candidatos à universi- dade se matriculam em cursos de m ais de uma área do setor de construção. Do mesmo modo, pouquíssimos alunos tentam estudar mais de um campo da atividade de projetar. Portanto, embora pareça que a arquitetura e o desenho industrial têm uma relação m uito ínti- ma, há pouco contato entre os campos. O britânico Richard Seymour, dese- nhista industrial de fama internacio- nal, não se surpreende com isso. Embora algumas obras arquitetônicas e alguns desenhos industriais pareçam muito próximos, na verdade é a ponta do galho da árvore da arquitetura que roça uma folha da extrem idade d a árvore do desenho industr ial. Te ndemos a pensa r q ue são muito pa recidos, mas não são. Basicamente, as ra ízes são complet amente difere ntes. (Lawson, 1994a) Para Richard Seymour, a separação entre essas profissões começa mui- to cedo e, de modo importantíssimo, antes do período de formação superior que poderia ser responsabilizado pela linha divisória. A opinião dele é que essas "raízes" são lançadas muito antes e que, quando selecionamos a nossa profissão, efetivamente a escolha já foi feita. Ele observa que a maioria dos desenhistas industriais tem um histó- rico de realizações em ofícios mais prá- ticos, como o artesanato com metal e madeira: "O desenhista industrial está acostumado a trabalhar com entidades físicas e com a natureza dos materiais, e as vivencia com a visão e o tato". O sistema inglês de educação secundária pode agravar essa dificul- dade, porque os alunos têm de escolher apenas quatro matérias, em média, para estudar. E as universidades exi- gem matérias específicas para con- ceder vagas em cada curso. Portanto, quem não estudou matemática pode conseguir vaga para estudar arquite- tura, mas é quase certo que a mesma universidade não concederá a essa pes- soa uma vaga para estudar engenha- ria civil. Portanto, a especialização dos alunos já começa na escola secundária. Seja em razão do sistema educa- cional, seja pela própria natureza dos alunos, que os leva a fazer escolhas, o clima e as normas sociais das salas de aula, dos estúdios e laboratórios dos 1 Introdução 21 departamentos de arquitetura, enge- nharia civil e desenho industrial das universidades são diferentes desde o princípio. Os alunos falam e se ves- tem de forma diferente e têm imagens diferentes de si mesmos e da vida que os espera. Portanto, é preciso cautela ao pressupor que seria possível con- siderar todos os campos da atividade de projetar dividindo o mesmo terre- no. O certo é que projetar é uma ati- vidade mental distinta, e neste livro examinaremos progressivamente as suas características. No entanto, tam- bém descobriremos que a atividade de projetar pode ser bem variada e que os projetistas bem-sucedidos empregam processos bastante diferentes, seja qual for a sua formação. 1.3 Tecnologias para projetar Este capítulo começou com uma rápi- da abordagem de algumas diferenças entre a maneira de projetar de esti- listas de moda e de engenheiros civis. Outra diferença importantíssima entre eles é a tecnologia que precisam conhe- cer e usar para atingir os seus fins. Os projetistas não decidem apenas o efei- to que querem obter; também têm de saber como obtê-lo. Assim, o nosso engenheiro civil precisa entender as propriedades estruturais do concreto e do aço, enquanto o nosso estilista de moda tem de avaliar as característi- cas dos vários tecidos. Mais uma vez, essa é uma caricatura simples, já que ambos têm de saber muito mais do que 22 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM isso, mas a questão é demonstrar que os seus conhecimentos tecnológicos têm de ser pertinentes ao seu campo. Tradicionalmente, tendemos a usar os produtos finais dos projetos para dife- renciar os projetistas. Assim, um clien- te pode procurar um tipo de projetista para fazer uma ponte, outro para uma edificação, outro ainda para uma cadei- ra etc. Muitos projetistas se interessam por outros campos além daquele em que se formaram, como o famoso arquiteto Mies van der Rohe, que projetou uma cadeira para o Pavilhão Alemão da Exposição Internacional de Barcelona de 1929, que até hoje está presente em saguões de bancos e hotéis do mundo inteiro. Na verdade, poucos projetistas são formados em mais de um campo, como o muito elogiado arquiteto e enge- nheiro Santiago Calatrava. Alguns são até difíceis de classificar, como Philippe Starck, que projeta edificações, interio- res, móveis e aparelhos domésticos. É interessante que algumas invenções mais famosas dos tempos modernos foram criadas por pessoas que não se formaram especificamente no cam- po ao qual deram a sua contribuição (Clegg, 1969}: Invenção Inventor Aparelho de Vendedor de barbear rolhas Filme Kodachrome Músico Esferográfica Escu ltor Telefone Coveiro automático Parquímetro Jornalista Disco LP Engenheiro de televisão Parece que classificar a atividade de projetar de acordo com o produto final é pôr a carroça adiante dos bois, pois a solução é formada pelo processo de projeto e não existia antes dele. A ver- dadeira razão para classificar a ativida- de desse modo não tem tanto a ver com o processo, mas é um reflexo da nos- sa tecnologia cada vez mais especiali- zada. Os engenheiros não diferem dos arquitetos só por usar um processo de projeto diferente; o mais importante é que conhecem exigências e materiais diferentes. Infelizmente, é fácil esse tipo de especialização tornar-se uma camisa de força para os projetistas, dirigindo o seu processo mental para uma meta predefinida. Portanto, é mui- to fácil para o arquiteto pressupor que a solução para o problema do cliente seja uma nova edificação. Muitas vezes não é! Se não tomarmos cuidado, a for- mação do projetista pode restringir, em vez de aprimorar, a capacidade de pen- sar de forma criativa. A fábula do cientista, do engenhei- ro, do arquiteto e da torre da igreja ilustra esse fenômeno. Os três estavam diante da igreja discutindo a altura da torre quando um lojista local que vinha passando sugeriu uma competição. Ele se orgulhava muito do novo barômetro que estava à venda na loja e, para pro- movê-lo, ofereceu um prêmio a quem conseguisse descobrir com mais exa- tidão a altura da torre usando um dos seus barômetros. O cientista mediu cui- dadosamente a pressão barométrica no pé e no alto da torre e, pela diferença, calculou a altura. O engenheiro, desde- nhando essa técnica, subiu até o alto, largou o barômetro e mediu o tempo da queda. No entanto, foi o arquiteto que, para surpresa de todos, encontrou a resposta mais exata. Ele simplesmente entrou na igreja e ofereceu o barômetro ao encarregado, caso o deixasse exami- nar o projeto original da igreja. Muitos problemas de projeto tam- bém podem ser submetidos a trata- mentos igualmente variados, mas é raro que os clientes tenham a perspicá- cia do nosso lojista. Examinemos rapi- damente a situação. Imaginemos que uma companhia ferroviária oferece, há muitos anos, um serviço de alimenta- ção em trens selecionados e agora des- cobriu que essa parte do negócio vem dando prejuízo. O que fazer? Uma agên- cia de publicidade sugeriria a criação de uma imagem inteiramente nova, com os alimentos reembalados e anuncia- dos de forma diferente. Um desenhista industrial talvez achasseque o verda- deiro problema é o projeto do vagão- restaurante. Se pudessem receber e consumir a comida na cabine, sem ter de caminhar pelo trem, seria possível . . que os passageiros comprassem mais. É provável que um especialista em pesquisa de operações se concentre em descobrir se os vagões-restaurante estão nos trens certos etc. É bem possível que nenhum dos nos- sos especialistas esteja certo. Será que a comida não era simplesmente pouco apetitosa e cara demais? Na verdade, o mais provável é que todos os espe- cialistas tenham alguma contribuição a dar ao projeto de solução. O perigo é que cada um esteja condicionado pela sua formação e pela tecnologia de pro- 1 Introdução 23 jeto que conhecem. As situações em que se projeta não variam apenas por- que os problemas são dessemelhantes, mas também porque os projetistas cos- tumam adotar abordagens diferentes. Neste livro, passaremos algum tempo discutindo tanto os problemas quanto as abordagens usadas ao se projetar. 1.4 Projetar exige o quê? Talvez a maior fama de Barnes Wallis se deva à invenção, durante a guerra, da bomba de rebote imortalizada no filme The Dam Busters (Os demolidores de represas]. Mas as realizações da sua carreira foram muito além disso, com toda uma sucessão de projetos inova- dores na aviação, como aeroplanos, hidroaviões e muitos itens menores. No entanto, aos 16 anos, Barnes Wallis não passou na prova final do estudo secun- dário em Londres (Whitfield, 1975). É provável que isso tenha resultado da forma de educação heurística criada por Armstrong e usada no Christ's Hos- pital, que pouco fazia para preparar os alunos para esse exame, mas se con- centrava em ensiná-los a pensar. Bar- nes Wallis recorda que "eu não sabia nada, só pensar, só pegar o problema e brigar com ele até resolvê-lo". Mais tarde, ele se formaria na Universidade de Londres num período curtíssimo de apenas cinco meses. Posteriormente, Barnes Wallis não se opunha a receber orientação técni- ca, mas nunca pediu ajuda nos projetos propriamente ditos: "Quando queria a resposta de um problema cuja mate- 24 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM mática não conseguia resolver, busca- va alguém que conseguisse [ ... ] nesse aspecto, eu pedia conselho e auxílio [ ... ] nunca contribuições para uma solução". Mesmo em tenra idade, foi a qualidade do pensamento de Barnes Wallis e o tipo de abordagem que dava aos problemas, tanto quanto os seus conhecimentos técnicos, que lhe permitiram produzir tantos projetos aeronáuticos originais. Para os muitos tipos de projeto que estamos considerando, é importante não apenas ter competência técnica, como também uma avaliação estéti- ca bem-desenvolvida. Espaço, forma e linha, além de cor e textura, são as ver- dadeiras ferramentas do ofício para o designer gráfico e o projetista industrial ou ambiental. O produto final desse tipo de projeto será sempre visível para o usuário, que pode também se mover dentro dele ou pegar o objeto projetado. O projetista precisa entender a nossa experiência estética, especialmente a do mundo visual, e, nesse sentido, divi- de o território com o artista plástico. Por essa razão apenas, e há outras de que trataremos mais adiante, o projetista também tende a trabalhar de maneira muito visual. Quase sempre o projetista desenha, às vezes pinta e, com frequ- ência, constrói maquetes e protótipos. A imagem arquetípica do projetista é de alguém sentado à prancheta. Mas o que fica claro é que ele exprime as suas ideias e trabalha de um modo muito gráfico e visual. Realmente, seria muito difícil tornar-se um bom projetista sem desenvolver a capacidade de desenhar bem. E, na verdade, muitas vezes os desenhos dos projetistas são belíssimos. Às vezes, esses desenhos tornam- se objetos de arte por direito próprio e são expostos ao público. Deixaremos para mais tarde a discussão de por que a prática de projetar não deveria ser considerada um equivalente psicológi- co da criação artística. Por enquanto, basta dizer que projetar exige mais do que apenas apreciação estética. Quan- tos críticos de projetos, mesmo os que têm percepção mais penetrante, acham projetar mais fácil do que criticar? Talvez não seja possível fazer uma lista completa das áreas do conheci- mento necessárias para os projetistas, mas tentaremos chegar perto disso no final do livro. No entanto, deveríamos, pelo menos, apresentar aqui outro con- junto de habilidades de que os proje- tistas necessitam. A imensa maioria dos artefatos que projetamos é criada para grupos específicos de usuários. Os projetistas precisam entender um pou- co a natureza desses usuários e da sua necessidade, seja em termos da ergo- nomia das cadeiras ou da semiótica da comunicação visual. Mais recentemen- te, junto com o reconhecimento de que o processo de projeto propriamente dito deveria ser estudado, a formação dos projetistas passou a incluir mate- rial das ciências sociais e comporta- mentais. Os projetistas, porém, não são mais cientistas sociais do que artistas plásticos ou tecnólogos. Este livro não trata de ciência, arte ou tecnologia, mas o projetista não pode fugir à influência dessas três cate- gorias muito amplas de esforço intelec- tual. Uma das dificuldades essenciais e fascinantes de projetar é a necessidade de adotar tantos tipos diferentes de pensamento e conhecimento. O cien- tista consegue trabalhar perfeitamen- te sem ter sequer a mínima noção de como os artistas pensam, e estes, por sua vez, com certeza não dependem do método científico. Para os projetistas, a vida não é tão simples; eles têm de avaliar a natureza tanto da arte quan- to da ciência e, além disso, ter capaci- dade de projetar. Então, essa atividade de projetar é o quê, exatamente? Isso temos de deixar para o próximo capítu- lo, mas já podemos ver que ela envolve um processo mental sofisticado, capaz de manipular muitos tipos de infor- mações, misturando-os num conjunto coerente de ideias e, finalmente, geran- do alguma concretização dessas ideias. Normalmente, essa concretização assume a forma de um desenho, mas, como já vimos, também pode ser um novo cronograma. É o processo, e não o produto final do projeto, que mais nos interessa neste livro. 1.5 Projetar como um tipo de habilidade Projetar é uma habilidade altamente complexa e sofisticada. Não é um talen- to místico concedido apenas aos que têm poderes recônditos, mas uma habi- lidade que tem de ser aprendida e prati- cada, como se pratica um esporte ou se toca um instrumento musical. Conside- remos então os dois trechos seguintes: Dobre os joelhos de leve e, enquanto a parte superior do corpo se inclina na d ire- 1 Introdução 25 ção da bola, evite curvar demais a cintura . Os braços se estendem por inteiro, mas com naturalidade, na direção da bola, sem nenhuma grande sensação de tentar atin- gi-la[ ... ] mova o taco para trás com o braço esquerdo reto, deixando o cotovelo direito se dobrar contra o corpo[ ... ] a cabeça deve se manter acima da bola [ ... ] a cabeça é o pivô fixo em torno do qual o corpo e o mo- vimento giratório devem acontecer. Lee Trevino (1972), / Can Help Your Game Mantendo os lábios fechados de leve, es- tique-os um pouco na direção dos cantos, como num meio-sorriso, tomando cuidado para não virá-los para dentro no processo. O "sorriso", talvez bem sardônico, deve re- puxar as bochechas contra os dentes nas laterais, e a ação muscular produzirá uma firmeza dos lábios perto dos cantos. Agora, ao soprar pela embocadura na direção da borda externa, a expiração criará uma pequena abertura no meio dos lábios e, quando o jato de ar assim formado atingir a borda externa, a cabeça da flauta soará . F. B. Chapman (1973), F/ute Technique Esses dois trechos vêm de livros sobre habilidades. As duas são habili-dades que passei a vida toda sem con- seguir aperfeiçoar: jogar golfe e tocar flauta. Os meus exemplares folheadís - simos desses livros me sugerem para onde devo voltar a minha atenção. Os dois autores se concentram em dizer aos leitores como é fazer a coisa certa. Alguns podem pegar um taco de gol- fe e balançá-lo naturalmente, ou tirar um lindo som da flauta. Para eles, tal- vez esses livros não sejam muito úteis, mas, para a imensa maioria, a habili- dade tem de começar a ser adquirida dando atenção aos detalhes. Faz parte da própria natureza das habilidades altamente desenvolvidas praticá-las de forma inconsciente. Os golfistas mais 26 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM hábeis não pensam no balanço do taco, mas no campo, no tempo e nos adversá- rios. Para tocar bem, o flautista tem de esquecer as técnicas de embocadura e controle da respiração e os sistemas de digitação, e concentrar-se em interpre- tar a música como o compositor preten- dia. Não seria possível dar expressão à música com a cabeça cheia de conselhos de Chapman sobre os lábios. É a mesma coisa na hora de projetar. Provavelmen- te, trabalhamos melhor quando pensa- mos menos sobre a técnica. No entanto, em primeiro lugar, os iniciantes têm de analisar e praticar todos os elementos da sua habilidade, e devemos nos lem- brar de que até os golfistas e músicos profissionais mais talentosos se benefi- ciam das lições durante toda a carreira. Embora estejamos acostumados à ideia de que habilidades físicas como andar de bicicleta, nadar e tocar instru- mentos musicais tenham de ser apren- didas e praticadas, é mais difícil admitir que o pensamento pode exigir atenção semelhante, como sugerido pelo famo- so filósofo britânico Ryle (1949): "O pensamento é, em grande parte, uma questão de treino e habilidade". Mais tarde, o psicólogo Bartlett (1958) refletiu essa noção: "Pensar deve- ria ser tratado como um tipo de habili- dade complexa de alto nível". Mais recentemente, houve muitos escritores que exortaram os leitores a praticar essa habilidade de pensar. Um dos mais notáveis, Edward de Bano (1968), resume a mensagem desses autores: "No todo, tem de ser mais importante ser hábil ao pensar do que se encher de fatos". Antes que possamos estudar ade- quadamente como pensam os pro- jetistas, precisamos desenvolver um entendimento melhor da natureza e das características dos problemas e das soluções dos projetos. As duas pri- meiras partes do livro vão examinar esse território antes da terceira seção principal sobre o pensamento ao proje- tar. O livro como um todo dedica-se a desenvolver a ideia de que pensar para projetar é uma habilidade. Sem dúvi- da, é uma habilidade muito complexa e sofisticada, mas que ainda assim pode ser analisada, decomposta, desenvol- vida e praticada. Entretanto, no final, para obter o melhor resultado, os pro- jetistas precisam fazer como os golfis- tas e flautistas. Têm de esquecer tudo o que lhes ensinaram sobre a técnica e simplesmente agir! 2 A mudança do papel do projetista A abelha envergonha muitos arquitetos ao construi r os seus favo s, mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abe lha é que o arquiteto ergue a sua estrutura na imaginação antes de erigi- la na realidade. No final de todo processo de trabalho, obtemos um result ado que, e m pri ncípio, já existia na imaginação do trabalhador. Karl Marx, O Capital A arquitetura nos dá oportunidades extraordinárias de servi r à co- munidade, aprimorar a paisagem, renovar o ambient e e fazer a humanidade avançar; entretanto, o arquiteto be m-sucedido p recisa de treinamento para superar essas armadilhas e começa r a ganha r di- nheiro de verdade. Stephen Fry, Paperweight 2.1 Projeto vernacular ou artesanal No mundo industrializado, projetar tornou-se uma atividade profissional. Hoje, há uma gama variada de projetistas, todos formados e treinados para criar objetos com propósitos bem específicos. Há os designers gráficos, que organizam a miríade de imagens que vemos; os desenhistas industriais, que criam os itens que usamos na vida cotidiana; e os arquitetos, que projetam as edificações onde moramos e t rabalhamos. Hoje, na universidade, é possível fazer cursos de projeto cenográfi- co, urbano e paisagístico, além de design de interiores, têxtil e de moda, e é claro que há cursos de engenharia civil e estr u- tural, elétrica e eletrônica, mecânica, química e de processos. Assim, parece que há um projetista ou designer formado na 28 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM universidade para projetar cada arti- go que compramos, consumimos ou habitamos. No entanto, nem sempre foi assim, e em muitas sociedades ain- da não é. A atividade de projetar que conhecemos no mundo industrializado é uma ideia relativamente recente. Há alguns anos, um grupo de alu- nos meus do primeiro ano de arqui- tetura da Universidade de Sheffield trabalhou num projeto cujo objetivo era fazê-los pensar sobre o proces- so de projeto. Esse exercício foi criado especificamente para fazer os alunos se concentrarem no processo, e não no produto, e, por essa razão, não envol- via edificações. Em vez disso, os alunos tiveram de trabalhar em grupo para Fig. 2.1 Parte de uma máquina de bolinhas de gude projetada por um grupo de alunos de arquitetura usando um processo muito consciente projetar uma máquina que processas- se bolinhas de gude (Fig. 2.1). Com um copinho plástico, nove bolinhas eram inseridas numa das pontas da máqui- na, que, depois de determinado perío- do, teria de devolver duas, três e quatro bolinhas, respectivamente, em mais três copinhos plásticos. Os alunos tam- bém teriam de registrar e, mais tarde, analisar como tomaram as decisões e como interagiram entre si durante o processo de projeto. Durante o proje- to, o estúdio ficou muito barulhento, não só com os choques das bolinhas de gude durante os testes e o aprimo- ramento das máquinas, como tam- bém com as discussões surgidas sobre como poderiam ou deveriam ser feitos os aperfeiçoamentos. Inevitavelmente, os projetos, em sua maioria, começa- ram complicados e pouco confiáveis, e, aos poucos, os grupos foram avançan- do rumo a máquinas mais simples e confiáveis. Em geral, as soluções mais confiáveis eram as que tinham poucas partes móveis, usavam poucos mate- riais diferentes e eram mais fáceis de construir. Como costuma acontecer, a aparência dessas soluções também tende a ser agradável, e o seu funciona- mento se explica visualmente. Certa noite nevou muito e, na manhã seguinte, os alunos, de forma bem espontânea, decidiram largar o trabalho e construir um iglu numa pra- ça vizinha (Fig. 2.2). O iglu foi um suces- so. Manteve-se firme e podia acomodar umas dez pessoas, com a temperatura interna bem acima do ar ambiente. Na verdade, o iglu foi tão bem construído que chamou a atenção da estação de rádio local, que veio fazer uma entre- vista conosco lá dentro. O mais notável, porém, foi a mudan- ça do processo. Lá fora, na praça, os alunos deixaram para trás não apenas as máquinas de bolas de gude, mas as discussões sobre projetos. Na mesma hora e sem nenhuma deliberação, pas- saram do modo de pensar muito auto- consciente e introspectivo estimulado pelo exercício para uma abordagem natural, desinibida e com base na ação. Não houve discussões nem discor- dâncias prolongadas sobre a forma, o local, o tamanho, nem mesmo sobre a construção do iglu, e é claro que não se fez nenhum desenho. Eles simples- mente foram lá e construíram. Na verdade, na sua consciência coletiva, como se pode dizer de forma um tanto imaginosa, esses alunos tinham mais ou menos a mesma imagem comum de iglu. Nesse aspecto, o seu compor- tamento tem semelhança muito maior com a maneira esquimó de se abrigar do que com o papel do arquiteto para 2 A mudançado papel do projetista 29 o qual estavam todos sendo formados. Na verdade, a imagem de iglu que esses alunos tinham em comum e concreti- zaram com êxito não era inteiramente exata nos detalhes, pois, com os seus pressupostos ocidentais, eles constru- íram as paredes em camadas horizon- tais, enquanto a forma de construção esquimó costuma ser numa rampa em espiral, contínua e ascendente (Fig. 2.3). Quando o iglu ficou pronto, a forma- ção teórica dos alunos voltou a assumir o controle. Houve muita discussão sobre a resistência à tração e à compressão da neve compactada. É conhecida a dificul- dade de construir arcos e cúpulas com materiais de baixa resistência à tra- ção. Também se percebeu que a neve, embora fria ao toque, é um isolante tér- mico muito eficiente. Na verdade, seria muito improvável ouvir uma discussão parecida entre esquimós. Em condições normais, os iglus são construídos de maneira vernacular. Para o esquimó, não há um problema a resolver com um projeto, mas sim uma forma tradicional Fig. 2.2 Os mesmos alunos de arquitetura projetaram e construíram um iglu, mas usaram uma abordagem nada autoconsciente 30 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM de solução com variações que se adap- tam a circunstâncias diferentes, sele- cionadas e construídas sem pensar nos princípios envolvidos. No passado, muitos objetos foram sistematicamente produzidos com pro- jetos muito sofisticados e com a mesma falta de compreensão da base teórica. É comum chamar esse procedimento de "projeto de ferreiro", porque o artesão, tradicionalmente, projetava os objetos enquanto os fazia, sem desenhos técni- cos, baseado em padrões antigos pas- sados de geração em geração. Há uma descrição fascinante desse tipo de pro- jeto no livro The Wheelwright's Shop (A oficina do construtor de carroças], de Geor- ge Sturt (Sturt, 1923}. Em 1884, com a morte do pai, Sturt se viu repentina- mente encarregado da oficina de cons- trução de rodas e carroças. No livro, ele recorda a luta para compreender "um ofício popular realizado com métodos populares", segundo a sua descrição. Fig. 2.3 Método tradicional de construção de iglus Aqui, interessa-nos especificamen- te a dificuldade de Sturt com o forma- to côncavo das rodas de carroça. Ele logo percebeu que as rodas dos veí- culos puxados a cavalo eram sempre construídas com um formato bastante elaborado e semelhante ao de um pires, mas a razão disso lhe escapava (Fig. 2.4). Pela descrição que faz, podemos per- ceber que os operários de Sturt traba- lharam a vida inteira com aquela rara combinação de habilidade construtiva e ignorância teórica tão característica desse tipo de artesão. Assim, durante muitos anos, ele manteve a tradição de construir essas rodas sem, na verdade, entender por quê. Sturt percebia que a construção da roda em forma de prato devia ser muito mais complexa do que a da roda plana. No entanto, o projeto exigia ainda outros detalhes complexos para que as rodas cambassem para fora e convergissem para a frente (Fig. 2.5). Assim, não surpreende que ele não se contentasse em permanecer na igno- rância das razões por trás do projeto. Primeiro, Sturt suspeitou que a for- ma de prato servia para dar à roda uma direção para se distorcer quando o aro externo de ferro quente se encolhesse ao esfriar, mas Jenkins (1972) mostrou que as rodas em forma de prato pre- cederam o uso dos aros de ferro. Outra razão que ocorreu a Sturt foi a van- tagem obtida com o alargamento da parte superior da carroça, permitindo assim que cargas maiores pudessem ser transportadas. Era possível conseguir isso porque a parte da roda em forma de prato que transfere a carga do eixo para 2 A mudança do papel do projetista 31 a estrada tem de ser vertical e, assim, a metade superior da roda se inclina para fora. Talvez isso tivesse mais validade do que Sturt percebia, porque, em 1773, uma lei restringiu a bitola dos veícu- los de rodas grossas a um máximo de 1,73 m. Embora as rodas de carroça em forma de prato fossem finas o bastante para não serem atingidas pela legisla- ção, é provável que as estradas tenham ficado tão cavadas pelos veículos de rodas mais grossas que as carroças de bitola mais larga tenham tido que rodar em terreno acidentado. Finalmente, Sturt descobriu a razão para a forma de prato que ele achou Fig. 2.4 A roda de carroça dos veículos puxados a cavalo era construída com a forma complexa de um pires Ponta de eixo Fig. 2.5 O eixo tinha de ser inclinado para baixo, para permitir que a roda da carroça transferisse a carga para o solo de forma quase vertical, e depois inclinado para a frente, de modo a evitar que a roda se soltasse Eixo Principal o Metade da Metade da vista superior vista de e levação 32 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM que seria a "verdadeira". A forma con- vexa da roda era capaz não apenas de suportar a carga vertical, como tam- bém o impulso lateral causado pelo andar natural do cavalo, que tende a jogar a carroça de um lado para o outro a cada passo, mas esse não é, de jei- to nenhum, o quadro inteiro. Desde então, vários escritores comentaram a análise de Sturt, e Cross (1975), espe- cificamente, destacou que a roda em forma de prato também precisava de inclinação para a frente. Para manter vertical a metade inferior da roda, o eixo tem de se inclinar para baixo na direção da roda. Isso, por sua vez, pro- duz na roda a tendência a escorregar pelo eixo e se soltar, o que tem de ser contrabalançado inclinando o eixo de leve e, assim, virando a roda para dentro na frente. As forças resultantes da "inclinação para a frente" forçam a roda de volta ao eixo quando a carroça avança. Cross defende que essa incli- nação é precursora da convergência usada nos carros modernos para faci- litar as curvas. É provável que isso não seja exato porque, como argumentou Clegg (1969), na verdade, a convergên- cia moderna é necessária para contra- balançar a força lateral causada pelos pneus de borracha, inexistente nas rodas sólidas de carroça. Provavelmente, não há uma razão "verdadeira" e única para a forma de prato das rodas de carroça, mas sim um grande número de vantagens inter- ligadas. Isso é bem característico do processo artesanal de projetar. Depois de muitas gerações de evolução, o pro- duto final torna-se uma resposta ao problema totalmente integrada. Por- tanto, quando se altera uma das par- tes, o sistema completo pode falhar de várias maneiras. Esse processo tinha ótima serventia quando o problema permanecia estável durante muitos anos, como nos casos do iglu e da roda de carroça. No entanto, quando o pro- blema muda de repente, é improvável que o processo vernacular ou artesanal produza resultados adequados. Se Sturt não conseguia entender os princípios envolvidos na forma de prato da roda de carroça, como reagiria ao desafio de projetar a roda de um veículo a vapor, ou mesmo de um veículo moderno com motor a gasolina e pneus de borracha? 2.2 A profissionalização do ato de projetar No processo vernacular, o projetar é intimamente associado ao fazer. Os esquimós não precisam de arquitetos para projetar os iglus onde moram, e George Sturt oferecia um serviço com- pleto de projeto e fabricação aos fre- gueses que queriam rodas. No mundo ocidental moderno, a situação costuma ser bem diferente. Uma casa britânica média, com o seu conteúdo, constitui o produto final de uma série imensa de processos de projeto profissiona- lizados. É provável que a própria casa tenha sido projetada por um arquiteto e se situa numa área designada como residencial por um planejador urba- no. Lá dentro, a decoração, os tecidos, a mobília, as máquinas, os aparelhos foram todos criados por projetistas que, provavelmente, nunca sujaram as mãos com a fabricaçãodesses arte- fatos. O arquiteto pode ter enlameado as botas no terreno ao conversar de vez em quando com o mestre de obras, mas não passou disso. Por que é assim? Essa separação entre projetar e fazer promo- ve projetos melhores? Logo voltaremos a essa pergunta, mas vamos exami- nar primeiro o contexto social dessa mudança do papel dos projetistas. Hoje, pode-se dizer que cerca de um décimo da população da Grã-Bretanha compõe-se de profissionais liberais. Em sua maioria, as profissões liberais que conhecemos hoje são fenômenos rela- tivamente recentes e só começaram a crescer até a proporção atual durante o século XIX (Elliot, 1972). O Royal Institu- te of British Architects [RIBA, Instituto Real de Arquitetos Britânicos] foi fun- dado naquela época. Em 1791 já havia um "Architects' Club" e, mais tarde, surgiram várias Sociedades Arquitetô- nicas. O processo inevitável de profis- sionalização começara e, em 1834, foi fundado o RIBA. Essa entidade não era mais um clube ou sociedade apenas, e sim uma organização de homens com ideias semelhantes e a aspiração de criar, controlar e unificar padrões pro- fissionais. A Carta Real de 1837 iniciou o processo de dar aos arquitetos uma boa posição social; finalmente, a cria- ção de exames e registro lhes deu sta- tus legal. Na verdade, até hoje, no Reino Unido, o próprio título de arquiteto é legalmente protegido. Era inevitável que todo esse processo de profissionali- zação levasse à transformação da clas- se dos arquitetos em elite exclusivista, 2 A mudança do papel do projetista 33 legalmente protegida e socialmente respeitada. Assim, a distância atual que separa arquitetos de construtores e usuários foi assegurada. Por essa razão, muitos arquitetos ficaram insatisfeitos com a criação do RIBA, e até hoje há os que defendem que as barreiras legais levantadas entre projetista e constru- tor não produzem boa arquitetura. Nos últimos anos, o RIBA afrouxou muitas regras mais antigas, e hoje permite que os membros sejam diretores de empre- sas de construção civil, publiquem anúncios e, em geral, se comportem de maneira mais comercial do que antes exigia o código de conduta. Na verda- de, porém, o profissionalismo não dizia respeito aos projetos nem ao processo de projeto, mas à busca de controle e elevação social, e isso pode ser encon- trado tanto nas profissões baseadas em projetos quanto nas outras. Não há dúvida de que esse controle levou a padrões cada vez mais elevados de formação e exame, mas se conduziu a uma prática melhor ainda é uma ques- tão mais ampla. Hoje, a divisão de trabalho entre os que projetam e os que fazem tomou-se uma pedra fundamental da nossa socie- dade tecnológica. Para alguns, pode parecer irônico que essa dependência que temos de projetistas profissionais se baseia, em boa parte, na necessidade de resolver os problemas criados pelo uso de tecnologia avançada. O proje- to de uma cabana na montanha é uma proposta totalmente diferente de ofere- cer moradia numa cidade barulhenta e congestionada. O terreno no centro da cidade pode trazer consigo problemas 34 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM sociais de privacidade e comunida- de, riscos à segurança, como a disse- minação de incêndios ou de doenças, sem falar dos problemas de acesso ou poluição. A lista de dificuldades desco- nhecidas para construtores de iglus ou cabaninhas na montanha é quase inter- minável. Além disso, cada terreno no centro da cidade apresentará uma com- binação diferente desses problemas. Essas situações complexas e variáveis parecem exigir a atenção de projetis- tas profissionais experientes que, além de tecnicamente capazes, também são treinados para o próprio ato de tomar decisões durante os projetos. Christopher Alexander (1964) apre- sentou uma das discussões mais lúci- das e concisas acerca dessa mudança do papel do projetista. Ele defende que, quando a sociedade é submetida a mudanças rápidas, súbitas e cultu- ralmente irreversíveis, é inevitável que a abordagem espontânea e artesanal do projeto dê lugar ao processo pro- fissionalizado e autoconsciente. Essas mudanças podem resultar do contato com sociedades mais avançadas, seja na forma de invasão e colonização, seja pela infiltração insidiosa que se vê mais recentemente, causada pela aju- da externa concedida aos países sub- desenvolvidos. Aqui na Grã-Bretanha, a Revolução Industrial promoveu essa mudança. Os meios de produção meca- nizados recém-descobertos passaram a ser o pivô cultural em tomo do qual a sociedade girou. As sementes do respei- to pelas profissões liberais do século XIX e da fé na tecnologia do século XX foram plantadas. Mudanças nos materiais e na tecnologia disponíveis tomaram-se rápidas demais para serem acompa- nhadas pelo processo evolucionário do artesão. Assim, o processo de projeto que conhecemos em tempos recentes não surgiu como resultado de um pla- nejamento cuidadoso e voluntário, mas como reação a mudanças no contexto social e cultural mais amplo em que se projeta. O projetista especializado e pro- fissional que produz desenhos com base nos quais outros constroem passou a ser uma imagem tão estável e conheci- da que hoje vemos esse processo como a forma tradicional de projetar. 2.3 O processo tradicional de projetar Devemos nos fazer as seguintes pergun- tas: até que ponto esse novo processo tradicional de projetar nos beneficiou? Ele mudará? Na verdade, ele sempre sofreu um certo volume de mudança, e há sinais de que, atualmente, muitos projetistas buscam um novo papel na sociedade, embora ainda mal definido. Por que é assim? A princípio, a separação entre proje- tar e fazer teve como efeito não apenas isolar os projetistas, como colocá-los no centro das atenções. O próprio Alexan- der (1964) comentou essa evolução com bastante discernimento: O reconhecimento autoconsciente pelo artista de sua própria individualidade cau- sa um efeito profundo no processo de cria r formas. Agora, cada forma é vista como o trabalho de um único homem, e o seu su- cesso é uma realização só dele. Esse reconhecimento da realização individual pode dar origem facilmente ao culto do indivíduo. Em termos edu- cacionais, isso levou ao sistema de ensi- nar a projetar por meio de contratos de estágio. O jovem arquiteto era entregue aos cuidados de um renomado mes- tre do ofício, na esperança de que, em consequência de um período extenso de serviço, a habilidade específica daquele mestre fosse passada adiante. Mesmo nas escolas de arquitetura, exigia-se dos alunos que projetassem à moda de um indivíduo específico. Para ter sucesso, os projetistas tinham de adquirir uma ima- gem fácil de identificar, ainda vista nos retratos extravagantes de projetistas em livros e filmes. Os grandes arquitetos do movimento moderno, como Le Corbusier ou Frank Lloyd Wright, além de projetar edificações com um estilo de fácil identi- ficação, comportavam-se e escreviam de forma excêntrica sobre o seu trabalho. Na Grã-Bretanha, no final do século XIX, os arquitetos descontentes com a influ- ência crescente do RIBA defendiam que a arquitetura era uma arte individual e não devia ser regularizada e controlada. Kaye (1960) argumentou que, na verda- de, esse período de profissionalização coincidiu com um período de rigidez do estilo arquitetônico. 2.4 Projetar com desenhos A separação entre projetar e fazer tam- bém resulta no papel central do dese- nho. Como não é mais o artesão que realmente faz o objeto, o projetista tem de transmitir instruções aos que de fato 2 A mudança do papel do projetista 35 o farão. Primária e tradicionalmente, o desenho foi a forma mais popular de dar essas instruções. Nesse processo, o cliente não compra ma is o artigo aca- bado, mas recebe um projeto, descrito mais uma vez e primariamentecom desenhos. Esses desenhos costumam ser chamados de "desenhos de apre- sentação", ao contrário dos "desenhos de produção", feitos para a construção. No entanto, no contexto deste livro, é mais importante ainda o "desenho de projeto". Esse desenho não é feito pelo projetista para comunicar-se com os outros, e faz parte do próprio processo de pensamento que chamamos de pro- jetar. Numa frase m uito feliz, Donald Schon (1983) descreveu o projetista como quem "conversa com o desenho". O papel do desenho é tão fundamen- tal nesse processo de projeto que Jones (1970) descreve o processo inteiro como "projetar com desenhos". Em seguida, Jones discute os pontos fracos e fortes de um processo de projeto que depen- de tanto do desenho. Comparado ao processo vernacular, o projetista que trabalha dessa maneira tem grande liberdade de manipulação. Partes da solução proposta podem ser ajustadas e as consequências, investigadas ime- diatamente, sem o tempo e o custo de construir o produto final. O processo de desenhar e redesenhar poderia conti- nuar até que todos os problemas que o projetista conseguisse ver fossem resol- vidos. Segundo Jones, essa "amplitude perceptiva" muitíssimo maior permite que os projetistas façam muito mais inovações e mudanças fundamentais no mesmo projeto do que seria possí- 36 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM vel no processo vernacular, e resolvam os problemas criados pelo aumento do ritmo de mudanças da tecnologia e da sociedade. Assim, esse processo de pro- jeto encoraja a experimentação e libera a imaginação criativa do projetista de maneira bastante revolucionária, dei- xando o processo quase irreconhecível para o artesão vernacular. Embora tenha muitas vantagens cla- ras em relação ao processo vernacular, projetar com desenhos não deixa de ter as suas desvantagens. De certa forma, o desenho é um modelo muito limitado do produto final do projeto, mas, mes- mo assim, num mundo cada vez mais dependente da comunicação visual, ele parece convincente. O projetista pode ver no desenho como ficará o produto final; infelizmente, porém, nem sem- pre pode ver como ele funcionará. O desenho é um modelo bastante exato e confiável da aparência, mas não neces- sariamente do desempenho. Portanto, os arquitetos puderam projetar formas de moradia bastante novas, nunca antes construídas, assim que a tecnologia per- mitiu os arranha-céus. O que os dese- nhos não puderam necessariamente permitir que vissem foram os proble- mas sociais que, anos depois, com os prédios em uso, se tomaram tão óbvios. Até a aparência dos projetos pode ser apresentada de forma enganosa pelos desenhos. O desenho que o proje- tista opta por fazer enquanto cria tende a ser muito codificado e raramente está ligado à nossa vivência direta do pro- jeto final. Por exemplo, é provável que os arquitetos trabalhem mais frequen- temente com plantas baixas, represen- tação muito pobre da vivência de se locomover dentro de uma edificação. Por todas essas razões, dedicamos mais adiante um capítulo inteiro ao papel do desenho no processo de projeto. 2.5 Projetar com a ciência Conforme os projetos ficaram mais revolucionários e progressistas, as falhas do processo de projeto com dese- nhos tornaram-se mais óbvias, prin- cipalmente no campo da arquitetura. Ficou claro que, para continuar sepa- rando o projetar do fazer, e também para manter o ritmo rápido de mudança e inovação, eram urgentemente neces- sárias novas formas de criar modelos do projeto final. Foi exatamente essa preocupação que levou Alexander a escrever, em 1964, a sua famosa obra Notes on the Synthesis of Form [Anotações sobre a sín- tese da forma]. Ele defendia que éramos otimistas demais ao esperar resulta- dos satisfatórios de um processo de projeto com base na prancheta. Como algumas horas ou dias de esforço por parte de um projetista substituiriam o resultado de séculos de adaptação e evolução incorporados ao produto ver- nacular? Alexander propôs um méto- do de estruturar problemas de projeto que permitiria aos projetistas ver uma representação gráfica da estrutura dos problemas não visuais. Essa obra teve um efeito extraordinariamente dura- douro sobre o pensamento a respeito do método de projeto. Isso é mais notá- vel ainda porque só há uma tentativa registrada de usar o método, e ela não resultou num sucesso óbvio (Hanson, 1969). A razão do fracasso do método de Alexander vem dos pressupostos errô- neos sobre a verdadeira natureza dos problemas de projeto, e isso discutire- mos no próximo capítulo. No entanto, essa geração de metodologia do projeto para a qual o trabalho de Alexander é, hoje em dia, um símbolo, foi motivada pela inquietação comum aos projetistas acerca da inadequação dos seus mode- los de realidade. Infelizmente, os novos modelos, muitas vezes emprestados da pesquisa operacional ou da psicologia comportamental, se mostrariam tão inadequados e inexatos quanto o pro- jeto com desenhos (Daley, 1969). Tal- vez a verdadeira razão da influência da obra de Alexander seja ter assinalado outra mudança no papel do projetista. A questão parecia não ser mais a pro- teção da individualidade e da identida- de dos projetistas, e sim o problema de exercer o "controle coletivo", segundo Jones, das atividades do projetista. De certa forma, o processo todo tinha de se expor mais à inspeção e à avaliação crítica. O modelo do método científico mostrou-se irresistível. Os cientistas tomavam explícitos não só os resulta- dos, como também os procedimentos. O seu trabalho podia ser reproduzido e criticado, e os métodos estavam aci- ma de suspeitas. Como seria bom se os projetistas seguissem um processo tão claro, público e aberto! Essa ideia levou muitos escritores a desenvolver mode- los do processo de projeto propriamen- te dito, e examinaremos alguns deles na próxima seção. Porém, com tudo 2 A mudança do papel do projetista 37 isso, qual é o papel do projetista na sociedade de hoje? 2.6 Futuros papéis do projetista No nosso estado atual de incerteza, dificilmente seria válido ter uma opi- nião definitiva sobre o futuro papel do projetista, ou mesmo do seu papel presente. Cross (1975) nos pede para pensar se estamos entrando agora numa sociedade pós-industrial que, consequentemente, necessita de um processo de projeto pós-industrial. Na verdade, a dificuldade dessa pergunta é como encarar a possibilidade de vida nesta sociedade. Em essência, a questão é o debate político sobre até que ponto queremos descentralizar os centros de poder da nossa sociedade. Alguns auto - res louvam a iminente crise de energia como um empurrão importante para a volta à autossuficiência. Outros afir- mam que a inércia do desenvolvimen- to tecnológico é grande demais para ser detida e que encontraremos outros meios de obter formas centralizadas de energia. Assim, a opinião sobre o futuro papel dos projetistas está ine- vitavelmente ligada ao tipo de direção que desejamos que a sociedade adote. Markus (1972) sugere três pontos de vista amplos que os projetistas de hoje podem adotar a respeito do seu papel na sociedade. Em essência, o primeiro papel é con- servador, centrado na continuação do domínio das instituições profissionais. Nesse papel, os projetistas permane- 38 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM cem desligados dos clientes e daqueles que fazem. Aguardam passivamente a encomenda do cliente, produzem o projeto e saem de cena. Já há proble- mas reais nessa abordagem. No caso da arquitetura, muitas vezes o cliente é um órgão do governo ou uma grande organização comercial, e, nesses casos, é comum os arquitetos serem emprega- dos, e não assessores. Espera-se que o arquiteto que busca esse papel conser- vador seja apoiado pelo RIBA, mas as entidades profissionais tendema reagir a ameaças ao seu papel redefinindo aos poucos esse mesmo papel (Elliot, 1972). Portanto, quando o papel tradicional do projetista de edificações é ameaça- do pela obsolescência, pelas mudanças tecnológicas ou pela natureza mutável do cliente, os arquitetos podem buscar redefinir-se como líderes de uma equi- pe multiprofissional ou recuar para o território mais antigo do projetista estético e funcional. Parece duvidoso que uma entidade profissional como o RIBA consiga continuar apoiando, durante muito tempo, tanto o profis- sional autônomo geral quanto o fun- cionário público assalariado. De várias maneiras, esse papel vem sofrendo recentemente uma dupla ameaça con- siderável. Em muitos países, parece que o governo segue a liderança de Marga- ret Thatcher e desmantela os depar- tamentos de serviços profissionais do setor público, retratando as entidades e os institutos profissionais como prote- cionistas, em vez de preocupados com o bem público. O contrário dessa abordagem con- servadora é buscar ativamente diversas mudanças estruturais na sociedade, mas que também resultariam no fim do profissionalismo liberal que conhe- cemos. Essa abordagem revolucionária levaria o projetista a associar-se dire- tamente a grupos de usuários. Como também é provável que acredite numa sociedade descentralizada, esse tipo de projetista se sentirá mais feliz lidando com destituídos, a exemplo de morado- res de áreas de favelas a serem elimi- nadas, ou de revolucionários como as comunas autossuficientes. Nesse papel, o projetista abandona deliberadamen- te a posição de independência e poder. Não se vê mais como líder, mas como ativista e porta-voz. Uma dificuldade significativa desse papel é que, por ser improvável que esse tipo de cliente/ grupo de usuários controle recursos valorizados fora da sua sociedade limi- tada, o projetista perde toda a influên- cia sobre outros projetistas, a não ser o poder do exemplo. O terceiro caminho, o do meio, fica entre esses dois extremos e é muito mais difícil de identificar em termos que não sejam vagos. Nesse papel, os projetistas continuam a ser especialis- tas profissionais qualificados, mas ten- tam envolver no processo os usuários dos projetos. Essa abordagem mais par- ticipativa do projeto pode incluir várias técnicas relativamente novas, que vão de pesquisas públicas com jogos e simulações até os procedimentos recentes de projetar com o auxílio dos computadores. Todas essas técnicas incorporam a tentativa, por parte do projetista, de identificar e explicitar os aspectos fundamentais do problema e sugerir vias alternativas de ação a serem comentadas pelos participantes não projetistas. É provável que aqueles que seguem essa abordagem tenham abandonado a ideia tradicional de que o projetista individual domina o proces- so, mas talvez ainda acreditem que têm 2 A mudança do papel do projetista 39 a oferecer certa habilidade especializa- da de tomar decisões. Voltaremos aos problemas criados por essa aborda - gem no final do livro, em dois capítulos especiais sobre projetar com os outros e projetar com computadores. 3 Mapeamento do processo de projeto As seis fases de um projeto: 1. Entusiasmo 2. Desilusão 3. Pânico 4. Busca do culpado 5. Punição do inocente 6. Elogios a quem não participou Cartaz na parede do Greater London Council Architects Department [Departamento de Arquitetura do Conselho da Grande Londres] (De acordo com Astragal, AJ, 22 de março de 1978) - Agora as provas - disse o Rei - e depois a pena . - Não! - disse a Rainha. - Primeiro a pena, depois as provas! - Oue maluquice - gritou Alice, tão alto que todos pularam - essa ideia de ter a pena primeiro! Lewis Carroll, Alice através do espelho 3.1 Definições de projetar Até aqui, neste livro, não tentamos definir realmente o que é e o que não é projetar. Examinamos a variedade e a comple- xidade do papel do projetista e vimos rapidamente como esse papel se desenvolveu com o tempo. Também examinamos um pouco da enorme variedade de tipos de projeto e discutimos em que dimensões variam. Buscar cedo demais uma definição de projetar pode facilmente levar a uma visão restrita e estrei- ta. Para entender inteiramente a natureza do ato de projetar, é necessário buscar não só as semelhan- ças entre as diversas situações em que se projeta, mas também reconhecer as diferenças bem reais. É inevitável que cada um de nós aborde esse entendi- mento geral do ato de projetar partindo da nossa formação específica. Isso também fica muito visível quando os autores buscam uma defini- ção abrangente de projetar. Que tipo de projetista daria a seguinte definição de projeto: "Solução ótima para a soma de necessidades verdadeiras de um con- junto específico de circunstâncias"? É mais provável que essa definição seja ideia de um engenheiro ou de um designer de interiores? Faz sentido falar de "soluções ótimas" ou "necessida- des verdadeiras" no caso do projeto de interiores? De fato, Matchett, que assim definiu projeto, tem formação em enge- nharia (Matchett, 1968). Essa defini- ção sugere pelo menos dois modos de variação das situações em que se pro- jeta. O uso de "ótimo" indica que, para Matchett, é possível mensurar o resul- tado do projeto em relação a critérios de sucesso estabelecidos. Esse talvez seja o caso do projeto de uma máquina cuja produção pode ser quantificada segundo uma ou mais escalas de medição, mas dificilmente se aplicaria a um projeto de cenografia ou de interiores. A definição de Matchett também supõe que todas as "necessidades verdadeiras" de uma circunstância podem ser listadas. Entre- tanto, o mais frequente é que os proje- tistas não tenham a mínima certeza de todas as necessidades de uma situação. Isso porque nem todos os problemas de um projeto dizem respeito a atividades 3 Mapeamento do processo de projeto 41 com o mesmo objetivo. Por exemplo, é muito mais fácil definir as necessidades a serem satisfeitas numa sala de aula do que numa sala de estar doméstica. Alguns pronunciamentos sobre pro- jetos nos levariam a acreditar que essa diferença não é mesmo muito impor- tante. Isso foi levado a extremos por Sydney Gregory (1966) no seu livro pio- neiro sobre metodologia do projeto: "O processo de projeto é o mesmo, quer se trate do projeto de uma nova refinaria de petróleo, quer seja a construção de uma catedral, quer seja a redação da Divina Comédia de Dante". Talvez realmente Gregory esteja nos dizendo que, ao projetar ou escrever, ele, pessoalmente, usava um processo semelhante. Embora isso possa ter dado certo com Sydney Gregory, é imprová- vel que funcionasse com Dante, que, até onde sabemos, não demonstrava interesse nenhum pela engenharia quí- mica! O mais provável é que projetar envolva algumas habilidades tão gené- ricas que poderíamos dizer, com sensa- tez, que se aplicam a todos os tipos de prática, mas também parece provável que algumas habilidades são específi- cas de certos tipos de projeto. Também seria sensato indicar que o equilíbrio de habilidades necessárias para cada tipo de projetista é diferente. Sem dúvida, todos os projetistas têm de ser criativos, e trataremos do pensamento criativo num capítulo mais adiante. Alguns projetistas, como os arquitetos, os designers de interiores e os desenhistas industriais, precisam de uma noção visual bem desenvolvida e, em geral, têm de desenhar bem. Tra- 42 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM tamos do projeto com desenhos em outro capítulo. É provável que outros projetistas mais próximos da engenha- ria precisem de habilidade maior com números, e assim por diante. É claro que é possível chegar a uma definição de projeto que acomode tan- to as características comuns quanto as distintas. Chris Jones (1970) chegou à definiçãode projeto que considerou "suprema": "Iniciar mudanças nas coi- sas feitas pelo homem". Provavelmente, todos os projetistas concordariam que isso se aplica ao que fazem, mas será mesmo uma defini- ção útil? Talvez seja genérica e abstrata demais para nos ajudar a entender o que é projetar. Precisamos mesmo de uma definição simples de projetar ou deverí- amos aceitar que esse tema é complexo demais para se resumir em algo menor do que um livro? Talvez a resposta seja que nunca encontraremos uma defini- ção única e satisfatória, mas que a busca pode ser muito mais importante do que a descoberta. Chris Jones (1966) já admi- tiu que essa busca é difícil na primeira descrição que fez do que é projetar: "Rea- lizar um ato de fé complicadíssimo". 3.2 Alguns mapeamentos do processo de projeto Muitos autores tentaram mapear o caminho do processo, do início ao fim. A ideia comum a todos esses "mapea- mentos" do processo de projeto é que ele se compõe de uma sequência de ati- vidades distintas e identificáveis que ocorrem numa ordem previsível e com uma lógica identificável. À primeira vista, parece ser uma forma bastante sensata de analisar o processo de pro- jeto. Em termos lógicos, parece que o projetista tem de fazer várias coisas em ordem para avançar dos primeiros estágios da abordagem do problema até os estágios finais, em que define a solução. Infelizmente, como veremos, esses pressupostos são bastante pre- cipitados. Na verdade, é bem possível que a rainha de Lewis Carroll se tornas- se uma boa projetista com a sugestão aparentemente ridícula de que a pena deveria preceder as provas! No entanto, vamos examinar alguns desses mapeamentos para ver se são úteis. O primeiro que examinaremos foi exposto no Architectural Practice and Management Handbook [Manual de admi- nistração e prática arquitetônica] (1965), do RIBA, para ser usado por arquitetos. O manual nos diz que o processo de pro- jeto divide-se em quatro fases: 1ª fase: assimilação Acúmulo e organização de informa- ções gerais e especificamente liga- das ao problema em mãos. 2ª fase: estudo geral Exame da natureza do problema. Investigação de possíveis soluções ou meios de solução. 3ª fase: desenvolvimento Desenvolvimento e refinamento de uma ou mais soluções possíveis iso- ladas durante a 2ª fase. 4ª fase: comunicação A comunicação de uma ou m ais soluções aos que estão dentro ou fora da equipe do projeto. Uma leitura mais detalhada do manual do RIBA, porém, revela que essas quatro fases não são necessaria- mente sequenciais, embora possa pare- cer lógico que o desenvolvimento geral do projeto avance da ia até a 4ª fase. No entanto, para ver como isso funciona na prática, temos de examinar a tran- sição entre as fases. Na verdade, para o projetista é bem difícil saber que informações recolher na ia fase, antes de começar a inves- tigação do problema na 2ª fase. Com a adoção de métodos sistemáticos de projetar na formação do projetista, entrou na moda pedir aos alunos que preparem relatórios de acompanha- mento dos projetos. Com frequência, esses relatórios contêm muitas infor- mações laboriosamente recolhidas no início do projeto. Como leitor regu- lar desses relatórios, acostumei-me a verificar essas informações para ver se tiveram impacto sobre o projeto. Na verdade, os alunos costumam ser incapazes de indicar o efeito concreto que grande parte dos dados coletados tem sobre as soluções. Aqui, um dos perigos é que, como recolher informa- ções é bem menos exigente em termos mentais do que resolver problemas, é sempre tentador adiar a transição da ia para a 2ª fase. É improvável que projetistas profissionais sucumbam a essa tentação, já que precisam ganhar a vida; entre alunos, porém, isso é comum, e esse mapeamento só costu- ma servir para encorajar a procrastina- ção improdutiva! É raro que o desenvolvimento detalhado de soluções (3ª fase) leve 3 Mapeamento do processo de projeto 43 suavemente a uma única conclusão inevitável. Na verdade, esse trabalho costuma revelar os pontos fracos no entendimento do problema e na com- preensão, pelo projetista, de todas as informações pertinentes. Em outras palavras, é necessário voltar às ativida- des da 2ª fase! A experiência comum a todos os projetistas, de que apenas quando mos- tram as possíveis soluções (4ª fase) aos clientes é que estes percebem que des- creveram mal o problema (1ª fase), dá o que pensar. Poderíamos continuar analisando o mapeamento dessa maneira, mas a lição geral seria a mesma. Embora pare- ça lógico que as atividades aqui listadas deveriam realizar-se na ordem mostra- da no mapeamento, a realidade é mui- to mais confusa. O que o mapeamento faz é nos dizer que os projetistas têm de reunir informações sobre o proble- ma, estudá-lo, imaginar uma solução e desenhá-la, embora não necessaria- mente nessa ordem. Aqui, o manual do RIBA é muito sincero ao declarar que, provavelmente, haverá saltos impre- visíveis entre as quatro fases. O que ele não diz é com que frequência nem de que modo acontecem esses saltos (Fig. 3.1). Se passarmos as páginas do manual do RIBA, encontraremos outro mapeamento em escala muito maior. À primeira vista, em razão do imenso detalhamento, esse "Plano de Traba- lho", como é chamado, parece muito mais promissor. O plano de trabalho compõe-se de 12 estágios descritos como uma linha de ação lógica: 44 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM A Primórdios B Viabilidade c Linhas gerais da proposta D Projeto esquemático E Projeto detalhado F Informações sobre a produção G Quantidade de materiais H Propostas de orçamento J Planejamento do projeto K Operações no local L Término M Reavaliação O manual também apresenta de for- ma reveladora, uma versão simplificada no que ele descreve como: "terminolo- gia comum": A-B Programa de necessidades C-D Esboços E-H Desenhos executivos J-M Operações no local Com base nisso, podemos ver o plano de trabalho como realmente é: uma descrição não do processo, mas dos produtos do processo. Ele não nos diz como o arquiteto trabalha, mas o que tem de ser produzido em termos de relatórios de viabilidade, desenhos básicos e desenhos para a produção. Além disso, o plano também detalha os serviços oferecidos pelo arquiteto em termos de obter aprovação dos órgãos de planejamento urbano e supervisio- nar a obra. Os arquitetos costumavam receber os seus honorários de acordo com um sistema padronizado de valores e for- mas de pagamento que fazia parte das Condições de Contratação de Arquite- tos. Atualmente, os honorários depen- dem da negociação entre arquitetos e clientes, e tanto a faixa da remunera- ção quanto a forma de pagamento são muito variáveis. No entanto, o caso é que a elaboração de um projeto arqui- tetônico pode durar muito tempo, com frequência vários anos, e assim, os arquitetos, para se manter solventes, precisam receber antes do fim do ser- viço. Com isso, o plano de trabalho do RIBA era usado, historicamente, para combinar em quais estágios do traba- lho haveria pagamentos parcelados. Portanto, o plano de trabalho também pode ser considerado parte de uma transação comercial; ele informa aos clientes o que receberão e descreve o que os arquitetos têm de fazer. Não nos diz, necessariamente, como isso é feito. O plano de trabalho também des- creve o que os outros membros da equipe do projeto (supervisor de orça- mento, engenheiros etc.) farão e como se relacionarão com o arquiteto, sendo este claramente retratado como geren- te e líder da equipe. Isso revela ainda mais que o plano de trabalho faz parte do exercício da propaganda da classe dos arquitetos para assegurar-lhes um Estudo geral Desenvolvimento Comunicação 2 3 4 Fig. 3.1 Mapeamento do processo de projeto de acordo com o plano detrabalho do RIBA papel de liderança na equipe multidis- ciplinar que projeta a edificação. Mais uma vez, hoje esse não é mais o ponto de vista geral sobre o papel do arquite- to! Nada disso deve ser entendido como crítica ao plano de trabalho do RIBA, que provavelmente cumpre as suas funções de maneira adequada, mas, no final, é provável que ele nos ensine mais sobre a história do papel da enti- dade do que sobre a natureza do pro- cesso de projeto na arquitetura. Dois acadêmicos, Tom Markus (1969b) e Tom Maver (1970), produziram mapeamentos bem mais elaborados do processo de projeto na arquitetura (Fig. 3.2). Eles defendiam que o quadro completo do método de projetar exi- ge tanto uma "sequência de decisões" quanto um "processo de projeto" ou "morfologia", e sugerem que precisa- mos passar pela sequência de análise, síntese, avaliação e decisão do processo de projeto (estágios 2, 3, 4 e 5 do manual do RIBA) em níveis cada vez mais deta- lhados. Como os conceitos de análise, síntese e avaliação aparecem com fre- Síntese ,,_ _ _..., Avaliação Linhas Gera is Da Proposta Síntese 11---H Avaliação Projeto Esquemático Análise Síntese ,,_ _ _..., Avaliação Projeto Detalhado 3 Mapeamento do processo de projeto 45 quência na literatura sobre metodologia de projeto, vale a pena apresentar algu- mas definições em linhas gerais antes de examinar esses mapeamentos com mais detalhes. A análise envolve a invest igação das relações na busca de algum padrão nas informações disponíveis e a classifica- ção dos objetivos. A análise é o ordena- mento e a estruturação do problema. A síntese, por sua vez, caracteriza-se pela tentativa de avançar e criar uma resposta ao problema - a geração de soluções. A avaliação envolve a crítica das soluções sugeridas em relação aos objetivos identificados na fase de aná- lise. Para ver como essas três funções de análise, síntese e avaliação se rela- cionam na prática, podemos examinar os pensamentos de um enxadrista que decide a próxima jogada. O procedi- mento sugere que o nosso jogador deve analisar primeiro a posição atual no tabuleiro, estudando todas as relações entre as peças: as que estão ameaçadas e como, e quais casas desocupadas con- tinuam sem defesa. A tarefa seguinte Decisão Decisão Fig. 3.2 "c::=::;:::=:::!I O mapeamento do processo de projeto de Markus/Maver 46 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM seria esclarecer os objetivos. É óbvio que o objetivo final do jogo, em lon- go prazo, é vencer, mas nesse estágio específico as prioridades entre ataque e defesa e entre ganho imediato ou pos- terior têm de ser decididas. O estágio de síntese seria sugerir uma jogada, que pode surgir como ideia completa ou em partes, tal como mover uma peça específica, ocupar uma determinada casa ou ameaçar certa peça, e assim por diante. Essa ideia, então, precisa ser avaliada em relação aos objetivos antes de decidir se aquela jogada específica será feita ou não. Para voltar ao mapeamento de Markus/Maver, já vimos que os mape- amentos do processo de projeto preci- sam permitir o retomo a uma atividade precedente. Ao ser examinada, a pri- meira jogada pensada pelo nosso enxa- drista pode mostrar-se imprudente ou até perigosa, e o mesmo acontece nos projetos. Isso explica a linha que retor- na da avaliação à síntese na sequência de decisões de Markus/Maver, que, em termos simples, exige que o projetis- ta tenha outra ideia, já que a anterior mostrou-se inadequada. A presença desse retorno no dia- grama, porém, provoca outra pergunta. Por que é o único retorno? O desenvol- vimento de uma solução não pode indi- car que é preciso mais análise? Mesmo no jogo de xadrez, uma proposta de jogada pode revelar um problema novo e sugerir que a percepção original do estado do jogo estava incompleta e que mais análise é necessária. Isso acon- tece com frequência ainda maior ao projetar, quando o problema não está inteiramente descrito, como no tabulei- ro de xadrez. Isso foi admitido há muito tempo por John Page (1963), que avisou à Conference on Design Methods (Con- ferência sobre Métodos de Projetar] de 1962, em Manchester: Ao projetar, na maioria das situações práticas, depois que produzimos isso, descobrimos aquilo e fizemos a síntese, percebemos que esquecemos de analisar outra coisa aqui, e temos de dar a volta toda e produzir uma síntese modificada, e assim por diante. Portanto, somos levados à conclu- são inevitável de que, na verdade, o nosso mapeamento deveria ter uma linha de retomo de cada função a todas as funções precedentes. No entanto, esse mapeamento tem mais um pro- blema (Fig. 3.3). Ele indica, outra vez de forma aparentemente lógica, que o pro- jetista parte do geral para o particular, das "linhas gerais da proposta" para o "detalhamento do projeto". O estudo concreto da maneira como os projetis- tas trabalham revela que isso é bem menos claro do que parece. Em ter- mos convencionais, o mapeamento de Markus/Maver do processo de projeto Análise Síntese Avaliação ,,_ ___ Fig. 3.3 Mapeamento generalizado do processo de projeto dos arquitetos indica que os primeiros estágios tratam da organização geral e da disposição dos espaços, e os poste- riores, da seleção dos materiais usados na construção e do detalhamento da sua junção. Na verdade, acontece que esse é outro exemplo de algo que pare- ce lógico num estudo superficial, mas que, na realidade, é mais confuso. Isso foi bem explicado pelo famoso arquite- to americano Robert Venturi: Temos uma regra que diz que, às vezes, é o rabo que abana o cachorro, ou seja, é o detalhe que determina o geral. Não vamos necessariamente do geral para o particu- lar e, com bastante frequência, fazemos o detalhamento no princípio, em boa parte para servir de base. (Lawson, 1994b). É por essa razão que Venturi fica tão descontente com a tendência cada vez maior, nos Estados Unidos, de separar o projeto conceitua! do desenvolvimento do projeto, com a indicação até de arqui- tetos diferentes para os dois estágios. O uso no Reino Unido do sistema de "pro- jetar e construir" causou problemas semelhantes. Pelo menos uma arquite- ta bem-sucedida e muito admirada, Eva Jiricna, revelou que o seu processo de projeto é, em boa parte, uma questão de começar com o que outros, conven- cionalmente, considerariam detalhe. Ela gosta de começar escolhendo mate- riais e desenhando detalhes em tama- nho natural da sua junção: No nosso escritório, costumamos come- çar com detalhes em tamanho natu ral [ ... ] por exemplo, se temos alguma ideia do que vamos criar com junções diferen- tes, podemos criar um esquema que será bom porque determinados materiais só 3 Mapeamento do processo de projeto 47 se juntam confortavelmente de uma certa maneira. (Lawson, 1994b). É claro que, se funciona bem para uma arquiteta tão elogiada, temos de levar esse processo a sério. Portan- to, o problema do mapeamento de Markus/Maver é apenas o que signifi- ca "linhas gerais" e o que se quer dizer com "detalhe". A experiência indica que isso varia não só entre projetistas como também entre projetos. Uma decisão que talvez pareça fundamental no iní- cio de um determinado projeto pode ser, em outro, questão de detalhe que ficará para o final. Ainda que a própria estratégia de projetar não seja conduzi- da pelos detalhes, como no caso de Eva Jiricna, parece pouco realista supor que o processo de projeto tenha de levar em conta, inevitavelmente, níveis crescen- tes de detalhamento. Do jeito que está, o mapeamento não mostra mais uma rota firme atra- vés do processo inteiro (Fig. 3.4). Ele mais parece um daqueles caóticos jogos de salão em que os jogadores correm de Avaliação Síntese Fig. 3.4 Representação gráfica mais honesta do processo de projeto 48 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAMum cômodo a outro da casa só para des- cobrir para onde terão de ir em seguida; ajuda tanto o projetista a orientar-se no processo quanto um diagrama de como andar mostrado a uma criança de em um ano. Saber que o projeto consiste de análise, síntese e avaliação ligadas em um ciclo iterativo não capacita nin- guém a projetar, assim como conhecer os movimentos do nado de peito não impede que alguém se afogue na pis- cina. Cada um terá de entender como aquilo funciona por conta própria. 3.3 Esses mapeamentos são exatos? Poderíamos continuar examinando os mapeamentos do processo de projeto, já que um número considerável deles foi desenvolvido. Mapeamentos do processo de projeto semelhantes aos já discutidos foram propostos para a engenharia (Asimow, 1962; Rosenstein; Rathbone; Schneerer, 1964), o desenho industrial (Archer, 1969) e até o plane- jamento urbano (Levin, 1966). Esses mapeamentos bastante abstratos de campos tão variados mostram um grau considerável de concordância, indican- do que talvez Sydney Gregory estivesse certo o tempo todo: pode ser que o pro- cesso de projeto seja o mesmo em todos os campos. Mas, infelizmente, nenhum dos autores aqui citados mostra provas de que os projetistas realmente seguem os seus mapeamentos, razão pela qual precisamos ter cautela. Assim, esses mapeamentos ten- dem a ser, ao mesmo tempo, teóricos e normativos. Parecem derivar m ais do pensamento sobre o ato de projetar do que da observação experimental; tipi- camente, são lógicos e sistemáticos. Há riscos nessa abordagem, já que quem escreve sobre metodologia do projeto não são necessariamente os melhores projetistas. Parece sensato supor que o mais provável é que os melhores proje- tistas dediquem o seu tempo a projetar, e não a escrever sobre metodologia . Se isso for verdade, seria bem mais inte- ressante saber como os melhores pro- jetistas realmente trabalham do que saber o que um metodologista do pro- jeto acha que deveriam fazer! Aqui, o fator compensador é que muitos auto- res acadêmicos também se dedicam a ensinar a projetar e, portanto, têm mui- tos anos de experiência na observação dos alunos. No entanto, isso também leva a perguntar se os alunos não pro- jetam de forma diferente dos profissio- nais experientes. 3.4 Alguns estudos empíricos Todas essas perguntas indicam que são necessárias provas concretas em vez de apenas pensamento lógico. Nos últimos anos, começamos realmente a estudar o ato de projetar de forma mais organizada e científica . Foram e continuam a ser feitos estudos em que os projetistas são investigados, e, a partir dessas pesquisas, aprendemos aos poucos algumas das sutilezas de como realmente se pratica o projetar. A seguir, examinaremos alguns des- ses trabalhos, mas antes é necessária uma palavra de cautela. Sabidamente, realizar trabalhos empíricos sobre o processo de projeto é difícil. Por defi- nição, esse processo acontece dentro da cabeça. É verdade que podemos ver projetistas desenhando enquanto pen- sam, mas nem sempre os desenhos revelam todo o processo de pensamen- to. Nem sempre os próprios projetistas estão acostumados a analisar e expli- citar esse processo de pensamento. Há muitas técnicas experimentais que podemos usar para superar esses pro- blemas, mas é provável que todos os experimentos sobre a natureza do pro- cesso de projeto tenham alguma falha. No entanto, quando se junta todo esse trabalho, surge aos poucos um quadro geral da maneira como pensam os pro- jetistas. 3.5 Um estudo em laboratório com alunos de projeto Há alguns anos, interessei-me pela questão geral do estilo cognitivo no pro- cesso de projeto e de como era adquiri- do. Como aluno de arquitetura e depois de psicologia, comecei a sentir que os meus colegas tinham alguns modos de pensar iguais aos meus, mas que os arquitetos pareciam pensar de forma visivelmente diferente dos psicólogos. Então, duas questões muito específi- cas evoluíram a partir desse interesse geral. Essas diferenças seriam reais ou não, e, caso fossem reais, refletiriam a natureza diferente das pessoas que se 3 Mapeamento do processo de projeto 49 tornavam arquitetos ou psicólogos, ou a natureza diferente do seu trabalho? Assim, uma série de situações experimentais foi criada para que os participantes resolvessem problemas semelhantes a projetos em condições de laboratório, sem nenhuma outra dis- tração (Lawson, 1972}. Naturalmente, era fundamental que nenhum conhe- cimento técnico especializado fosse necessário para resolver os problemas, de modo a evitar que os arquitetos par- ticipantes tivessem vantagem sobre os outros. Numa experiência, os indiví- duos tinham de completar um projeto usando vários blocos de madeira colo- ridos e modulares. Eles recebiam mais blocos do que seria realmente neces - sário, e o problema exigia compor um arranjo em uma única camada de três módulos por quatro. A face vertical dos blocos era colorida de vermelho e azul e, em cada exercício, pedia-se ao parti- cipante que a parede externa do arran- jo final tivesse o máximo possível de vermelho ou azul (Fig. 3.5). A tarefa ficava mais complexa com a introdução de regras "ocultas" rela- tivas às relações entre alguns blocos. Isso fazia com que algumas combina- ções de blocos fossem permitidas e outras, não. Essas regras eram muda- das a cada problema, e os participantes sabiam que algumas regras estavam em vigência, mas não sabiam quais. Assim, na realidade, esse problema abstrato é uma situação de projeto bas- tante simplificada, na qual uma solução física tridimensional tem de cumprir certos objetivos de desempenho decla- rados e, ao mesmo tempo, obedecer a 50 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM uma estrutura relacional que, a princí- pio, não é totalmente explicitada. Para não intimidar os participantes, eles foram deixados a sós para resolver os problemas, com um computador que pro- punha cada problema e lhes dizia, quan- do perguntavam, se a solução proposta era ou não uma combinação permitida. Além disso, sem que os participantes soubessem, o computador era capaz de registrar e analisar a sua estratégia de solução de problemas. A princípio, foram usados dois grupos de participantes, um de alunos do último ano de arquitetura, outro de alunos de pós-graduação em ciências (Lawson, 1979b). Os dois grupos mostraram estraté- gias bem constantes e espantosamente diferentes. Embora o problema seja sim- ples quando comparado a problemas de projeto mais reais, ainda há mais de seis mil respostas possíveis. Claramen- te, a tarefa imediata dos participantes era reduzir esse número e buscar uma boa solução. Os cientistas adotaram a técnica de experimentar uma série de projetos que usavam o máximo possí- vel de diferentes blocos e combinações de blocos, e da forma mais rápida possí- vel. Dessa maneira, tentaram maximi- zar as informações disponíveis sobre as combinações permitidas. Se conseguis- sem descobrir a regra que comanda- va quais combinações de blocos eram permitidas, poderiam então buscar um arranjo que otimizasse a cor exigida na parte externa do projeto. Os arqui- tetos, ao contrário, escolheram os blo- cos de modo a obter o perímetro da cor correta. Se essa combinação não fosse aceitável, substituíam-na pela próxima Fig. 3.5 Experiência de laboratório para investigar o processo de projeto combinação de blocos mais favorável, e assim por diante, até descobrir uma solução aceitável. A diferença essencial entre as duas estratégias é que, enquanto os cientis- tas concentravam a atenção em enten- der as regras subjacentes, os arquitetos ficaram obcecados pela obtenção do resultado desejado. Portanto, podemos descrever a estratégia dos cientistas como concentrada no problema e a dos arquitetos como concentrada na solução.Com isso, tínhamos o começo de uma resposta à nossa primeira pergunta. Parecia mesmo que o estilo cognitivo de arquitetos e cientistas era sempre diferente. Para abordar a segunda per- gunta, foi necessária outra rodada de experiências. Nela, os participantes eram alunos no final do curso secundá- rio, pouco antes de irem para a univer- sidade, e alunos universitários no início do primeiro ano de arquitetura. Os dois grupos foram bem menos bons na solu- ção de todos os problemas, e nenhum deles mostrou alguma estratégia cons- tante em comum. Assim, parecia que a resposta da segunda pergunta seria que é a experiência educacional dos respectivos cursos de graduação que faz os alunos de ciência e de arquitetu- ra pensarem do jeito como pensam, e não algum estilo cognitivo inerente. O comportamento dos grupos de arquitetos e de cientistas parece sen- sato quando comparado ao estilo edu- cacional dos seus respectivos cursos. Os arquitetos aprendem com uma série de estudos de projetos e recebem críti- cas às soluções encontradas, e não ao método utilizado. Ninguém lhes pede que entendam problemas nem que ana- lisem soluções. Assim como no mundo profissional real, a solução é tudo, e o processo não é examinado! Em compa- ração, os cientistas recebem aprendi- zado teórico. Aprendem que a ciência avança por meio de um método que é explicitado e pode ser reproduzido por outros. Os psicólogos, especificamente, em razão da natureza bastante "flexí- vel" da sua ciência, aprendem a ter mui- tíssimo cuidado com a metodologia. No entanto, essa explicação talvez seja simples demais. Embora o desem- penho geral não fosse melhor, ambos os grupos de alunos de projeto mos- traram habilidade maior que a de seus colegas na hora de formar as soluções tridimensionais. Parece que tinham maior capacidade espacial e que esta- vam mais interessados em simplesmen- te brincar com os blocos. Será possível que os respectivos sistemas educacio- nais da ciência e da arquitetura sim- plesmente reforçam o interesse pelo abstrato ou pelo concreto? Essas expe- riências não nos permitem responder a 3 Mapeamento do processo de projeto 51 essa pergunta. No entanto, também são muito limitadas na capacidade de servir de modelo do processo real de projetar, de modo que, para avançar mais, preci- samos recorrer a estudos mais realistas. Os resultados dessa experiência também questionam ainda mais a divi- são entre análise e síntese vista nos mapeamentos do processo de projeto no início deste capítulo. O que esses dados deixam claro é que os alunos mais expe- rientes do último ano de arquitetura usaram de forma constante uma estra- tégia de análise por meio da síntese. Eles aprenderam mais sobre o problema com as tentativas de criar soluções, e não com o estudo deliberado e separado do problema propriamente dito. 3.6 Algumas experiências mais realistas Numa experiência um pouco mais rea- lista, pediu-se a projetistas experien- tes que reprojetassem um banheiro para casas teoricamente construídas (Eastman, 1970). Aqui, os participantes podiam desenhar e conversar sobre o que faziam, e todos esses dados foram registrados e analisados. A partir des- ses relatórios, Eastman mostrou que os projetistas estudaram o problema por meio de uma série de tentativas de criar soluções. Nesses relatórios não há nenhuma divisão significativa entre análise e síntese, mas sim um apren- dizado simultâneo sobre a natureza do problema e a variedade de soluções possíveis. Os projetistas receberam o projeto de um banheiro existente jun- 52 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM to com possíveis críticas dos clientes sobre o aparente desperdício de espa- ço. Assim, certas partes do problema, como a necessidade de reorganizar as peças do banheiro para dar mais sen- sação de espaço e luxo, foram expos- tas com bastante clareza. No entanto, os projetistas descobriram muito mais sobre o problema ao avaliar de forma crítica as suas próprias soluções. Um dos relatórios de Eastman mostra como um projetista identificou o problema de separar o vaso sanitário do chuveiro por razões de privacidade. Mais tarde, isso passa a fazer parte de uma exigên- cia muito mais sutil quando ele decidiu que o cliente não gostaria de um dos seus projetos que parece esconder o vaso sanitário deliberadamente; o vaso deveria ficar em um lugar reservado, mas não escondido. Essa exigência sutil não foi pensada em termos abstratos e afirmada antes da síntese, mas desco- berta em consequência da manipula- ção das soluções. Com uma abordagem semelhante, Akin pediu a arquitetos que projetas- sem edificações mais complexas do que o banheiro de Eastman. Ele observou e registrou os comentários dos partici- pantes numa série de relatórios (Akin, 1986}. Na verdade, ele resolveu, especi- ficamente, "desagregar" o processo de projeto, ou decompô-lo em suas partes constitutivas. Mesmo com esse ataque intervencionista ao problema, Akin não conseguiu identificar análise e síntese como componentes significativamen- te isolados do processo de projeto. Na verdade, ele descobriu que os seus pro- jetistas geravam novas metas e redefi- niam restrições o tempo todo. Portanto, para Akin, a análise faz parte de todas as fases do projeto e a síntese começa bem no início do processo. 3.7 Entrevistas com projetistas Até aqui, exammamos o resultado de experiências em que se pede a pro- jetistas que trabalhem em condições experimentais. Na verdade, essas con- dições nunca reproduzem o verdadeiro estúdio de projeto, e a pesquisa alter- nativa com entrevistas sobre o método permite aos projetistas descrever como trabalham em condições normais. É claro que esse método de pesquisa também tem falhas, já que depende de os projetistas dizerem mesmo a verda- de! Embora seja bastante improvável que mintam deliberadamente, ainda assim a memória tem os seus t ruques, e os projetistas podem se convencer, em retrospecto, de que o processo foi mais lógico e eficiente do que de fato foi. Uma das vantagens das entrevistas é que às vezes conseguimos convencer excelentes projetistas a permitir que os entrevistemos, enquanto, infelizmente, muitas experiências de laboratório são realizadas com alunos, de acesso m ais fácil para os pesquisadores! 3.8 O gerador primário Há alguns anos, Jane Darke, assistente de pesquisa e colega minha , entrevis- tou alguns arquitetos britânicos famo- 3 Mapeamento do processo de projeto 53 sos acerca de suas intenções quando projetavam habitações públicas per- tencentes a governos locais. Os arqui- tetos discutiram primeiro a sua opinião sobre a habitação em geral e como viam os problemas de projetar moradias, e depois a história de um conjunto habi- tacional específico de Londres. O proje- to de moradias nessas condições é um problema extremamente complexo. A série de controles legislativos e econô- micos, as necessidades sociais sutis e as exigências dos terrenos de Londres interagem para gerar uma situação altamente restritiva. Diante de toda essa complexidade, Darke mostra que os arquitetos tendem a apegar-se a uma ideia relativamente simples logo no início do processo de projeto (Darke, 1978}. Essa ideia - ou gerador primário, como diz Darke - pode ser a criação de uma rua com casas geminadas, deixar o máximo possível de espaço aberto, e assim por diante. Por exemplo, um arquiteto descreveu como "supusemos que um terraço seria a melhor maneira de resolver [ ... ] e o exercício todo, for- malmente falando, foi achar um jei- to de fazer um terraço contínuo, para usar o espaço da maneira mais eficien- te ( ... ]". Assim, uma ideia muito sim- ples é usada para reduzir a variedade de soluções possíveis, e o projetista, então, consegue construir e analisar rapidamente um esquema. Mais uma vez, vemosaqui essa relação muito Gerador Conjetura Análise íntima e talvez inseparável entre aná- lise e síntese. Darke, no entanto, usou os indícios obtidos empiricamente para propor um novo tipo de mapeamento, que tinha algum paralelo com uma proposta mais teórica (Hillier; Musgro- ve; O'Sullivan, 1972}. Em vez de análise- síntese, o mapeamento de Darke mos- tra gerador-conjetura-análise (Fig. 3.6). Em linguagem simples, decida primeiro o aspecto do problema que acha impor- tante, desenvolva um projeto rudimen- tar com base nisso e, depois, examine-o para ver o que mais é possível descobrir sobre o problema. Outros indícios que sustentam a ideia do gerador primário foram reco- lhidos mais recentemente com a obser- vação experimental e a análise de desenhos produzidos por projetistas (Rowe, 1987). Ao expor com detalhes um desses estudos de caso, Rowe descreve a análise de uma série de desenhos de projeto e percebe linhas de raciocínio baseadas numa ideia sintética e alta- mente formativa sobre o projeto, e não na análise do problema: "Envolvendo o uso apriorístico de um princípio ou modelo organizador para conduzir o processo de tomada de decisões". Às vezes, essas primeiras ideias, geradores primários ou princípios organizadores têm uma influência que se estende por todo o processo de projeto e é perceptível na solução. No entanto, às vezes também acontece que Fig. 3.6 Mapeamento do processo de projeto de Jane Darke 54 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM os projetistas obtêm aos poucos um entendimento suficientemente bom do problema para rejeitar as ideias iniciais com as quais obtiveram o conhecimen- to. Ainda assim, pode ser surpreenden- temente difícil conseguir essa rejeição. Rowe (1987} registra a "tenacidade com que os projetistas se agarram a ideias e temas importantes no projeto diante de dificuldades que, às vezes, podem parecer insuperáveis". Com frequência, essas mesmas ideias criam dificulda- des que podem ser técnicas ou orga- nizacionais, e parece estranho que, diante disso, não sejam rejeitadas mais prontamente. No entanto, as âncoras iniciais podem ser reconfortantes, e, quando o projetista consegue superar as dificuldades e as ideias originais eram boas, é bem provável que reco- nheçamos nisso um ato de grande cria- tividade. Por exemplo, o famoso projeto de Jorn Utzon para a Sydney Opera Hou- se era baseado em ideias geométricas que só puderam concretizar-se depois que foram superados problemas técni- cos consideráveis, tanto na estrutura quanto no revestimento. Infelizmente, não somos todos tão criativos quanto Utzon, e costuma acontecer que os alu- nos de projeto criem mais problemas do que conseguem resolver ao escolher geradores primários inadequados ou pouco práticos. Voltaremos a essas ideias numa seção mais adiante, mas, antes de dei- xarmos o trabalho de Darke, vale a pena observar outros indícios que ela apre- senta com poucos comentários, mas que questionam ainda mais o valor dos mapeamentos do processo de projeto. Um dos arquitetos entrevistados foi explícito a respeito do seu método para obter um programa de necessidades para o projeto (estágios A e B do manual do RIBA}: O programa surge, essencialmente, numa relação constante entre o que é possível na arquitetura e o que queremos fazer, e tudo o que fazemos modifica a nossa ideia do que é possível. [ ... ] não se pode come- çar com o programa e (depois) projetar, é preciso começar projetando e progra- mando ao mesmo tempo, porque as duas atividades são completamente interliga- das. (Darke, 1978). Isso também deve soar bem verda- deiro para todo arquiteto que já proje- tou para comitês de clientes. Descobri que uma das maneiras mais eficazes de tornar visíveis as necessidades dis- crepantes dos grupos em edificações multiúso, como hospitais, é apresen- tar um esboço de projeto ao comitê de clientes. Parece que os clientes acham mais fácil transmitir os seus desejos ao reagir a uma proposta de projeto e cri- ticá-la do que se tentarem redigir espe- cificações de desempenho abrangentes e abstratas. Essa discussão simplificou demais a realidade ao sugerir, implicitamente, que os geradores primários são sempre encontrados no singular. Na verdade, como ressalta Rowe, é a conciliação e a resolução de duas ou mais dessas ideias que caracteriza os protocolos de projeto. No entanto, devemos deixar para outro capítulo o restante da dis- cussão dessa complicação e da rejeição ou resolução de geradores primários. 3.9 Em resumo Este capítulo examinou o processo de projeto como sequência de atividades e achou a ideia bem pouco convincen- te. Sem dúvida, é sensato afirmar que, para que o projeto ocorra, várias coi- sas têm de acontecer. Em geral, é pre- ciso haver um resumo do problema, o projetista tem de estudar e entender as exigências, produzir uma ou mais solu- ções, testá-las em relação a critérios explícitos ou implícitos e transmitir o projeto a clientes e construtores. No entanto, a ideia de que essas atividades ocorrem nessa ordem, ou mesmo de que são eventos separados e identificá- veis, parece muito questionável. O mais provável é que projetar seja um proces- so no qual problema e solução surgem juntos. Muitas vezes, o problema pode não ser totalmente compreendido sem alguma solução aceitável para ilustrá- lo. Na verdade, os clientes costumam achar mais fácil descrever o problema referindo-se a soluções existentes e conhecidas. Tudo isso é muito confuso, mas, assim mesmo, é uma das muitas características dos projetos cujo estudo é tão desafiador e interessante. A nossa tentativa final de mapear o processo de projeto mostra essa nego- 3 Mapeamento do processo de projeto 55 ciação entre problema e solução, um como reflexo do outro (Fig. 3.7}. Sem dúvida, as atividades de análise, sínte- se e avaliação estão envolvidas nessa negociação, mas o mapeamento não indica pontos de partida e de chegada nem a direção do fluxo de uma ativida- de a outra. No entanto, não se deve ler esse mapa de forma demasiado literal, já que o mais provável é que todo dia- grama visualmente compreensível simplifique demais um processo men- tal claramente muito complexo. Na próxima seção deste livro, exa- minamos a natureza dos problemas de projeto e das suas soluções para com- preender melhor por que os projetistas pensam do jeito que pensam. Fig. 3.7 O processo de projeto visto como negociação entre problema e solução por meio das três atividades de análise, síntese e avaliação SEGUNDA PARTE PROBLEMAS E SOLUÇÕES 4 Os componentes dos problemas de projeto Pa recia que no minuto seguinte descobr iriam uma solução. Mas, pa ra am bos, e ra claro que o fi m ainda est ava muito, muito longe, e que a parte m ais difícil e complicada apenas começava . Anton Tchekhov, A dama do cachorrinho É um antigo axioma meu que as pequenas coisas são infinitamente mais importantes. Si r Arthur Conan Doyle, As aventuras de Sherlock Holmes 4.1 Acima e abaixo do problema Tradicionalmente, os projetistas são menos identificados pelo tipo de problema que enfrentam do que pelo tipo de solução que produzem. Assim, os desenhistas industriais têm esse nome por criar produtos para lojas e indústrias, enquanto se espera que designers de interiores criem espaços internos. É claro que a realidade não é assim tão rígida. Muitos projetistas interessam-se por outros campos, alguns de maneira bastan- te regular, mas a maioria tende a não ser tão versátil quan- to alguns autores que escrevem sobre metodologia de proje- to parecem pensar. Já vimos que, até certo ponto, isso resulta da variedade de tecnologias de que o projetista entende. Por exemplo, os arquitetos precisam entender, entre muitas outras coisas, as propriedades estruturais e os problemas de junção relativos à madeira. Assim,parece provável que a maioria dos arquitetos poderia tomar-se projetista de móveis e criar um a 60 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM cadeira de madeira, embora os projetis- tas de móveis costumem afirmar que reconhecem as cadeiras projetadas por arquitetos. Isso porque a maioria dos arquitetos está acostumada a manejar a madeira numa escala e num contex- to diferentes e, portanto, já desenvol- veu uma "linguagem da madeira" com um sotaque arquitetônico perceptível. As cargas suportadas e os métodos de construção de edificações são bem diferentes dos encontrados no mobi- liário. Embora a madeira possa resol- ver ambos os problemas, há muitos outros materiais, cada um deles com a sua tecnologia, que geralmente não são comuns à arquitetura e ao projeto de móveis. Embora ambas sejam possí- veis, não é comum ver cadeiras de tijolo nem edificações de polipropileno! Os vários campos em que se proje- ta também são considerados diferen- tes em termos da dificuldade inerente aos problemas que se apresentam. É fácil supor que tamanho representa complexidade. Esse argumento insi- nua que a arquitetura tem de ser mais complexa que o desenho industrial, já que as edificações são maiores que os produtos. Sem dúvida, é possível ver os campos do projeto tridimensional como uma árvore, com o planejamento urbano na raiz e o tronco começando a dividir-se em desenho urbano, arquite- tura e design de interiores, até os ramos finos do desenho industrial, mas isso realmente quer dizer que o planeja- mento urbano é mais difícil que o dese- nho industrial? (Fig. 4.1). É claro que dificuldade é uma ques- tão subjetiva. Muitas vezes, o que um acha difícil é fácil para outro; logo, devemos examinar a natureza exata desses vários tipos de problema para saber mais. É óbvio que as soluções do planejamento urbano têm escala muito maior que as soluções arquitetônicas, mas os problemas urbanísticos seriam, de certa forma, maiores e mais com- plexos que os arquitetônicos? A res- posta a essa pergunta tem de ser "não necessariamente". Aqui, o que real- mente importa é até onde o projetista tem de ir na hierarquia. Por exemplo, ao projetar uma casa comum, é imprová- vel que o arquiteto se preocupe muito com considerações detalhadas sobre métodos de abrir e fechar a porta dos armários. Talvez seja preciso pensar um pouco sobre o tipo de janela, se Planejamento urbano Fig. 4.1 Uma "árvore" com três campos do projeto tridimensional 4 Os componentes dos problemas de projeto 61 basculante, de correr ou pivotante, mas nem isso costuma ser fundamental. No entanto, o projetista de um barco ou de trailer pequeno talvez precise pensar com muito cuidado nessas questões. Até o modo como se abre a porta de um armário pode ter importância fun- damental no pouco espaço disponível. Portanto, parte da definição de um pro- blema de projeto é o nível de detalha- mento que exige atenção. O que pode parecer detalhe para um arquiteto tal- vez seja fundamental para o desenhis- ta industrial e o designer de interiores, e assim por diante. 4.2 O começo e o fim do problema Então, como chegar ao término de um problema de projeto? Não será possí- vel continuar se envolvendo, indefini- damente, com mais e mais detalhes? É isso mesmo: o processo de projeto não tem um fim natural. Não há como decidir, sem sombra de dúvida, quan- do um problema de projeto foi resolvi- do. Os projetistas simplesmente param de projetar quando ficam sem tempo ou quando, na sua avaliação, não vale a pena explorar a questão ainda mais. Nos projetos, assim como na arte, uma das habilidades é saber quando parar. Infelizmente, parece que não há subs- tituto real para a experiência no desen- volvimento dessa capacidade de avalia- ção. Isso traz dificuldades consideráveis não só para os estudantes, mas também para os profissionais. Como não há um fim real do problema de projeto, é muito difícil decidir quanto tempo prever para a sua solução. Em termos gerais, pare- ce que, quanto mais perto se chega de terminar um projeto, com mais exati- dão se consegue estimar quanto traba- lho resta a fazer. Como vimos na seção anterior, aprendemos sobre os proble- mas de projeto principalmente quando tentamos resolvê-los. Portanto, pode haver muito esforço antes que o proje- tista saiba realmente até que ponto um problema é difícil. Raramente a primei- ra impressão é confiável, nesse caso. Parece que os alunos de projeto têm um otimismo incorrigível quando estimam a dificuldade dos problemas e o tempo necessário para chegar a uma solução aceitável. Em consequência, é comum que não consigam chegar ao nível de detalhamento exigido pelos professo- res. É muito fácil olhar superficialmente um novo problema de projeto e, ao não ver nenhuma grande dificuldade, ima- ginar que não há urgência. Só depois, talvez quando for tarde demais, sur- jam as dificuldades em decorrência de algum esforço. Uma das características essenciais dos problemas de projeto é que, muitas vezes, eles não são visíveis, mas têm de ser encontrados. Ao contrário das pala- vras cruzadas, dos jogos de raciocínio e dos problemas matemáticos, nem a meta nem o obstáculo para atingi-la são expressos com clareza. Na verdade, a expressão inicial dos problemas de pro- jeto costuma ser bem enganosa. Embo- ra tipicamente os problemas sejam expressos sem muita clareza, também é verdade que os projetistas nunca se satisfazem com a apresentação do 62 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM problema. Com a fábula da maçaneta, Eberhard (1970} ilustrou de forma diver- tida esse hábito, às vezes, irritante dos projetistas. Ele insinua que os proje- tistas têm duas maneiras de recuar na hierarquia dos problemas: pela escala- da e pela regressão. Diante da tarefa de projetar uma maçaneta nova para a porta do escritó- rio do cliente, o projetista de Eberhard imagina que talvez "devamos nos perguntar se a maçaneta é a melhor maneira de abrir e fechar a porta". Logo, o projetista questiona se o escritório precisa mesmo de porta, se deveria mesmo ter quatro paredes, e assim por diante. Como conta Eberhard com base na experiência, essa linha de argumen- tação pode levar ao redesenho da enti- dade da qual fazem parte o cliente e o escritório - e, no final das contas, ques- tiona-se até o próprio sistema político que permite que essa entidade exista. Essa escalada leva à definição cada vez mais ampla do problema. Como a ima- gem residual que fica depois que fita- mos uma luz forte, o problema parece seguir o nosso olhar. Também podemos reagir ao proble- ma de projeto do modo que Eberhard chama de regressão. Um aluno meu cuja tarefa era projetar um prédio novo para a biblioteca decidiu que precisava estudar os vários métodos de empres- tar e armazenar livros. Como professor, concordei que isso parecia sensato, mas na aula seguinte, descobri que parecia que ele se preparava para se formar em biblioteconomia, e não em arquitetura. Até certo ponto, essa linha de regressão é encorajada por alguns mapeamentos do processo de projeto examinados no Cap. 3. Na prática, esse comportamento é apenas o resultado lógico da ideia de que a análise precede a síntese e a cole- ta de dados, a análise. Como vimos, ao projetar, é difícil saber quais problemas são pertinentes e quais informações serão úteis antes que se tente obter uma solução. Muitas vezes, a escalada e a regres- são andam juntas. Assim, o meu aluno de arquitetura que estuda biblioteco- nomia também pode convencer-se de que um prédio novo para a biblioteca central não é a resposta. Ele pode argu- mentar que o problema é projetar um novo sistema para tornar os livros mais disponíveis criando filiais da biblioteca, bibliotecas ambulantes ou, talvez, até o uso de novos métodos de transmissão de dados pelatelevisão. Embora essa ampliação contínua do problema possa ser usada para evitar a questão e adiar o dia cruel de realmen- te engalfinhar-se com o projeto, ainda assim ela é uma reação cautelosa e sen- sata a problemas malformulados. Nos projetos, como na medicina, a ação só é necessária quando a situação atual é um tanto insatisfatória; mas o que é melhor, tratar os sintomas ou procurar a causa? 4.3 Projetar para consertar Certa vez, um cliente me pediu que pro- jetasse uma ampliação da sua casa. O pedido inicial era bastante vago, com várias ideias de acrescentar um quarto ou escritório. Era difícil entender o ver- 4 Os componentes dos problemas de projeto 63 <ladeiro propósito da ampliação, porque a casa já era bastante grande para que todos os membros da família tivessem os seus quartos e ainda sobrasse um, que poderia ser usado como escritório. Havia pouco espaço livre no terreno e a ampliação teria de ocupar o espaço valioso do jardim ou envolver grandes despesas para construir em cima da garagem e remover um esplêndido telha- do em duas águas. Parecia que qualquer ampliação estava fadada a criar novos problemas e, provavelmente, não seria um investimento que valesse a pena. O pensamento do cliente ainda não estava claro e, numa reunião, a ideia de conse- guir acomodar os avós foi discutida ao som da música bastante alta vinda do quarto de um dos filhos adolescentes. Aos poucos, descobriu-se que essa era a verdadeira fonte do problema. Na ver- dade, a casa já era mesmo bem grande, mas não suficientemente bem dividida em termos acústicos. Então, o problema passou a ser um isolamento acústico melhor, mas isso não é fácil de conse- guir nas construções domésticas tradi- cionais existentes. A princípio, sugeri - de brincadeira - a real solução: comprem fones de ouvido para os filhos! Assim, ao tratar a causa do problema em vez de consertar os sintomas, o cliente preser- vou o jardim e o dinheiro. Infelizmente, perdi os meus honorários, mas ganhei um cliente muito grato e que tornou-se meu amigo. Essa é uma visão bem pou- co glamorosa dos problemas de projeto. A imagem pública estereotipada do ato de projetar mostra a criação de objetos ou ambientes novos, ongma1s e sem concessões. A realidade é que projetar é, fre - quentemente, como um serviço de reparos. Parte do problema é corrigir algo que, de certa forma, deu errado. Criar um estilo interno novo para uma empresa comercial, reajustar o interior de uma loja, ampliar uma casa, plantar árvores para formar um cinturão prote- tor ou escolher uma área para renova- ção habitacional são todos projetos que, em campos variados, reagem a situa- ções insatisfatórias existentes. Por essa razão, muitos autores referem-se ao projeto como um tipo de "conserto". O projetista é visto como se, de certa for- ma, tentasse melhorar ou consertar o que está errado. Voltaremos mais adian- te a essa noção do projeto como "con- serto" e examinaremos rapidamente o argumento de que projetar tecnologias para consertar sintomas apenas torna mais firme a causa daqueles sintomas. Por exemplo, projetar barreiras sonoras para filtrar o barulho da rua pode enfra- quecer a luta por um meio de transpor- te mais silencioso e que gaste menos energia do que o motor de combustão interna. Porém, o tema central deste capítulo é que uma parte significativa dos problemas de projeto costuma ter relação com o que já existe. Assim, a definição desse problema é uma ques- tão de decidir exatamente quanto do que já existe pode ser questionado. Os problemas de projeto não têm frontei- ras óbvias nem naturais, mas parecem organizar-se de forma mais ou menos hierárquica. Raramente se consegue discernir com precisão em que ponto acima do problema declarado é preciso começar e em que ponto abaixo dele se 64 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM deve parar. Descobrir criativamente o alcance do problema é uma das habili- dades mais importantes do projetista, e no Cap. 12 examinaremos algumas técnicas de identificação de problemas. 4.4 O problema multidimensional Os problemas de projeto costumam ser multidimensionais e altamente intera- tivos. É raríssimo que a coisa projeta- da tenha alguma parte que sirva a um único propósito. Dizem que o arquiteto americano Philip Johnson observou que há quem ache as cadeiras bonitas por serem confortáveis, enquanto outros acham as cadeiras confortáveis por serem bonitas. Sem dúvida, ninguém pode negar a importância dos aspec- tos visual e ergonômico no projeto de cadeiras. As pernas de uma cadeira empilhável constituem um problema ainda mais multidimensional. A geo- metria e a construção das pernas des- sas cadeiras têm de oferecer estabili- dade e sustentação, permitir o encaixe quando empilhadas e ser favoráveis à intenção visual do projetista para a cadeira como um todo. É improvável que o projetista de uma cadeira dessas seja bem-sucedido se pensar separa- damente nos problemas de estabilida- de, sustentação, empilhamento e linha visual, já que todos têm de ser satisfei- tos pelo mesmo elemento da solução. Na verdade, o projetista também preci- sa ter consciência de outros problemas mais gerais, como custo, limitações da fabricação, disponibilidade de matéria- prima e durabilidade do acabamento e das junções. Ao projetar, é necessário frequen- temente imaginar uma solução inte- grada para toda uma aglomeração de exigências. Vimos, no Cap. 2, como a roda de carroça em forma de prato de George Sturt foi uma dessas respostas integradas a exigências estruturais, mecânicas e até legais. Nas edificações, a janela é um exemplo excelente de outro componente inevitavelmente multidimensional (Fig. 4.2). Além de deixar entrar o sol e a luz do dia e per- mitir a ventilação natural, também se costuma exigir da janela que permita a visão da paisagem mantendo a pri- vacidade. Como interrupção da parede externa, a janela apresenta problemas de estabilidade estrutural, perda de calor e transmissão de r uídos, e, por- tanto, comprovadamente, é um dos elementos mais complexos da edifi- cação. Pode-se usar a ciência moder- na para estudar cada um dos muitos problemas do projeto de janelas, com ramos pertinentes da física, da psico- física e da psicologia. Essa realmente é uma série complexa de conceitos para pôr diante de um arquiteto. A maioria dos cursos de arquitetura tenta ensinar a maior parte desse material científico. No entanto, talvez os métodos da ciên- cia sejam surpreendentemente inúteis para o projetista. Em geral, as técnicas modernas da ciência da edificação só ofereceram métodos para prever como e se a solução de um projeto vai fun- cionar. Elas são simples ferramentas de avaliação e não ajudam em nada a síntese. Transferidores de iluminação 4 Os componentes dos problemas de projeto 65 natural e cálculos de perda de calor ou ganho solar não dizem ao arqui- teto como projetar a janela, apenas como avaliar o desempenho da janela já projetada. 4.5 Subotimização Chris Jones (1970} sintetiza o modo como John Page, professor de ciência da edificação, propõe que os projetis- tas adotem, em situações como essa, o que ele chama de estratégia cumu- lativa para projetar. Ela envolve o esta- belecimento de objetivos cuidadosa- Perda de calor ~ Ganho solar Conforto - térmico Ventilação V V; Acústica do t--- Inteligibilidade cômodo de fala Transmissão - Incômodo do som de ruídos Iluminação natural ~ Ofuscamento Luz do sol V FÍSICA PSICOFÍSICA mente definidos e critérios de sucesso do desempenho da janela em todas as dimensões que identificamos. A estra- tégia de Page exige, então, que o pro- jetista reúna várias subsoluções para cada critério e depois descarte as que não satisfizerem a todos os critérios. Portanto, o projetista de janelasprodu- ziria uma sucessão de projetos, alguns com a intenção de obter uma boa vista, outros de evitar o ganho solar ou obter boa iluminação natural etc. Afirma-se que essa estratégia pretende aumentar o tempo gasto na análise e na síntese e reduzir o tempo gasto com a síntese de soluções ruins. Atenção Vista Privacidade PSICOLOGIA Fig. 4.2 Parte da série comp lexa de questões envolvidas no projeto de uma janela 66 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM É interessante que essa estraté- gia, sugerida por um cientista, lembra o comportamento dos alunos de ciên- cias na experiência descrita no capítulo anterior. No entanto, essa abordagem não parece nascer do entendimen- to claro da verdadeira natureza dos problemas de projeto. Por serem tão multidimensionais, eles também são altamente interativos. Aumentar a janela pode deixar entrar mais luz e propiciar uma vista melhor, mas tam- bém resultará em mais perda de calor, e pode criar problemas maiores de priva- cidade. A própria interligação de todos esses fatores é que constitui a essência dos problemas de projeto, e não os fato- res isolados propriamente ditos. Nesse aspecto, projetar é como resolver pala- vras cruzadas. Mude as letras de uma palavra e várias outras palavras terão de ser alteradas, exigindo ainda mais mudanças. Mude a forma de prato da roda de carroça de George Sturt e talvez ela não suporte a carga e as forças late- rais, a menos que o ângulo de conver- gência e a montagem do eixo também sejam alterados. Depois disso, talvez a carroça não caiba mais no sulco das estradas, a menos que o comprimen- to do eixo e o formato do corpo sejam mudados. Como vimos, a roda de car- roça resultou de muitos anos de experi- ência, e não da análise teórica. 4.6 A solução integrada Até o surgimento da moderna ciência da edificação, era assim que as jane- las eram projetadas. Talvez o melhor período do projeto de janelas na Ingla- terra tenha sido o século XVIII. A pro- porção vertical das janelas georgianas, posicionadas perto da borda externa da parede e com intradorsos ampliados ou escalonados, permite penetração e distribuição excelentes da luz natural (Fig. 4.3). A janela do tipo guilhotina era razoavelmente resistente às intempé- ries e permitia configurações de venti- lação muito mais flexíveis que a janela de duas folhas que a substituiria. A pro- porção entre janela e parede maciça, tão fundamental até o fim do Renascimen- to, funcionava bem em termos estru tu- rais, permitia uma iluminação homo- gênea e a privacidade dos que estavam dentro de casa. É claro que, acima de tudo, a janela georgiana integrava-se a uma linguagem arquitetônica soberba. Assim, parece improvável que o arqui- teto do século XVIII se angustiasse com a falta de conhecimentos sobre a ciên- cia da edificação. Portanto, o bom projeto costuma ser uma resposta integrada a toda uma série de questões. Se houvesse uma característica única que pudesse ser usada para identificar os bons proje- tistas, seria a capacidade de integrar e combinar. Um bom projeto é quase como um holograma: a imagem intei- ra está em cada fragmento. Em geral, não é possível dizer qual parte do problema se resolve com qual parte da solução. Elas simplesmente não se correspondem dessa maneira. No entanto, se pretendem abando- nar as soluções tradicionais ou verna- culares, os projetistas modernos não podem se dar ao luxo de permanecer 4 Os componentes dos problemas de projeto 67 tão ignorantes da estrutura dos proble- mas quanto o arquiteto do Renascimen- to ou George Sturt. Como explicaram Chermayeff e Alexander (1963): Há projetistas demais que não percebem a existência de novos problemas que real- mente requerem novas abordagens, caso o padrão dos problemas pudesse ser vis- to como é e não simplesmente como uma questão banal (de uma solução prévia), bem à mão nos manuais ou revistas ali na esquina. Esse "padrão do problema" compõe- -se de todas as interações entre uma exigência e outra que restringem o que o projetista pode fazer. Novamente, para Chermayeff e Alexander (1963): todo problema tem uma estrutura própria . O bom projeto depende da capacidade do projetista de agir de acordo com essa est ru t ura, e não de correr arbitrariamente contra ela . Podemos observar algumas regras gerais sobre a natureza desse padrão de restrições no projeto e vamos dis- cuti-las em outro capítulo. Entretanto, antes precisamos examinar com mais atenção o modo como o desempenho dos projetos pode ser medido de acordo com critérios de sucesso. Fig. 4.3 A janela georgiana é uma sol ução muito bem integrada 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar - Ela não sabe fazer subtrações - disse a Rainha Branca. - Sabe fazer divisões? Divida um pão com a faca; qual a resposta? - Acho que ... - começou A lice, mas a Rainha Vermelha respondeu por ela. - Pão com manteiga, é claro. Lewis Carroll, Alice através do espelho Maus Picassos não existem, mas alguns são menos bons que os outros. Pablo Picasso, Come to Judgment 5.1 A medição do sucesso do projeto No capítulo anterior, vimos que, tipicamente, a solução de um projeto é uma resposta integrada a um problema complexo e multidimensional. É bem provável que cada elemento da solu- ção resolva, ao mesmo tempo, mais de uma parte do proble- ma. Até que ponto, porém, essa resposta é uma boa solução do problema complexo do projeto? Como escolher entre solu- ções alternativas? Será possível dizer que um projeto é melhor que o outro? E, caso seja, em que medida? Portanto, a questão diante de nós, neste capítulo, é até que ponto podemos medir o grau de sucesso do processo de projeto. Não é nada fácil responder a essa pergunta. Para ver a dificuldade, consideremos o projeto de uma estufa. Há várias características que podem variar numa estufa. Embora, ine- vitavelmente, o corpo da estufa tenha de ser quase todo de vidro, há mais opções quanto à estrutura. Podemos pensar 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 69 pelo menos em madeira, aço, alumí- nio e plástico. A forma real da estufa varia ainda mais, com a possibilidade de cúpulas, teto em duas águas, abó- badas de berço, e assim por diante. Na verdade, há muito mais variáveis no projeto, como o método de ventilação, o tipo de porta, o piso, a construção dos alicerces etc. O que o projetista tem de fazer é escolher a combinação de todas essas características que permita o desempenho mais satisfatório. Então, como medir o desempenho da nossa estufa? É claro que o principal propósi- to de uma estufa é reter o calor do sol, de modo que podemos começar medin- do ou calculando a eficiência térmica de toda uma série de estufas possíveis. Infelizmente, ainda estamos longe de descrever até que ponto a nossa estu- fa será satisfatória para cada jardinei- ro. Talvez eles também queiram saber quanto vai custar construí-la, quanto tempo ela vai durar, se será fácil de construir e manter, se ficará bonita no jardim. Assim, a estufa tem de satis- fazer critérios de ganho solar, custo, durabilidade, facilidade de montagem, aparência e talvez muitos outros. Se imaginarmos que queremos ava- liar algumas soluções do projeto para arrumá-las em ordem de preferên- cia, precisaremos começar avaliando cada projeto em relação aos critérios e depois combinar essas avaliações de algum modo. Isso nos deixa três difi- culdades. Primeiro, é provável que os vários critérios de desempenho não tenham a mesma importância, de for- ma que é preciso haver um sistema de pesos. Depois, pode ser fácil medir o desempenho em relação a alguns cri- térios, mas, em outros casos, o juízo é mais subjetivo. Finalmente, temos então o problema de combinar esses juízos numa avaliação geral. 5.2 O problema dos números e dos sistemas de contagem É claro que tudo issosignifica que, num projeto, a medição envolve quantidades e qualidades. Assim, no processo de tomada de decisões, os projetistas têm de ser capazes de equilibrar, de algum modo, critérios qualitativos e quantita- tivos. Voltaremos a isso mais adiante, depois de um pequeno desvio para exa- minar a variedade de sistemas disponí- veis para registrar juízos. Na verdade, quantidade e qualidade não são tão diferentes entre si como se costuma supor. Isso porque não é sensa- to falar de quantidade como se fosse um conceito único. Normalmente, medimos e exprimimos quantidades contando-as com algum sistema numérico. Isso nos leva a acreditar que todos os números se comportam da mesma maneira, o que não é bem verdade. Acontece que costumamos empregar várias maneiras bem distintas de usar os números sem ter muita consciência das diferenças. Esse descuido com os números pode ser fatal quando tentamos fazer o tipo de juízo necessário num projeto. Os siste- mas numéricos diferem na medida em que impõem regras ao modo como os números funcionam quando nos move- mos pela escala. 70 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM 5.3 Razão numérica O sistema numérico que tem o conjun- to mais exigente de regras é a chamada escala proporcional. Tendemos a pres- supor que é essa escala que está em uso quando vemos um número, e é a esca- la numérica com a qual estamos mais acostumados (Fig. 5.1). Quando contamos objetos, usamos essa escala proporcional de medição que nos permite dizer não só que qua- tro é o dobro de dois, como também que oito é o dobro de quatro. Assim, é normal e correto supor que quem faz vinte anos é duas vezes mais velho do que quem só tem dez anos. Por sua vez, quem tem quarenta anos será duas vezes mais velho do que quem faz vin- te anos. A escala ou régua constitui a forma mais óbvia de medição propor- cional, e podemos ver que a razão entre três centímetros e um centímetro é exatamente a mesma que entre seis Fig. 5.1 Mesma razão 6:2 = 3:1 A distância é medida usando o sistema numérico proporcional centímetros e dois centímetros. Esse modo de usar os números, portanto, seria útil para comparar o comprimen- to ou o tamanho das nossas estufas. 5.4 Números-intervalo No entanto, nem todas as medições científicas que podemos fazer na nos- sa estufa baseiam-se em números pro- porcionais. Se, em vez de considerar a quantidade de luz que entra, medirmos a temperatura dentro da estufa, preci- saremos ter cuidado! Num dia de sol no inverno, seria sensato esperar que a estufa atinja uma temperatura inter- na de, digamos, 20 graus centígrados quando a temperatura externa for de apenas 10 graus. O estranho é que não podemos dizer que a temperatura den- tro da estufa é o dobro da temperatura do lado de fora (Fig. 5.2) ! ºC ºF 20 68 10 50 O 32 Fig. 5.2 Intervalos iguais 20-10 = 10-0 68-50 = 50-32 A temperatura deve ser medida usando o sistema numérico intervalar 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 71 Podemos ver por que é assim jun- tando as duas escalas comuns de tem- peratura. A temperatura externa de 10 graus centígrados também pode ser descrita como 50 graus Fahrenheit, enquanto a temperatura interna de 20 graus centígrados corresponde a uns 68 graus Fahrenheit. Portanto, essas duas temperaturas correspondem a uma razão de 20 para 10, ou 2 para 1, na escala centígrada, mas a uma razão de 68 para 50 na escala Fahrenheit. Isso acontece porque o zero dessas escalas não é absoluto; é totalmente arbitrário. Na verdade, a escala centí- grada é definida com cem intervalos iguais entre a temperatura de conge- lamento e a de fervura da água. Pode- ríamos usar, com a mesma facilidade, as temperaturas de congelamento e fervura de qualquer outra substância e, naturalmente, qualquer número de intervalos entre elas. Essas escalas de temperatura são descritas como medi- das intervalares. Embora se possa des- crever 20 graus como duas vezes mais quente do que 10 graus, a diferença ou intervalo entre 20 e 10 é exatamente igual ao intervalo entre 10 e O. As escalas intervalares costumam ser usadas em avaliações subjetivas. Os psicólogos recomendam que essas escalas sejam bem curtas, com até sete intervalos, para manter a confiabilida- de do intervalo. Assim, para voltar à nossa estufa, podemos pedir a vários jardineiros que avaliem a facilidade de montagem ou de manutenção em esca- las de cinco pontos. Portanto, é preci- so ter o cuidado de lembrar que não há razão para considerar que a estufa que recebeu nota quatro na montagem é duas vezes mais fácil de montar do que aquela que recebeu nota dois. 5.5 Números ordinais Às vezes, usamos uma escala de medi- ção ainda mais cautelosa, na qual nem mesmo o intervalo é considerado cons- tante e confiável. Essas escalas são cha- madas de ordinais, porque represen- tam apenas uma ordem ou sequência (Fig. 5.3). Se observarmos a tabela final do campeonato da Liga Inglesa de Fute- bol de 1930 (um ano escolhido por puro acaso!), veremos que o Leeds termi- nou em quinto lugar, o Aston Villa em quarto, o Manchester City em terceiro, o Derby em segundo e o Sheffield Wed- nesday em primeiro. No entanto, um exame mais atento revela que a posi- ção final desses times, medida numa escala ordinal, é bastante enganosa se comparada com o número de pontos que fizeram, que são medidos com uma escala proporcional. Os times coloca- dos em terceiro, quarto e quinto luga- res estavam separados por um ponto apenas, enquanto o Derby estava a três pontos de distância deles e o Sheffield Wednesday, a enormes dez pontos à frente do Derby. Da mesma forma, os regulamentos exigem que a superfície do material usado em edificações não permita a propagação das chamas em caso de incêndio. Os materiais podem pertencer a cinco classes de propaga- ção das chamas, classificadas de O a 4. Nessa escala ordinal, quanto maior o número, mais rapidamente as chamas 72 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM se propagam, mas a diferença entre as classes 1 e 2 não é necessariamente a mesma que entre as classes 2 e 3. Também temos escalas ordinais quando pedimos a alguém que clas- sifique as suas preferências. Assim, pediríamos aos nossos jardineiros que arrumassem algumas estufas em ordem de aparência. A adequação das escalas de avaliação ordinais ou inter- valares ainda é uma questão de discer- nimento, mas, em geral, deve-se usar as escalas ordinais quando a avaliação depende de muitos fatores ou quando os fatores não podem ser facilmente definidos. Assim, embora pareça sen- sato perguntar aos nossos jardineiros o quanto uma estufa é mais fácil de montar que a outra, não parece sensato perguntar o quanto uma delas é mais PRIMEIRA DIVISÃO J V E D GF GC Pts 1 Sheff Wed 42 26 8 8 105 57 60 2 Derby 42 21 8 13 90 82 50 3 Man City 42 19 9 14 91 81 47 4 Aston Villa 42 21 5 16 92 83 47 5 Leeds 42 20 6 16 79 63 46 6 Blackburn 42 19 7 16 99 93 45 7 West Ham 42 19 5 18 86 79 43 8 Leicester 42 17 9 16 86 90 43 9 Sunderland 42 18 7 17 76 80 43 10 Huddersfield 42 17 9 16 63 69 43 11 Birmingham 42 16 9 17 67 62 41 12 Liverpool 42 16 9 17 63 79 41 13 Portsmouth 42 15 19 17 66 62 40 14 Arsenal 42 14 11 17 78 66 39 15 Bolton 45 15 9 18 74 74 39 16 Middlesbrough 42 16 6 20 82 84 38 17 Man United 42 15 8 19 67 88 38 18 Grimsby 42 15 7 20 73 89 37 19 Newcastle 42 15 7 20 71 92 37 20 Sheff United 42 15 6 21 91 96 36 21 Burnley 42 14 8 20 79 97 36 22 Everton 42 12 11 19 80 92 35 bonita que a outra. Os examinadores acadêmicos britânicos podem dar notas de um a cem numa prova específica, numa escala que, na verdade, é inter- valar, já que o zero raramente é usado. No entanto, a classificação geral das notas costuma basear-se numa escala ordinal grosseira, com primeira classe, segunda classe superior, segunda clas-se inferior, terceira classe e aprovação ordinária sem mérito. 5.6 Números nominais Finalmente, o quarto sistema de nume- ração em uso, e o menos preciso, é a escala nominal, assim chamada por- que os números realmente represen- tam nomes e não podem ser mani- PONTOS POSIÇÃO 60 58 56 54 52 50 2 48 34 46 5 6 Fig. 5.3 44 As classificações 78 esportivas exemplificam 42 910 os número s ordinais 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 73 pulados aritmeticamente. No nosso exemplo futebolístico, podemos ver que o número da camisa dos jogadores é nominal (Fig. 5.4). Um atacante não é melhor nem pior que um defensor e dois goleiros não valem um zaguei- ro. Na verdade, não há sequência nem ordem nesses números; poderíamos usar as letras do alfabeto com a mesma facilidade, ou qualquer outro conjun- to de símbolos. De fato, alguns times de rúgbi usam tradicionalmente letras em vez de números nas costas, como se quisessem demonstrar esse fato. A única coisa que se pode dizer sobre dois números nominais diferentes é que não são iguais. Isso permite ao juiz de fute- bol expulsar o jogador que comete uma falta, escrever o seu número no cader- ninho e saber que não vai confundi-lo com nenhum outro jogador em cam- po. Antigamente, o número da cami- sa dos jogadores de futebol indicava a sua posição em campo, com os goleiros usando "1", e assim por diante. A ado- ção da chamada numeração fixa do atleta tirou esse significado do número da camisa e não surpreende que tenha sofrido objeção dos torcedores mais tradicionais. 5.7 Combinação das escalas Assim, parece que somente os números de uma escala proporcional verdadeira podem ser combinados de forma coe- rente com os números de outra escala proporcional verdadeira. Não pode- mos combinar temperaturas de escalas diferentes e, sem dúvida, não podemos somar os números de diferentes esca- las ordinais de preferência. Imagine se pedíssemos a algumas pessoas que avaliassem vários projetos alternati- vos, colocando-os em ordem de pre- ferência. É claro que as notas dadas seriam números ordinais. Simplesmen- te não podemos somar todas as notas dadas dessa maneira a um projeto por um certo número de juízes. Um dos juízes pode ter considerado os dois primeiros projetos quase impossíveis Fig. 5.4 Números usados como nomes: é o sistema numérico nominal 74 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM de separar, enquanto outro pode ter achado que o projeto que pôs em pri- meiro lugar destacava-se bastante, com todos os outros bem atrás. Os números ordinais simplesmente não dão essa informação. Por mais tentador que seja combinar assim essas notas, é preciso resistir à tentação! Um dos casos mais conhecidos des- se tipo de confusão entre escalas de medição encontra-se num complexo modelo numérico do processo de proje- to imaginado pelo teórico e projetista de desenho industrial Bruce Archer. Pare- ce que, com certa relutância, ele admite que pelo menos algumas avaliações de um projeto têm de ser subjetivas, mas como cria um sistema bem organizado para medir a satisfação em projetos, fica óbvio que Archer (1969) quer usar ape- nas escalas proporcionais. Ele defende que é possível usar uma escala de 1 a 100 para avaliações subjetivas e depois tratar os dados como se estivessem numa verdadeira escala proporcional. Nesse sistema, não se pede ao juiz - ou árbitro, como diz Archer - que classifi- que a ordem, nem que use uma escala intervalar curta, mas que dê notas até 100. O autor defende que, se os árbitros forem corretamente escolhidos e se as condições da avaliação forem adequa- damente controladas, é possível supor que essa escala tenha um zero absoluto e intervalos constantes. Ele não espe- cifica como "escolher corretamente" os juízes nem como "controlar adequada- mente as condições", razão pela qual o argumento parece forçado. Na verdade, Stevens, o primeiro a definir as regras das escalas de medi- ção, o fez para desencorajar os psi- cólogos a usar exatamente esse tipo de desonestidade numérica (Stevens, 1951). É interessante observar que, na época, a própria psicologia era atacada por ser imprecisa demais, numa era de lógica, para merecer o título de ciência. Talvez por essa razão muitos psicó- logos se sentiram tentados a tratar os seus dados como se fossem mais preci- sos do que indicariam as regras de Ste- vens. O trabalho de Archer parece uma tentativa paralela de forçar a atividade de projetar a caber num molde cienti- ficamente respeitável. Archer escrevia numa época em que a ciência estava mais na moda do que hoje e num perí- odo em que muitos autores considera- vam desejável apresentar como sendo científico o processo de projeto. 5.8 Juízos e critérios de valor Muitas vezes é tentador usar em um projeto métodos de medição aparente- mente mais exatos do que a situação realmente merece. As escalas propor- cional e intervalar de nível mais alto permitem não só muito mais manipu- lação aritmética, como também juízos absolutos. Caso se possa demonstrar que, em determinadas circunstâncias, 20 graus centígrados é uma tempera- tura confortável, esse valor pode ser usado como critério de aceitabilida- de absolutamente mensurável. A vida não é tão fácil quando se precisa usar a medição ordinal. As universidades britânicas utilizam examinadores 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 75 externos para proteger e preservar o valor "absoluto" da classificação das notas. Talvez não seja muito difícil para um examinador experiente clas- sificar os alunos em uma ordem. No entanto, é muito mais difícil manter um padrão constante durante muitos anos de desenvolvimento de currícu- los e mudanças nos exames. É tenta- dor evitar esses problemas difíceis de avaliação instituindo procedimentos padronizados. Assim, seguindo com o exemplo, uma técnica de prova com perguntas de múltipla escolha res- pondidas por computador pode pare- cer um passo rumo a uma avaliação mais confiável. Mas, invariavelmente, há desvantagens nessas técnicas. De modo paradoxal, os exames conven- cionais permitem aos examinadores saber com muito mais exatidão, para não dizer de forma inteiramente con- fiável, quanto os alunos realmente aprenderam. 5.9 Precisão do cálculo Ao projetar, é fácil cair na armadilha do excesso de precisão. Às vezes, os alunos de arquitetura apresentam análises tér- micas das suas edificações com a razão de perda de calor em todo o prédio cal- culada até o último watt. Pergunte a eles quantos quilowatts se perdem quando uma porta fica aberta alguns minutos e não saberão responder. O projetista pre- cisa é de uma certa noção do significado dos números, e não de métodos preci- sos para calculá-los. Como projetista, é preciso saber o tipo de mudança que se pode fazer no projeto que tem mais probabilidade de aprimorá-lo em rela- ção aos critérios. Portanto, a questão é mais de decisão estratégica do que de cálculo minucioso. Talvez porque os problemas de pro- jeto sejam frequentemente espinhosos e incompreensíveis, é enorme a tenta- ção de buscar critérios mensuráveis de desempenho satisfatório. Aqui, a dificul- dade para o projetista é dar valor a tais critérios e, assim, equilibrá-los entre si e em relação a fatores que não podem ser medidos de forma quantitativa. Infelizmente, os números parecem dar respeitabilidade e importância a fatores que, na verdade, podem ser bem triviais. Axel Boje nos faz uma demonstração excelente dessa doença da medição numérica no seu livro sobre o projeto de escritórios com planta livre (Boje, 1971). Ele calcula que, em média, são necessá- rios sete segundos para abrir e fechar uma porta de escritório. Junte -se a isso algumas pesquisas que mostram que, num prédio de escritórios que acomo- da cem pessoas em 25 salas,cada pes- soa, em média, trocará de sala cerca de 11 vezes por dia, e Boje argumenta que, numa planta livre, cada pessoa econo- mizaria umas 32 aberturas de porta ou 224 segundos por dia de trabalho. Com uma lógica semelhante, o autor calcula o aumento da eficiência que resulta de um arranjo ótimo do aquecimento, da iluminação e dos telefones. A partir dis- so tudo, Boje consegue concluir que um escritório de planta livre adequadamen- te projetado poupará, em relação a um projeto convencional, dois mil minutos por mês por funcionário. 76 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM O projetista não ponderado poderia facilmente usar esses dados, que pare- cem convincentes e de alta qualidade, para projetar um escritório com base em fatores como minimizar "aberturas de porta por pessoa". Mas, na verdade, esses números são bastante inúteis, a menos que o projetista também saiba qual a importância relativa de econo- mizar sete segundos. Esses sete segun- dos economizados seriam realmente usados de forma produtiva? Que outros efeitos sociais e interpessoais, talvez mais importantes, resultariam da fal- ta de portas e paredes? Assim, muitas outras perguntas precisam ser respon- didas antes que o simples indicador iso- lado de "aberturas de porta por pessoa" possa ter valor no contexto do projeto. Os cientistas tenderam a desenvol- ver ferramentas cada vez mais precisas para avaliar projetos, mas há poucos indícios de que isso realmente ajude os projetistas ou mesmo que melhore o padrão dos projetos. É paradoxal mas, às vezes, o efeito pode ser contrário ao pretendido. Por exemplo, embora todos possamos pensar que a luz natural é uma bênção cotidiana para todos nós, não é bem o que acontece na hora de calcular a iluminação. Criou-se uma série de modelos matemáticos, teóri- cos e artificiais do céu nos quais o Sol é totalmente excluído. Então, calcula-se o "fator de iluminação natural" em qual- quer ponto dentro de uma edificação como a porção de um desses hemisfé- rios teóricos que pode ser vista. Como os modelos matemáticos mais avança- dos não definem o céu como uniforme- mente claro, o processo todo envolve uma geometria de sólidos altamente complexa. Na tentativa equivocada de auxiliar os arquitetos, os cientistas da edificação geraram toda uma série de ferramentas para ajudá-los a calcular o nível de luz natural nas edificações. Tabelas, diagramas de Waldram e transferidores de iluminação natural, além de toda uma série de programas de computador, foram apresentados como ferramentas para o pobre arqui- teto. Porém, todas essas ferramentas demonstram tamanha falta de entendi- mento do que é projetar que merecem um pouco mais de estudo (Lawson, 1982). Em primeiro lugar, todas exigem que a geometria do lado externo da edificação e do interior do cômodo em questão seja definida e que o formato e a localização de todas as janelas sejam conhecidos. Elas são ferramentas pura- mente avaliadoras, que não servem para sugerir soluções; apenas as ava- liam depois de projetadas. Em segundo lugar, produzem resultados que pare- cem muito exatos sobre um fenômeno extremamente variável. É claro que o nível de iluminação criado pela luz natural varia de zero ao amanhecer até um nível altíssimo, dependendo do tempo e da região do mundo, e retorna a zero ao anoitecer. Ainda bem que o olho humano é capaz de trabalhar com níveis de luz cem mil vezes mais altos do que o nível mínimo em que conse- gue funcionar com eficiência, e muitas vezes fazemos esse ajuste sem sequer notar! Portanto, as ferramentas de ilu- minação natural indicam um grau de precisão que é enganoso e desnecessá- rio. Em terceiro lugar, as ferramentas 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 77 de iluminação natural estão totalmen- te separadas de outras considerações ligadas ao projeto das janelas, como perda e ganho de calor, vista etc., como vimos no capítulo anterior. Essa falta de integração torna essas ferramentas praticamente inúteis ao projetar. Não surpreende a constatação de que essas ferramentas não são usadas na prática (Lawson, 1975a), mas ainda estão no currículo e nos livros didáticos de mui- tos cursos de projeto. O perigo dessas técnicas que pare- cem cientificamente respeitáveis é que, mais cedo ou mais tarde, elas passam a ser usadas como critérios fixos, e isso realmente aconteceu no caso da ilumi- nação natural. Com estatísticas do nível real de iluminação esperado durante o ano no Reino Unido, calculou-se que, nas escolas, era desejável um fator de iluminação natural de 2%. Então, fez-se a exigência obrigatória de que todas as carteiras das escolas novas recebessem pelo menos esse fator de iluminação natural. Toda a geometria das salas de aula, portanto, foi efetivamente determinada e, em consequência, uma geração de escolas foi construída com grandes áreas envidraçadas. A inter- ferência acústica e visual resultante, o ofuscamento, as correntes de ar, a perda colossal de calor e o ganho solar excessivo no verão, encontrados com frequência nessas escolas, acabaram levando ao abandono desse regula- mento. Em muitas áreas, implantaram- -se programas para cobrir as janelas e reduzir os efeitos negativos de uma distorção tão desastrosa do processo de projeto. 5.10 Regulamentos e critérios Infelizmente, boa parte da legislação com que os projetistas têm de traba- lhar parece basear-se no padrão ilus- trado pelo exemplo da iluminação natural. Sempre que há a possibilidade de medir o desempenho, há também a oportunidade de legislar. É difícil legis- lar sobre qualidade, mas é fácil definir e impor quantidades (Lawson, 1975b). Para o projetista, é cada vez mais difícil manter um processo de projeto sensa- to e equilibrado diante de uma legisla- ção necessariamente desequilibrada. Um exemplo evidente disso é o projeto de moradias do setor público no Reino Unido. O governo britânico encomendou uma excelente pesquisa, realizada por um comitê presidido por Sir Parker Morris, sobre as necessidades dos habitantes de moradias familiares. O comitê trabalhou dois anos visitando conjuntos habitacionais, distribuindo questionários, recolhendo informações de especialistas e estudando a literatu- ra disponível. Foi um estudo que viria a ser muito minucioso e respeitado, e que se mostrou útil na orientação do desenvolvimento de projetos habita- cionais durante várias décadas (Parker Morris, Homes for Today and Tomorrow, 1961: 594, London House). O relatório final assumiu a forma de um livreto que continha mais de 200 recomenda- ções principais. Mais tarde, algumas delas foram incluídas como exigências dos padrões mínimos obrigatórios para residências do setor público. É interes- 78 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM sante ver quais recomendações ori- ginais de Parker Morris se tornariam exigências legislativas e por quê. Con- sideremos apenas três delas, ligadas ao projeto de cozinhas: 1. A relação da cozinha com o lugar exter- no a ela onde é provável que as crianças brinquem deve ser levada em considera- ção. 2. Ouem trabalha na pia deve ser capaz de olhar pela janela. 3. Deve haver bancadas de trabalho nos dois lados da posição da pia e do fogão. As instalações da cozinha devem ser dispos- tas de modo a formar uma sequência de trabalho que inclua bancada/pia/bancada/ fogão/bancada e não seja interrompida por portas nem por outras vias de acesso. (Parker Morris, 1961) Todas essas recomendações pare- cem sensatas e desejáveis. No entanto, pode-se apostar que a maioria dos pais consideraria a primeira mais desejá- vel, e a maioria de nós, provavelmen- te, sacrificaria a eficiência ergonômica para ter uma vista agradável. Todavia, a terceira recomendação é a mais fácil de medir no desenho de um arquiteto, e só esta última é que se tornouexigência obrigatória (Fig. 5.5). Portanto, tornou- -se permissível projetar uma casinha duplex unifamiliar ou um apartamento em um andar muito acima do solo sem nenhuma visão do espaço externo à cozinha onde as crianças brincam, mas com um projeto de cozinha que tal- vez não se encontre nem em algumas residências particulares de construção muito cara. Vale notar que essa legis- lação foi aprovada no início do período conhecido hoje como primeira geração da metodologia de projeto. Ainda bem que, mais tarde, esses padrões míni- mos obrigatórios foram revogados. De certa forma, também foi uma pena, já que continham outras exigências mui- to mais sensatas! Hoje, a legislação sobre projetos passa corretamente por um exame crítico e atento, e os projetistas come- çaram a denunciar as falhas práticas da legislação. Em 1973, o Conselho do Condado de Essex publicou o seu Design Guide for Residential Areas [Guia de projetos para áreas residenciais], uma tentativa de tratar dos aspectos qualitativos e quan- titativos dos projetos habitacionais que atualmente é um clássico. Os padrões visuais e conceitos como privacidade receberam tanta ênfase quanto o nível de ruído e a circulação eficiente do trá- fego. Embora o objetivo desse e de mui- tos outros guias de projeto que vieram depois fosse aplaudido de forma quase universal, mais tarde vários projetis- tas mostraram-se preocupados com o resultado dessas orientações que, na prática, eram usadas como se fossem leis. Cada vez mais, as normas para Fig. 5.5 A configuração de cozinha recomendada por Parker Morris que se tornou obrigatória º~º~º~º Bancada Pia Bancada Fogão Bancada A sequência não pode ser interrompida por portas nem vias de acesso 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 79 edificações foram alvo de críticas de arquitetos que demonstraram os resul- tados indesejáveis que costumam criar (Lawson, 1975b), e houve propostas de revisar todo o sistema de controle de edificações (Savidge, 1978). Em 1976, o Department of the Environment (DoE) [Departamento do Ambiente Construído] publicou o seu relatório de pesquisa nº 6, Value of Stan- dards for the Externai Residential Environ- ment [Valor dos padrões de ambiente externo residencial], que concluía que muitos padrões então aceitos eram impraticá- veis ou até mesmo claramente questio- náveis. O relatório rejeitou firmemente a imposição de exigências em questões como privacidade, vista, luz do sol ou iluminação natural: "A aplicação de padrões uniformes em todos os senti- dos frustra o intuito de pensar em pro- vidências adequadamente diversas em situações diferentes". Esse relatório parece o dobre fúne- bre da legislação baseada na primeira geração de metodologia de projeto da década de 1960: As qualidades do bom projeto não são sint etizadas por padrões quant itativos [ .. . ] É correto que os controladores de incor- porações peçam providências para que haja, digamos, privacidade, acesso, área para cria nças brincarem ou silêncio. A imposição da exigência de quantidades específicas é outra coisa e não se justi fica pelo resultado dos projetos. (DoE, 1976). Infelizmente, desde então os legis- ladores não aprenderam a lição dos erros cometidos com a luz natural e as cozinhas. As leis continuam a ser redi- gidas de modo a adequar-se àqueles cujo trabalho é conferir, e não àqueles cujo trabalho é projetar. Quem confere precisa de um teste simples, de pre- ferência numérico, fácil de aplicar a constatações claras e nada ambíguas. Quem confere também prefere não ter de considerar mais de uma coisa de cada vez. É claro que o projetista exige exatamente o contrário, e é por isso que a legislação costuma dificultar os pro- jetos. Isso não se deve aos padrões de desempenho impostos, que podem ser bastante desejáveis, m as à inflexibili- dade e à falta de valor introdu zida no processo multidimensional e cheio de valores que é o projeto. 5.11 Medições e métodos de projetar Já houve referência ao famoso método de projetar de Christopher Alexander, que talvez exemplifique a primeira geração do pensamento sobre o pro- cesso de projeto. Esse processo não é mais visto assim e, para examinar o porquê, faremos uma pausa aqui para dar alguns detalhes. O método de Ale- xander consistia em listar todas as exigências de um problema específico de um projeto e depois procurar inte - rações entre elas (Alexander, 1964). Por exemplo, no projeto de uma cha - leira, algumas exigências para a esco- lha dos materiais usados poderiam ser as seguintes: Simplicidade: quanto menos m ate- riais, mais eficiente a fabricação. 80 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Desempenho: na chaleira, cada fun- ção exige um material diferente, como cabo, tampa, bico. Junções: quanto menos materiais, menos numerosas e mais sim- ples serão as junções e mais fácil a manutenção. Economia: escolher o material ade- quado que seja mais barato. Em seguida, as interações entre cada par de exigências são rotuladas como positivas, negativas ou neutras, caso se complementem, se inibam ou não tenham efeito entre si. Nesse caso, todas as interações, exceto jun- ções/simplicidade, são negativas, já que envolvem exigências conflitantes. Por exemplo, embora a exigência de desempenho sugira materiais varia- dos, o ideal para atender às exigências de junções e simplicidade seria o uso de um material só. Assim, junções e simplicidade interagem positivamente entre si, mas ambas interagem negati- vamente com o desempenho. Portanto, o projetista que usar o método de Alexander fará primeiro uma lista de todas as exigências do projeto e depois determinará os pares de exigências que interagem positiva ou negativamente. Em seguida, todos esses dados serão transferidos para um programa de computador que busca grupos de exigências muito inter-rela- cionadas mas relativamente separadas de outras exigências. O computador, então, imprimirá esses grupos, divi- dindo efetivamente o problema em subproblemas independentes, cada um deles relativamente simples, para que o projetista os compreenda e resolva. O trabalho de Alexander foi mui- to criticado, inclusive por ele mesmo (Alexander, 1966), embora pareça que poucos lhe deram ouvidos na época! Alguns anos depois, Geoffrey Broad- bent publicou uma excelente resenha das muitas falhas do método de Ale- xander (Broadbent, 1973). Alguns erros mais óbvios de Alexander e os que têm interesse para nós aqui resultam de uma visão bastante mecanicista da natureza dos problemas de projeto: "o problema é definido por um conjunto de exigências chamado M. A solução do problema será uma forma que satisfaça com êxito todas essas exigências". Implícitas nessa declaração estão várias noções hoje comumente rejei- tadas (Lawson, 1979a). Em primeiro lugar, a de que existe um conjunto de exigências que possa ser exaustiva- mente listado no início do processo de projeto. Como vimos no Cap. 3, na ver- dade isso não é factível, já que é bem provável que vários tipos de exigências só ocorram ao projetista e ao cliente bem depois de iniciada a síntese das soluções. A segunda concepção errada do método de Alexander é que todas essas exigências listadas têm o mes- mo valor e que toda interação delas é igualmente forte. O bom senso indica- ria que é bem provável que seja mais importante satisfazer algumas exigên- cias, e não outras, e que alguns pares de exigências podem ser intimamen- te relacionados, enquanto outros têm ligação mais frouxa. Em terceiro lugar e de forma mais sutil, Alexander deixa de considerar que algumas exigências e 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 81 interações têm implicações muito mais profundas sobre a forma da solução do que outras. Para ilustrar essas deficiências, consideremos dois pares de exigênciasinterativas listadas por Chermayeff e Alexander (1963) no estudo que fizeram sobre comunidade e privacidade no pro- jeto de moradias. A primeira interação é entre "estacionamento eficiente para proprietários e visitantes; espaço ade- quado para manobrar" e "separação de crianças e animais de estimação em relação a veículos". A segunda interação é entre "barreiras contra insetos raste- jantes e escaladores, pragas, répteis, pássaros e mamíferos" e "filtros contra cheiros, vírus, bactérias, sujeira. Telas contra insetos voadores, poeira, detri- tos, fuligem e lixo trazidos pelo vento". O problema do método de Alexander é ser incapaz de distinguir essas intera- ções em termos de força, qualidade ou importância, mas qualquer arquiteto experiente perceberia que as soluções dos dois problemas têm tipos bem dife- rentes de consequência. O primeiro é uma questão de acesso e, portanto, consiste num problema de planejamen- to espacial, enquanto o segundo é uma questão de projeto técnico detalha- do do revestimento da edificação. Na maioria dos processos de projeto, esses dois problemas seriam enfatizados em estágios bem diferentes. Assim, nesse sentido, o projetista escolhe os aspec- tos do problema que deseja conside- rar na ordem do seu provável impacto sobre a solução como um todo. Nesse caso, é improvável que as questões de configuração e organização gerais fos- sem consideradas ao mesmo tempo que o detalhamento de portas e janelas. Infelizmente, o padrão de grupos gera- do pelo método de Alexander esconde esse significado natural do problema e impõe ao projetista um modo estranho de trabalhar. 5.12 Juízos de valor no projeto Como no projeto costuma haver muitas variáveis que não podem ser medidas com a mesma escala, os juízos de valor parecem inevitáveis. Por exemplo, ao projetar ferramentas elétricas, muitas vezes é preciso equilibrar facilidade de uso com segurança, ou portabilida- de com robustez. Embora seja possível medir os projetos com escalas grossei- ras de satisfação em cada um desses fatores, continua sendo difícil relacio - ná-los. Assim, um cortador de grama levíssimo e fácil de manobrar e empur- rar pode mostrar-se barulhento e frágil. No caso de um item desses, não há uma resposta certa, já que, provavelmente, compradores diferentes darão valor diferente a fatores como facilidade de manobra e confiabilidade. O fabrican- te sensato desse tipo de equipamentos produzirá vários projetos alternativos, cada um com vantagens e desvanta- gens diferentes. Entretanto, o problema dos valores relativos fica muito mais grave quando as decisões do projeto são tomadas por um grande número de pessoas que podem não ter a capa- cidade de escolha de quem compra um cortador de grama. Como exemplo 82 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM desses problemas de projeto, temos as moradias do setor público ou uma nova escola, o traçado de novas estradas ou a localização das fábricas. É inerente que tais projetos envolvam graus varia- dos de benefício para alguns e prejuí- zo para outros. Uma estrada nova pode poupar o tempo da longa viagem de um motorista e reduzir o engarrafamen- to de uma cidade próxima, mas, infe- lizmente, também pode submeter os moradores locais a barulho e poluição indesejados. 5.13 A atração do mesmo sistema de medidas Uma forma atraente de escapar das dificuldades que examinamos neste capítulo seria reduzir todos os critérios envolvidos no projeto ao mesmo sis- tema de medidas. A análise de custo- -benefício baseia-se na expressão de todos os fatores em termos de valor monetário, criando assim uma escala Equipamento para ediliikações comum. Houve tentativas de aplicar as técnicas da análise de custo-benefício aos tipos de problema de projeto em que haja ganhadores e perdedores. Infeliz- mente, alguns fatores são mais fáceis de avaliar do que outros. Talvez isso fique bem ilustrado com a referência a uma das aplicações mais conhecidas da análise de custo-benefício: o caso da Comissão Roskill, que avaliou a locali- zação do terceiro aeroporto de Londres. Depois de vários estágios preliminares nos quais foram considerados uns 78 locais, a comissão reduziu as opções a quatro terrenos: em Cublington, Fou- lness, Nuthampstead e Thurleigh, que foram então comparados por meio da análise de custo-benefício. Até o dia- grama grosseiramente simplificado, aqui reproduzido, dá uma ideia da com- plexidade de efeitos que as várias par- tes interessadas poderiam causar umas às outras em consequência de um pro- jeto desses (Fig. 5.6). Na verdade, há muitos outros efeitos bem mais amplos que não são mostrados, como as ques- Suprimentos Edirilcações Emprego Passageiros ,1------~ Área ocupada Terreno Proprietários Transporte Suprimentos Barulho Mão de obra Mercadorias Empresas locais Fig. 5.6 Diagrama simplificado da interação das partes envolvidas no novo aeroporto 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 83 tões das distorções da rede nacional de transportes resultante da oferta de novas formas de acesso ao local esco- lhido. Por exemplo, a abertura de um aeroporto em Cublington resultaria no fechamento do aeroporto existente em Luton, que ficaria perto demais para permitir os procedimentos de controle do tráfego aéreo. Muitos benefícios do aeroporto em termos de lucro para várias empresas de transporte e outras eram razoa- velmente fáceis de calcular para cada local e poderiam ser comparados ao lucro perdido com o uso existente do solo. O custo de oferecer transporte para o acesso a cada local e o custo em termos do tempo da viagem também foram incluídos na equação. No entan- to, a perda em termos da redução da conveniência foi muito mais difícil de avaliar em termos puramente mone- tários. Esses efeitos variam de gastos indesejados resultantes da necessidade de abandonar o lar até fatores como a depreciação do valor das propriedades na área circundante e o incômodo do barulho causado pelo funcionamento do aeroporto. Esse uso público da análise de cus- to-benefício revelou muitos perigos reais envolvidos em basear as decisões na quantificação de fatores qualitativos como a conveniência de um ambiente. É óbvio que o sucesso de um processo desses baseia-se no pressuposto de que todos os custos da perda da conveni- ência foram corretamente avaliados. Aqui, a verdadeira dificuldade é que é improvável obter essas avaliações por consenso em uma sociedade pluralista. Isso ficou demonstrado quando o RIBA exprimiu publicamente a preocupação com a avaliação dos lucros e prejuízos e ressaltou as muitas perdas pequenas não avaliadas que podiam ter um gran- de efeito cumulativo: Uma hora perdida pelo viajante aéreo é avaliada com muita generosidade, levan- do em conta os custos para a empresa e o salário, mas uma hora de sono perdido pelos que moram perto da área de maior impacto não recebe nenhuma avaliação. (RIBA, 1970). Avaliar o custo do incômodo do barulho ou o valor do silêncio já foi bas- tante difícil para a Comissão Roskill, mas quando as considerações sobre a conservação da vida selvagem em Foulness foram trazidas à discussão, todo o processo de tomada de deci- sões começou a se romper. A análise de custo-benefício era claramente incapaz de criar uma equação para comparar o lucro de um aeroporto ao preju ízo de um santuário de aves totalmente impro- dutivo, mas insubstituível e, segundo alguns, inestimável. O próprio relatório Roskill admitia a inutilidade de buscar uma avaliação totalmente objetiva ao comparar os terrenos de Cublington e de Foulness. A opção foi entre o preju- ízo para o valor de Aylesbury e a per- da de uma bela igreja norm anda em Stewkley, ou a ruína do litoral de Essex e a provável extinção dos gansos Brent de barriga preta: Como em tantos outros aspectos dessa pesquisa, não há uma única resposta cer- ta, embora cada indivíduo possa acreditar que haja. Para nós, pretender avaliar de 84 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM forma absoluta essas visões (a importância da conservação de edificações ou da vida selvagem) é pretender dons de sabedoria e profecia que homem nenhum possui . O máximo que podemos fazer é respeitar ambos os pontos de vista . (Relatório da Comissão Roskill) Até mesmo a estimativa de custo de fatores que, pareciam ser mais fáceis de quantificar, mostrou-se extremamen- te discutível. Por exemplo, a própria equipe da pesquisa de custo-benefício revisou os pressupostos sobre os quais tinha baseado o custo total da constru- ção. Essa mudança foi tão drástica que, nesse aspecto, Cublington passou de mais caro a mais barato entre os locais possíveis. A pesquisa continuou até que, aos poucos, ficou claro que mui- tos pressupostos subjacentes, funda- mentais e necessários para a análise de custo-benefício poderiam ser ques- tionados da mesma forma. A indecisão que, pelo menos em parte, resultou do descrédito da técnica, levou a muitos anos de procrastinação até que, final- mente, o aeroporto foi construído em Stanstead. Talvez aqui a última palavra seja a do professor Buchanan, integran- te da Comissão, que ficou tão preo- cupado que publicou um relatório da minoria: Fiquei cada vez mais ansioso, temendo me enredar num processo que não ent endia por completo e, em última análise, ser le- vado a uma conclusão com a qual sabia, no fundo do coração, que não concordava. Há pouco tempo, deu-se correta- mente mais ênfase às consequências ecológicas das decisões de projeto. A maior parte da energia consumida nos países desenvolvidos está ligada à fabri- cação e ao uso dos produtos. Uma pro- porção muito alta está realmente ligada ao setor de construção civil. Do mesmo modo, os níveis de poluição e de emis- sões atmosféricas são muito influen- ciados pelas decisões de projetistas de desenho industrial, arquitetos e urba- nistas. Tudo isso nos leva a querer mais informações sobre o verdadeiro impac- to das decisões de projeto, não apenas no estágio de construção, como tam- bém em termos de todo o ciclo de vida. Novamente, cada vez mais a legislação estabelece e depois muda os limites de poluição e de consumo de energia. É provável que a maioria dos projetistas tenha bastante consciência da necessi- dade de melhorar o nosso mundo dessa forma, mas ache muito difícil incorpo- rar ao processo de projeto as descober- tas e recomendações. É raro que dados e descobertas sejam expressos clara- mente de uma forma que o projetista consiga entender. Assim como é cada vez mais difícil saber o que é seguro e saudável comer, o ato de projetar de maneira ecologicamente sensata está cercado de mitos, campanhas e, às vezes, dados deliberadamente engano- sos. No entanto, em geral, nem com toda essa confusão projetistas poderiam agir e procrastinar como os que decidiam o terceiro aeroporto de Londres. Eles têm simplesmente de avançar e tomar a decisão da maneira mais integrada e sensata possível. E aí as suas decisões ficarão muito visíveis e fáceis de criticar conforme os dados se tornarem dispo- níveis com mais clareza! 5 Medições, critérios e avaliação ao projetar 85 5.14 Decisões objetivas e subjetivas Na análise final, seria insensato que os projetistas tivessem a esperança de encontrar um processo que os proteges- se da tarefa dolorosa e difícil de exer- cer o juízo subjetivo em situações em que fatores quantitativos e qualitativos têm de ser levados em conta. A tenta- tiva de reduzir todos os fatores a uma medida quantitativa comum, como o valor monetário, geralmente serve ape- nas para transferir o problema para a avaliação. Aqui, o estudo da Comissão Roskill sobre o local do terceiro aero- porto de Londres traz mais uma lição. Os projetistas e aqueles que tomam decisões semelhantes às de um proje- to, capazes de afetar profundamente a vida de muita gente, não podem mais esperar que os seus juízos de valor sejam feitos sem transparência. Esses processos de projeto em grande escala precisam suscitar, com clareza, a par- ticipação de todos os que serão subs- tancialmente afetados. No entanto, não devemos esperar que o processo de pro- jeto seja tão claro, lógico e aberto quan- to o método científico. Projetar é uma atividade confusa que envolve juízos de valor entre alternativas que podem oferecer, ao mesmo tempo, vantagens e desvantagens. É improvável que haja uma resposta correta ou mesmo ótima no processo de projeto, e é bem possível que não concordemos acerca dos méri- tos relativos das soluções alternativas. 6 Modelo de problemas de projeto Como artista, não planejei fazer o público entender, mas sim achar para mim problemas de forma e espaço, e explorá- los. Henry Moore (no seu 80º aniversário) Não há nada absoluto em derivar a arquitet ura de manipulações funcio- nais. Ouando olhamos uma planta de Corb, essas formas maravilhosas que ele racionalizou a partir de banheiros e coisas, sabe, são mesmo mágicas, são diagramas completamente mágicos, mas eu realmente preferia ter a mágica sem a funcionalidade espúria no meio do caminho. John Outram 6.1 Análise de problemas de projeto Neste capítulo, tentamos analisar a estrutura dos proble- mas de projeto. Como no restante do livro, essa análise diri- ge-se primariamente aos problemas resolvidos por projetos tridimensionais; em muitos casos, porém, pode ser genérica o bastante para aplicar-se, pelo menos em parte, ao design gráfico e a certos tipos de engenharia. Ela vai basear-se numa investigação dos geradores de problemas de projeto, do campo a que se referem e da sua função. A partir desse estudo, sere- mos capazes de montar os tijolos que formam o modelo que nos permite entender a natureza dos problemas de projeto em todas as suas variações. O modelo foi considerado útil durante muitos anos de ensino e pesquisa do processo de projeto. É apresentado aqui para que possamos entender melhor o que torna tão especiais os problemas de projeto e, assim, ter algu- ma noção de como pensam os projetistas e por quê. 6.2 Os geradores de problemas de projeto À primeira vista, talvez pareça óbvio de onde vêm os problemas de projeto. Os clientes os levam aos projetistas! Como veremos, embora muitas vezes isso seja verdade, nem sempre é assim, e acontece que essa é uma parte bem pequena da história. Sem dúvida, é possível que um projetista descubra um problema sem que haja um cliente, e há projetos muito interessantes fei- tos exatamente assim. Também pre- cisamos fazer uma distinção minucio- sa entre os clientes que apresentam problemas ao projetista e os usuários finais do resultado. Como veremos, os clientes podem ser ou não os usuários do projeto. No capítulo anterior, vimos que os legisladores podem causar pro- blemas consideráveis para o projetista e, às vezes, até estar em conflito com o cliente. Por exemplo, a legislação sobre planejamento urbano existe principal- mente para proteger o grande públi- co dos possíveis excessos egoístas de clientes individuais do arquiteto. É pro- vável que seja discutível se esse con- trole das incorporações é mesmo tão benéfico. No entanto, assim corremos o risco de atropelar a discussão. 6.3 Clientes Num projeto, o problema não costu- ma se originar na mente do projetista, mas na do cliente; alguém tem uma necessidade e não consegue resolver o problema, e talvez até nem entendê- 6 Modelo de problemas de projeto 87 -lo totalmente sem ajuda. Embora, às vezes, se possa contratar para isso um artista de sorte, o projetista qua - se sempre trabalha assim. A tarefa de projetar, apesa r de mal definida, costuma ser gerada e expressa ini- cialmente por um cliente. Contudo, ébastante enganoso achar que os clientes são um grupo homogêneo. Em muitas situações comerciais, o cliente pode ser representado por um profissional cujo trabalho é mais ou menos esse. No outro lado da escala, muitas edificações são encomendadas por quem nunca agiu como cliente. Às vezes, o projetista trabalha com clien- tes individuais; outras, o cliente pode ser representado por um comitê intei- ro. No caso de edificações muito gran- des encomendadas por instituições ou empresas, o programa pode durar vários anos e os membros do comitê do cliente podem m uda r muito. Os arquitetos Stirling e Wilford tiveram experiência considerável com esses grandes clientes institucionais e construíram muitas edificações gover- namentais e educacionais. Michael Wilford enfatizou a importância do papel do cliente no processo de projeto: Atrás de cada edificação distinta, há um clien te igualmente distinto, não neces- sariamente de alto nível, mas que dedica tempo e trabalho a compreender as ideias do arquiteto, que lhe transmite apoio e entusiasmo, é ousado, dispõe-se a correr riscos e, acima de tudo, consegue man- ter a calma durante as crises inevitáveis. (Lawson, 1994b). Isso indica com bastante firmeza que Michael Wilford não vê o clien- 88 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM te apenas como fonte de informações, mas também como parceiro criativo no processo. A arquiteta Eva Jiricna concorda e afirma que "o pior cliente é aquele que diz: vá em frente e me dê o produto final" (Lawson, 1994b}. O clien- te, portanto, é o exemplo mais óbvio de fonte de problemas e restrições do projeto. Em termos ideais e frequentes, essas restrições podem ser aproveita- das de forma criativa na interação de cliente com projetista. Sem dúvida, é enganoso pensar que o cliente apresen- ta simplesmente ao projetista um resu- mo informativo completo, no qual o problema está totalmente definido e as restrições, articuladas com clareza. Na verdade, a própria relação entre clien- te e projetista é uma parte significativa do processo de projeto. Até certo ponto, o modo como os projetistas percebem e entendem os problemas é função do modo como essa relação funciona. 6.4 Usuários Boa parte dos projetos de hoje é enco- mendada por clientes que não serão os usuários. A arquitetura pública, como a de hospitais, escolas e moradias, costu- ma ser projetada por arquitetos que têm relativamente pouco contato com os usuários das suas edificações. O dese- nho industrial e o design gráfico dirigem- se a um mercado de massa e, em geral, são encomendados por clientes comer- ciais. A imagem tradicional do projetis- ta que cria uma relação pessoal com o cliente/usuário é bastante enganosa. Até os arquitetos, contratados para projetar prédios novos de grandes enti- dades como universidades, provavel- mente serão mantidos longe dos usuá- rios reais por um comitê de clientes ou mesmo por um departamento específi- co para cuidar de edificações. A comu- nicação frequente entre projetistas e usuários é indireta e, ao mesmo tem- po, como argumentou John Page, filtra- da pela política da entidade. No estudo sobre "planejamento e protesto" (Page, 1972}, ele descreve as "barreiras de gen- te" erguidas em muitas entidades para impedir que um excesso de informa- ções tumultuosas dos usuários chegue aos projetistas. Em órgãos do governo local, por exemplo, políticos e administradores podem tentar arvorar-se em canais de comunicação entre os projetistas e os usuários externos para impor políticas ou para manter uma posição de poder dentro do sistema. No fim das contas, essas barreiras organizacionais, sejam quais forem as vantagens que dão à entidade cliente em termos de aumen- to do controle do projetista, só servem para tomar mais difícil para o projetista a tarefa de entender o problema. Mesmo quando não há barreiras, há o que Zeisel (1984} chamou de "lacunas". Ele aludia a "clientes pagantes" e "clientes usuários" e mostrou que, embora quase sempre haja boa comunicação entre projetistas e clientes pagantes, há uma lacuna na comunicação de ambos com os clien- tes usuários (Fig. 6.1). Em um trabalho empírico mais recente, Caims (1996} demonstrou não só a existência dessas lacunas no projeto arquitetônico, mas também que nem sempre os arquitetos e os seus clientes tinham consciência dessas lacunas. Clientes pagantes ,, Projetistas Lacuna Fig. 6.1 Modelo de Zeisel da lacuna entre usuário e necessidades Como muitos jovens projetistas devem ter descoberto ao sair da faculda- de, uma coisa é projetar para si e outra bem diferente é projetar para um cliente de verdade, com preconceitos e tendên- cias pessoais e institucionais. Quando esse cliente não é sequer um possível usuário do projeto, o problema torna-se ainda mais afastado. Esse afastamen- to cada vez maior entre os projetistas e aqueles para quem projetam criou a necessidade de estudos das exigên- cias de usuários. Quase desesperados, os projetistas recorreram a cientistas humanos e sociais, como ergonomistas, psicólogos arquitetônicos e sociólogos urbanos, para saber de que realmente os usuários precisam. Em boa medida, na prática essa ligação entre projetos e ciência social não tem sido tão útil quanto se esperava. A ciência social continua a ser principalmente descri- tiva, ao passo que o projeto é necessa- riamente normativo, de modo que os 6 Modelo de problemas de projeto 89 psicólogos e sociólogos continuaram pesquisando e os projetistas, projetan- do, e ainda não se reeducaram mutu- amente para assumir um papel mais genuíno de colaboração. Enquanto isso, em geral a comunicação entre os cria- dores e os usuários de ambientes conti- nua desconfortavelmente distante. Assim, geralmente os usuários estão mais afastados dos projetistas do que os clientes. Embora o projetista talvez consiga interagir com um clien- te solidário e motivado, pode não haver nenhum acesso formal aos usuários. 6.5 Projetistas Às vezes, é difícil separar projeto e arte. É comum que o público consi- dere artístico o produto dos projetos, às vezes até realmente como "obras de arte", e muitas vezes os projetistas também são artistas de fato. Há casos em que até os desenhos gerados pelos projetistas para ilustrar os seus planos podem ser facilmente confundidos com obras de arte. Se é correto ou não descrever um objeto como "obra de arte" é uma questão além do alcance deste livro. Aqui, o que importa não é o produto, mas o processo. Sem dúvida, o processo criativo que pode dar ori- gem a uma obra de arte tem muito em comum com o processo de projeto, e os mesmos talentos podem ser necessá- rios em ambos. Espera-se dos projetis- tas, assim como dos artistas, que não apenas resolvam problemas, mas tam- bém levem ao processo os seus pro- blemas e interesses. No entanto, nes- 90 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM se sentido, o projetista costuma sofrer mais restrições do que o artista. Este pode reagir ao trabalho em andamen- to e está livre para mudar o foco da atenção e explorar novos territórios e problemas. Raramente essas questões artísticas são articuladas com clareza pelo artista fora da sua obra. Em geral, são os críticos e os historiadores que, em retrospecto, interpretam e iden- tificam as questões que, na sua opi- nião, tiveram prioridade na mente do artista. Quando um crítico de música lhe pediu que explicasse uma das suas óperas, dizem que Wagner respondeu, irritado: "mas ela é a explicação". Em geral, espera-se que o projetis- ta também contribua com problemas. Nesse sentido, os clientes supõem que os projetistas são artistas e que o seu papel seja, pelo menos em parte, inter- pretativo. O cliente do arquiteto espe- ra bem mais do que apenas uma casa com cômodos de tamanho adequado e boas relações entre si. A expectativaóbvia é que o arquiteto leve em conta, por exemplo, questões de forma, espa- ço e luz e, com isso, crie não só uma edificação, mas aquilo que chamamos de arquitetura. Essa relação entre clien- te e projetista é de mão dupla, pois o projetista espera receber certa liber- dade para definir o problema do proje- to. Também é bastante provável que o projetista que recebe uma nova enco- menda espere ser capaz de continuar a explorar problemas que foram identifi- cados em projetos anteriores. Até que ponto o projetista pode entregar-se a essa autogratificação artística é função tanto da natureza do problema quanto da relação entre cliente e projetista. Por essa razão, há um elemento inerente de tensão na relação entre cliente e proje- tista. Ambos dependem um do outro, mas ambos, cada um a seu modo, temem que o outro exerça demasiado controle. Por um lado, o projetista pro- vavelmente precisa dos honorários e, por outro, também tem uma reputa- ção que, em boa parte, resulta de tra- balhos anteriores e, portanto, pretende continuar desenvolvendo um conjunto harmonioso de obras visíveis a todos. O cliente, por sua vez, não pode real- mente projetar, mas, ainda assim, até certo ponto pode saber o que quer e teme que o projetista tenha ideias bem diferentes. É óbvio que o cliente pru- dente escolhe um projetista que, com base em serviços anteriores, prova- velmente vai interessar-se pelos seus problemas. Ninguém jama is esperaria que Mies van der Rohe e Edwin Lutyens projetassem até mesmo casas remota- mente parecidas para o mesmo cliente no mesmo terreno: como arquitetos, os seus interesses pessoais eram muito diferentes. Neste ponto, vale notar que a dis- tinção entre arte e projeto, como todas as fronteiras conceituais criadas pelo homem, é bastante difusa e de fácil confusão. Os alunos, quando tentam estabelecer o seu papel de projetistas, costumam confundir-se com obras que desafiam classificações fáceis. Em 1964, quando Peter Cook produziu a influente "Plug-in-City", a princípio ela pareceu ser um projeto: uma cidade, confessa- damente imaginária e do futuro, mas que ainda assim se parecia com arqui- tetura, e muitos desenhos eram tam- bém muito arquitetônicos. Na verdade, de certo modo o processo e a intenção por trás de obras assim são muito mais próximos do processo artístico do que do processo de projeto. "Plug-in-City" não resolveu nenhum problema ime- diato nem pretendia ser construída. Em vez disso, ela explorava e exprimia ideias, crenças e valores e fazia pergun- tas provocadoras sobre a direção futura do urbanismo e dos padrões de vida. É muito adequado que os alunos de pro- jeto se interessem e sejam influencia- dos por essas obras, assim como pela poesia, pela prosa, pela pintura ou por filmes sobre questões afins. Mas eles não deveriam alimentar a expectati- va de abordar os problemas de projeto apresentados por clientes no mundo real do modo mais introspectivo e pes- soalmente expressivo do artista. Os projetistas, ao contrário dos artistas, não podem se dedicar exclusivamente a problemas que tenham interesse pes- soal para si. 6.6 Legisladores Até agora vimos que os problemas de projeto, embora costumem ser inicia- dos por um cliente, podem receber con- tribuições tanto dos usuários quanto dos próprios projetistas. Por último, devemos dar atenção brevemente a outro gerador de problemas de projeto, talvez o que está mais distante do pro- jetista: o legislador. Embora não costu- mem se envolver no projeto real pro- priamente dito, os legisladores criam 6 Modelo de problemas de projeto 91 restrições dentro das quais os proje- tistas têm de trabalhar. Essas leis e controles variam de padrões e códigos profissionais a diretrizes e recomen- dações. Esses padrões podem tratar de fatores de segurança, utilidade ou aparência. Talvez tenham de ser satis - feitos para vender produtos no mer- cado, permitir descrições comerciais convencionais ou autorizar o início da construção da edificação. Hoje em dia, a legislação de projetos pode abranger tudo, da segurança dos aparelhos elé- tricos à honestidade da propaganda ou ao consumo de energia das edificações. Em muitos casos, existe toda uma burocracia para administrar e interpre- tar essa legislação geral em cada caso específico. Atualmente, o arquiteto tem de atender ao corpo de bombeiros, ao fiscal de obras e ao planejador urbano, e também, dependendo da natureza do projeto específico, à empresa pública habitacional, aos fiscais de saúde, aos fiscais do Departamento do Interior, à companhia de água, de eletricidade, aos correios, aos fiscais de fábrica, e a lista continua. Não adianta disfarçar a tensão existente entre os projetistas e os que aplicam a legislação segundo a qual a sociedade determinou que eles têm de trabalhar. Às vezes, o projetista pode ver o legislador como descuidado e inflexível, enquanto, para o legislador, o projetista talvez pareça caprichoso e irresponsável. Esse conflito é exemplificado na descrição que Richard Rogers faz dos problemas que teve com o Corpo de Bombeiros de Paris quando projetou o Centro Pompidou. 92 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Como essa foi a primeira edificação pública de maior grandeza, todos os regulamentos já promulgados na cidade de Paris desde a Antiguidade foram aplicados da manei- ra mais estrita possível, a um custo de 50 milhões de francos, cerca de 10% do orça- mento total da construção. (Suckle, 1980). Como o próprio Rogers explica, nenhum arquiteto deseja deliberada- mente construir uma edificação perigo- sa. Entretanto, muitas vezes é preciso aplicar os regulamentos em situações não previstas quando foram criados· ' como até então nenhum projetista concebera uma obra arquitetônica tão extraordinária quanto a de Piano e Rogers, parece insensato esperar isso dos legisladores. 6.7 Os diversos papéis dos geradores de restrições Agora, os quatro primeiros tijolos do nosso modelo de problemas de projeto podem ser postos no lugar. Se empi- lharmos os quatro geradores de res- trições do projeto num tipo de torre, veremos que as restrições vão ficando mais abertas a debate e discussão con- forme subimos torre acima (Fig. 6.2). Cada um dos geradores de problemas de projeto aqui identificados impõe restrições sobre a solução projetada, mas com diferentes graus de rigidez, sendo mais rígidas as impostas pelos legisladores e mais flexíveis as geradas pelo projetista. Por exemplo, ao projetar a planta do interior de uma loja, haverá restrições Projetista Cliente Usuário Legislador Fig. 6.2 1 Flex_íveis_ opc1ona1s j Rígidas obrigatórias Os quatro grupos de geradores de restrições ao projeto empilhados em ordem de flexibi lidade impostas por todos os geradores. Para garantir a segurança em caso de incên- dio, o corpo de bombeiros exigirá que os materiais de revestimento tenham um determinado nível de resistência à propagação das chamas e poderá deter- minar o número e a posição das portas corta-fogo e a largura dos corredores e das vias de acesso. Outras leis podem controlar a exposição e o armazena- mento de alimentos, as condições de trabalho dos funcionários etc. O clien- te também gerará muitas restrições ao projeto, ligadas aos objetivos primá- rios de atrair clientes e vender merca- dorias. Ao contrário das restrições do legislador, o projetista poderá discutir as restrições do cliente e estabelecer prioridades. Não são raros os confli- tos entre as consequências dos objeti- vos do cliente sobre o projeto, e aqui o projetista pode recorrer ao cliente para que, juntos, reavaliem essas restrições. Por exemplo, por um lado, o cliente da nossa loja pode querer que as vitri- nes sejam projetadas e arrumadas de modo a tornar as mercadorias tenta- doras e atrair possíveis compradores;por outro, sem dúvida, será importan- te minimizar a probabilidade de furtos e danos a itens não comprados. Essas duas exigências, pelo menos até certo ponto, estão em conflito. Nos termos de Alexander, interagem negativamente. No entanto, o equilíbrio exato de satis- fação dessas exigências talvez só fique claro para o cliente quando o projetis- ta explorar as várias possibilidades em termos físicos e tridimensionais. O nosso cliente talvez só consiga dizer exatamente que grau de risco de perda por furto é aceitável para obter eficácia na exposição quando o projetista real- mente propuser algumas ideias. É claro que, do ponto de vista do projetista, as restrições do cliente não são tão absolutas quanto as do legis- lador. Em vez disso, todas têm valor relativo, passível de certa discussão. Nesse exemplo, também se espera que o projetista gere restrições. O nosso projetista de lojas precisa ter uma ideia integradora, um conceito geral que organize e unifique o interior como um todo. Portanto, as restrições geradas pelo projetista podem delimitar a gama de cores e materiais e criar regras geo- métricas e dimensionais. As mercado- rias à venda na loja podem variar desde itens tão pequenos como botões, pas- sando por livros e artigos de papelaria, e chegar a roupas e móveis. As instala- ções da loja têm de permitir a exposi- ção de todas essas mercadorias e talvez criar para cada departamento uma imagem distinta mas aparentada. Uma 6 Modelo de problemas de projeto 93 ideia de projeto pode ser a criação de um mobiliário construído de compen- sado curvado revestido de laminado de cores vivas, combinado a estruturas tubulares curvas e cromadas. Depois de estabelecer essa restrição de formas e materiais, o projetista teria de criar o mobiliário concreto para as roupas, os alimentos, as joias etc. É óbvio que essas restrições geradas pelo projetista são comparativamente flexíveis. Se provocarem dificuldades demais ou se simplesmente não fun- cionarem, o projetista está livre para modificá-las ou abandoná-las por com- pleto. Os alunos de projeto costumam não reconhecer esse fato simples e continuam a pôr o cérebro à prova de forma interminável e infrutífera dian- te de problemas insuperáveis que, em boa parte, eles mesmos criaram. Uma das habilidades mais importantes que os projetistas devem adquirir é a de avaliar criticamente as restrições que se impuseram, mas voltaremos a isso no Cap. 11. Por enquanto, é importan- te reconhecer as várias contribuições ao problema dadas por cada um dos principais geradores de restrições. Como vimos, a exigência do legislador é fixa, os usuários podem não estar à disposição para consulta, o clien- te pode ajustar prioridades quando as consequências do projeto se revelam e o projetista pode pensar num conjunto de restrições totalmente novo. Aqui também devemos acrescen- tar uma palavra de cautela quanto à divisão entre esses vários geradores do projeto. Até agora, a discussão envolveu a situação clássica do cliente que enco- 94 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM menda um projeto, talvez em nome de outros usuários. No entanto, essa não é, de modo algum, a única maneira de projetar. Na verdade, como ressaltou Roy (1993) no seu estudo de desenhis- tas industriais, muitos projetos real- mente criativos e inovadores foram iniciados pelos projetistas. Ele estudou o projeto do inovador Ballbarrow, um carrinho de mão plástico com uma bola como roda; da bicicleta Moulton, com as suas rodas menores; e da bancada Workmate®, prática e compacta. Em todos esses casos, o projetista partiu de uma necessidade ou envolvimento pes- soal na área de aplicação do produto. O projetista James Dyson ajustava um filtro de ar do tipo ciclone na fábrica do seu Ballbarrow e notou que ele funcio- nava o dia todo sem entupir. Começou a se perguntar por que o seu aspirador de pó doméstico não era feito daquela maneira e, assim, começou a projetar o enorme sucesso que foi o seu aspira- dor revolucionário que, além de man- ter sucção constante, também elimina a necessidade de sacos descartáveis. Na verdade, Dyson constatou que era impossível convencer os fabricantes britânicos a assumir a produção do seu projeto, e ele mesmo teve de comer- cializá-lo. Assim, acabou se tornando cliente de si mesmo! Também deveríamos notar que há clientes de todos os tamanhos e for- matos, com muitas motivações dife- rentes. Podem ser os futuros usuários do projeto ou podem querer explorá-lo financeiramente. Podem ser indivíduos isolados ou grandes comitês. Num capítulo mais adiante, veremos que a relação entre cliente e projetista pode ser muito variada, mas que, com mais frequência, é mais fundamental para o sucesso do projeto do que os comenta- ristas costumam admitir. No entanto, vamos examinar muitas outras ques- tões antes de fazermos um exame tão detalhado desses papéis. 6.8 O campo das restrições do projeto Num projeto, a maioria das restrições resulta de relações necessárias ou desejadas entre vários elementos. Por exemplo, nas habitações, o legislador exige que haja uma superfície de tra- balho dos dois lados do fogão; o cliente pode exprimir o desejo de que a cozi- nha e a sala de estar se abram direta- mente para a sala de jantar; e o arquite- to pode achar sensato organizar todos os espaços em torno de um núcleo cen- tral estrutural e de serviços. Nesse exemplo, o que vincula todas as restrições é o seu campo de influên- cia. Todas criam relações entre elemen- tos do objeto a projetar - nesse caso, uma casa. São inteiramente internas ao problema e, portanto, vamos chamá- las de restrições internas. Considere- mos, ao contrário, o seguinte conjunto de restrições, igualmente hipotético mas bastante provável. Os regulamen- tos para edificações definem meticu- losamente a distância permitida entre as janelas e o limite dos terrenos, para evitar o risco de propagação de incên- dio para propriedades adjacentes. O cliente pode demonstrar forte preferên- eia por uma sala de estar que dê para o jardim e que fique exposta ao sol. O arquiteto pode achar importante dar continuidade às fachadas existentes na rua em termos de linha e altura. Aqui, as restrições criam uma relação entre alguns elementos da casa e algumas características do local. Elas relacio- nam o objeto projetado com o contex- to e, em cada caso, uma das pontas da relação - os limites do terreno, o sol, a rua - é externa ao problema. Portanto, vamos nos referir a elas como restri- ções externas. As restrições, tanto internas quanto externas, podem ser geradas por pro- jetistas, clientes, usuários e legislado- res. Até aqui, o modelo de restrições do projeto parece bidimensional, sendo as dimensões o gerador e o campo de res- trições. 6.9 Restrições internas As restrições internas são as mais óbvias e fáceis de entender, já que, tra- dicionalmente, formam a base do pro- blema do modo inicialmente exposto pela maioria dos clientes. Portanto, para o arquiteto, as restrições internas frequentemente compõem a maior par- te do resumo informativo. O número e o tamanho dos vários tipos e qualidades de espaços são as restrições internas mais óbvias geradas pelo cliente. Para o arquiteto, a estrutura ou o padrão do problema é a relação desejada entre esses espaços. Essa relação pode ser em termos de circulação humana e distri- buição de serviços, ou de ligações e bar- 6 Modelo de problemas de projeto 95 reiras visuais e acústicas necessárias para abrigar as várias funções comuni- tárias e privadas da edificação. Conven- cionalmente, os arquitetos começam a atacar essas restrições internas bem no início do processo, desenhando esque- mas e fluxogramas que representam graficamente as relações necessárias. O fluxo de pessoas que entram e con- tornam umaedificação era uma ques- tão básica do processo de projeto arqui- tetônico do estilo Beaux Arts, e isso foi levado para o "funcionalismo" do movi- mento modernista. Para o desenhista industrial, entre as restrições internas está o problema da montagem do objeto. Algumas rela- ções talvez tenham de ser bem próxi- mas, ainda mais quando há mecânica envolvida. No entanto, outros itens que precisam de ligação elétrica podem conectar-se de forma mais flexível. Desse modo, no projeto de uma fura- deira elétrica é inevitável que o motor, a transmissão e o mandril estejam diretamente ligados. O interruptor está ligado ao motor, mas apenas eletrica- mente e, portanto, de forma flexível, enquanto o mais provável é que o con- trole de reversão seja mecânico, o que restringe bem mais a sua localização. Esse papel central das restrições inter- nas é demonstrado em um estudo de como Mike Burrows projetou a revo- lucionária bicicleta LotusSport, com a qual Chris Boardman ganhou a meda- lha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1992 (Candy; Edmonds, 1996}. Durante todo o processo, a relação entre roda dian- teira e traseira, selim e guidão teve de ser resolvida. Finalmente, Burrows des- 96 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM cartou a estrutura tradicional de tubo virado em forma de losango e adotou uma estrutura em monocasco. 6.10 Restrições externas Para o estilista de moda, as restrições externas vão do processo de fabrica- ção, manual ou industrial, até o corpo humano propriamente dito. É óbvio que as roupas prêt-à-porter são criadas com base em dimensões corporais médias, mas, para o estilista de alto nível que produz peças exclusivas, as restrições externas de um determinado corpo, ocasião e personalidade são a inspi- ração para criar vestimentas únicas a serem usadas num contexto específi- co. Na cenografia, a peça e o palco não estão sob o controle do projetista, mas uma combinação específica dos dois pode inspirar um cenário inigualável. As exigências dramáticas da peça, jun- tamente com as propriedades visuais e acústicas e os problemas do palco cons- tituem uma coleção muito importante de restrições. Às vezes, as restrições externas praticamente determinam toda a forma do projeto. O que toma uma ponte diferente da outra são as condições do local, o vão necessário e a posição e a qualidade do terreno de sustentação. A ponte Severins sobre o rio Reno, em Colônia (Alemanha), tinha os seus próprios problemas gerados por restrições externas. Os esboços do arquiteto mostram a preocupação com a maneira como uma estrutura de sus- pensão convencional com duas torres obscureceria gravemente a vista da impressionante catedral que domina o horizonte rio abaixo (Fig. 6.3). Por sorte, o terreno de sustentação era convenien- te e acessível em água rasa, a cerca de um terço da distância entre as margens. O esboço do arquiteto mostra a pro- posta que fez ao engenheiro para que projetassem uma estrutura com uma única torre nesse ponto. No entanto, o esboço, que não avalia inteiramente os problemas de engenharia, mostra uma estrutura em catenária com os carac- terísticos cabos pendentes. O enge- ~ .. .,,,... . . -~ i··. 4-~ ;.. ' 1 ------_Ji_ ,~_~_, -- -l -- -~ .1t - - --· . ·- - .- - - - -- ,_, ··~ ~ --- . - , ~ ·- ·-- ., . ' ... ·--- · ~ - H \ Fig. 6.3 Esboços do arquiteto e do engenheiro para uma nova ponte, co m base na manutenção da vista nheiro responde com cabos retesados e uma torre em forma de "P.:'. Finalmen- te, a junção entre a torre e o tabuleiro é resolvida de forma mais satisfatória. Aqui, portanto, as restrições externas, combinadas à preocupação do arquite- to de não destruir a linha do horizonte de Colônia, resultaram numa solução extraordinariamente nova e distin- ta para um problema muito antigo da engenharia civil (Fig. 6.4). Rowe descreve vários estudos detalhados de arquitetos observa- dos durante o processo de projeto. Numa dessas experiências, pediu-se aos projetistas que trabalhassem em um centro bibliográfico mundial em um terreno à beira d'água em Chica- Fig. 6.4 O projeto real da ponte Severins deve o seu desenho incomum às restrições externas 6 Modelo de problemas de projeto 97 go. Rowe explica que os participantes reconheceram o terreno como a prin- cipal influência a determinar a forma, ou "gerador primário". Os projetistas de Rowe pensaram em "criar simetria estendendo-se sobre o lago com uma estrutura em píer, semelhante àquelas (já no local) adjacentes ao terreno pelo lado do rio" (Rowe, 1987). Só depois dis- so os projetistas começaram a exami- nar a forma geral da edificação. Depois, a atenção voltou-se novamente para o terreno, com o estudo da planta de pla- nejamento das ruas do centro de Chi- cago. Finalmente, o problema passou a ser a resolução destes dois tópicos: criar um marco à beira do lago e ampliar o padrão das ruas da cidade circundante. Então, o plano desenvolveu-se como uma forma planejada em grade linear encimada por uma estrutura que lem- bra uma rotunda projetada sobre o lago. Mais tarde, quando as exigências reais da própria acomodação (as restri- ções internas) foram consideradas com mais detalhe, isso foi aos poucos altera- do. Nesse momento, a forma em grade linear desapareceu e só ressurgiu como abordagem da paisagem circundante. Na outra ponta da variedade de pro- jetos, as restrições externas podem ser igualmente influentes e inspiradoras. No seu clássico livro sobre design gráfi- co, Paul Rand (1970) explica que o que chama de "material dado" constitui um ponto de partida importante no pro- jeto gráfico de anúncios. Em essência, os "materiais dados" de Rand são as restrições externas do design gráfico: o produto a ser promovido, o formato e o meio do anúncio e o próprio processo de 98 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM produção. Esses fatores não estão sob o controle do designer; eles já existem, e o designer tem de trabalhar com eles. Por outro lado, as restrições externas são a própria essência das circunstâncias especiais - e talvez inigualáveis - que tornam o projeto diferente. Na ativida- de de projetar, o movimento modernista tendia a subestimar o papel do especí- fico e do especial na busca de soluções mais gerais, talvez até universais. Na década de 1990, estamos retornando a um período da história da atividade caracterizado por um interesse maior pelas restrições externas. E isso é ain- da mais verdadeiro na arquitetura. O grande modernista Mies van der Rohe, com as suas linhas limpas e minimalis- tas, foi um dos pioneiros do estilo inter- nacional do movimento modernista. Le Corbusier queria que as edificações fossem como transatlânticos, man- tendo um ambiente interno uniforme onde quer que fossem construídas pelo mundo. Na verdade, havia uma tradição alternativa de modernismo defendida por Hans Scharoun, cuja famosa sala de concertos em Berlim demonstrava a arquitetura totalmente específica ao terreno. Peter Blundell Jones (1995} res- saltou que o antecessor de Scharoun, Hugo Haring, na verdade dividiu escri- tório com Mies e demonstrou como debatiam e questionavam o universal e o específico. É interessante notar que os universalistas venceram o debate, e é com o estilo internacional que se associa o movimento modernista. Talvez isso tenha mais a ver com a nossa preguiça de entender o que é projetar, e não com os méritos específicos dos argumentos! 6.11 O papel das restrições internas e externas A importância essencial do campo de uma restrição está na liberdade de que o projetista dispõe. Em geral, as res- trições internas permitem um grau maior de liberdade e escolha, já que só influenciam fatores sob o controle do projetista. É claro que as restrições, tanto internas quanto externas, podem ser geradas por projetistas, clientes, usuáriose legisladores. Vamos ampliar agora o nosso modelo de problemas de projeto, acrescentando mais tijolos e criando um tipo de parede (Fig. 6.5). Para voltar ao exemplo habita- cional, a fim de obter a relação entre cozinha e sala de jantar desejada pelo cliente, o projetista foi capaz de posi- cionar ambas. As restrições externas não são tão simples. Em certo senti- do, o desejo do cliente de ter uma sala de estar ensolarada é uma exigência mais problemática, já que, embora às Projetista Cliente Usuário Legislador Fig. 6.5 Cada grupo pode gerar restrições internas e externas vezes até quisessem, os arquitetos não podem controlar o movimento do sol! Por essa razão, as restrições externas, ainda que às vezes possam ser apenas uma pequena parte do problema total, frequentemente são importantíssimas. Fatores como terreno, localização ou o contexto específico em que um projeto será usado criam restrições externas que enfatizam a natureza individual e particular do projeto. Vale notar que, quando se trata de um projeto arqui- tetônico, os planejadores urbanos são responsáveis por restrições localizadas no canto inferior direito do nosso mode- lo. É aí que os problemas tendem a ser mais exigentes e desafiadores, e onde mais restringem as opções do proje- tista. Talvez não surpreenda, portanto, que às vezes arquitetos e planejadores urbanos se entreolhem com um cer- to grau de desconfiança na questão do controle do desenvolvimento urbano! Para os aspirantes a alunos, uma das características mais fascinantes do processo de projeto parece ser a natu- reza do papel desempenhado pelas restrições internas e externas na men- te do projetista. É claro que o equilí- brio de importâncias nem sempre é o mesmo. Talvez uma das razões para os estudantes de arquitetura acharem tão difícil o projeto de residências seja a homogeneidade do equilíbrio entre restrições externas e internas. Ao con- trário de muitas outras edificações que o arquiteto pode projetar, a casa tem uma estrutura interna relativamente simples e fácil de entender. Contudo, o que toma difícil o planejamento inter- no de uma casa específica é o problema 6 Modelo de problemas de projeto 99 de relacioná-la com as casas vizinhas e com outras características do terreno. Tudo indica que o arquiteto residencial experiente usará um processo bem diverso daquele empregado pelo estu- dante novato. Antes de atacar as habita- ções pela primeira vez, é bem provável que os alunos de arquitetura tenham projetado edificações como escolas e escritórios, nas quais o planejamen- to interno tem suprema importância. Assim, começaram a desenvolver um processo de projeto baseado no exame das restrições internas e, portanto, a princípio, podem voltar a atenção para a casa propriamente dita. Ao contrá- rio, o arquiteto residencial experiente já tem um bom domínio das variações básicas do planejamento de moradias, e é bem mais provável que se concentre no terreno. No seu estudo do projeto de seis conjuntos habitacionais em Londres, Jane Darke cita vários arquitetos que explicam o seu processo de projeto exa- tamente dessa maneira. Talvez Douglas Stephen tenha sido o mais explícito: "No início, nunca penso na planta da casa ( ... ] Penso inteiramente no terreno e nas restrições, e no terreno não há apenas restrições espaciais, há também restri- ções sociais" (Darke, 1978}. Outros arquitetos foram menos prá- ticos e mais românticos a respeito da influência do terreno. Kate Macintosh achou que "deveríamos tentar expri- mir a característica única do terreno" (ibid.), e Michael Neylan confirmou que "tentamos fazer a edificação reagir às cercanias e respirar com elas" (ibid.). Todos esses arquitetos são projetistas 100 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM residenciais experientes e famosos, e essa resposta a um novo problema é bastante compreensível quando recor- damos que os problemas de uma casa permanecem praticamente constantes, mas cada terreno é único. Como explica Neylan: "a questão toda da boa mora- dia é a relação entre a unidade (casa) e o que está em volta" (ibid.). Talvez seja essa inter-relação muito íntima e fundamental entre restrições internas e externas que torne a habitação um problema tão fascinante e difícil de projetar. Sem dúvida, é provável que o equilíbrio entre as restrições internas e externas de um problema de proje- to tenha importância considerável ao determinar a natureza desse problema e a reação do projetista a ele. Voltare- mos a esse ponto no Cap. 16. 6.12 A função das restrições do projeto Vimos que os problemas de projeto são formados por restrições que podem ser totalmente internas ao sistema ou ao objeto projetado, ou estar ligadas a algum fator externo além do controle do projetista. Essas restrições podem ser impostas, mais obviamente, pelo cliente ou pelos usuários, mas também por legisladores e até pelos projetis- tas. A pergunta que resta é: por que se impõem essas restrições? O que obtêm, qual o seu propósito, a sua função? Especificamente, podemos identificar e separar tipos diferentes de função e estudar o seu efeito sobre o processo de projeto? O propósito das restrições, obvia- mente, é assegurar que o sistema ou objeto projetado cumpra, da maneira mais adequada possível, as funções dele exigidas. Por essa razão, é mais fácil desenvolver modelos da função das restrições em campos de projeto específicos, como a arquitetura ou o desenho industrial. Hillier e Leaman (1972) propuseram um desses modelos para ajudar a organizar a pesquisa em arquitetura. De acordo com seu modelo, pode-se considerar que as edificações cumprem quatro funções: modificar o clima, o comportamento, os recursos e a cultura. Esses autores afirmam que "as edificações tenderam a ser sobrepro- jetadas sob o ponto de vista da relação entre a atividade e o seu recipiente espacial, assim como foram subproje- tadas do ponto de vista da modificação do clima". Esse modelo, portanto, foi usado para defender o redirecionamen- to da atenção na pesquisa arquitetôni- ca e a mudança de ênfase ao projetar. O modelo foi útil para expor o argumen- to acerca de quais funções deveriam dominar o processo de projeto e por quê. Markus dá outro exemplo desses modelos de função usados para pesqui- sas em áreas específicas. A sua Unidade de Pesquisa de Desempenho na Cons- trução também usava um modelo com quatro funções (Markus, 1969b) para avaliar o desempenho das edificações. Markus considera as funções das edificações divididas entre o sistema de edificação de componentes físicos; o sistema ambiental (semelhante à fun- ção de modificar o clima de Hillier e Leaman); o sistema de atividade/com- portamento (mais uma vez semelhante ao de Hillier e Leaman) e, finalmente, o sistema organizacional que a edifi- cação abriga. Talvez pela ênfase muito prática, a equipe de Markus não viu as edificações como contribuições mais amplas à cultura nem como entidades simbólicas. Markus considera que o sistema de custos não é independente, como fazem Hillier e Leaman, e prefere ver consequências sobre os custos ou os recursos quando se atende a cada um dos quatro grupos de objetivos. Rand (1970} reforça a importân- cia da forma e do conteúdo no design gráfico. O designer gráfico comercial é encarregado de transmitir uma mensa- gem usando um projeto bidimensional. Assim, esse trabalho tem claramente uma função simbólica e comunicati- va básica, mas também é importante que a mensagem, que em si pode ser bastante ordinária, seja notável, inco- mum, capaz de chamar a atenção e memorável. O designer gráfico lida com a composição bidimensional e usa cor, textura, forma, contraste, proporção, linha, forma etc. A manipulação dessa matéria formal dá à mensagem estilo e personalidadee a toma reconhecível. Obviamente, essas duas funções de forma e conteúdo são a essência do design gráfico, mas também são impor- tantes em todos os campos de projeto ambiental. Seja qual for a intenção do projetista, é inevitável percebermos o projeto nesses dois níveis, o formal e o simbólico. A bandeira do Reino Uni- do não é apenas um padrão de cores e formas, mas também, inevitavelmente, um símbolo nacional. As catedrais têm 6 Modelo de problemas de projeto 101 de desempenhar claramente a fun- ção simbólica muito forte de exprimir devoção a um ser superior. As casas precisam exprimir a mensagem bem menos excepcional, mas talvez igual- mente importante, de domesticidade e identidade. Portillo e Dohr (1994} investigaram os critérios usados por projetistas que trabalham em interiores de edificações e nos seus componentes. Eles registra- ram os critérios usados por 41 proje- tistas para tomar decisões sobre cor e descobriram que eram uns 107. Portillo e Dohr também me repreenderam por confundir restrições com critérios, mas persistirei nisso por enquanto, e adian- te voltaremos a esse debate. Eles anali- saram esses critérios e verificaram que podem ser agrupados em cinco catego- rias: simbólicos, compositivos, compor- tamentais, preferenciais e pragmáticos. Claramente, o uso de "compositivo" é semelhante ao "formal" que acabamos de discutir. Os critérios comportamen- tais e preferenciais seriam ligados ao modo como os projetistas imaginaram que os usuários agiriam e o que preferi- riam. Os critérios pragmáticos pareciam relativos ao custo ou à necessidade de respeitar esquemas de cores existentes ou materiais já coloridos que tivessem de ser usados. Edmonds e Candy, ao escrever sobre o projeto de interfaces de computador, expandiram essa lista para incluir mais dois critérios: desempenho e contextual. Os critérios de desempe- nho têm a ver com a necessidade básica do sistema de oferecer um desempenho à altura das tarefas realizadas e, por- tanto, estão bem na raiz ou no âmago 102 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM do projeto como um todo. No entanto, parece que os seus critérios contextuais pertencem à nossa segunda dimensão, a do campo. É claro que aqui Edmon- ds e Candy querem dizer os critérios necessários para satisfazer a restrições externas como "a necessidade de operar o sistema dentro de uma oficina mecâ- nica" (Edmonds; Candy, 1996). Norberg-Schultz (1966) cria outra distinção entre o "utilitário" e o "monu- mental" na arquitetura: Uma arq uitetura d etermi nad a pela ne- cessidade do meio físico pode ser chamad a de 'utilitária', ao passo que a ar- quitetura determinada pela necessidad e do meio simbólico pode denomina r-se 'monumental'. Mais adiante, ele defende a impor- tância do simbólico para determinar a distinção entre arquitetura e mera edi- ficação. Portanto, parece defender que o puramente utilitário não deveria ser realmente considerado um projeto no sentido em que a palavra é usada neste livro: "Os valores humanos só podem ser preservados e mediados por meio de formas simbólicas, e os fatores bási- cos da civilização exigiram os símbolos mais articulados" (ibid.). Isso se reflete nas opiniões de Wit- tgenstein, que produziu um conjunto considerável de textos e pensamentos sobre arquitetura que foi bem documen- tado (Wilson, 1986): "Onde não há nada a glorificar não pode haver arquitetura". Heath usou, mais recentemente, uma classificação semelhante da arqui- tetura em "edificações de mercadoria", "edificações de sistema" e "edificações simbólicas" (Heath, 1984). Na verdade, nenhuma dessas distinções se concre- tiza em edificações específicas, mas ainda podemos ver diferenças notáveis nos processos de projeto que levam a edificações próximas dos extremos. Em geral, são os tipos utilitários de edificações, como hospitais e fábricas, que levaram às principais tentativas de edificar sistemas. Ninguém propôs uma abordagem padronizada, modular e coordenada para projetar igrejas! É claro que a sistematização do proces- so de projeto esgueirou-se, até certo ponto, nas edificações intermediárias, como casas e escolas, e isso costuma ser acompanhado de mais comentários crí- ticos do que quando se aplica a hospitais e fábricas! Portanto, parecemos mais dispostos a aceitar a redução da noção de projeto a uma seleção de componen- tes num catálogo, no caso de obras con- sideradas muito restritas pelo aspecto prático ou utilitário ou consideradas, em essência, como mercadoria, mas reco- nhecemos que essa é uma metodologia inadequada para obras mais expressi- vas, simbólicas e carregadas de valores. Há muitos outros modelos das funções das restrições do projeto em contextos específicos que poderíamos examinar, e a maioria deles tem pelo menos algumas características úteis. No entanto, tendo em vista esse modelo mais geral, adotaremos quatro funções que, além da formal e da simbólica, incluem a radical e a prática. Embora essas quatro funções sejam bastante exaustivas, talvez alguns leitores quei- ram acrescentar outras ou subdividir algumas para adequar-se a campos de projeto mais especializados. Desde a primeira edição deste livro, penei mui- tas vezes para decidir se aumentava essa gama ou a subdividia, mas tanta gente me disse achar útil esse modelo para entender o projeto que o deixei na sua forma original. 6.13 Restrições radicais As restrições radicais são aquelas que tratam do propósito primário do objeto ou sistema a ser projetado. Aqui, "radi- cal" não é usado no sentido de revolu- cionário nem esquerdista, mas no ver- dadeiro significado de "o que está na raiz", ou o que é fundamental. Portan- to, no projeto de uma escola, as restri- ções radicais são aquelas relacionadas ao sistema educativo que a escola pre- tende implantar. Assim, essas restri- ções podem incluir um conjunto mui- to amplo de questões e, em geral, são consideradas muito influentes desde o princípio do processo de projeto. Embora sejam básicas e bastante decisivas, pouco se precisa dizer aqui sobre essas restrições. Em geral, elas são tão importantes que se tornam óbvias e bastante bem compreendidas pelo cliente. No entanto, pode haver conflitos entre as restrições radicais geradas pelo cliente e pelos usuários, ou mesmo por grupos diferentes de usuários. Em um hospital, por exemplo, geralmente o que é bom para os pacientes pode ser incon- veniente para a equipe médica. No entanto, para começar, essas restrições radicais são a razão do proje- to. Nesse sentido, em certos casos elas 6 Modelo de problemas de projeto 103 podem sobrepor-se a outras restrições, mas isso ficará claro mais adiante. 6.14 Restrições práticas As restrições práticas são aqueles aspectos do problema total do projeto ligados à realidade de produzir, fazer ou construir o projeto; o problema tecnológico. Para o arquiteto, esses pro- blemas incluem os fatores externos da capacidade de resistência do terreno e os fatores internos do material usado na construção. Para o designer gráfico, há os problemas práticos da tecnologia de impressão e reprografia e dos meios de transmissão. Para o desenhista industrial, o mais comum é que inclu- am não apenas o material usado, mas também o processo de produção. As restrições práticas não dizem res- peito exclusivamente à feitura do objeto projetado. Também incluem o desempe- nho técnico do objeto durante a sua vida funcional. Para o arquiteto, isso signifi- ca fazer uma edificação que continue de pé, resista às intempéries e modifique o clima interior quando necessário. O desenhista industrial deve preocupar-se com a durabilidade do produto durante o uso e a sua capacidade de suportar o uso normal, que pode incluir circuns- tâncias como quedas, ficar ao sol ou ser usado debaixo d'água. 6.15Restrições formais As restrições formais são as que têm a ver com a organização visual do objeto. 104 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Podem incluir regras sobre proporção, formato, cor e textura. Há pouca dúvida de que reagimos bem a um certo grau de organização formal. A música que não tem regras torna-se um barulho aleatório, embora canções demasia- damente estruturadas sejam banais e com pouco valor duradouro. Também é assim com as artes plásticas e os proje- tos em termos visuais. Os objetos que apresentam um amontoado totalmente desorganizado de formas, cores, tex- turas e materiais não apenas são difí- ceis de entender por si sós, como ficam complicados de usar em relação com os outros objetos à sua volta. Temos uma necessidade fundamental de ordem e estrutura, embora também apreciemos variedade e surpresa. O truque do bom projeto é conseguir a ordem adequada para atender à necessidade do contexto ou situação. No seu aspecto mais extremo, as regras formais podem basear-se em sistemas modulares ou grades. Os principais componentes encontrados nos estilos clássicos da arquitetura baseiam-se em conjuntos claramente definidos de regras geométricas. Embo- ra os períodos românticos se apoiem menos nessa organização, o movi- mento modernista mostrou renovado interesse nos sistemas geométricos. Le Corbusier (1946) escreveu sobre "a necessidade de ordem. A linha regu- ladora é garantia contra os caprichos. Ela traz satisfação ao entendimento". As restrições formais podem tornar- -se extraordinariamente complicadas e resultar no tipo de ginástica visu- al encontrado na arquitetura barroca, mas também podem exigir extrema simplicidade, como exemplificado pelo famoso aforismo de Mies van der Rohe: "menos é mais". No Reino Unido, toda uma escola de ideias foi desenvolvida por Sir Les- lie Martin, que pesquisou regras geo- métricas para a organização do espaço e das formas e usou-as para projetar. Em Cambridge, o seu trabalho levou ao "Martin Centre", que influenciou toda uma geração de arquitetos e desenhistas industriais. Esses estudos das restrições formais dos projetos podem ser encontrados, em termos teóricos, em livros importantes como The Geometry of Environment (March; Steadman, 1974). 6.16 Restrições simbólicas O movimento modernista, principal- mente no estilo internacional, mostrou bem menos interesse pelas proprieda- des simbólicas do projeto. As tradições alternativas de arquitetos como Anto- nio Gaudi e Hans Scharoun revelam um interesse muito maior pelas caracterís- ticas expressivas do projeto e pelo uso de forma e espaço para obter efeitos específicos, e não uma montagem abs- trata. Os projetos pós-modernos utili- zaram frequentemente os estilos histó- ricos na tentativa consciente de religar a vida contemporânea ao passado e exprimir ideias sobre as contradições de uma época mais incerta. No entanto, precisamos ter cuidado com o papel do simbolismo no processo de projeto, em oposição ao seu papel na crítica dos projetos. Sem dúvida, alguns projetistas usam a geração de signifi- cado simbólico como parte central do processo, e veremos alguns exemplos num capítulo mais adiante. No entanto, a maior parte do que se escreve sobre o conteúdo simbólico dos projetos é na forma de análise crítica, como ressalta a arquiteta e designer de interiores Eva Jiricna: A gente tem uma ideia, mas essa ideia não é realmente um pensamento muito filo- sófico nem conceituai. Na verdade, ela é uma expressão da nossa experiência, que é promovida pela questão. Acho que as grandes edificações não têm muito pen- samento simbólico por trás. Deixo para os jornalistas e críticos de arquitetura a tarefa de achar um significado simbólico profundo, porque acho que quem olha as edificações não consegue mesmo ler o pensamento que está por trás, e para mim, isso é simples e totalmente inútil. (Lawson, 1994b). 6.17 Um modelo das restrições do projeto Agora podemos construir um mode- lo totalmente tridimensional para os problemas de projeto, com todos os tijolos examinados neste capítulo (Fig. 6.6). O modelo completo dos problemas de projeto mostra que, em teoria, cada um dos geradores pode contribuir com cada tipo de restrição. No entanto, na prática, cada um tende a gerar bem mais de um tipo do que dos outros. Por- tanto, o cliente/usuário é responsável pela maioria das restrições radicais, e é provável que contribua com algumas simbólicas, enquanto o projetista é o 6 Modelo de problemas de projeto 105 maior gerador das restrições formais e práticas, e também contribui com as simbólicas. O mais importante é que é tarefa do projetista integrar e coor- denar todas essas restrições com um mecanismo qualquer. Veremos melhor esse processo na próxima seção, mas um exemplo interessante do trabalho de Denys Lasdun servirá para ilustrar essa questão (Fig. 6.7). Na sua descrição do National Theatre, ele explica que as plataformas horizontais, que chama de "estratos" e que formam um elemento tão dominante em toda a edificação, servem, como tais, de mecanismo inte- grador e resolvem problemas radicais, formais e simbólicos: Elas sustentam as funções do interior e permitem um planejamento flexível. Dão coerência a um grande esquema que, ainda assim, é decomposto até a escala humana. Dão exp ressão visual à natu reza essencialmente pública da instituição: afi - nal, um teatro tem de ser um luga r onde o contato humano é enriquecido e onde uma experiência comum é compartilhada. (Lasdun, 1965). Assim como é um produto da abor- dagem do projetista, o projeto também é um reflexo do padrão específico de restrições que forma o problema. Já vimos que características marcantes da paisagem podem ser grandes gera- doras da forma arquitetônica, e todos devemos reconhecer a enorme influên- cia do clima na construção e na forma das edificações no mundo todo e em toda a história. Portanto, a necessida- de de absorver as restrições especiais peculiares a um problema específico numa filosofia de projeto contínua e em 106 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM desenvolvimento passa a ser um dos principais desafios da prática de pro- jetar. Essa questão é reconhecida por Richard Rogers na descrição fascinante do projeto do Centro Pompidou: É impossível separar a edificação do seu contexto legal, técnico, político e eco- nômico. Ao mesmo tempo, uma parte importante de qualquer abordagem do projeto é o modo como as restrições podem ser absorvidas e, sempre que pos- sível, invertidas em elementos positivos. Por um lado, novas regras e necessidades técnicas, ditames políticos e mudanças das exigências dos usuários dificultam o con- trole da edificação; por outro, a maneira como a edificação supera essas restrições indica o sucesso ou o fracasso tanto da edificação quanto da sua filosofia. (Suckle, 1980) Agora, podemos ver também a superposição entre as funções das res- trições. Por exemplo, imaginemos que Proj et ista Cliente Usuário Legislador nos peçam para projetar uma bandeira nova, como aconteceu na União Euro- peia. É claro que o propósito da ban- deira é ser um símbolo; então, como separar, de forma sensata, as restrições radicais e as simbólicas? Assim, em casos extremos, um conjunto de fun- ções pode tornar-se tão importante que a distinção se desfaz; porém, na maio- ria dos casos, parece que a distinção continua útil. No projeto de uma esco- la, sem dúvida, as restrições radicais incluirão a necessidade de acomodar as atividades e os indivíduos envolvi- dos na educação. A escola precisará ser bem composta não só por razões puramente formais, mas para que os alunos e visitantes possam construir o seu mapa mental do prédio e orien- tar-se por ele. Até certo ponto, a escola também deve ser um símbolo do modo como a sociedade cuidadas crianças, e Fig. 6.6 Modelo completo de prob lemas do projeto é claro que as restrições práticas exi- gem que o projetista crie conforto não só para os adultos, mas também para as crianças pequenas. Portanto, não há distinções absolutamente claras entre todas essas funções, mas o projetista que pensa na escola talvez considere úteis essas quatro categorias de função para ajudar a identificar todos os pro- blemas importantes. 6.18 O uso do modelo Ao contrário dos mapeamentos do pro- cesso de projeto já examinados nes- te livro, este capítulo desenvolveu um modelo da estrutura do problema de projeto. No entanto, no capítulo seguin- te veremos, em parte, como o processo pode ser mapeado quando os projetis- tas transferem a atenção de uma parte do problema para outra. Que restrições 6 Modelo de problemas de projeto 107 comporiam o ponto de partida do pro- cesso de projeto? Será que isso importa? Que restrições são fundamentais para determinar a forma do projeto ou são fatores básicos do sucesso? Os projetis- tas diferem no tipo de restrição em que se concentram e fazem tipos diferentes de projeto apresentarem equilíbrios dife- rentes entre os tipos de restrição? Essas perguntas ainda não foram respondidas, mas o modelo de problemas do projeto é uma estrutura dentro da qual podemos examinar essas e muitas outras ques- tões. Esse modelo não pretende fazer parte de um método de projetar, apenas ser um auxílio para o entendimento da natureza dos problemas do projeto. Por- tanto, só ajuda indiretamente a criar um processo de projeto. Este livro começou com uma per- gunta: como é que ainda usamos a palavra "projeto" para descrever pro- cessos tão diferentes como a criação Fig. 6.7 Os "estratos" de Denys Lasdun, arquiteto do National Theatre, resolvem problemas radicais, formais e simbólicos 108 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM de automóveis, arquitetura ou anún- cios? A referência ao modelo mostra- rá que essas situações só diferem no grau de importância dado aos vários aspectos do problema. Esperamos que um estilista de moda dê grande ênfa- se às restrições formais e simbólicas geradas pelo projetista. Espera-se que os arquitetos deem mais atenção aos clientes e usuários e, como a arquite- tura é uma questão tão pública, que respeitem os controles legislativos. Às vezes, as restrições internas serão dominantes; outras vezes, o projeto pode ser, em grande parte, configura- do por fatores externos. As situações de projeto podem variar em termos do grau geral de liberdade e controle à disposição do projetista. Quando, em sua maioria, as restrições são internas e geradas pelo projetista, falamos de um projeto aberto. Quando, ao contrário, os clientes ou legisladores fazem grandes exigências ou há muitos fatores externos a levar em conta, fala- mos de projetos muito restritos. Parece que alguns projetistas preferem situ- ações abertas e outros se sentem mais à vontade com problemas restritos. Dizem que Gordon Murray, o bem-suce- dido projetista dos carros de corrida da Brabham e da McLaren, considerava os regulamentos impostos aos carros da Fórmula Um fundamentais para a necessidade de inovar (Cross, 1996b). Parece que, para esse projetista espe- cífico, os problemas altamente restritos são mais interessantes que as situações mais livres que talvez sejam mais nor- mais em outros campos de projeto. Reconhecer a natureza do problema e reagir com um processo de projeto adequado parece ser uma das habilida- des mais importantes nessa atividade. É muito fácil negligenciar um conjunto de restrições. Os arquitetos modernos são frequentemente criticados por sua falta de atenção às funções simbóli- cas do projeto e por produzirem obras arquitetônicas que parecem agressi- vas ou inumanas. Os alunos de projeto costumam dedicar tempo demasiado a partes pouco importantes do proble- ma. É fácil para os inexperientes gerar problemas práticos quase impossíveis ao seguir cegamente ideias formais malconcebidas que não são questiona- das, mas que poderiam ser modifica- das com facilidade. Um dos principais papéis do professor de projeto é levar os alunos de uma parte a outra do pro- blema, e a tarefa dos alunos é aprender a fazer isso sozinhos. Aqui, mais uma vez, o modelo dos problemas de projeto pode ser útil, servindo como uma lista de fatores a considerar. Certamente, é improvável que o projetista habilido- so e experiente se comporte de forma tão autoconsciente, mas o aluno nova- to precisa aprender a desenvolver um processo de projeto equilibrado, exa- minando todas as restrições importan- tes, seja quem for que as tenha gerado, sejam elas internas ou externas, seja qual for a sua função. 6.19 Restrições e critérios Como já mencionado, Portillo e Dohr propuseram uma distinção entre res- trições e critérios do projeto que, segundo eles, faltava na versão ante- rior deste livro. Sem dúvida, o seu pon- to de vista é interessante, embora par- cialmente semântico. Eles defendem que as restrições são consideradas limitadoras e reduzem as alternativas do projetista, enquanto os critérios são flexíveis e avaliatórios: Os critérios sempre dizem respeito às funções do projeto e aos processos de avaliação com base nos objetivos, ao pas- so que as restrições revelam funções do projeto geralmente caracterizadas como limitadoras e alinhadas de forma mais ín- tima às exigências de soluções específicas. (Portillo; Dohr, 1994) É uma questão sutil, mas justa. No entanto, persisti com esse modelo de "restrições" querendo dizer questões que devem ser levadas em conta quan- do se configura a solução. Em conjunto, essas restrições formam o problema do projeto, e vimos que talvez só fiquem visíveis quando a tentativa de criar a solução avança. Na minha experiência, é raro acontecer que os critérios com- pletamente claros de sucesso sejam esclarecidos antes das tentativas de produzir soluções para os tipos de pro- jeto aqui discutidos. No final, o bom 6 Modelo de problemas de proj eto 109 projeto é aquele que respeita todas as restrições até certo grau em um equilí- brio considerado aceitável. É claro que também devemos admitir que algumas pessoas gostariam de determinar, em certas áreas, critérios mais rigorosos do que em outras. Poucos concordarão inteiramente que um projeto é mais ou menos bom. O projetista tem de tra- balhar para negociar uma solução que atenda aos conjuntos relativos e discre- pantes de critérios defendidos, muitas vezes de forma implícita, por clientes, usuários e legisladores, além dos inte- grantes da equipe do projeto. Portillo e Dohr contribuíram de forma significativa para essa discus- são ao reconhecer a importância dos critérios no processo de projeto. Com muita frequência, o problema ao pro- jetar é que não se podem estabelecer critérios sensatos para o sucesso, a menos que se tenha alguma avaliação do que é possível. Portanto, os critérios não são necessariamente absolutos no processo de projeto, exceto às vezes, quando impostos por legisladores, e veremos no Cap. 13 que há ocasiões em que, como resultado, eles podem ser bastante destrutivos! 7 Problemas, soluções e o processo de projeto A única pessoa que é artista é aquela que consegue fazer um quebra- -cabeça a partir da solução. Karl Kraus, Nachts Tudo o que é absorvido e registrado por nossa mente soma-se à co- leção de ideias armazenadas na memória. Uma espécie de biblioteca que podemos consultar toda vez que surge um problema. Assim, essencialmente, quanto mais tivermos visto, experimentado e absor- vido, mais pontos de referência teremos para nos ajudar a decidir que direção tomar: nosso quadro de referência se expande. Herman Hertzberger, Lições de Arquitetura 7.1 Agora e quando O projetista tem uma tarefa mais normativa do quedescriti- va. Ao contrário dos cientistas, que descrevem como o mun- do é, os projetistas sugerem como poderia ser. Portanto, até certo ponto, todos os projetistas são "futurólogos". A própria essência do seu trabalho é criar o futuro, ou, pelo menos, algumas características dele. Obviamente essa é uma ativida- de muito arriscada e traz consigo pelo menos duas maneiras de ser impopular. Em primeiro lugar, o novo costuma parecer estranho e, pelo menos para algumas pessoas, inquietante e ameaçador. Em segundo lugar, é claro que o projetista pode estar errado quanto ao futuro. É muito fácil, com o maravilho- so benefício de examinar o fato depois de ocorrido, encontrar falhas em projetos. Os prédios de apartamentos residenciais 7 Problemas, soluções e o processo de proj eto 111 construídos na Grã-Bretanha depois da Segunda Guerra Mundial agora pare- cem tão obviamente insatisfatórios que nos perguntamos como é que os proje- tistas puderam ser tão estúpidos! Mas até numa escala temporal bem mais curta, o projetista tem preocupa- ções e incertezas a respeito do futuro. O cliente gostará do projeto e autori- zará a sua execução? O projeto será aprovado por legisladores e regulado- res? Será caro demais? Será bem aceito pelos usuários? Essas e outras questões fundamentais semelhantes só podem ser respondidas pela passagem do tem- po, e os projetistas precisam manter a calma durante o processo, terminar o trabalho, submetê-lo à prova do tempo e aguardar com paciência o veredito. Essas dúvidas e preocupações devem ter atormentado a mente de muitas gerações de projetistas, mas agora há incertezas novas e ainda mais inquie- tantes a serem enfrentadas pelos proje- tistas contemporâneos. A sociedade tecnocrática avan- çada para a qual o projetista con- temporâneo trabalha está mudando rapidamente. Ao contrário das gera- ções anteriores, vivemos num mun- do que, em termos comparativos, tem pouca tradição e estabilidade cultural. A imensa maioria do nosso ambiente cotidiano foi projetada e até inventada durante a nossa geração. O automóvel e a televisão influenciam profunda- mente a nossa vida cotidiana, numa extensão que talvez espantasse os seus inventores. O meu pai viu prati- camente toda a revolução criada pelo automóvel, e eu vivi durante a revo- lução criada pelo computador. No entanto, o meu pai não tinha muita compreensão das consequências do computador na mudança da nossa vida. Mas agora esse nível de mudança é tão grande que causa impacto sobre a vida de um único indivíduo. Muitos autores defenderam que hoje a tec- nologia projetada é um dos aspectos mais significativos da nossa ordem social contemporânea. Sabidamente, Marshall McLuhan (1967) comentou a importância da explosão de informações provocada pela imprensa, pela televisão e pelos computadores, e concluiu que a única certeza da vida moderna é a mudan- ça. Dickson (1974) vê a tecnologia como o maior determinante da estrutura da sociedade e defende que os efeitos sociais negativos da alta tecnologia indicam que deveríamos buscar for- mas de tecnologia alternativas e menos prejudiciais. Toffler (1970) avisou que, se a tecnologia continuar avançando da maneira atual, todos sofreremos a desorientação cultural que ele chama de "choque do futuro". Por mais que alguns desses auto- res populares sejam polêmicos, não há dúvida de que mudanças assim tão rápidas resultam num mundo cada vez mais difícil de entender e prever, de modo que estamos, ao mesmo tempo, empolgados e temerosos com o futuro. Talvez realmente vivamos no "Mundo em Fuga", como disse Leach: Os homens tornaram-se parecidos com deuses. Já não é hora de entendermos a nossa divindade? A ciência nos oferece o domínio total do ambiente e do destino, 112 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM mas, em vez de nos alegrarmos, sentimo- nos profundamente assustados. (Leach, 1968) Tudo isso torna a vida ainda mais difícil para o projetista, que hoje ali- menta incertezas não só quanto ao pro- jeto, como também quanto à natureza do mundo em que esse projeto terá de se encaixar. Muitas vezes, nos últimos anos, vimos o processo de projeto ser realmente ultrapassado por mudanças sociais, econômicas ou tecnológicas. Recentemente, a natureza da medici- na e dos sistemas de gerenciamento de assistência médica mudou depressa demais para projetistas e construtores de hospitais, de modo que edificações novas já estão desatualizadas ou peque- nas demais antes mesmo de ficarem prontas. Em áreas urbanas densas como Hong Kong, o valor dos terrenos muda mais depressa do que a construção de prédios, o que toma os projetos antie- conômicos antes que sejam concluídos. O poder dos meios de comunicação de massa pode criar mudanças súbitas e fundamentais na moda e no gosto, fazendo os itens produzidos em mas- sa, como automóveis, parecerem desa- tualizados muito antes do fim da sua vida útil. Novos materiais e métodos de fabricação podem alterar tão drastica- mente o custo dos itens que pode ficar mais caro manter as versões antigas do que comprar itens inteiramente novos. Como, então, o projetista deve reagir a essa incerteza diante do futuro? O arquiteto americano John Johansen descreve a situação de manei- ra bem concisa: Numa época de rápida mudança social e tecnológica, é raro o programador ou arquiteto que seja capaz de pressupor ver- dadeiramente que consegue lidar sozinho com o presente. Sem dúvida, o incorpo- rador ou financista que assume o risco da possibilidade certa de obsolescência fun- cional é bem míope. (Suckle, 1980) Assim, como o projetista pode rea- gir ao futuro incerto? Ao contrário do cientista, o projetista não pode se can- didatar a mais uma bolsa de pesquisa e redigir um artigo elegante para des- crever a complexidade da situação. Espera-se que os projetistas ajam. Há três maneiras principais de lidar com isso no processo de projeto, as quais chamaremos de procrastinação, projeto evasivo e projeto descartável. Cada uma dessas maneiras parece mais popular em grupos específicos de projetistas. 7.2 Procrastinação A primeira abordagem, procrastinação, baseia-se na ideia de que, de certo modo, o futuro pode tornar-se mais garantido caso esperemos um pouquinho. Quan- do não é possível ter certeza das nos- sas ações agora, talvez seja mais fácil tomar a decisão no ano que vem ou no seguinte. Encontro regularmente pes- soas tentadas a adotar essa abordagem na hora de comprar um computador. O argumento é que, se eu comprar agora, logo surgirá uma máquina mais nova e ficarei com um modelo ultrapassado. Tento ressaltar que isso também será verdade na semana que vem, no mês que vem e no ano que vem; logo, não 7 Problemas, soluções e o processo de projeto 113 há razão para esperar. Essa estratégia também é comum em quem toma deci- sões para períodos mais longos, como políticos e planejadores urbanos. É com base nisso que levamos tanto tempo para construir o terceiro aeroporto de Londres e que não temos uma política energética nacional clara. No fundo, essa parece ser uma das razões pelas quais os governos seguem o exemplo de Margaret Thatcher e se afastam do planejamento estratégico central para deixar que o mercado decida. As deci- sões de projeto tomadas por governos, sejam eles nacionais, estaduais ou municipais, as quais podem mais tarde ser criticadas, são virtuais pesos eleito- rais amarrados ao pescoço dos políti- cos. Então, é muito melhor ser desape- gado e livre de toda culpa! A verdadeira dificuldade dessa rea- ção à incerteza é que, quando se iden- tifica um problema, não se pode mais evitar as consequências de tomar uma decisão. Retardar a decisão propriamen- te dita aumenta a incerteza e, portanto, pode acelerar o problema. Assim que se identifica a necessidade de ações de pla- nejamentonuma região deteriorada da cidade, o mais provável é que essa área se degenere ou vire uma "praga" com rapidez ainda maior antes que sejam tomadas decisões quanto ao seu futuro. Do mesmo modo, caso se planeje uma nova estrada, mas o traçado continue a ser debatido por um período prolonga- do, as propriedades na região dos vários traçados mudam de valor. Assim, a pro- crastinação é uma estratégia profunda- mente defeituosa. Na situação de muitos projetos na vida real, é realmente impos- sível não agir. O próprio processo de evi- tar ou retardar a decisão provoca efeitos! 7.3 Projeto evasivo A segunda reação à incerteza é ser o mais evasivo possível no projeto, embo- ra, na verdade, ainda se esteja avan- çando. Assim, os arquitetos tenderam a projetar edificações neutras, anônimas e pouco interessantes, inespecíficas em termos de função ou localização. Não surpreende que tenha havido uma rea- ção a esse tipo de arquitetura, acusa- da de não oferecer ambientes urbanos suficientemente positivos. A noção de ambiente flexível e adaptável foi popu- lar durante algum tempo nas escolas de arquitetura. Habraken e os seus segui- dores tiveram muita influência e che- garam a sugerir que os arquitetos deve- riam projetar estruturas de sustentação que só oferecessem abrigo, apoio e ser- viços, dando aos futuros usuários a liberdade de criar o próprio lar e expri- mir a própria identidade arrumando os kits de peças que se encaixavam nesses "suportes" (Habraken, 1972). Em grande parte, essas ideias per- maneceram teóricas e, sem dúvida, há muitos problemas práticos e econô- micos em criar edificações que sejam genuinamente flexíveis e adaptáveis. Hoje, talvez os arquitetos tenham se tornado levemente esquizofrênicos na sua atitude diante da flexibilidade. Por um lado, muito se fala e se escreve sobre o projeto de edificações capazes de sobreviver à função inicial, enquanto, por outro lado, os arquitetos desco- 114 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM brem cada vez mais que não é preciso demolir edificações antigas que, muitas vezes, podem ser facilmente conver- tidas para novos usos. John Johansen descreve a abordagem do projeto arqui- tetônico que desenvolveu como res- posta ao futuro incerto. Ele afirma que esse é um aspecto fundamental do seu trabalho e defende que "quando pres- supomos que a natureza das nossas acomodações mudará em futuro próxi- mo, devemos escrever programas não para o presente, mas também para o futuro". Para Johansen (Suckle, 1980}, portanto, parece que a conclusão lógi- ca é que ele tem de projetar edificações que também sejam capazes de mudar. 7.4 Design descartável A terceira reação à incerteza é pro- jetar apenas para o presente. Assim, embute-se a obsolescência no obje- to projetado, pensado para ser jogado fora e substituído por um projeto mais atualizado. Essa estratégia foi cada vez mais adotada pelos projetistas de mer- cadorias produzidas em massa. Tudo, das roupas aos automóveis, pode ser descartado em troca de novos estilos e imagens. Essa abordagem é favore- cida principalmente pelos estilistas de moda, com a própria palavra "moda" a confirmar a sua natureza transitória. No entanto, essas ideias já começaram a invadir campos tradicionalmente mais estáveis, como o design de interio- res. Querem que, além de usar as rou- pas deste ano, também preparemos a comida deste ano em cozinhas deste ano. Infelizmente, além de desperdiçar recursos, essa abordagem consumista também produz mercadorias de vida curta e qualidade cada vez menor, e assim a substituição dos objetos passa de opção a necessidade. 7.5 Soluções de projeto que criam problemas de projeto É claro que projetar em uma época de mudanças rápidas é mais difícil do que projetar num mundo estável e previsí- vel. Como vimos no Cap. 2, o próprio ritmo do desenvolvimento sociotécnico exerce influência importante sobre o processo de projeto e sobre o papel do projetista na sociedade. Mas é impor- tante reconhecer que, além de depen- der do futuro, os projetistas também ajudam a criá-lo. Cada uma das reações ao futuro incerto aqui descritas dá for- ma ao futuro, seja nas áreas degrada- das da cidade, na arquitetura indecisa ou nos carros da moda. Como explica Chris Jones (1970): "Projetar não é mais aumentar a estabilidade do mundo fei- to pelo homem: é alterar, para o bem ou para o mal, coisas que determinam a trajetória do seu desenvolvimento". Assim, acontece que, substancial- mente, muitos problemas de projeto contemporâneos também resultam da atividade de projetar anterior. Isso pode acontecer sob a forma do barulho gera- do por máquinas ou atividades, ou como decadência urbana ou vandalismo em edificações, ou em termos de aeropor- tos e estradas perigosos e congestiona- 7 Problemas, soluções e o processo de projeto 115 dos. Cada uma dessas enfermidades da civilização moderna e outras parecidas e incontáveis constituem os problemas mais urgentes enfrentados pelos proje- tistas, e, ainda assim, pelo menos até certo ponto, elas podem "ser conside- radas fracassos humanos ao projetar pensando em condições causadas pelos produtos de projetos" (Jones, 1970). 7.6 Descobrir e resolver problemas Muitas vezes se sugeriu que projetar é uma questão de encontrar os proble- mas, além de resolvê-los. Em capítulos posteriores, discutiremos estratégias e táticas para controlar esses processos entrelaçados de identificação de proble- mas e geração de soluções. Aqui, entre- tanto, é importante reconhecer que, provavelmente, os problemas identifi- Fig. 7.1 cados em qualquer processo de projeto são função não só da abordagem do projetista, como também do tempo dis- ponível. Pode-se encontrar uma ilus- tração interessante na descrição que Richard Rogers faz do projeto do Centro Pompidou, à qual já nos referimos. Des- de os primeiros estágios, Rogers nos diz que identificou a necessidade de proje- tar visando à flexibilidade. Realmen- te, para Rogers, o conceito do projeto, talvez até o gerador primário, fez com que a edificação fosse "concebida como recipiente flexível capaz de adaptar- se continuamente - não só na planta, mas também na seção e na elevação - às necessidades que porventura sur- gissem". Ele logo passou a ver a edifi- cação como um "gigantesco brinque- do de montar em mudança constante" (Fig. 7.1). Em termos técnicos, a solução proposta envolvia muitos componentes móveis, como divisórias, revestimentos O Centro Pompidou, que Richard Rogers considerava um "gigantesco brinquedo de montar" 116 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM e assoalhos. No entanto, Rogers teve de abandonar a tentativa de encontrar uma solução técnica para o problema dos assoalhos móveis: Assim que ficou claro que havia uma res- trição de cinco anos de prazo a partir da abertura da concorrência, percebemos que seria totalmente impossível depu- rar no tempo necessário a ideia inicial de assoalhos móveis mantidos no lugar por grampos de fricção, razão pela qual a abandonamos. (Suckle, 1980) Assim, Rogers nos diz que mais problemas foram identificados e que gostaria de resolvê-los se tivesse mais tempo. Raramente o processo de proje- to tem uma conclusão natural própria; o mais frequente é que se encerre num prazo definido. Talvez seja como res- ponder à questão de uma prova sob a pressão do tempo. O frustrante é que talvez a gente saia da sala de provas ainda pensando em novas questões relacionadas que poderíamos ter abor- dado. Sem dúvida, esse parece ser um modelo melhor do processo de projeto do que aquele inspirado pela ideia de resolver um jogo de palavras cruzadas, quando há um momento reconhecível e identificável de encerramento. Nos projetos, os problemas e as soluções são inexoravelmente interde- pendentes. É óbvio que não faz sentido estudar soluçõessem fazer referência aos problemas, e o inverso é igualmente infrutífero. Quanto mais se tenta isolar e estudar os problemas do projeto, mais importante fica referir-se às soluções do projeto. Ao projetar, os problemas podem sugerir características das solu- ções, mas essas soluções, por sua vez, criam problemas novos e diferentes. 7.7 O projeto como contribuição ao conhecimento Neste capítulo, vimos que o processo de projeto é afetado pelas incertezas do futuro. No capítulo anterior, vimos que se pode considerar que o processo de projeto varia de acordo com o tipo de problema abordado. No Cap. 3, vimos uma série de tentativas de definir o pro- cesso de projeto como uma sequência de operações, todas elas, cada uma a seu modo, com as suas falhas. Uma abordagem mais madura foi apresen- tada por Zeisel (1984) na discussão da natureza da pesquisa dos vínculos entre ambiente e comportamento. Ele pro- pôs que se admitisse que projetar tem cinco características. A primeira delas é que projetar consiste de três ativida- des elementares que Zeisel chamou de imaginar, apresentar e testar. Imaginar é uma palavra bonita para descrever o que o grande psicólogo Jerome Bruner chamou de "ir além das informações dadas". É claro que isso nos leva ao ter- reno do pensamento, da imaginação e da criatividade, que será examinado nos próximos dois capítulos. A segun- da atividade de Zeisel, a apresentação, também nos leva ao terreno do desenho e do papel central que este desempenha no processo de projeto. Isso também será examinado em capítulos posterio- res. Finalmente, a atividade de testar já foi examinada no Cap. 5. 7 Problemas, soluções e o processo de projeto 117 Zeisel também defende que uma segunda característica do ato de pro- jetar é empregar dois tipos de infor- mação, chamados de catalisador heu- rístico, no caso da imaginação, e de corpo de conhecimentos, no caso do teste. Em essência, isso nos diz que os projetistas baseiam-se em informações para decidir como as coisas podem ser, mas também que utilizam informações para saber se as coisas poderiam fun- cionar bem. Como é comum que a mes- ma informação seja usada desses dois modos, o ato de projetar pode ser consi- derado um tipo de processo investigati- vo e, portanto, uma forma de pesquisa. Atualmente, vivemos num mundo em que está na moda produzir medições de desempenho simples ou, como diriam alguns, simplistas. Assim, as escolas e os hospitais têm de sumarizar o seu desempenho para que seja possível publicar "tabelas de classificação" para os seus "consumidores". Do mesmo modo, as universidades têm de avaliar a qualidade do ensino e da pesquisa. Os leitores do Cap. 5 já foram alerta- dos para o perigo dessa abordagem. No entanto, na hora de avaliar a pesquisa feita nos departamentos de projeto, o problema fica ainda mais espinhoso. Como avaliar a produção de artistas plásticos, compositores e projetistas em termos da sua contribuição para o conhecimento? Esse é um problema para os que desejam aplicar essas medi- ções globais simplistas de desempenho a fenômenos complexos e multidimen- sionais. Basta dizer que os projetistas são naturalmente capazes de aceitar essas dificuldades, já que é exatamen- te o que têm de fazer, mas que também admitem que o seu esforço é imperfeito! Vale fazer aqui uma parada rápida para resumir algumas características importantes dos problemas e das solu- ções dos projetos, e as lições que se podem aprender a respeito da natureza do próprio processo de projeto. Não se deve considerar que os pontos a seguir constituam uma lista abrangente de propriedades isoladas da situação do projeto; na verdade, eles costumam estar intimamente interligados e, por- tanto, há alguma repetição. No entanto, tomados em conjunto, eles revelam um quadro geral da natureza do ato de pro- jetar hoje em dia. 7.8 Problemas do projeto 7.8.1 Os problemas do projeto não podem ser totalmente determinados Como vimos no Cap. 3, uma das dificul- dades de desenvolver um mapeamento do processo de projeto é que nunca se sabe com certeza quando todos os aspectos do problema já foram revela- dos. No Cap. 6, vimos que os problemas do projeto são gerados por vários gru- pos ou indivíduos com graus variados de envolvimento no processo de toma- da de decisões. Fica claro que não é pos- sível esperar que muitos componentes dos problemas de projeto surjam antes que haja alguma tentativa de gerar soluções. Na verdade, muitas caracte- rísticas dos problemas de projeto tal- vez nunca sejam totalmente reveladas 118 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM e explicitadas. Os problemas de proje- to costumam ser cheios de incertezas, tanto a respeito dos objetivos quanto da sua prioridade relativa. De fato, é mui- to provável que objetivos e prioridades mudem durante o processo de projeto assim que as consequências das solu- ções começarem a aparecer. Portanto, não devemos esperar uma formulação estática e completa dos problemas de projeto, e é preciso considerar que estes mantêm uma tensão dinâmica com as soluções do projeto. 7.8.2 Os problemas de projeto exigem interpretação subjetiva No primeiro capítulo introdutório, vimos que projetistas de campos dife- rentes sugeririam soluções diferentes para o mesmo problema do serviço de refeições não lucrativo da ferrovia. Na verdade, não apenas é provável que os projetistas imaginem soluções diver- sas, como também que percebam os problemas de forma variada. Até certo ponto, o nosso entendimento dos pro- blemas de projeto e das informações necessárias para resolvê-los dependem das nossas ideias de solução. Assim, como sabem fazer retrofit de trens, os desenhitas industriais veem problemas na maneira como os vagões-restaurante são planejados, enquanto pesquisa- dores operacionais podem ver defici- ências no horário e no cronograma de serviços, e os designers gráficos, identi- ficar a inadequação da maneira como a comida é divulgada e apresentada. Como vimos no Cap. 5, há muitas dificuldades para mensurar projetos, e os problemas, inevitavelmente, são carregados de valor. Nesse sentido, os problemas de projeto, assim como as soluções, continuam sendo uma ques- tão de percepção subjetiva. O que pare- ce importante para um cliente, usuário ou projetista pode não ser importante para outros. Portanto, não deveríamos esperar formulações inteiramente obje- tivas dos problemas de projeto. 7.8.3 Os problemas de projeto tendem a ser organizados de forma hierárquica No Cap. 4, examinamos como, em geral, os problemas de projeto são considera- dos sintomas de outros problemas de alto nível, fato ilustrado pela história de Eberhard sobre o problema de reproje- tar uma maçaneta, que se transformou em considerações sobre portas, pare- des, edificações e, finalmente, organi- zações completas. Do mesmo modo, o problema de criar uma pracinha para as crianças que percorrem as ruas poderia resultar do projeto habitacional onde moram essas crianças, da política de planejamento que permite a constru- ção de vastas áreas habitacionais lon- ge de focos sociais naturais, ou poderia ser um sintoma do nosso sistema edu- cacional ou do padrão de emprego dos pais. Não há forma objetiva nem lógica de determinar o nível certo de aborda- gem desse tipo de problema. Em gran- de parte, a decisão continua a ser prag- mática; depende do tempo, do poder e 7 Problemas, soluções e o processo de projeto 119 dos recursos à disposição do projetista, mas parece sensato começar no nível mais alto que seja razoável e factível. 7.9 Soluções do projeto 7.9.1 Há um número inesgotável de soluções diferentes Como os problemas de projeto não podem ser totalmente determinados, segue-se que nunca existirá uma lis- ta exaustiva de todas as soluções pos- síveis paraesses problemas. Alguns autores oriundos da engenharia que escreveram sobre metodologia de projeto falam em mapear a gama de soluções possíveis. É óbvio que essa noção depende do pressuposto de que o problema pode ser enunciado de for- ma clara e inequívoca, como insinua o método de Alexander (ver Cap. 5). Entretanto, se aceitarmos o ponto de vista contrário aqui expresso, de que os problemas de projeto são bem mais inescrutáveis e maldefinidos, não pare- ce sensato achar possível que se possa ter certeza de identificar todas as solu- ções de um problema. 7.9.2 Não há soluções ótimas para os problemas de projeto Quase invariavelmente, projetar envol- ve fazer concessões. Às vezes, os obje- tivos declarados podem estar em con- flito direto entre si, como no caso dos motoristas que exigem boa aceleração e baixo consumo de combustível. É raro que o projetista possa simplesmente otimizar uma exigência sem sofrer per- das em outras. O modo como se fazem as concessões e acomodações continua a ser uma questão de discernimento habilidoso. Portanto, não há soluções ótimas para os problemas de projeto, mas sim toda uma série de soluções aceitáveis (se os projetistas consegui- rem pensar nelas), e provavelmente cada uma se mostrará mais ou menos satisfatória de várias maneiras para clientes ou usuários diferentes. Assim como a tomada de decisões no proje- to é uma questão de discernimento, o mesmo acontece com a avaliação das soluções. Não há métodos estabeleci- dos para decidir até que ponto as solu- ções são boas ou ruins, e o melhor teste da maioria dos projetos ainda é esperar para ver como funcionam na prática. As soluções dos projetos nunca podem ser perfeitas e, com frequência, é mais fácil criticá-las do que criá-las. Os pro- jetistas devem aceitar que, quase inva- riavelmente, sempre haverá quem ache que estão errados. 7.9.3 As soluções do projeto costumam ser reações holísticas As soluções de um projeto raramen- te correspondem exatamente às par- tes identificadas do problema. Em vez disso, o mais comum é que uma ideia na solução seja uma reação integrada e holística a vários problemas. A roda de carroça em forma de prato estuda- da no Cap. 2 foi um exemplo muito bom 120 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM e chamou a atenção de George Sturt exatamente por isso. A ideia isolada de dar aquela forma à roda resolveu, ao mesmo tempo, toda uma série de problemas. Do mesmo modo, a janela georgiana estudada no Cap. 4 pode ser considerada uma reação integrada a muitos problemas. Portanto, raramente é possível dissecar uma solução de pro- jeto e relacioná-la ao problema, dizen- do qual parte da solução resolve qual parte do problema. 7.9.4 As soluções do projeto são uma contribuição para o conhecimento Depois que uma ideia se forma e um projeto se completa, de certa forma o mundo muda. Cada projeto, seja construído ou fabricado, ou mesmo que permaneça na prancheta, representa um tipo de progresso. As soluções dos projetos em si são extensamente estu- dadas por outros projetistas e comen- tadas por críticos. Para a atividade de projetar, elas são o que as hipóteses e teorias são para a ciência. Formam a base sobre a qual avança o conhecimen- to do ato de projetar. A ponte Severins, em Colônia, que estudamos no capítu- lo anterior, além de levar pessoas para o outro lado do Reno, contribui para o reservatório de ideias disponíveis para futuros projetistas de pontes. Portanto, o término da solução de um projeto não serve apenas ao cliente, mas permite ao projetista desenvolver as suas ideias de maneira pública e verificável. 7.9.5 As soluções do projeto fazem parte de outros problemas de projeto As soluções do projeto não são pana- ceias, e é muito comum que causem, além dos bons efeitos pretendidos, também efeitos indesejáveis. O auto- móvel moderno é uma solução mara- vilhosamente sofisticada para o pro- blema do transporte individual num mundo que exige que as pessoas con- sigam se deslocar com flexibilidade em distâncias curtas e médias. No entanto, quando essa solução é aplicada a toda a população e usada até para viagens previsíveis, acabamos projetando ruas e estradas que dilaceram as cidades e as áreas rurais. A poluição resultante tomou-se um problema por si só, e hoje até o carro passa a não funcionar tão bem, já que fica preso em engarrafa- mentos! Essa é uma ilustração bastante expressiva do princípio básico de que tudo o que projetamos tem potencial não só de resolver problemas, como também de criar outros! 7.10 O processo de projeto 7.10.1 O processo é interminável Como os problemas de projeto escapam a descrições completas e permitem um número inesgotável de soluções, o processo de projeto não pode ter um fim determinado e identificável. Na verdade, a tarefa do projetista nunca acaba e, provavelmente, sempre é pos- sível melhorar. Nesse sentido, projetar 7 Problemas, soluções e o processo de proj eto 121 é bem diferente de montar um que- bra-cabeças. Em geral, quem gosta de resolver palavras cruzadas ou proble- mas matemáticos consegue reconhecer a resposta correta e sabe quando a tare- fa se encerra, mas com o projetista não é assim. Identificar o final do processo de projeto exige experiência e discer- nimento. Sente-se que não vale mais a pena avançar porque a probabilidade de melhorar significativamente a solu- ção parece pequena. Isso não significa que o projetista esteja necessariamen- te satisfeito com a solução, mas talvez, mesmo insatisfatória, ela represente o melhor que se pode fazer. Tempo, dinheiro e informação costumam ser os principais fatores que limitam o pro- jeto, e a escassez de qualquer um des- ses recursos essenciais pode resultar numa situação frustrante, sentida pelo projetista como encerramento precoce do processo de projeto. Alguns projetis- tas de sistemas grandes e complexos, que envolvem escalas temporais pro- longadas, começam hoje a ver o pro- jeto como contínuo e em andamento, em vez de um processo que acaba de uma vez por todas. Talvez algum dia tenhamos, por exemplo, verdadeiros arquitetos comunitários, que morem numa área e cuidem constantemente do ambiente construído, como os médi- cos cuidam dos pacientes. 7.10.2 Não existe um processo correto e infalível Por mais que os antigos autores que escreveram sobre metodologia do pro- jeto quisessem, não existe nenhum modo bom e infalível de projetar. A solução de um projeto não é apenas o resultado lógico do problema e, por- tanto, não há nenhuma sequência de operações que garanta o resultado. Todavia, a situação não é tão desespe- rançada quanto essa afirmação parece indicar. No Cap. 6, vimos que é possí- vel analisar a estrutura dos problemas de projeto e, na Terceira Parte, exami- naremos como os projetistas podem modificar, e modificam, o processo em resposta a essa variação da estrutura do problema. Na verdade, veremos que controlar e variar o processo de projeto é uma das habilidades mais importan- tes que o projetista tem de desenvolver. 7.10.3 O processo envolve encontrar problemas, além de resolvê-los Com a nossa análise da natureza dos problemas de projeto, fica claro que é inevitável que o projetista dedique considerável energia a identificar pro- blemas. Uma característica central do pensamento moderno sobre o ato de projetar é que se considera que pro- blemas e soluções surgem juntos, em vez de se seguirem logicamente. O pro- cesso, portanto, é menos linear do que indicam muitos mapeamentos discu- tidos no Cap. 3 e bem mais controver- tido. Isto é, tanto o problema quanto a solução ficam mais claros à medida que o processo avança. Também vimos, no Cap. 6, como na verdade se espera que o projetista contribua tanto com pro- 122 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM blemas quantocom soluções. Uma vez que achar problemas e produzir solu- ções não podem ser consideradas ati- vidades predominantemente lógicas, é de se esperar que o processo de projeto exija o mais alto nível de pensamento criativo. Discutiremos a criatividade como fenômeno e como promovê-la na Terceira Parte. 7.10.4 Inevitavelmente, projetar envolve juízos subjetivos de valor A questão de quais são os problemas mais importantes e que soluções resol- vem com mais sucesso esses problemas costuma ser carregada de valor. Por- tanto, frequentemente a resposta que os projetistas devem dar a essa questão é subjetiva. Como vimos no Cap. 5, na discussão acerca do terceiro aeroporto de Londres, a importância de preservar igrejas ou pássaros ou de evitar o incô- modo do barulho depende bastante do ponto de vista. Por mais que argu- mentem os proponentes da quantifica- ção, nesse caso na forma de análise de custo-benefício, nunca convencerão o público em geral de que tais questões podem ser decididas da forma corre- ta, de maneira inteiramente objetiva. A objetividade completa exige distan- ciamento não apaixonado. Os projetis- tas, por serem humanos, acham difícil permanecerem não apaixonados ou distanciados do seu trabalho. Na ver- dade, eles costumam ser claramente defensivos e possessivos com as suas soluções. Talvez tenha sido essa ques- tão, mais que todas as outras, que deu origem à primeira geração de métodos de projetar; os projetistas eram consi- derados muito envolvidos em questões sobre as quais faziam juízos de valor subjetivos. No entanto, não se pode resolver essa preocupação simples- mente negando a natureza subjetiva de muitos juízos no ato de projetar. Talvez o pensamento atual tenha m ais tendência a tornar explícitos os juízos de valor e as decisões do projetista, e a permitir que outros participem do processo, mas esse caminho também é repleto de dificuldades. 7.10.5 Projetar é uma atividade normativa Um dos modelos populares do proces- so de projeto encontrados na literatura sobre metodologia de projeto é o méto- do científico. No entanto, os problemas da ciência não se encaixam na descri- ção dos problemas de projeto delineada anteriormente e, em consequência, não é proveitoso considerar análogos o processo da ciência e o de projetar. A diferença mais importante, óbvia e fundamental é que projetar é uma atividade essencialmente normativa, ao passo que a ciência é predominan- temente descritiva. Os projetistas não visam tratar de questões sobre o que é, como é e por que é, mas sim sobre o que pode ser e como deveria ser. Embo- ra os cientistas possam nos ajudar a entender o presente e prever o futu- ro, os projetistas podem normatizar e criar o futuro; portanto, o seu processo 7 Problemas, soluções e o processo de projeto 123 merece um exame não apenas ético, como também moral. 7.10.6 Os projetistas trabalham no contexto da necessidade de ação Projetar não é um fim em si mesmo. Toda a questão do processo de projeto é que ele resultará em uma ação para mudar o ambiente de alguma forma, seja com a formulação de políticas, seja com a construção de edificações. Não se pode evitar nem retardar as decisões sem a probabilidade de consequências indesejáveis. Ao con- trário do artista, o projetista não está livre para concentrar-se exclusiva- mente nas questões que lhe parecem mais interessantes. É óbvio que uma das habilidades básicas de quem pro- jeta é a capacidade de fascinar-se rapi- damente com problemas antes desco- nhecidos. Discutiremos essa difícil habilidade na Terceira Parte. Não só os projetistas têm de enfren- tar todos os problemas que surgem, como também devem fazê-lo num tempo limitado. Muitas vezes, proje- tar é uma questão de tomar decisões negociadas com base em informa- ções inadequadas. Infelizmente, para o projetista essas decisões costumam aparecer de forma concreta à vista de todos, e poucos críticos se dispõem a desculpar erros ou fracassos com base na insuficiência de informações. Pare- ce que os projetistas, ao contrário dos cientistas, não têm o direito de errar. Embora aceitemos que uma teoria refu- tada pode ajudar a ciência a avançar, raramente reconhecemos contribuição semelhante nos projetos errados. TERCEIRA PARTE O PENSAMENTO AO PROJETAR 8 Tipos e estilos de pensamento O estágio mais elevado possível da cultura moral é quando reconhe- cemos que temos de controlar os nossos pensamentos. Charles Darwin, A origem do homem A arte de raciocinar consiste em entender o assunto pelo lado certo, de agarrar-se às poucas ideias gerais que esclarecem o todo e de or- ganizar com persistência todos os fatos secundários em volta delas. Ninguém consegue ser bom no raciocínio a menos que, pela prática constante, perceba a importância de apreender as grandes ideias e agarrar-se a elas com todas as forças. A. N. Whitehead, 1914, discurso de posse como p residente da filial londrina da Mathematical Association 8.1 Pensar sobre o pensamento Até aqui, neste livro, concentramo-nos n a natureza do ato de projetar como um processo e nas características dos proble- mas e das boas soluções dos projetos. Nesta terceira parte do livro, chegou a hora de dedicar a nossa atenção aos processos de pensamento necessários para identificar e entender esses problemas de projeto e criar as suas soluções. Nos capítulos a seguir, será preciso examinar os princípios, as estratégias e as táticas que os projetistas utilizam nesse processo mental. Estudaremos as ciladas e armadilhas que costumam cercá-los e examinaremos como os projetistas usam desenhos e como trabalham em grupo e com computadores. Afinal de contas, projetistas não são filósofos, para os quais o próprio processo de pensar é o centro do estudo, nem se parecem com o Pen- 128 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM sador de Rodin, sentado em meditação solitária. Em essência, o pensamento do projetista está voltado para um pro- duto final físico, cuja natureza tem de ser transmitida a outros que podem ajudar a projetá-lo e construí-lo. No entanto, para começar, precisa- mos estudar o próprio pensamento e, no capítulo seguinte, aquele fenômeno precioso e admirável da criatividade, tão fundamental no ato de projetar. A história da psicologia cognitiva revela muitas opiniões conflitantes sobre a natureza do pensamento e o proces- so de pensar, da mais mecanicista à mais mítica. Iniciamos com um proble- ma bem conhecido dos que estudam o ato de projetar. A palavra "pensar", assim como a palavra "projetar", é usa- da de tantas maneiras na linguagem cotidiana que precisamos especificar exatamente que versões dela estamos examinando. Há o tipo de pensamento que temos ao dizer que tentamos pensar onde deixamos alguma coisa. Em essência, isso é recordar e, obviamente, é muito importante no ato de projetar, mas novamente não é a tarefa central. Há o uso da palavra "pensar" aplicada ao ato de nos concentrarmos ou de sim- plesmente prestarmos atenção, como quando dizemos "pense bem no que você está fazendo". Há o uso da palavra com o significado de crença, quando alguém diz o que "pensa". Há o pensa- mento que os psicólogos rotulariam de "autista", mas que as pessoas comuns descreveriam como devaneio. Isso leva a um tipo de fluxo descontrolado de consciência que, em si, pode ser útil para os projetistas, mas com certeza não é a sua ferramenta principal. Há o tipo de pensamento imaginativo que pode ser descrito como fantasia anco- rada na realidade. Aqui podemos "pen- sar" numa situação possível, mas não real. Evidentemente, é bem isso o que os projetistas fazem. Afinal, há o tipo de pensamento que podemos chamar de "raciocínio". Este é feito de forma autoconsciente, na tentativa deliberada de controlar a direção dos pensamentos rumo a algum produtofinal pretendido, mas há alguns obstáculos que têm de ser removidos. Esse é o pensamento reflexivo para resolver problemas. No Cap. 9, examinamos o pensa- mento criativo e imaginativo, mas é a última dessas muitas formas de pensar que, basicamente, estamos estudando aqui. Ryle (1949), grande filósofo britâni- co e estudante do pensamento, descre- veu até mesmo essa última versão de pensamento como sendo "polimorfa". Assim como dois fazendeiros podem fazer coisas bem diferentes, um deles criando ovelhas e o outro colhendo a safra, explicou Ryle de forma memorá- vel, ainda assim reconhecemos os dois como fazendeiros. É o mesmo com o pensamento. 8.2 Teorias do pensamento Esse tema não é fácil porque logo nos leva à psicologia do pensamento e, até certo ponto, do sentimento e da emo- ção. Tantos filósofos e psicólogos já escreveram sobre o fenômeno do pen- samento e a atividade de pensar que aqui não é possível fazer justiça ao tema. No entanto, este capítulo tenta quase o impossível, que é um resumo e um breve exame dos principais pontos desses debates que parecem importan- tes para o estudo do ato de projetar. A psicologia cognitiva é um dos campos mais problemáticos da ciên- cia, uma vez que envolve a investiga- ção de algo que não podemos ver, ouvir nem tocar. Sabemos que acontece e todos pensamos a vida inteira sem nos preocupar demais com isso, mas pen- sar sobre o pensar é outra questão. Em termos da psicologia ocidental moder- na, as primeiras teorias do pensamen- to eram realmente muito básicas. Na verdade, as teorias "behavioristas" do pensamento mal admitiam que o pen- samento era mais do que um compor- tamento muito mecanicista que por acaso acontecia dentro da cabeça. Os psicólogos gestaltistas estavam mais interessados no modo como resolve- mos problemas e, mais recentemente, a abordagem da ciência cognitiva tentou estudar os seres humanos como pro- cessadores de informações. 8.3 Os behavioristas O behaviorista Thorndike (1911) acre- ditava que a inteligência humana se compõe apenas de um processo básico: a formação de associações. Na verdade, os behavioristas relutavam em admitir que os seres humanos podiam distin- guir-se das outras espécies pela capaci- dade de pensar em alto nível. Na linha dos primeiros textos de Thorndike, 8 Tipos e estilos de pensamento 129 muitos psicólogos behavioristas tenta- ram explicar o pensamento puramen- te em termos de vínculos associati- vos diretos entre estímulos e reações. Chegaram a defender que, na verdade, o pensamento é apenas um discurso subvocal ou "falar consigo mesmo". Na verdade, alguns experimentado- res encontraram indícios de atividade muscular periférica durante o pensa- mento, mas é claro que não consegui- ram mostrar que isso era realmente o próprio pensamento. Afinal, a ideia foi modificada para indicar que a ativida- de muscular era tão pequena que não tinha efeito nenhum, a não ser servir de feedback para o pensador. A ideia por trás dessa noção aparentemente estra- nha era que, nesse modelo associacio- nista do pensamento, cada reação nos- sa poderia ser retroalimentada para atuar como outro estímulo e, assim, provocar uma nova reação. Auto- res como Osgood e Berlyne acabaram abandonando a busca do "pensamento muscular" e apresentaram a noção das reações puramente corticais. Para Ber- lyne (1965), os padrões de pensamento resultam da nossa escolha dentre uma variedade de reações que associamos a cada estímulo. A escolha se faz sim- plesmente ao selecionarmos o vínculo associativo mais forte, embora esses vínculos possam ser fortalecidos ou enfraquecidos pela nossa experiência de vida. Em essência, o ponto de vista beha- viorista é de que é desnecessário criar a hipótese de um mecanismo mental complexo quando o comportamento pode ser explicado sem ele. Isso acom- 130 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM panha o sensato princípio científico de não inventar teorias complexas quando as simples resolvem, mas será que os behavioristas conseguem explicar ade- quadamente o pensamento inteligente? O maior sucesso das suas teorias foi na explicação de comportamentos como o aprendizado e a aquisição de habili- dades físicas. Pode-se considerar que o rato no labirinto do psicólogo aprende a associar a reação "esquerda" ou "direi- ta" com o estímulo de cada cruzamento. Thorndike ampliou essa ideia simples colocando gatos em caixas nas quais várias alavancas ou trancas tinham de ser liberadas para abrir a gaiola. Os gatos escaparam por tentativa e erro e, portanto, aparentemente aprenderam a resolver o problema. Assim, os beha- vioristas tenderam a explicar a solução de problemas ou o pensamento orien- tado a objetivos em termos de tenta- tivas e erros mentais e sucessivos. Na verdade, o modelo associacionista de pensamento parece mais aplicável ao pensamento imaginativo ou aos deva- neios. Neles, o pensador não controla voluntariamente a direção e permite que o fluxo do pensamento divague. No entanto, isso terá de esperar o pró- ximo capítulo. 8.4 A escola da Gestalt Por mais ou menos satisfatórias que sejam as suas teorias, foram poucas as contribuições dos behavioristas que podem ser utilizadas por projetistas que queiram melhorar a sua habilidade de pensar. Só com a chegada da escola da psicologia da Gestalt é que come- çamos a encontrar material útil para explicar o pensamento ao projetar. A escola da Gestalt criou a tradição de estudar a solução de problemas, con- tinuada hoje por autores como Edward de Bono. As teorias de pensamento ges- taltistas concentram-se nos processos e na organização, e não em mecanis- mos. Wertheimer (1959) via a solução de problemas como compreender as relações estruturais de uma situação e reorganizá-las até que se perceba um caminho rumo à solução. Isso já come- ça a ficar mais parecido com projetar do que os gatos de Thorndike, mas Wertheimer foi mais além. Ele defen- dia que essa reorganização mental da situação é obtida com a aplicação de vários modos mentais de ataque que ainda persistem hoje nas ferramentas de criatividade como as promovidas por autores populares. Esses truques mentais incluem tentar redescrever o problema de outra maneira e o uso de analogias como forma de alterar o para- digma mental. Como veremos adiante, essa é a base de várias técnicas de pro- jetar propostas há bem pouco tempo. Enquanto os behavioristas utilizavam animais para explicar o pensamento, os gestaltistas o faziam para mostrar a ausência neles de pensamento do tipo humano. Os gestaltistas também se interessavam muito pela percepção e, assim, reforçavam a importância do contexto no pensamento. O uso que De Groot faz das palavras para descrever as experiências de Kohler com prima- tas é muito revelador: Nós, seres humanos, nos espantamos com a incapacidade desses animais bas- tante inteligentes de tirar uma argola de um prego, possibilidade que vemos ime- diatamente. Pela nossa experiência com aros e pregos e com o seu uso, vemos a situação de um modo totalmente dife- rente do macaco. Pode-se dar exemplos semelhantes referentes à relação entre adultos e crianças. (De G root, 1965) Portanto, para De Groot, o pensa- mento depende de adquirir a capaci- dade de reconhecer relações, padrões e situações completas. No seu estudo do xadrez, De Groot mostra como os enxadristas experientes "leem" as situ- ações em vez de "raciocinar sobre elas", como fazem os menos experientes. Assim, os mestres do xadrez conse- guem jogar várias partidas ao mesmo tempo, porque cada vez que veem um tabuleiro conseguem reconhecer o padrão do jogo. Esse "modo de perce- ber, que é treinado e altamente espe- cífico", combinado a um "sistema de métodos reproduzíveis e disponíveis na memória" (De Groot, 1965), produz uma reação rápida e inescrutávelque, para o observador não iniciado, parece um relâmpago de gênio intuitivo. O parado- xal é que os mestres do xadrez também podem examinar a situação durante muito mais tempo do que os colegas menos experientes, simplesmente por- que conseguem ver mais problemas, talvez mais à frente, do que o jogador médio. Quem já observou um projetista experiente trabalhar reconhecerá essa descrição. Pode parecer que o projetis- ta está desenhando de maneira muito natural e relaxada, como se não hou- 8 Tipos e estilos de pensamento 131 vesse nenhum esforço envolvido. Como explica Bruner, o projetista tem de "ir além das informações dadas" e ver pos- sibilidades que os outros talvez não descubram sozinhos, mas que ainda reconheçam como úteis, apropriadas e belas quando forem apresentadas. Markus listou quatro fontes básicas de informação disponíveis na tomada de decisões durante um projeto: a expe- riência do projetista, a experiência dos outros, a pesquisa existente e novas pesquisas (Markus, 1969a). Talvez seja a mistura inevitável dessas fontes que contribua para o comportamento apa- rentemente aleatório do projetista, que, às vezes, parece tirar conclusões apres - sadas e intuitivas e, em outras, avança muito lentamente. Os psicólogos gestaltistas deram atenção especial à maneira como representamos na cabeça o mundo externo. Bartlett, principalmente, nos seus estudos, hoje clássicos, sobre pensamento (Bartlett, 1958) e recor- dação (Bartlett, 1932), desenvolveu a noção de uma imagem mental inter- nalizada que chamava de "esquema". O esquema constitui uma organização ativa de experiências passadas usa- da para estruturar e interpretar acon- tecimentos futuros. Numa série de experiências, nas quais pedia aos par- ticipantes que recordassem desenhos e os reproduzissem talvez várias sema- nas depois, Bartlett mostrou que essa memória depende do significado dos desenhos. Isto é, precisamos já ter for- mado os esquemas apropriados antes de interpretar e apreciar os fatos . Os psicólogos desenvolvimentistas, como 132 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Bruner e Piaget, mostraram que os pro- cessos humanos de pensamento desen- volvem-se em paralelo com a formação desses esquemas básicos e fundamen- tais na criança. Durante muitos anos, tentei ensinar os alunos do primeiro ano de arquitetu- ra a lembrar como "veem" a arquitetura antes de desenvolverem os conceitos sofisticados que os arquitetos utilizam para debater o assunto. Para os proje- tistas, um problema real é ter tantos conceitos ou esquemas a mais para descrever os objetos que projetam que os "veem" genuinamente de forma dife- rente daqueles para quem projetam. Isso pode levar facilmente ao resultado conhecido como "arquitetura de arqui- tetos", que só pode ser avaliada e apre- ciada por outros arquitetos! 8.5 A abordagem da ciência cognitiva O surgimento dos aparelhos eletrôni- cos de comunicação e de máquinas de processamento de informações como os computadores gerou uma nova pers- pectiva do pensamento humano. Ateo- ria da informação proporcionou uma métrica que permite mensurar o volu- me de informações processadas duran- te o estudo de um problema. Os psicólo- gos tentaram descobrir os mecanismos com que pensamos, medindo o nosso desempenho em tarefas simples em relação ao volume de informações pro- cessadas. Autores como Posner tentam transpor o abismo entre os behavioris- tas e os gestaltistas concentrando-se nos mecanismos sem deixar de ver o pensamento como habilidade estraté- gica. O influente livro de Garner (1962) sobre psicologia cognitiva descreve experiências sobre memória de cur- to prazo, diferenciação, percepção de padrões e formação de conceitos e de linguagem usando a teoria da informa- ção como padrão de medida do desem- penho humano. Outros que trabalham nesse campo propuseram teorias da resolução humana de problemas com base no modelo dos programas de com- putador. A aplicação mais famosa des- sa técnica é o programa GPS (general problem solver, ou solucionador geral de problemas) de Newell, Simon e Shaw (1958). Esses programas fazem o com- putador exibir comportamentos que lembram as características até então próprias do ser humano, como "pro- pósito" e "percepção". Isso pode abalar parte da mística que cerca o trabalho sobre processos de pensamento ao mostrar que sequências de transforma- ções muito elementares de informações podem explicar o sucesso na solução de problemas complexos. Naturalmente, ainda há dúvidas consideráveis de que esses processos simples sejam mesmo a base do pensamento humano. Infeliz- mente, há limitações à utilidade desses programas de computador como mode- los, já que logo se tornam tão comple- xos quanto os processos que modelam. A nova abordagem cognitiva do pensamento humano encara os seres humanos como organismos muito mais adaptáveis e genuinamente inte- ligentes do que a primeira abordagem behaviorista. Ela trata de processos e do funcionamento operacional, e não de mecanismos físicos, e insiste na influência do contexto em que se per- cebem os problemas no processo de pensamento propriamente dito. Os psi- cólogos cognitivistas, ao mesmo tempo que se baseiam na tradição gestaltista, também avançam a partir do primei- ro surto de entusiasmo dos psicólogos com a aplicação da teoria da infor- mação ao pensamento humano, mas são menos fanáticos a respeito do seu potencial. Num tratado brilhante sobre psicologia cognitiva, Neisser (1967} des- taca que os seres humanos são diferen- tes das máquinas desde o princípio do processo de percepção e pensamento: Os seres humanos [ ... ] não são, de modo algum, neutros ou passivos em relação às informações que recebem. Em vez disso, selecionam algumas partes para receber atenção à custa de outras, registrando-as e reformulando-as de maneira complexa . (Neisser, 1967) Como veremos em capítulos pos- teriores, esse fenômeno da nossa per- cepção seletiva dos problemas ocupou a mente de muitos metodologistas de projeto que buscam imaginar modos de ampliar a percepção dos projetistas. Talvez a característica mais impor- tante da abordagem que a psicologia cognitiva dá ao pensamento seja o novo reconhecimento da existência de um certo tipo de função controladora exe- cutiva na mente. Como a psicologia cognitiva aceita que as informações são reorganizadas e reconstruídas ativa- mente na memória, e não registradas e recordadas passivamente, segue-se que algo deve controlar esse processo. 8 Tipos e estilos de pensamento 133 A existência dessa função executiva foi negada não só pela teoria associativa clássica, como também pelos gestaltis- tas. Entretanto, trabalhos mais recentes sobre inteligência artificial mostraram que as rotinas executivas dos progra- mas de computador podem controlar, de maneira extremamente flexível e reati- va, a ordem em que uma sequência de operações muito complexa é realizada. Não há espaço aqui para fazer justiça a esse tema profundo e fascinante, mas o leitor interessado encontrará discus- sões brilhantes sobre o assunto e leitu- ra agradável em Plans and the Structure of Behaviour [Planos e estrutura do comporta- mento] (Miller; Galanter; Pribham, 1960) e O fantasma da máquina (Koestler, 1967}. Mais recentemente, a noção de um úni- co executivo começou a ser substituída pela ideia de "agentes". Esses agentes mentais cuidam do nosso pensamen- to, assim como os agentes humanos que usamos na vida cotidiana cuidam dos nossos afazeres. Empregamos um corretor imobiliário, por exemplo, para encontrar interessados em comprar a nossa casa ou para encontrar casas que queiramos comprar. Portanto, eles trabalham resolutamente rumo a uma meta relativamente simples. O mordo- mo talvez seja o supremo agente pessoal que realmente trabalha entendendoos desejos e as aspirações do patrão e que, com certeza, subcontrata em seguida o trabalho de uma série de agentes mais especializados. Se os psicólogos cog- nitivos estiverem certos a respeito dos agentes e executivos, podemos ter espe- rança de descobrir muito mais sobre a maneira como projetamos. Se canse- 134 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM guirmos entender que forças e opera- ções são responsáveis por levar a nossa atenção de uma parte a outra do proble- ma, ou que nos permitem reorganizar a nossa percepção de um modo novo, avançaremos no caminho de entender o processo de projeto. A abordagem que os teóricos cog- nitivos dão ao pensamento também é fascinante para os que buscam enten- der o processo de projeto porque tra- ça muitos paralelos entre pensamento e percepção. Postula-se um processo primário e outro secundário, sendo o processo primário de pensamento uma atividade múltipla, como o proces- samento paralelo dos computadores. Esses pensamentos grosseiramente formados são semelhantes aos proces- sos pré-atentivos na visão e na audição, só levados à nossa atenção consciente quando selecionados para uma ela- boração detalhada e deliberada pelos processos secundários. É nos proces- sos secundários que se faz todo o tra- balho real. Esses processos têm de ser adquiridos e desenvolvidos e depen- dem do que já está memorizado e da maneira como o material foi organi- zado no processamento primário. Por- tanto, as teorias cognitivas dão grande ênfase à maneira como organizamos e armazenamos as informações percebi- das. O fato de não conseguir recordar é considerado análogo a não conseguir notar alguma coisa em uma cena visu- al. A atenção, na percepção e no pen- samento, é vista como responsável por dirigir os nossos pensamentos e, por- tanto, fundamental para a resolução de problemas. Esse tema será novamente abordado de maneira bem menos teóri- ca e mais prática quando examinarmos os métodos de estimular a criatividade e aprimorar a habilidade de resolver problemas ao projetar. Ainda há, porém, muitos problemas na abordagem do pensamento pela ciência cognitiva, como hoje se diz. O desempenho real da inteligência artifi- cial continua tão atrás do desempenho do pensamento humano, em tantos aspectos, que deve haver dúvidas de que algum dia os dois possam ser com- paráveis. A abordagem da ciência cog- nitiva é mais forte quando se trata de situações bem ordenadas de solução de problemas, e não dos problemas "t rai- çoeiros" e mal definidos tão caracterís- ticos da atividade de projetar. A "teoria computacional da mente" embasa toda a ciência cognitiva ao pressupor que o pensamento, em última análise, pode ser reduzido a um processo de compu- tação. Todavia, para que esse processo seja possível, é preciso ter informações com que trabalhar. Para que possam ser processadas, elas têm de adequar- se a algumas regras semelhantes às da linguagem para determinar a varieda- de dos símbolos e as relações permiti- das. O cientista cognitivo Jerry Fodor (1975} nos resume o problema: Se as nossas teorias psicológicas nos comprometem com uma linguagem do pensamento, é melhor levar o compro- misso a sério e descobri r como é essa linguagem. (Fodor, 1975) Num livro com o ótimo título Ske- tches of Thought (Esboços de pensamen- to], Vinod Goel (1995} começa a atacar esses problemas. Ele analisa os esbo- ços produzidos por projetistas e acha impossível definir uma linguagem sufi- cientemente rigorosa para as exigências da teoria. Num capítulo mais adiante, tentaremos entender o papel central do desenho e dos esboços no ato de pro- jetar. No entanto, é interessante desco- brir agora que os cientistas cognitivos estão cada vez mais interessados no ato de projetar, pela mesma razão de que explicá-lo põe à prova as suas teorias e, talvez ainda mais, os seus limites. 8.6 Tipos de pensamento No início deste capítulo, vimos vários tipos de pensamento e concluímos que, provavelmente, o raciocínio e a imaginação são os mais importantes para os projetistas. Considera-se que o raciocínio é dotado de propósito e voltado para uma conclusão específi- ca. Costuma-se incluir nessa categoria a lógica, a solução de problemas e a formação de conceitos. Por outro lado, é comum dizer que, ao "imaginar", o indivíduo aproveita a própria experi- ência e combina esse material de um modo relativamente desestruturado e, talvez, sem propósito. Normalmen- te, o pensamento artístico e criativo, assim como os devaneios, são consi- derados imaginativos. Esse tipo de taxonomia simplista talvez pareça enganosa, embora apa- rentemente útil. Se o raciocínio e a imaginação fossem mesmo categorias de pensamento independentes, nin- 8 Tipos e estilos de pensamento 135 guém seria capaz de falar com sensatez de "solução criativa de problemas" ou de "desenvolvimento artístico lógico", ambos conceitos com bastante signi- ficado. Muitos tipos de problema, até em disciplinas aparentemente lógicas como a engenharia, podem ser resol- vidos de forma criativa e imaginosa. Sem dúvida, a arte pode ser lógica e ter uma estrutura bem desenvolvida. É até possível estudar a estrutura das for- mas artísticas com a lógica da teoria da informação (Mueller, 1967}. No mundo real, fora do laboratório do psicólogo, é raro encontrar casos em que um tipo de pensamento seja empregado isola- damente. É óbvio que o modo de pensar empregado depende muito da natureza da situação. A maioria dos autores con- centrou-se em dois fatores principais relacionados: a relação do pensador com o mundo exterior e a natureza do controle exercido sobre esses processos de pensamento. Murphy (1947} afirmou que os processos mentais são bipolares e influenciados tanto pelo mundo exter- no quanto por necessidades pessoais internas. Ao estudar a personalidade, ele estava interessado especialmente na suscetibilidade do indivíduo a essas duas influências e no predomínio resul- tante de certos estilos de pensamento observáveis no indivíduo. Raramente uma pessoa normal passa algum tem- po preocupada só com uma dessas influências; na verdade, elas se alter- nam. Entretanto, é possível identificar condições em que seria de esperar que a pessoa normal desse mais atenção a uma influência do que a outra. 136 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM É óbvio que a solução de problemas requer mais atenção às exigências do mundo exterior do que à necessida- de mental interna. Por outro lado, no pensamento imaginativo, o indivíduo preocupa-se primariamente em satis- fazer necessidades internas por meio da atividade cognitiva, que pode não ter muita relação com o mundo real. Isso parece trazer uma distinção psico- lógica paralela à existente entre projeto e arte, discutida anteriormente. O ato de projetar visa resolver um problema no mundo real, enquanto a arte, em boa parte, é automotivada e centrali- za-se na expressão de pensamentos íntimos. Isso não significa que o pen- samento imaginativo possa ser exclu- ído do processo de projeto, mas que, provavelmente, o seu produto sempre terá de ser avaliado pelo pensamento racional para que o trabalho do proje- tista seja pertinente ao problema no mundo real. O controle e a combinação de pensamento racional e imaginativo constituem uma das habilidades mais importantes do projetista, e discutire- mos melhor esse tema imprescindível no Cap. 9. 8.7 Pensamento e personalidade Uma abordagem muito popular do estu- do da inteligência humana é a escola fatorial. Essa linha defende que a inteli- gência humana não é um fator simples, e sim toda uma série de fatores relacio- nados, cada um dos quais está presen- te em maior ou menor grau em todos os indivíduos. Ao examinar essa linha, Guilford (1956} concluiu que os fatores intelectuais poderiam ser divididos emdois grandes grupos: do pensamento e da memória. Os fatores do pensamen- to, os quais são de maior interesse aqui, Guilford subdividiu em cognição, pro- dução e avaliação. Os fatores de cognição do pensa- mento humano têm a ver com tomar consciência e entender as classes de objetos ou ideias. Essa capacidade ana- lítica de classificar e reconhecer tem a máxima importância no pensamento cotidiano. Por exemplo, não seria pos- sível estudar as diferenças entre os sistemas estruturais empregados nas igrejas romanescas e góticas sem antes reconhecer e classificar tais edificações. Guilford defende que há três maneiras de desenvolver esse sistema de classes, dependendo do uso de conteúdo figura- tivo, estrutural ou conceituai. Portanto, pode-se reconhecer uma classe pelas suas propriedades figurativas. A prin- cípio, as crianças podem reconhecer como vacas todos os animais de quatro patas, e só depois procurar mais deta- lhes, como chifres e caudas. O segundo sistema de reconhecimento de clas- ses pelo conteúdo estrutural exige que exista alguma relação funcional entre os elementos daquela classe, como na questão "complete a série de símbo- los" do teste de QI. Finalmente, pode- -se reconhecer uma classe em termos conceituais, como o grupo de pessoas aprovadas em determinados exames, que pode incluir arquitetos e advoga- dos. Assim, para Guilford, esses fatores de cognição influenciam a nossa capa- cidade de definir e entender os proble- mas, tenham eles a ver com aparência, função ou significado dos objetos. Como destaca o próprio Guilford, os proble- mas de tipo figurativo e estrutural são abundantes na atividade de projetar e, provavelmente, a capacidade de dife- renciar classes figurativas e estruturais é importante para o projetista. O segundo grupo de fatores do pen- samento de Guilford diz respeito à pro- dução de algum resultado final. "Depois de entender o problema, precisamos dar novos passos para resolvê-lo" (Guil- ford, 1967). Assim como os fatores de cognição de Guilford tratam da capaci- dade de reconhecer a ordem figurativa, estrutural e conceitual, os fatores de produção pressupõem a nossa capa- cidade de gerar ou produzir esses três tipos de ordem, mas ele verificou que a realidade não era tão bem arrumada quanto o modelo sugeria: Na investigação da capacidade de pla- nejamento, supusemos que haveria uma habilidade de ver ou apreciar a ordem ou a sua falta como característica de pre- paração para o planejamento. Também se pressupôs que existiria uma capaci- dade de produzir ordem entre objetos, ideias ou eventos na criação de um plano . Encontrou-se um único fator ordenador. (Guilford, 1967) Portanto, Guilford não achou duas habilidades de manejar estrutura e ordem, mas uma só, que parecia per- tencer aos fatores de produção, e não aos fatores de cognição. Essa é uma observação muito interessante à luz das minhas experiências já citadas, que tendiam a mostrar que os arqui- 8 Tipos e estilos de pensamento 137 tetos descobrem a estrutura dos pro- blemas tentando gerar ordem nas soluções, e dá mais peso ao argumen- to de que, ao projetar, análise e síntese não deveriam ser consideradas ativida- des inteiramente separadas (Lawson, 1972). Infelizmente, parece que poucos psicólogos consideraram, ao mesmo tempo, o reconhecimento e a produção de ordem, de modo que, por enquanto, temos de aceitar a distinção, uma vez que a literatura sobre pensamento pro- dutivo tem vários conceitos úteis a ofe- recer a quem estuda o ato de projetar. É claro que não devemos supor que todos os arquitetos sejam iguais no esti- lo de pensar, muito menos que todos os projetistas pensem exatamente da mesma maneira. Num conjunto inte- ressante de experiências, Anton van Bakel (1995) identificou o que, para ele, é uma série de "estilos de pensamento arquitetônico" diferentes e identificá- veis, que ele liga a variações da perso- nalidade. As experiências e entrevistas que fez com projetistas identificaram a sequência e a ênfase da atenção dada a vários grupos de fatores. Van Bakel escolheu descrever o seu "espaço da solução" como um triângulo cujos vér- tices são o Programa (brief), Concei- to (ou princípio do projeto) e Terreno. As suas categorias não correspondem exatamente ao modelo de problemas de projeto utilizado neste livro, mas podemos ver que a categoria Programa, na realidade, são as restrições geradas pelo cliente; a categoria Conceito são as restrições geradas pelo projetista ; e a categoria Terreno, a principal fonte de restrições externas para arquitetos. 138 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Esses resultados indicam claramente uma variação coerente de abordagem, que pode ser uma questão de prefe- rência pessoal ligada a fatores de per- sonalidade. No entanto, é preciso mais trabalho para ver até que ponto isso varia com o tempo e com o tipo de pro- jeto, antes de termos certeza do modo como esses vários fatores realmente interagem e podermos determinar a abordagem que um projetista específi- co utilizará num projeto específico. 8.8 Pensamento produtivo e projeto Ao apresentar a noção de "pensamento produtivo", Wertheimer (1959) preocu- pava-se primariamente com a carac- terística direcional do pensamento: "o que acontece quando, de vez em quan- do, o pensamento toma a dianteira?". Ele mostrou, com toda uma série de pequenas experiências, que, em uma situação problemática, o pensamento pode ser produtivo, caso siga na dire- ção adequada. Aqui, há pelo menos duas perguntas fundamentais que o psicólogo experimental pode fazer. Quem pensa tenta controlar a direção do pensamento? Em caso afirmativo, essa direção é produtiva ou não? É claro que os processos mentais são bipolares na sua característica direcional, assim como na relação com o mundo exterior. Quem pensa pode controlar voluntariamente a direção do pensamento ou permitir que este vagueie sem objetivo. Normalmente, ninguém se dedica exclusivamente a um ou outro tipo de pensamento, e o grau de controle direcional exercido varia. Eis aqui, portanto, outra distin- ção entre projeto e arte. Os projetistas têm que, de forma consciente, dirigir o processo de pensamento rumo a um fim declarado e específico, embora às vezes possam usar deliberadamente o pensamento não dirigido. No entanto, os artistas têm bastante liberdade para seguir a direção natural da mente ou controlar e mudar a direção do pensa- mento como acharem melhor. Pode-se utilizar a classificação de Bartlett (1958) para sustentar esse argumento, já que distingue o pensamento do artista do pensamento do projetista: Há o pensame nto que revela as leis da es- trutu ra acabada ou d as relações entre os fatos da observação e da experiência. Há o pensamento que segue as convenções da sociedade ou do indivíduo, e há, ainda, ou- tro pensamento que vê e exprime padrões. É claro que a busca e a expres- são de formas padronizadas constitui uma parte importante do pensamento artístico. Primariamente, os projetistas devem entregar-se ao primeiro tipo de pensamento de Bartlett para que pos- sam avaliar as relações entre os ele- mentos dados do problema. O volume de pensamento puramente expres- sionista que pode acontecer é, em boa parte, função do grau em que há espaço para restrições geradas pelo projetista. Como vimos, isso varia consideravel- mente entre os problemas e, portanto, é inevitável que haja muitos casos em que projeto e arte sejam indistinguíveis apenas com o uso desse teste. Bartlett prossegue e sugere dois modos principais de pensamento pro- dutivo: "pensamento em sistema fecha- do" e "pensamento de aventureiro". Na sua definição, o sistema fechado tem um número limitado de unidades que podem ser arrumadas em várias ordens ou relações. A lógica formal é um des- ses sistemas fechados,assim como a aritmética, a álgebra e a geometria. O pensamento em sistema fechado pode ser altamente criativo, como no caso da descoberta de novas provas matemáti- cas ou na criação de anagramas. Bartlett identifica dois processos no pensamen- to em sistema fechado: a interpolação e a extrapolação. Aqui, mais uma vez, vemos o conceito de direcionalidade do processo de pensamento: O pensamento genuíno é sempre um pro- cesso com direção. Na interpolação, o ponto terminal e pelo menos alguns indí- cios do caminho até lá são dados, e só é preciso descobrir o restante do caminho. Na extrapolação, são fornecidos alguns in- dícios do caminho; o restante do caminho e o ponto terminal têm de ser descobertos ou construídos. Assim, é na extrapolação que o caráter ou propriedade direcional provavelmente se torne mais destacado. (Bartlett, 1958) Embora esses dois processos de interpolação e extrapolação sejam con- ceitos fascinantes, quando pensamos nas condições dos projetos do mundo real, a situação perde parte da clareza. Ao projetar, raramente se sabe - ou não se sabe - o ponto terminal; em vez dis- so, há algumas informações sobre ele; é uma questão de grau. Em certos tipos de projeto, sabe-se exatamente onde se 8 Tipos e estilos de pensamento 139 vai chegar; em outros, mal se tem ideia. O outro modo de pensamento pro- dutivo de Bartlett, o pensamento de aventureiro, é definido com menos cla- reza do que o pensamento em sistema fechado. Nesse modo de pensamento, o repertório de elementos que podem ser levados em conta não é determi- nado. Na verdade, para ser bem-suce- dido, muitas vezes, o pensamento de aventureiro depende de elementos normalmente não relacionados que se unem de um jeito novo, e vem daí a sua natureza aventurosa. Mais uma vez, porém, a distinção entre o pensamen- to de aventureiro e o pensamento em sistema fechado torna-se vaga quando aplicada a situações em que se projeta. Sem dúvida, quando se procura é pos- sível encontrar em projetos exemplos de problemas em sistema fechado. O problema de arrumar mesas e cadeiras em um restaurante exige claramente o pensamento em sistema fechado. No entanto, muitas vezes esses exemplos não suportam um exame mais atento, porque raramente o projetista traba- lha exclusivamente com um conjunto de peças. Se uma arrumação de mesas específica não serve, é comum que o projetista tenha liberdade de experi- mentar mesas de tamanho e formato diferentes e até de alterar o formato do restaurante! Portanto, em geral, o conjunto de elementos dos problemas de projeto não é inteiramente fechado nem inteiramente aberto. Na verdade, é comum reconhecermos a resposta criativa a um problema de projeto como aquela em que o projetista se libertou de um conjunto de elementos conven- 140 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM cionalmente restrito. Assim, muitos projetistas consideram a imposição rígida de sistemas fechados, como no caso da construção de sistemas, uma ameaça ao seu papel criativo. Em boa parte da literatura sobre o pensamento produtivo, encontramos várias divisões binárias intimamente relacionadas entre os processos racio- nais e lógicos, de um lado, e os intui- tivos e imaginativos, do outro. Essas duas categorias principais tornaram-se conhecidas como produção convergen- te e divergente (Fig. 8.1). Tipicamente, a tarefa convergente exige habilidade dedutiva e interpolativa para chegar a uma resposta que possa ser identifica- da como correta. A habilidade conver- gente é medida por muitos problemas propostos em testes convencionais de QI, e foi associada ao talento para a ciência. A tarefa divergente exige uma abordagem aberta, que busca alternati- vas onde não há respostas claramente corretas. A habilidade divergente pode ser medida por testes erroneamente chamados de testes de criatividade, como "em quantos usos para um tijo- lo você consegue pensar", e foi asso- ciada ao talento para as artes. Como veremos no próximo capítulo, muitas vezes essas duas ideias foram grossei- ramente simplificadas e confundidas, de forma variada, com a inteligência e a criatividade. Guilford e outros tratam o pensamento convergente e divergente como dimensões de capacidade separa- das e independentes que podem surgir em qualquer proporção nos indivíduos. Guilford (1967) defende que, embora poucas tarefas do mundo real exijam exclusivamente o pensamento conver- gente ou o pensamento divergente, ain- da assim a distinção é válida e útil. Com a nossa análise da natureza dos problemas de projeto, fica óbvio que, como um todo, projetar é uma tarefa divergente. Uma vez que rara- mente os projetos são procedimentos de otimização que levam a uma única resposta correta, o pensamento diver- gente será necessário. No entanto, é provável que, em qualquer processo de projeto, haja muitos passos que exijam tarefas convergentes. É verdade que tais passos podem acabar sendo refei- tos ou até totalmente rejeitados, mas seria extremamente absurdo achar que nos problemas de projeto não haja nenhuma parte que possa ser tratada por processos lógicos e tenha soluções mais ou menos ótimas. É claro que pro- jetar envolve pensamento produtivo convergente e divergente, e os estudos do trabalho de bons projetistas mostra- ram que eles conseguem desenvolver e manter várias linhas paralelas de pen- samento (Lawson, 1993a). No entanto, a relação entre pensamento divergente, pensamento convergente e linhas para- lelas de pensamento é algo que deixa- remos para bem mais adiante. WDDW Fig. 8.1 Tarefa convergente: completar a sequência Tarefa divergente: o que isso representa? Pensamentos convergente e divergente 9 Pensamento criativo É um fato bem sabido que todos os inventores rabiscam a p rimei- ra ideia nas costas de um envelope. Adoto uma leve variação: uso a frente, e aí basta incorporar o selo e o projeto já está meio pronto. Roland Emett Gênio é 1% de inspi ração e 99% de transpi ração. Thomas Alva Edison 9.1 O que queremos dizer com criatividade? A maioria das pessoas descreveria a atividade de projetar como uma das ocupações humanas mais criativas. Entre as chamadas artes criativas, estão a composição musical, a pin- tura, a escultura e as várias formas de projeto bi e tridimensio- nal. No entanto, a criatividade e o pensamento criativo podem aplicar-se, da mesma forma, à ciência, à medicina, à filosofia, ao direito, à administração e a muitos outros campos das rea- lizações humanas. Nas artes criativas, inclusive na de proje- tar, a questão é criar algo que os outros vivenciem e que, de uma maneira ou de outra, seja novo e original. Nenhum livro sobre os processos de pensamento envolvidos na atividade de projetar estaria completo sem um exame dos fundamentos da criatividade e do pensamento criativo. Hoje, há um volume imenso de textos sobre criatividade, que é extensamente estudada não apenas por psicólogos, como tam- bém por filósofos e, mais recentemente, por cientistas cognitivos e computacionais. Algumas de nossas noções mais profundas sobre criatividade também vêm de pessoas famosas e extre- 142 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM mamente criativas que descreveram os processos envolvidos e refletiram sobre eles. Depois, há os que escrevem sobre como aprimorar ou aumentar a criativi- dade e descrevem técnicas para usá-la individualmente ou em grupo. Margaret Boden (1990} propôs que seria útil distinguir dois tipos de cria- tividade: H e P. A criatividade H é a que resulta em ideias inéditas e fundamen- talmente novas na história do mundo. Portanto, a descoberta da relativida- de por Einstein ou o momento em que Arquimedes pulou do banho gritando "Eureca!" são ambos momentos de cria- tividade H. A criatividade P, embora mais glamorosa, é igualmente impor- tante para nós aqui. Afinal, MargaretBoden ressalta, com razão, que uma ideia basicamente nova para a men- te de um indivíduo ainda tem gran- de importância, mesmo que não seja necessariamente nova para o mundo. Na verdade, ao projetar, costuma haver muitos avanços de grande importância para os quais é bem difícil ter certeza exatamente de quem teve e de quando surgiu a ideia criativa H. A história ten- de a dar a indivíduos o crédito desses avanços, como se eles trabalhassem em admirável isolamento em relação a seus colegas e a outros projetistas. Quando virou de lado o motor de combustão interna, comprimiu o compartimento do motor, removeu o porta-malas tradicional e desenhou o famoso Mini, Alec Issigonis criou mais do que apenas um outro projeto de car- ro. Ao combinar várias ideias novas, fez com que olhássemos os carros de um modo diferente. De repente, o automó- vel podia tornar-se quase um acessório da moda, uma extensão das roupas que também era capaz de nos transportar pela cidade. Sem dúvida, esse foi um dos momentos mais criativos da história do automóvel. Centenas, talvez milhares de carros já foram projetados, mas só às vezes um projeto "quebra o molde". Outros projetos podem ser interessan- tes, atraentes e até empolgantes, mas só de vez em quando um projeto é ver- dadeiramente inovador. Quando proje- tou para a Olivetti a famosa máquina de escrever Golfball, Maria Bellini nos permitiu ver possibilidades basicamen- te novas. O projeto substituiu o tradi- cional carro móvel que levava o papel de um lado para o outro, e manteve o papel parado, a não ser pela mudança de linha, e moveu a cabeça de impres- são. A ideia ainda mais revolucionária de pôr todos os caracteres numa esfera giratória permitiu que o usuário a tro- casse e, assim, mudasse o tipo de letra. A história oferece muitos outros exemplos de projetos inovadores e capazes de quebrar moldes, e com fre- quência eles passam a ser considerados "clássicos" por ter uma certa caracte- rística atemporal (Forty, 1986}. O que esses projetos têm em comum, além de resolverem de forma brilhante os problemas propostos, é que mudam o mundo de forma irrevogável. São vál- vulas unidirecionais da história dos projetos, equivalentes às grandes des- cobertas da ciência. Assim que o Mini passa a existir, torna-se possível toda uma série de carros urbanos peque- nos, fáceis de manobrar e produzidos em massa. Ser pequeno não é m ais ser pobre, mas chique, inteligente e da última moda. Assim que o Pavilhão de Barcelona projetado por Mies van der Rohe, em 1929, passa a existir, torna- se possível toda uma nova geração de edificações nas quais a relação entre as paredes, os meios de sustentação do teto e os espaços por eles definidos mudam de maneira fundamental. No entanto, vamos começar pelo início, que é algo que a mente criativa muitas vezes não faz, mas que nesta ocasião parece necessário! 9.2 Algumas descrições do processo criativo O matemático Henri Poincaré (1924} refletiu sobre as suas realizações cria- tivas consideráveis no pensamen- to matemático e nos deixou algumas ideias sobre os processos envolvidos. Normalmente, ele descreve um pro- cesso dividido em fases com tipos de pensamento bem diferentes. Primeiro, um período de investigação inicial do problema em pauta, seguido por um período mais relaxado de aparente des- canso mental. Em seguida, uma ideia de solução surge quase sem ser solici- tada pelo pensador, provavelmente na hora mais inesperada e no lugar mais improvável. Por fim, a solução precisa de elaboração, verificação e desenvolvi- mento. É assim que Poincaré descreve o seu trabalho para o primeiro artigo sobre uma série de funções matemáti- cas chamadas fuchsianas. Ele diz que trabalhou intensamente durante duas semanas para provar que essas funções 9 Pensamento criat ivo 143 podiam existir. Nesse período, sentava- -se à escrivaninha pelo menos uma ou duas horas por dia, experimentando combinações sem nenhum resultado positivo. No entanto, certa noite, con- tra os seus hábitos, ele tomou um café preto e não conseguiu dormir, e regis- tra que "as ideias ergueram-se em mul- tidão" (Poincaré, 1924). Pela manhã, ele determinara uma classe de funções fuchsianas que, então, pôde escrever. Enquanto precisava levar as suas ideias adiante para entender a relação entre essas funções e outras que tinha des- coberto, o trabalho foi interrompido por uma viagem numa excursão geológica. Ele registra que a viagem o fez esquecer o trabalho, mas que, mais tarde, ainda viajando, estava prestes a embarcar num ônibus quando, "no momento em que pus o pé no degrau, a ideia me veio" (Poincaré, 1924). Esse momento de "heureca", como se costuma dizer, parece bem característico dos grandes momentos criativos. Todos já ouvimos dizer que Arquimedes pulou do banho gritando "Heureca!" quando resolveu um problema no qual vinha tra- balhando havia algum tempo. Outros, como Helmhotz e Hadamard, descrevem situações parecidas, e este último afirma ter acordado com soluções que não esta- vam na sua cabeça antes de dormir. Mais conhecido é o relato do famoso químico Friedrich von Kekule, que descobriu a estrutura em anel da molécula de benze- no quando estava semiadormecido dian- te da lareira. Não são apenas cientistas e mate- máticos que falam do surgimento súbito e inesperado de ideias. Parece 144 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM que pintores, poetas e compositores têm experiências semelhantes. Mozart escreveu numa carta: "Quando sou, por assim dizer, completamente eu, inteiramente sozinho e de bom humor - digamos, viajando em uma carrua- gem, ou caminhando depois de uma boa refeição, ou durante a noite quando não consigo dormir-; é nessas ocasiões que as minhas ideias fluem melhor e com mais abundância". O poeta Ste- phen Spender fala de uma "torrente de palavras que passa pela minha mente" quando está semiadormecido. Sabe- -se que, depois de tomar ópio, Samuel Taylor Coleridge teve uma visão que levou às imagens extraordinárias de Xanadu em Kubla Khan. E assim vai. Não devemos, porém, nos deixar levar pela ideia romântica do salto cria- tivo para o desconhecido. Tipicamen- te, os pensadores criativos trabalham muito. É verdade que os grandes gênios costumam achar a vida bastante fácil, mas para a maioria de nós, as ideias só vêm depois de esforço considerável e, então, podem exigir muita elabora- ção. Geralmente se admite que, embo- ra Mozart escrevesse músicas quase como se as visse prontas com os olhos da mente, Beethoven sentia necessida- de de reelaborar várias vezes as suas ideias. Os especialistas em música se espantaram com a aparente deselegân- cia de algumas primeiras anotações de Beethoven, mas é claro que todos nos assombramos com o que ele acabou fazendo com elas. Assim, é improvável que as gran- des ideias nos ocorram sem esforço; é improvável que baste tomar banho na banheira, pegar um ônibus ou cochilar diante da lareira. Foi isso que Thomas Edison quis dizer ao falar dos "99%" de transpiração na citação do início deste capítulo. O consenso geral é que podemos identificar até cinco fases no processo criativo (Fig. 9.1), que cha- maremos de "primeira noção", "pre- paração", "incubação", "inspiração" e "verificação" (Kneller, 1965). Primeira noção Preparação Incubação Inspiração Verificação Fig. 9.1 Formulação do problema Tentativa consciente de solução Nenhum esforço consciente Surgimento súbito da ideia Desenvolvimento consciente O modelo popular em cinco e stágio s do processo criativo O período da "primeira noção" envolve simplesmente reconhecer que o problema existe e comprometer-se a resolvê-lo. Assim, a situação problemá- tica é formulada e expressa na mente, de maneira formal ou informal. Nor- malmente esse período é bem curto, maspode durar muitos anos. Em situa- ções de projeto, raramente o problema é declarado com clareza desde o princí- pio, e essa fase pode exigir um esforço considerável. É interessante que mui- tos projetistas experientes declaram a necessidade de existir um problema claro para que consigam trabalhar de forma criativa. O arquiteto e engenhei- ro Santiago Calatrava produziu algu- mas das estruturas mais imaginosas e inovadoras da nossa época, mas todas como resposta a problemas específicos: "É a resposta a um problema específi- co que forma o trabalho do engenheiro [ ... ] Não consigo mais projetar apenas um pilar ou um arco, sabe, preciso de um problema bem definido, preciso de um lugar" (Lawson, 1994a). Atribui-se declaração semelhante a Barnes Wallis: "Primeiro, sempre houve um problema. Nunca tive uma ideia inédita na vida. As minhas realizações foram soluções de problemas" (Whitfield, 1975). É cla- ro que Bames Wallis teve muitas ideias inéditas e inovadoras, mas parece que ele e Calatrava nos dizem que são mais criativos quando o problema lhes é imposto de fora. Isso pode estar em conflito com algumas opiniões sobre o ensino da atividade de projetar que entraram na moda recentemente, as quais afirmam que os alunos deveriam ser postos em situações livres e abertas para desenvolver a criatividade! A fase seguinte de "preparação" envolve um esforço consciente consi- derável para buscar uma solução para o problema. Como vimos, pelo menos ao projetar, é provável que haja idas e vindas entre essa fase e a anterior, já que o problema pode ser reformulado e até completamente redefinido confor- me se explora a variedade de possíveis 9 Pensamento criat ivo 145 soluções. No entanto, o que parece ser comum a todos os que escrevem sobre criatividade é que a esse período de tra- balho duro, intenso e deliberado, fre- quentemente se segue o período mais relaxado de "incubação". Já vimos como a incubação de Poin- caré veio de uma viagem, mas essa possibilidade nem sempre se apresenta para o projetista praticante. Alexander Moulton é famoso pela bicicleta inova- dora que tem o seu nome e pelo sistema de suspensão com cones de borracha empregado por Issigonis no Mini, que mais tarde deu origem ao sistema Hydrolastic e, finalmente, ao Hydragas. Moulton (Whitfield, 1975) aconselha: "Tenho certeza de que, do ponto de vista criativo, é importante ter uma ou duas linhas de pensamento diferentes para seguir. Não muitas, mas só para a gente poder descansar uma delas na cabeça e trabalhar na outra". Assim, tanto o projetista praticante quanto o aluno de projeto precisam ter várias coisas em que trabalhar para não perder tempo enquanto uma delas "incuba". Já documentamos neste capítulo o momento aparentemente mágico da "inspiração", e pouco mais é preciso dizer. Não se sabe direito como e por que a mente humana funciona assim. Alguns defendem que, durante o perío- do de incubação, a mente continua a reorganizar e reexaminar todos os dados absorvidos durante os períodos intensivos anteriores. Em um capítulo mais adiante, examinaremos algumas das muitas técnicas recomendadas para aprimorar a criatividade. A maio- ria delas baseia-se em mudar a direção 146 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM do pensamento, já que, em geral, reco- nhece-se que achamos mais fácil ir na mesma direção em vez de iniciar uma nova linha de pensamento. O período de incubação também pode fazer uma linha de pensamento se interromper, e quando voltamos ao problema, ficamos mais livres para partir em uma direção nova, diferente da anterior. Finalmente, chegamos ao período de "verificação", no qual a ideia é testa- da, elaborada e desenvolvida. Mais uma vez, devemos lembrar que, ao projetar, essas fases não são tão separadas como a análise sugere. É muito comum que o período de verificação revele a inade- quação de uma ideia, mas a essência dela talvez ainda seja válida. Talvez isso leve a uma reformulação do problema e a um novo período de investigação etc. 9.3 Velocidade de trabalho Com base na seção anterior, podemos ver que é provável que as fases criati- vas do processo de projeto envolvam períodos alternados de atividade inten- sa e outros mais relaxados em que se faz pouco esforço mental consciente. Isso é característico das descrições que temos do trabalho de muitos bons pro- jetistas. Eis outro exemplo excelente de Alexander Moulton: Pensar é um processo cerebral dif ícil. Não se deve imaginar que esses problemas se resolvam sem muito pensamento. É preciso esgotar-se. A coisa tem de ser ob- servada na mente e regirada várias vezes, de um jeito meio tridimensional. E, quan- do passamos por esse processo, podemos deixar o computador da mente, ou seja lá o que for, zumbindo ao fundo enquanto a gente escolhe outro problema . Moulton também fala de uma "fúria de rapidez para que a pressão da criatividade se mantenha e a dúvi- da fique acuada". Philippe Starck fala de trabalhar intensamente para "cap- tar a violência da ideia". Ficou famosa a afirmação de Starck de que projetou uma cadeira em uma viagem de avião durante o período de decolagem, enquanto as luzes para apertar os cin- tos estavam ligadas! Ao descrever esse período de intensa investigação, vários arquitetos o compararam a malabaris- mos. Michael Wilford usa essa analogia deum malabarista que tem seis bolas no ar [ ... ] e o arquiteto funciona de um jeito parecido, com pelo menos seis frentes ao mesmo tempo, e se tirarmos o olho de uma delas e ela cair, estamos enrascados. (Lawson, 1994a) Richard MacCormac (Lawson, 1994b) repete essa ideia e também res- salta que "não dá para fazer malaba- rismo devagar durante muito tempo". Isso explica a característica específica de ser criativo ao projetar. Raramente o problema é simples, com apenas uma ou duas características; normalmen- te são muitos critérios a satisfazer e uma miríade de restrições a respeitar. A única maneira de mantê-los todos na mente ao mesmo tempo, por assim dizer, é oscilar com muita rapidez entre eles, como um malabarista. É claro que, como vimos, isso pode não t razer a solução de imediato, pois ela pode vir depois de um período mais relaxado de incubação. 9.4 Personalidade criativa? Neste capítulo, já estudamos as opini- ões de várias pessoas famosas e cria- tivas que são cientistas, matemáticos, compositores, poetas e, naturalmen- te, projetistas. Isso leva a perguntar se naturalmente algumas pessoas são mais criativas do que outras, ou não. A criatividade estará ligada à inteligên- cia? Haverá relações entre criatividade e personalidade? Os psicólogos estu- daram pessoas altamente criativas em busca de respostas a essas perguntas. Um estudo com cientistas excepcio- nalmente criativos (Roe, 1952) verificou que eram tipicamente muito inteligen- tes, mas também persistentes e muito motivados, autossuficientes, confiantes e assertivos. Os projetistas têm sido um alvo popular desses estudos. Mackin- non realizou uma série de estudos sobre a personalidade criativa e explica por que escolheu arquitetos: De todas as nossas amostras, é nos ar- quitetos que podemos ter esperanças de encontrar o que, em geral, é mais ca- racterísti co das pessoas criativas [ ... ] na arquitetura, os produtos criativos são uma expressão do arquiteto e, portanto, um produto muito pessoal; ao mesmo tempo, são um enfrentamento impessoal das exi- gências de um problema externo. (Mackinnon, 1962) Ele verificou que os seus arquitetos criativos eram seguros e confiantes, embora não muito saciáveis. Também 9 Pensamento criativo 147 eram tipicamente inteligentes, autocen- trados, extrovertidos e até agressivos, e se tinham em alta conta (Mackinnon, 1976). O perturbador é que os arquitetos do grupo considerado menos criativo é que seviam como mais responsáveis e com maior preocupação solidária pelos outros! A inteligência parece ter algum papel no talento criativo. Mackinnon registrou que, embora "nenhum par- ticipante pouco inteligente tenha apa- recido em nenhum dos nossos grupos criativos", isso não significa que pes- soas muito inteligentes sejam natu- ralmente muito criativas. Em geral, o tipo de teste utilizado pelos psicólogos para medir a criatividade difere do tes- te tradicional de inteligência. A questão típica dos testes de inteligência pede ao participante que encontre a resposta certa, geralmente usando pensamento lógico, e no teste de criatividade é mais provável que a questão tenha muitas respostas aceitáveis. Getzels e Jackson, num estudo famoso e bastante controvertido, com- pararam grupos de crianças que tive- ram pontuação elevada em testes de criatividade com os que tiveram bom desempenho nos testes de inteligência mais convencionais. Afirmaram iden- tificar muitas diferenças entre esses dois grupos de crianças bem dotadas, e uma das mais importantes era a imagem que as crianças tinham de si mesmas, bastante parecida com a dos professores (Getzels; Jackson, 1962). As crianças ditas "inteligentes" eram consideradas obedientes e flexíveis, com tendência a buscar a aprovação 148 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM dos mais velhos, enquanto as "criati- vas" eram mais independentes e ten- diam a impor padrões próprios. As crianças ditas "criativas" eram menos apreciadas pelos professores do que as "inteligentes". Isso, somado à descri- ção que Mackinnon faz dos arquitetos criativos, tende a confirmar a opinião comum de que as pessoas altamente criativas podem ser de convivência difícil e, em geral, não se incomodam com isso. Mais recentemente, as diferenças entre os grupos "inteligente" e "criati- vo" foram consideradas como tendên- cia a se distinguir nos pensamentos convergente ou divergente. Hudson realizou uma série de estudos com grupos de alunos cujo alto desempe- nho nesses dois tipos de habilidade de pensamento foi medido. Ele mos- trou que, em geral, os meninos com habilidade convergente elevada ten- dem a sentir-se atraídos pela ciência, enquanto os colegas mais divergentes mostram preferência pelas artes (Hud- son, 1966). Na verdade, a ciência não é uma questão de produção puramente convergente, assim como a arte não é exclusivamente uma questão de pen- samento divergente (Hudson, 1968). Essa concentração no pensamento convergente ou divergente, portanto, pode ser apenas uma pista falsa no desenvolvimento da nossa compreen - são da criatividade. Essa tendência bastante popular de considerar o pensamento divergente como habilidade central nas artes não resiste a exames. Uma visita à Galeria Clore, no Tate Museum, em Londres, revelará que o grande pintor britânico J. M. W. Turner era persistente e obstina- do. Quadro após quadro revela a obses- são com o problema de retratar a luz na tela sólida. Não há aqui nenhum gran- de voo de ideias, mas uma vida intei- ra dedicada a aperfeiçoar uma técnica. Uma técnica gloriosa e maravilhosa- mente expressiva. Por outro lado, já vimos que os cien- tistas de sucesso podem ser considera- dos altamente criativos e que as suas ideias geram uma mudança comple- ta na maneira como vemos o mundo. Uma demonstração drástica disso seria o relato bastante revelador da obra de James Watson e Francis Crick, que des- cobriram a bela geometria em hélice dupla do DNA (Watson, 1968). A estru- tura do DNA, como a conhecemos hoje, simplesmente não podia ser deduzi- da logicamente a partir dos indícios disponíveis para Watson e Crick. Eles tiveram de dar um salto rumo ao des- conhecido, em uma demonstração por excelência do pensamento divergente! 9.5 Criatividade ao projetar Embora tenhamos visto que os pensa- mentos convergente e divergente são necessários a cientistas e artistas, pro- vavelmente é o projetista quem preci- sa das duas habilidades em proporção mais equilibrada. Os projetistas têm de resolver problemas impostos exter- namente, satisfazer a necessidade dos outros e criar objetos belos. Herman Hertzberger destaca isso quando des- creve o que significa, para ele, criativi- dade em arquitetura. Ele discutia o pro- blema de projetar a escada da entrada de uma escola: Sabe, para mim criatividade é achar so- luções para todas essas coisas que são contrárias, e o tipo errado de criatividade é que a gente esquece o fato de que às vezes chove, esquece que às vezes t em gent e demais, e só fazemos escadas bo - nit as a pa rti r daquela id eia que te mos na cabeça . Isso não é cr iatividad e, é falsa cria- tividade. (Lawson, 1994a). Esse comentário de Hertzberger indica que precisamos ter cuidado ao distinguir originalidade e criatividade em um projeto. No mundo competitivo e, às vezes, bastante comercial da ati- vidade de projetar, o novo e surpreen- dentemente diferente pode se destacar e ser aclamado apenas por isso. Mas ser criativo ao projetar não é apenas nem necessariamente uma questão de ser original. O desenhista industrial Richard Seymour considera que o bom projeto resulta da "solução inesperada- mente pertinente, não de maluquices que se fingem de originalidade" (Law- son, 1994a). O famoso arquiteto Robert Venturi disse que, para o projetista, "é melhor ser bom do que ser original" (Lawson, 1994a). Hertzberger, Seymour e Venturi parecem advertir-nos con- tra a tendência recente de valorizar o projeto de aparência puramente origi- nal sem testá-lo para ver se realmente cumpre as exigências feitas. Assim, começamos a ter uma ima- gem do processo criativo de projetar. Provavelmente ele segue as fases da criatividade já delineadas: envolve 9 Pensamento criativo 149 períodos de trabalho muito intenso e rápido, semelhante a malabarismos, em que se relacionam muitas exigên- cias, frequentemente incompatíveis ou, pelo menos, conflitantes. No início des- te livro, vimos que, muitas vezes, o bom projeto é uma questão de integração. As rodas de carroça de George Sturt baseavam-se na ideia única da forma de prato para resolver muitos proble- mas totalmente diferentes. No entanto, raramente é fácil achar essa ideia, que costuma surgir em um momento de "inspiração" depois de longa luta. Não surpreende, pois, que os bons projetistas tendam a sentir-se à von- tade com a falta de definição das suas ideias durante a maior parte do pro- cesso de projeto. Geralmente as coisas só se juntam mais tarde, quase no fim do processo. Os que preferem um mun- do mais garantido e ordenado podem sentir-se desconfortáveis no campo criativo do projeto tridimensional. Tipicamente, parece que os projetis- tas lidam com essa falta de definição de duas maneiras principa is: com a geração de alternativas e com o uso de "linhas paralelas de pensamento". Parece que alguns projetistas traba- lham deliberadamente para gerar uma série de soluções alternativas bem no começo, vindo em seguida um proces- so progressivo de refinamento, teste e seleção. Outros preferem trabalhar em uma ideia única, mas aceitam que, além de evoluir, ela possa sofrer revoluções. Seja como for, é difícil que simplesmen- te esperar que uma ideia surja traga algum sucesso. Em geral, parece que os nossos processos de pensamento 150 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM têm vontade própria. Depois que tive- mos uma ideia ou começamos a ver um problema de um jeito específico, é preciso um bom esforço para mudar de direção. Os pensadores criativos, em geral, e os projetistas, em particular, parecem ter a capacidade de mudar a direção do pensamento, gerando assim mais ideias. No Cap. 12, discutiremos técnicas para fazer isso como parte do processo de projeto. Também fica claro que os bons pro- jetistas têm, de forma típica e rotineira,ideias incompletas e talvez conflitantes, e permitem que essas ideias coexistam sem tentar defini-las logo no início do processo. Essas "linhas paralelas de pensamento" também serão discutidas com detalhes no Cap. 12. 9.6 Educação para a criatividade Pelo menos na atividade de projetar, vimos que há várias habilidades que os projetistas experientes parecem ter adquirido e que ajudam a liberar o seu potencial criativo. É verdade que também vimos que os projetistas con- siderados criativos parecem ter em comum alguns traços de personalida- de. Portanto, os indícios são confusos, como costuma acontecer na psicolo- gia. Somos criativos porque nasce- mos assim ou somos criativos porque aprendemos a ser assim? Simplesmen- te não temos uma resposta confiável a essa pergunta, que, de qualquer modo, não faz parte do escopo deste livro. Basta dizer que há indícios suficientes de que podemos aprimorar a criativi- dade para exigir bastante atenção do sistema educacional pelo qual passam os projetistas. Aqui, especificamente, um dos pro- blemas é até que ponto devemos cha- mar a atenção dos alunos de projeto para projetos anteriores. Uma escola de pensamento defende que os alunos devem ter um regime livre e aberto, no qual se encoraje a livre expressão. Outra argumenta que os projetistas têm de resolver problemas do mundo real e que devem dar atenção à aquisi- ção de conhecimento e experiência. Sem dúvida, há muitos indícios favo- ráveis à escola de pensamento aberto, livre e expressivo. Por exemplo, muitos estudos demonstraram o efeito meca- nizador da experiência. Simplesmen- te, depois que fizemos ou vimos algo ser feito de uma determinada manei- ra, essa experiência tende a reforçar a ideia na mente e pode bloquear alterna- tivas. Em uma das demonstrações mais contundentes desse fenômeno, pediu- -se a vários indivíduos que fizessem contas simples despejando água entre três jarras de capacidade diferente. Em cada problema, o tamanho real das três jarras mudava, mas em vários deles, a sequência da solução era essencialmen- te a mesma. Mais tarde, propôs-se um problema com uma solução alternativa e muito mais simples; os participantes tipicamente nem notaram e continua- ram a usar a resposta mais complexa (Luchins; Luchins, 1950). Certa vez, um professor de enge- nharia me disse que gostava de ensinar na graduação porque "eles não sabem que certas coisas são difíceis". Em consequência, descobriu que, às vezes, os alunos davam soluções inéditas para problemas já considerados bem enten- didos. Embora possa ter razão, o que ele deixou de destacar foi que, na verdade, isso era muito raro, e que o mais normal é que as soluções sugeridas pelos alu- nos sejam aquelas que já sabemos que não funcionam nem são satisfatórias. O mais comum é recordarmos os suces- sos, e não os fracassos dos alunos! Em comparação, Herman Hertzber- ger, no excelente livro Lições de arqui- tetura, mostra a importância de obter conhecimento e experiência: Tudo o que é absorvido e registrado pela mente se soma à coleção de ideias guar- dadas na memória: um tipo de biblioteca que podemos consultar sempre que surge um problema . Assim, em essência, quanto mais vemos, experimentamos e absorve- mos, mais pontos de referência t emos para nos ajudar a decidir em que direção se- guir: o nosso arcabouço de referência se expande (Hertzberger, 1991) Ainda é verdade, porém, que a for- mação de projetistas no mundo todo baseia-se, em grande parte, no estú- dio onde os alunos aprendem tentando resolver problemas, e não adquirindo teoria e depois aplicando-a. Apren- der com os próprios erros costuma ser mais eficaz do que confiar na experiên- cia adquirida pelos outros! Mais recen- temente, a popularidade e o sucesso do sistema do estúdio levaram alguns educadores que ensinam a projetar a supor que todo aprendizado poderia ser assim. Entretanto, há problemas em 9 Pensamento criativo 151 um sistema desses, porque o aluno não aprende apenas no projeto do estúdio, mas também atuando e sendo assim avaliado. O que pode ser uma boa expe- riência de aprendizado não gera neces- sariamente uma nota alta. Infelizmente também, a ênfase nesses estúdios ten- de a recair no produto final, e não no processo. Assim, espera-se que os alu- nos se esforcem r umo a soluções que serão avaliadas, em vez de mostrarem a evolução da metodologia. Muitas vezes também a inevitável cerimô- nia de crítica que encerra o projeto do estúdio tende a concentrar-se na con- denação retrospectiva de elementos do produto final, e não no estímulo para desenvolver modos melhores de t raba- lhar (Anthony, 1991). Um estudo da educação escolar para projetar (Laxton, 1969) concluiu que não se pode esperar que as crian- ças sejam verdadeiramente criativas sem um reservatório de experiências. Laxton desenvolveu u m modelo bas- tante elegante do aprendizado de pro- jetar usando a metáfora de uma usina hidrelétrica (Fig. 9.2). Ele defendeu um modelo com três estágios de educa - ção em projeto em que as principais habilidades são identificadas e desen- volvidas. Para Laxton, a habilidade de iniciar ou exprimir ideias depende de ter um reservatório de conhecimen- tos nos quais se baseiam essas ideias. Isso lembra a exortação de Hertzberger aos estudantes de arquitetura para que adquiram conhecimento. A segunda habilidade de Laxton é avaliar e discer- nir ideias. Finalmente, a habilidade de transformar ou interpretar é necessá - 152 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM ria para traduzir as ideias no contexto adequado e pertinente. Kneller (1965), no seu estudo da criatividade, faz afir- mativa semelhante: Um dos paradoxos da criatividade é que, para pensar de forma original, temos de nos familiarizar com as ideias dos outros [ ... ] Essas ideias podem então formar um trampolim a partir do qual as ideias do criador podem ser lançadas. Experiência e conhecimento ! ! ! ! RESERVATÓR 10 Capacidade de iniciar ou exprimir -Capacidade de avaliação A formação do projetista é, por- tanto, um equilíbrio bastante delicado entre dirigir o aluno para que adquira esse conhecimento e experiência mas sem mecanizar os seus processos de pensamento a ponto de impedir o sur- gimento de ideias originais. t Capacidade de interpretar Fig. 9.2 GERADOR I TRANSFORMADOR O engenhoso modelo hidrelétrico de Laxton para ensinar a projetar 10 Princípios condutores Trabalhar com a filosofia, assim como trabalhar com a arquitetura, é na verdade trabalhar consigo mesmo. Wittgenstein - Ora - disse o Dodô- a melhor maneira de explicar é fazer. Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas O projetista não aborda cada problema de projeto a partir do nada, com a mente vazia, como insinua uma parte conside- rável da literatura sobre métodos de projetar. Na verdade, os projetistas têm as suas motivações, as suas razões para que- rer projetar, os seus conjuntos de crenças, valores e atitudes. Especificamente, eles costumam desenvolver conjuntos bas- tante coesos de opiniões sobre como se deve projetar no seu campo. Em seguida, essa bagagem intelectual é levada pelo projetista a cada projeto, às vezes de forma muito consciente, outras vezes nem tanto. Em alguns projetistas, essa coletânea de atitudes, crenças e valores é confusa e malformada; em outros é estruturada de forma mais clara e, em alguns, pode ser até algo que se aproxima de uma teoria do ato de proje- tar. Em última análise, alguns projetistas chegam ao ponto de explicar esses pensamentos em livros, artigos ou aulas. Talvez em alguns campos de projeto haja mais tradição de publicar argumentações e posturas do que em outros. Por exemplo, parece que os arquitetos ficam mais tentados a recorrer à pala- vra impressa do que os desenhistas industriais! Podemos cha- mar essas ideias de "filosofiado projetar", embora, em muitos casos, esse título talvez pareça grandioso demais. Quer repre- sentem uma coletânea de ideias desarticuladas, quer uma filo- sofia coerente, quer uma teoria completa do ato de projetar, essas ideias podem ser consideradas um conjunto de "princí- pios condutores". É provável que essa coletânea de princípios 154 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM cresça e mude conforme o projetista evolui. Às vezes, ela pode ser defendi- da com extremo vigor e tornar-se um território personalíssimo. O seu impac- to sobre o processo de projeto pode ser bastante considerável. Podemos examinar de várias manei- ras a importância desses princípios condutores. Em primeiro lugar, alguns projetistas conseguem articulá-los com muita clareza e defendê-los com gran- de convicção, enquanto outros têm menos certeza de que estão "corretos". Em segundo lugar, alguns projetistas permitem que os seus princípios con- dutores dominem o processo, enquanto para outros eles ficam mais em segun- do plano. Finalmente, podemos exami- nar o conteúdo das ideias propriamente ditas e ver como se relacionam com o modelo de problemas do projeto que já descrevemos. 10.1 Moralidade e projeto Em geral, pode-se considerar que o pro- jeto passa por fases de relativas certe- za e dúvida. Parece que agora estamos num período pós-moderno de confu- são pluralista, sem nenhum conjunto de teorias amplamente adotadas sobre como projetar. No entanto, só recente- mente, durante o movimento moder- nista, é que as ideias de projeto passa- ram a ser aceitas de forma mais geral pelas várias disciplinas correlatas. Walter Gropius (1935), um dos maiores responsáveis pela criação da Bauhaus, uma escola transdisciplinar para ensi- nar a projetar, anunciou esse período de confiança ao afirmar que "a necessida- de ética da Nova Arquitetura não pode mais ser posta em dúvida". O grande arquiteto James Stirling (1965) pondera- ria que, quando estudante, foi "deixado com uma convicção profunda da corre- ção moral da Nova Arquitetura". Esse alto nível de confiança não era novo entre arquitetos. Mais ou menos um século antes, Pugin defendera, de forma memorável, a retomada vitoria- na do gótico não apenas como honesta em termos estruturais, mas como uma representação arquitetônica da fé cató- lica romana. Ele via o arco de ogiva como puro e verdadeiro, e desprezava o uso do arco pleno arredondado: "Se vemos a arquitetura ogival sob a sua verdadeira luz de arte cristã, assim como a própria fé é perfeita, também o são os princí- pios sobre os quais se baseia" (Pugin, 1841). Tudo isso é um pouco desconcer- tante, já que, uns quatro séculos antes, Alberti estudara Vitrúvio e publicara De Re Aediji.catoria. Nele, recomendava ao Papa Nicolau V toda a ideia do Renas- cimento, rejeitando a autoridade dos pedreiros medievais e, portanto, é cla- ro, os seus arcos góticos! Ele também insinuava o apoio da "autoridade supre- ma" ao defender o uso de proporções e princípios de projeto segundo ele base- ados no corpo humano! Completamos o círculo ao retornar ao século XX e encontrar Le Corbusier apresentando a sua variação sobre esse tema no famo- so tratado The Modular (Fig. 10.1). Ele propôs um sistema proporcional base- ado em números que, segundo afirma- va, podiam ser derivados da proporção entre as partes do corpo humano e que, portanto, tinham significado e correção profundos (Le Corbusier, 1951}. Não é nosso propósito aqui debater a correção ou não dessas ideias, e outros trataram das várias teorias do projeto de forma bem mais minuciosa. Aqui, o que interessa é a aparente necessidade de criar uma teoria subjacente do ato de projetar com base em algum tipo de certeza moral. A postura moral do projetar foi estudada por David Watkin, que ilustra uma série dessas posições mantidas atualmente e mostra que: apontam o precedente de Pugin ao suge- rir que o estilo cultural que defendem é uma necessidade inescapável que ignora- mos por nossa própria conta e risco, e que apoiá-la é um dever importante e social. (Watkin, 1977) Tive o privilégio de estudar o pro- cesso de trabalho de um número con- siderável de importantes arquitetos e verifiquei que nenhum deles se vê trabalhando num "estilo", mas, ain- da assim, todos têm fortes programas intelectuais por trás do seu trabalho. Mais uma vez, isso parece refletir a posição de Pugin, já que ele via o seu trabalho baseado "não num estilo, mas num princípio". Hoje, muitos arquite- tos veem os estilos arquitetônicos mais como invenções dos críticos do que como conjuntos de regras que devam seguir. Robert Venturi, sem dúvida, afirmava isso quando disse: "Bernini não sabia que era barroco[ ... ] Freud não era freudiano e Marx não era marxista" (Lawson, 1994b}. A palavra "estilo", todavia, é usada com conforto e entusiasmo em outros 10 Princípios condutores 155 226 140 183 Fig. 10.1 86 Le Corbusier afirmava q ue seu sistema proporcional teria um nível d e aut oridad e mais elevado ao relacioná-lo à est rut ura humana campos em que se fazem p rojetos, principalmente n a moda. A própria palavra "moda" passou a representar algo temporário e passageiro. Como as edificações são m ais caras e per- manentes, talvez os arquitetos sintam necessidade de descrever o seu t raba- lho como sustentado por ideias mais duradouras. Já vimos que se pode pro- jetar até com uma abordagem consu- mista e descartável dos artefatos (Cap. 7). Considera-se, portanto, que os princí- pios dão mais força à correção do que os estilos! Neste ponto, talvez valha lembrar uma definição de projetar que vimos no Cap. 3: "Realizar um ato de fé com- 156 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM plicadíssimo" (Jones, 1966). Talvez isso nos ajude a entender o fervor quase religioso com que às vezes os projetis- tas defendem os "princípios" que emba- sam o seu trabalho. É realmente difícil manter o esforço para concretizar pro- jetos complexos sem ter alguma certe- za e crença íntima. Se tudo é possível, como defender o projeto contra os que por ventura vão atacá-lo? Com a tecno- logia sofisticada hoje disponível, quase tudo é possível, de modo que talvez seja reconfortante ter alguns princípios que indicam de forma bastante inequívoca que algumas ideias são mais certas do que outras! Mas há perigos aqui. O conforto de um conjunto de princípios é uma coisa, mas ser dominado por uma abordagem doutrinária é outra. O arquiteto Eric Lyons (1968) declarou-se contra isso quando o movimento modernista ain- da estava no auge: Há moralismo demais nos arquitetos quando falam do seu trabalho, e com demasiada frequência justificamos a nossa inépcia com posturas morais [ ... ] edificações não deveriam existir para de- monstrar princípios. (Lyons, 1968) Mais recentemente, isso foi mostra- do por Robert Venturi, que argumentou: Artista não é quem projeta para pro- var a sua teoria, e sem dúvida nem para adequar-se a uma ideologia [ ... ] toda edifi- cação que tenta meramente exprimir uma teoria ou toda edificação que começa com uma teoria e avança de forma muito dedu- tiva é seca demais; por isso, dizemos que trabalhamos indutivamente. (Lawson, 1994b) Assim, começamos a ter a noção de que, em essência, o processo de projeto é experimental. As teorias, filosofias ou seja lá o que for do projeto não costu- mam ser muito bem definidas . Portan- to, pode-se considerar que cada projeto, além de resolver um problema, ao mes- mo tempo traz um entendimento maior dessas ideias genéricas mais teóricas. Herman Hertzberger, o grande arquite- to holandês, descreveu como "hipóte- se" o seu famoso prédio de escritórios da seguradora Centraal Beheer: Se pode ou não suportar as consequências do que traz à existência, depende da ma- neira como se ajusta ao comportamento dos seus ocupantes com o passardo tempo. (Suckle, 1980) Na verdade, essa edificação é notá- vel e inspiradora na tentativa de lidar com a vida social e pessoal dos que ali trabalham, em vez de ver os ocupantes como engrenagens de uma máquina- -escritório. Hertzberger já tinha escri- to extensamente sobre a sua teoria estruturalista da arquitetura. Aqui ele comparou o projeto de ferramentas ao projeto de instrumentos musicais. Estes últimos, argumentou, são menos específicos e encorajam os indivíduos a tomar posse deles e tornar-se criati- vos com eles: "Tento fazer uma edifi- cação como se fosse um instrumento, para que dela as pessoas possam tirar música" (Hertzberger, 1991). Parece que alguns projetistas veem toda a sua carreira como uma jorna- da rumo à meta da verdade suprema, enquanto outros têm uma atitude mais descontraída e flexível para com as for- ças motrizes por trás do seu trabalho. O famoso arquiteto Richard Rogers nos diz que: "Vivemos em busca de regras universais para que as nossas decisões ao projetar não brotem de preferências puramente arbitrárias" (Suckle, 1980). Contudo, nem todos os projetistas acham necessário buscar conscien- temente alguma teoria subjacente ao seu trabalho. A arquiteta Eva Jiricna é famosa pelos belos interiores high tech, que mostram uma atenção meticulo- sa e coerente à escolha e à junção de materiais, mas ela explica isso de for- ma bem pragmática: Não é um processo abstrato. Acho que para quem é pintor ou escultor, é tudo muito abstrato, mas a arquitetura é um trabalho muito concreto. Acho mesmo que toda essa filosofia é uma interpreta- ção falsa do que realmente acontece. A gente tem uma ideia, mas essa ideia não é realmente um pensamento muito filo- sófico nem conceituai. Na verdade, ela é uma expressão da nossa experiência, que é promovida pela questão. (Lawson, 1994b) Isso reflete algo que vi acontecer várias vezes quando estudei o proces- so de projetistas famosos. Houve críti- cos que escreveram para explicar como deveríamos interpretar o trabalho des- ses projetistas, e muitas vezes isso se tornou aceito como uma verdade. No entanto, os prórpios projetistas afir- mam que não pretendiam essas inter- pretações. No caso de Eva Jiricna, o divertido é que isso se estendeu até as intenções simbólicas por trás das suas roupas, quase sempre pretas. Na ver- dade, Eva explica que isso é prático, e 10 Princípios condutores 157 não simbólico, porque permite que ela "vá ao escritório pela manhã, ao terreno à tarde e ao teatro à noite, e por isso é extremamente prático". Assim, os críticos podem inferir o que o projetista não pretendeu, e deve- mos ter muito cuidado ao tirar conclu- sões sobre o processo que criou o objeto que está sendo criticado! 10.2 Decomposição versus integração Os projetistas variam na extensão em que retratam o seu trabalho como movido por um repertório limitado de considerações e em até que ponto dese- jam tornar isso explícito. Já vimos nes- te livro que o bom projeto costuma ser uma reação integrada a toda uma série de questões. As rodas de carroça feitas na oficina de George Sturt tinham for- ma de prato por uma série de razões. No entanto, também é possível ver o objeto projetado como desconstrução do problema. Mesmo antes de a ideia da desconstrução como jogo filosófico se popularizar, alguns projetistas pre- feriam articular o seu t rabalho num sentido técnico. Richard Rogers gosta de "esclarecer o funcionamento das partes" e, portanto, separa as funções, de modo que cada parte seja uma solu- ção ótima para um problema específico e desempenhe, segundo ele, um "papel único". Um processo de projeto como esse foi sugerido pelo famoso método de Christopher Alexander, examinado- no Cap. 5 que dependia de decompor o problema em suas partes constitutivas. 158 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Herman Hertzberger (1971), por sua vez, defende na verdade a abordagem mais integrada, na qual a ambiguidade e a multiplicidade de funções são proje- tadas de forma deliberada nos objetos. Ele mostra, por exemplo, num conjunto habitacional, que uma forma simples de concreto diante de cada residência pode exibir o número da casa, abrigar uma luminária, servir de apoio para garrafas de leite, ser um lugar para sen- tar e até servir de mesa numa refeição ao ar livre. Nesse caso, Hertzberger está longe de tentar otimizar o objeto para alguma função específica, e o vê como um tipo de solução conciliatória. Com o passar do tempo, questões diferentes tendem a vir à frente e assu- mir o papel principal no projeto. Em alguns casos, pode ser simplesmen- te uma questão de moda e estilo; em outros, porém, isso pode resultar da pauta social, econômica e política mais ampla da época. Sem dúvida, uma des- sas questões recentes é a do projeto "verde". Alguns projetistas escreveram livros e até projetaram quase como for- ma de propaganda para promover mais amplamente uma mudança de atitu- de. Por exemplo, Robert e Brenda Vale escreveram muitos artigos e livros a partir da sua famosa "casa autônoma" (Vale; Vale, 1975) e construíram várias casas para si e para outros, demonstran- do esses princípios. Por sua vez, Richard Burton (1979), que criou a primeira polí- tica energética para o RIBA, tomou o cuidado de fazer uma advertência: Vem-se dando certo alarde à energia nas edificações, e talvez isso continue durante algum tempo, mas espero que logo o as- sunto ocupe o lugar correto entre as outras vinte grandes questões que o projetista de edificações tem de levar em conta. (Burton, 1979) Talvez, no contexto deste livro, Richard Burton esteja nos alertando que de fato é preciso examinar atenta- mente um processo que, desde o prin- cípio, busca demonstrar a importância de uma série limitada de problemas. Em geral, o processo de projeto precisa ser mais equilibrado e, quase por defi- nição, menos concentrado do que algu- mas obras polêmicas talvez exijam. 10.3 O futuro Já vimos que projetar é mais normativo do que descritivo. Todo projeto contém, até certo ponto, uma afirmativa sobre o futuro. Como explica Cedric Price em relação à arquitetura: "Ao projetar para construir, todo arquiteto se envolve em prever o que acontecerá" (Price, 1976). Assim, os projetistas são guiados no seu trabalho tanto pela visão de futuro quanto pelo nível de confian- ça nessa visão. As visões mais fortes podem tornar-se facilmente assusta- doras, ainda mais quando, na men- te dos projetistas, esses arquitetos podem ter um impacto tão grande na vida de todos. O movimento futurista nas artes da primeira parte do século XX confundiu-se com a arquitetura na mente do arquiteto italiano Sant'Elia. No seu Manifesto da Arquitetura, de 1914, ele declarou que: Temos de inventar e reconstruir desde o princípio a nossa cidade moderna como um estaleiro imenso e tumultuado, mó- vel, ativo e dinâmico por toda parte, e a edificação moderna como uma máquina gigantesca . A visão de futuro de Sant'Elia era altamente tecnológica, e nas suas imagens de cidade raramente se viam cidadãos (Fig. 10.2). Essa confiança e afirmação da arquitetura como enge- nharia social levaria os futuristas pelo caminho do fascismo, e devemos agra- decer porque, em boa parte, a sua visão confiante não se concretizou. Esse vín- culo entre tecnologia e crença confian- te no futuro também se encontra com frequência ligado à ideologia política 10 Princípios condutores 159 de direita. No livro Man Made Futures, Weinberg (1974) é bem explícito a res - peito dessa ligação: A tecnologia ofereceu uma panaceia - a grande expansão da produção de mercadorias - que permite à nossa so- ciedade capitalista atingir muitas metas do engenheiro social marxista sem passar pela revolução social que Marx considera- va inevitável. (Weinberg, 1974) Weinberg defendia queas "pana- ceias" oferecidas pela tecnologia incluí- am "consertar" os problemas da pobreza e até "consertar" os problemas da guer- ra com a intimidação nuclear. Como comenta Nigel Cross, um dos organi- zadores do livro, vários anos depois, Fig. 10.2 Conjunto confiante de imagens futuristas de Sant'Elia, das quais as pessoas estã o totalmente excluídas 160 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM "Weinberg aparentemente sugere que se pode demonstrar que a crença na tecnologia é superior ou mais eficaz do que no marxismo ou no cristianismo". Mais recentemente, ficamos menos confiantes no futuro e no poder da tec- nologia para resolver os nossos proble- mas. Portanto, em geral, esta não é uma época em que se encontrem projetistas com sonhos utópicos. A seu modo, as utopias de hoje são, na verdade, nos- tálgicas, como a aldeia romântica de Poundbury, projetada por Leon Krier para demonstrar as teorias arquitetô- nicas do príncipe Charles, explicadas em seu livro Vision of Britain (Visão da Grã-Bretanha). 10.4 Conteúdo O conteúdo dos princípios condutores dos projetistas é tão variado quanto os próprios projetistas. O objetivo deste livro não é dar uma volta abrangente por todos os princípios condutores em ação na mente dos projetistas de hoje ou do passado. No entanto, essa rese- nha poderia ser a base de uma história interessante dos vários campos em que se projeta. Na moda, por exemplo, além de o estilo das roupas mudar, as ideias subjacentes que dão origem a esses estilos também mudam. As roupas não podem ser totalmente separadas dos costumes sociais da época, prin- cipalmente na medida em que o corpo é revelado, escondido, disfarçado e até distorcido. Às vezes, pode-se conside- rar que a moda trata primariamente de imagem, outras vezes, de praticidade. Às vezes, há uma obsessão com cores, e há fases de interesse em texturas e materiais. Também é assim nos campos do desenho industrial, da arqu itetura, do design de interiores e do design gráfico. Para examinar um pouco mais essas ideias, usaremos o modelo de proble- mas do projeto desenvolvido ante- riormente neste livro, como forma de estruturar a investigação. 10.5 Cliente A atitude diante das restrições geradas pelo cliente varia entre os projetistas. Dois famosos arquitetos britânicos do século XX ilustram essa variação. Sir Denys Lasdun vê claramente que o arquiteto tem a responsabilidade de fazer o cliente avançar: O nosso t rabalho não é dar ao cliente o que ele quer, mas o que ele nem sonhava que queria[ ... ] o que eu já disse antes sobre o cliente afeta a metodologia do projeto. (Lasdun, 1965) Por sua vez, mais ou menos na mes- ma época, Sir Basil Spence retrataria o arquiteto como um "alfaiate que mede o magro e o gordo e deixa os dois con- fortáveis". Para Spence, o arquiteto, ine- quivocamente, não era um reformador. Verifiquei que uma das caracte- rísticas comuns a muitos projetistas excelentes é como se concentram no cliente e veem que este tem um papel a cumprir no processo de projeto pro- priamente dito. Sem dúvida, os clientes que dão apoio e oferecem compreensão podem fazer uma diferença enorme no sucesso de um projeto, como destacou Michael Wilford: Atrás de cada edificação de destaque, há um cliente igualmente de destaque, não necessariamente de alto nível, mas que de- dica tempo e esforço para compreender as ideias do arquiteto, que apoia e se empol- ga, que é ousado, disposto a correr riscos e que, acima de tudo, consegue manter a calma durante as inevitáveis crises. (Wilford, 1991) Um apelo sincero para que o cliente demonstre essa compreensão vem de Denise Scott Brown, que fala do cliente que "deixa a gente ficar do lado dele". O seu sócio Robert Venturi explica como isso pode ser importante e delicado: a gente não deve ter medo de dizer algo estúpido[ ... ] às vezes, é preciso pensar em voz alta e ter liberdade de dizer coisas es- túpidas [ ... ] e se o cliente tiver fé, muitas vezes isso pode levar a alguma coisa [ ... ] achamos que a arquitetura tem de vir da colaboração e aprendemos muito com o cliente [ ... ] recebemos dos clientes as nos- sas melhores ideias, adoramos colaborar com eles. (Lawson, 1994b) Talvez só os melhores projetis- tas tenham confiança suficiente para admitir os clientes num processo cria- tivo delicado e fácil de perturbar. 10.6 Usuários Como já vimos, as necessidades dos clientes e dos usuários do projeto nem sempre são exatamente as mesmas. Se o projetista tiver sorte, o cliente expri- mirá uma única opinião clara sobre 10 Princípios condutores 161 todas as questões relativas ao resumo informativo, embora isso nem sempre aconteça. No entanto, os usuários são todos diferentes, e é provável que façam exigências diferentes ao projeto final. É comum que os diversos tipos de usuário envolvidos nas edificações tornem isso extremamente complexo. Por exemplo, frequentemente, ao projetar hospitais, verifiquei que o que parecia convenien- te para a equipe de enfermagem gerava bastante desagrado nos pacientes. Ao investigar edificações em uso, vi que a sala de aula boa na opinião dos alunos pode ser quase diametralmente oposta à que é boa na opinião dos professores (Lawson; s, 1978). Herman Hertzberger deleita-se bastante com essa massa de exigências conflitantes, já que constrói os seus princípios condutores em torno da preocupação geral com os habitan- tes de edificações como pessoas, e não como representantes dos papéis que desempenham (Fig. 10.3). Resolver os potenciais conflitos entre esses papéis o atrai: Prefiro, por exemplo, fazer uma escola a fazer uma casa, porque sinto que na casa há a restrição excessiva de seguir apenas a particularidade e a idiossincrasia de uma única pessoa ou casal. Prefiro ter uma escola onde há diretoria, onde há profes- sores, onde há pais e onde há crianças, e os usuários são todos eles. (Lawson, 1994b) Assim, na arquitetura às vezes há oportunidades de envolver os usuá- rios das edificações no processo de projeto. Uma das tentativas mais notá- veis de explorar as consequências dis- so é o trabalho residencial do arquiteto 162 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Fig. 10.3 O famoso prédio de escritórios de Herman Hertzberger para a seguradora Centraal Beheer, em Appledorn, Holanda, é um exemplo de abordagem arquitetônica centrada no usuário holandês Habraken, que acreditava que "o processo simplesmente não funcio- na quando os ocupantes não se envol- vem". Isso levou Habraken a escrever o seu famoso tratado Suportes, no qual defendia a separação deliberada entre as partes da solução que, segundo ele, deveriam ser determinadas pelo arqui- teto e aquelas que achava mais capazes de ser determinadas pelos usuários. Isso leva a um processo de projeto que distribui conscientemente a respon- sabilidade entre projetista e usuário (Habraken, 1972}. 10. 7 Práticas As restrições práticas são terreno fértil para princípios condutores. Para os pro- jetistas fascinados pela materialidade e pelo processo de fazer coisas, essas res- trições práticas podem dar ao projeto importantes ideias geradoras. A chama- da escola "high-tech" depende da glorifi- cação da tecnologia e da sua expressão de maneira muito autoconsciente. No projeto arquitetônico, a atividade de fazer as edificações ficarem em pé, cobrirem grandes espaços e aguenta- rem as forças da natureza t raz toda uma série de ideias estruturais. Para alguns projetistas, os elementos estruturais deveriam descrever como cumprem a sua tarefa. Assim, Richard Rogers nos diz que projeta cada item estrutural para ser eficiente e refletir a natureza das cargas que lhe são impostas: Cabos tracionados tornam-se os sólidos mais finos, os membros comprimidos são tubos de aço; os diversos diâmetros des- crevem as várias cargas