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Módulo 3 1
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Módulo 3
ECOS DO IDEALISMO ALEMÃO NA 
LITERATURA DE FRANZ KAFKA
Desde o início de nossos estudos, estamos nos esforçando para pensar o idealismo alemão não 
como uma corrente rígida de pensamento filosófico, que poderia ser claramente identificada nos 
escritos de alguns autores, mas como um conjunto de respostas aos desafios concretos. Nesse 
sentido, o idealismo alemão se caracteriza pelo pessimismo com o qual encara as promessas 
epistemológicas e políticas feitas pela modernidade cartesiana/iluminista: conhecimento puro e 
regrado metodologicamente, a afirmação da ciência e da razão como vetores do progresso e da 
felicidade humana.
Os idealistas alemães encaram toda essa euforia com algum ceticismo, ainda que o nível desse 
ceticismo varie de autor para autor. Foi esse ceticismo, algo melancólico, que caracterizou a cena 
intelectual alemã ao longo dos séculos XIX e XX, sendo caracterizado como “idealismo pós-
kantiano”. Esse ambiente intelectual inspirou não apenas filósofos, mas também literatos 
alemães, como é o caso de Franz Kafka, autor de alguns dos romances mais importantes do 
século XX, como A metamorfose (1915), O processo (1925) e O castelo (1935).
Apesar de ter vivido e produzido no início do século XX, Kafka somente ganhou notoriedade 
intelectual postumamente, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Não à toa, pois a primeira 
metade do século XX, marcada por guerras mundiais, pelo nazifascismo e pelo amplo uso da 
Módulo 3 2
tecnologia para práticas de genocídio, levou ao descrédito a promessa iluminista de que a razão e 
a ciência seriam vetores do progresso. O desencantamento e o senso trágicos cultivados na 
primeira metade do século XX, portanto, criaram o ambiente propício para a recepção do 
ceticismo e da melancolia kafkaniana, inspirados pelo idealismo alemão (WAGENBACH, 2001). 
Um resumo dos principais romances de Kafka, em combinação com as análises desenvolvidas 
por Klaus Wagenbach, especialista na prosa kafkaniana, ajuda-nos a identificar alguns dos 
argumentos do idealismo alemão na obra do escritor.
A metamorfose
O caixeiro viajante, Gregor Samsa, provedor de sua família e amado por seus pais e por sua 
irmã, é o protagonista de A metamorfose. Gregor é o que podemos chamar de homem 
comum, como outro qualquer, levando uma vida comum, como outra qualquer. Tudo estava 
normal até o dia em que ele se transforma em um inseto nojento. Se antes era o arrimo 
amado, Gregor se torna objeto de vergonha e da rejeição de sua família. Lá pelas tantas no 
enredo, os familiares de Gregor também se transformam em insetos, e sua casa se modifica 
radicalmente. 
O processo
O protagonista de O processo é outro homem comum, um bancário chamado Josef K, que é 
processado sem saber o motivo. Na manhã de seu aniversário, Josef K. foi detido sem que 
tivesse cometido crime algum. O enredo do livro é a saga do personagem em busca de 
informações sobre o processo no qual era réu. Josef K. se debate contra a complexa 
burocracia do Estado moderno.
O castelo
Em O castelo, Kafka alegoriza e critica a burocracia moderna. O protagonista é K, tão 
somente K. O indivíduo moderno é reduzido a uma letra, diante dos aparelhos do Estado que 
a ilustração prometeu que seriam movidos pela razão e pelos instrumentos de libertação. K é 
um agrimensor contratado pelo dono de um castelo para medir suas terras. O enredo consiste 
no périplo de K pelos corredores do castelo, em busca de seu contratante e de informações 
sobre o trabalho. Vários departamentos. Diversos funcionários. Desencontros, informações 
truncadas. Angústia.
Kafka não era um filósofo, seu procedimento de trabalho não é o filosófico. O filósofo especula 
sobre a realidade, cita outros filósofos para confrontá-los ou seguir seus legados. Já o literato não 
tem nenhum compromisso com a realidade. O literato imagina, cria personagens que não 
existem, enredos ficcionais e situações fantasiosas. Porém, isso não quer dizer que ficção seja 
Módulo 3 3
simplesmente mentira. Ao imaginar a fantasia, o literato sempre alegoriza a realidade, 
manifestada na sua própria forma de ver o mundo, nos conceitos que mediam sua percepção de 
mundo.
O idealismo alemão, como já vimos, não é somente uma corrente de pensamento compartilhada 
por filósofos eruditos. É uma certa forma de ver a realidade, de interpretar a modernidade que 
começou a ganhar corpo na cena intelectual germânica no final do século XVIII, sobreviveu ao 
século XIX e se fortaleceu ao longo do século XX.
DESDOBRAMENTOS CONTEMPORÂNEOS DO 
IDEALISMO ALEMÃO
No futuro imaginado pelo Iluminismo no século XVIII, o século XX seria o momento da 
apoteose, da realização da utopia possibilitada pela razão e pelo desenvolvimento científico. 
Porém, a História, no século XX, contrariou a previsão otimista feita pelos iluministas, trazendo 
à luz o espetáculo da destruição em massa, da engenharia do genocídio, sofisticada 
racionalmente e impulsionada pela tecnologia. O clima geral foi de decepção, o que fez com que 
a segunda metade do século XX se transformasse em terreno fértil para o ceticismo e a 
melancolia do idealismo alemão. Freud costuma ser tratado como o médico que inventou a 
psicanálise. Ele é muito mais que isso.
Em sua vasta obra, Freud apresentou uma interpretação da tradição ocidental que, em diversos 
aspectos, foi influenciada pelo idealismo alemão. Confrontando a ontologia cartesiana/iluminista, 
que, como já sabemos, define a existência humana a partir de uma capacidade racional 
intrínseca (homo sapiens), Freud definiu o humano a partir de sua irracionalidade, de sua 
inconsciência, e podemos ouvir claramente o eco das vozes de Schopenhauer e Nietzsche 
(ASSOU, 1983). Portanto, racionalismo define o humano por aquilo que o humano é e sabe que 
é. Freud define o humano por aquilo que é, mas não tem consciências, por suas pulsões 
desejosas (id), disciplinados reprimidos pela consciência, pelo superego.
Essa é a premissa existencial que Freud busca nas críticas que os idealistas alemães faziam ao 
racionalismo desde o final do século XVIII ao fundar a psicanálise. Em linhas gerais, a 
psicanálise defende que as doenças mentais não são patologias exclusivamente físicas, mas o 
resultado da repressão de desejos e afetos. A terapia consiste na tomada de consciência daquilo 
que até então era inconsciente, pois, assim, o analisado teria mais condições de lidar com seus 
desejos, traumas e suas frustrações.
No livro O mal estar da civilização, publicado em 1930, momento em que começa a escalada 
nazista na Alemanha, Freud combina com clareza sua interpretação da modernidade com suas 
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discussões médicas sobre a psicanálise.
O avanço técnico, o desenvolvimento industrial que a ilustração monumentalizou como molas 
propulsoras do desenvolvimento humano, para Freud, eram incapazes de cumprir sua promessa. 
Ecoando Schopenhauer, Freud denuncia que a Revolução Industrial não tornou o homem mais 
feliz. Pelo contrário, fomentou frustração e mal-estar, pois a civilização industrial aprimorou as 
práticas de controle do pensamento e do desejo, transformando o superego em potência ainda 
mais censora e geradora de neurose. Freud já tinha explorado os desdobramentos psicanalíticos 
da frustração com as promessas emancipatórias do Iluminismo no livro sugestivamente 
intitulado O futuro de uma ilusão, de 1927.
Para Freud, a culpa, entendida como resultado da 
superação do superego, da potência racional/moral, 
cuja função é reprimir os desejos primários, pré-
racionais, é o resultado da vida social. A partir do 
momento em que os primeiros homens se 
organizaram em sociedade e passaram a dividir um 
espaço social comum, o superego já começou a 
desempenhar seu papel, funcionando como uma 
espécie de polícia internalizada, cuja função é não 
permitir que as pessoas façam o que querem, que 
deem livre vazão aos seus desejos, o que fatalmente 
inviabilizaria a vida social. Com o desenvolvimento 
das sociedades modernas de massa, a moral se 
tornoutribunal ainda mais poderoso e vigilante.
O superego em Freud, como já vimos, é a razão, entendida como consciência. 
Para a tradição racionalista, que deita suas raízes nos gregos, a razão é a natureza humana. Para a 
modernidade cartesiana/iluminista, a razão é natureza humana e vocação para o progresso e para 
a felicidade. Para Freud, a razão é uma invenção da civilização. Mais do que isso: é o preço a ser 
pago pela civilização, fardo pesado, causa primeira de doenças da mente.
O homem moderno pintado por Freud está longe de ser aquele projetado pela imaginação 
iluminista. É melancólico, angustiado, carrega sobre os ombros o fardo de uma racionalidade 
que, ao invés de ser emancipatória, é policialesca. Porém, Freud não abre mão totalmente da 
possibilidade de emancipação pela razão, não chegando ao limite de um niilismo radical. Freud 
quis fazer da psicanálise uma ciência natural.
Módulo 3 5
O homem moderno freudiano, angustiado, tem uma chance de libertação: a terapia, a intervenção 
psicanalítica, em que o médico o ajuda a tomar consciência do recalque, a lançar luz sobre aquilo 
que estava nas sombras, perdido no id, no mundo da inconsciência. Essa é a felicidade possível 
para Freud: a libertação terapêutica, que é bastante diferente da apoteose coletiva tão alardeada 
pelo pensamento iluminista.
A segunda metade do século XX transformou a dúvida metodológica e a descrença com as 
promessas da ilustração no fundamento da filosofia contemporânea. Isso não quer dizer 
exatamente que o idealismo alemão tenha influenciado a contemporaneidade, mas que a história 
do século XX confirmou o ceticismo e as dúvidas que os idealismos alemães colocaram na 
modernidade lá no século XVIII. Vários autores, não exatamente tributários do idealismo 
alemão, produziram um pensamento cético e crítico à imaginação iluminista.
De Ludwig Wittgenstein a Jean-Paul Sartre, passando pela Escola de Frankfurt, várias correntes 
de pensamento apontaram para a falência das promessas iluministas, desenharam um ambiente 
intelectual marcado pela dúvida e pela desconfiança, como o proposto no movimento filosófico 
conhecido como Existencialismo e que tem como Sartre um de seus grandes nomes. É a era da 
derrocada das metanarrativas universalizantes, como disse François Lyotard. Pós-modernidade é 
o termo comumente evocado para definir os nossos tempos.
Conclusão
O idealismo alemão foi o resultado dessa desconfiança. Conforme o tempo passava e o século 
XX avançava, a realidade histórica solapava ainda mais a promessa iluminista, fertilizando o 
terreno para o fortalecimento da melancolia e da desconfiança, que também podem ser 
encontradas no idealismo alemão. Seria um exagero dizer que foi “o idealismo alemão” quem 
veio do século XVIII para influenciar a segunda metade do século XX e o início do século XXI, 
como se a filosofia contemporânea fosse tábula rasa a ser simplesmente influenciada. Mais 
adequado seria afirmar que a realidade histórica contemporânea fortaleceu os sentimentos de 
desesperança e dúvida, fazendo com que o pensamento contemporâneo, de forma ativa, fosse 
buscar soluções no repertório disponível. Entre as diversas tradições de pensamento disponíveis, 
o idealismo alemão vai ao encontro da atmosfera contemporânea, o que nos ajuda a entender sua 
importância em nossos dias.

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